Notas do Autor


Disclaimer: Todas as personagens do universo Harry Potter, assim como as demais referências a ele, não pertencem ao autor desse texto, escrito sem nenhum interesse lucrativo, mas à JK Rowling.


Capítulo 03 - Efeitos


Os próximos dias passaram sem intercorrências e ainda tão agitados como eram normalmente. Medibruxos nos examinaram, aurores mediram a potência dos nossos escudos, e Minerva exigiu vestes novas para todos, o que nos fez aparatar até o Beco Diagonal para tirar medidas com Madame Malkin. Depois de cada pequeno pedaço de uma manhã, eu trabalhava; e todas as noites, eu ia caminhar pela floresta com Hagrid ou nadar no lago negro, para relaxar. Assim que chegava no meu quarto, falava com Harry ou algum dos meus outros amigos.

Todos queriam saber como era Snape hoje em dia, mas eu não tinha nada para lhes relatar. O homem olhava tudo o que fazíamos e ficava em todos os treinamentos apenas assistindo. Ele não falou ou interagiu com qualquer um de nós. Isso foi decepcionante para todos que perguntavam. Ele apenas ficava lá, imóvel. Sua apatia era tão ruim assim.

Mas, afora a impassividade do meu coorientador, não havia nada para me queixar. Porém, na manhã que o Ministério marcou uma de nossas sessões de fotos individuais — as fotos que eles usavam de nossos rostos como "a esperança mágica" —, eu soube que algo daria errado.

A primeira coisa que saiu da boca do jornalista foi um mal falado "Hermionini" e, mesmo depois de corrigi-lo, ele continuou chamando errado; me senti novamente no baile de inverno do quarto ano, tentando ensinar Victor Krum a pronunciar o meu primeiro nome. E, quando alguém mexe continuamente com seu nome, mesmo após corrigi-los, é um sinal. Neste caso, um sinal claro de que esse jornalista é um idiota.

Tentei me afastar dele. Geralmente eu tentava fugir, mas ultimamente haviam tantos deles que era impossível. No minuto que avistei um grupo de repórteres de televisão no local onde as fotografias seriam tiradas, meu instinto agitou. Não, não, não! Comecei o meu método de me manter longe da localização deles tanto quanto possível. Deixei-os pegar os outros primeiro. O grupo mais distante da entrada abordou Justin, outro nível 9. Obrigada, Merlin! Então, eu vi mais um grupo mergulhar sobre Cho, e senti um raio de alívio correr através do meu estômago. Só mais três metros e eu ficarei livre deles. Meu coração começou a bater mais rápido e tive a certeza de manter os meus olhos para a frente. Sem contato visual. Dois metros. Merlin, por favor, por favor, por favor!

― Granger!

Oh inferno!

Olhei e suspirei de alívio quando o repórter gritando não tinha uma câmera com ele. Provavelmente era algum autor de blog. Confirmei isso quando as primeiras perguntas que ele me fez foram normais: se meu nível mágico era o mesmo; como o treinamento estava indo; quem eu pensava que poderia ser o maior bruxo entre os integrantes novos. Mas, no momento em que ele estava terminando sua última pergunta, e eu me preparando para respondê-la, ouvi os repórteres, que eu tinha ignorado, iniciar conversas em vozes altas.

E vale deixar registrado aqui, que não haviam repórteres ou jornalistas esperando por nós antes de um dia comum de treinamentos, eles só apareciam às vésperas de competições mágicas com outras escolas, ou antes do Torneio Tribruxo. É como tinha sido nos últimos tempos; antes de Severus Snape reaparecer. Os olhos do jornalista vislumbraram a área atrás de mim enquanto eu falava, olhando e esperando alguém que também pudesse entrevistar. E a partir do olhar sobre o rosto dele quando viu seu próximo alvo, eu sabia quem tinha chamado sua atenção.

Nem mesmo dois segundos depois, Snape passou afastando três jornalistas que estavam tentando chamar a atenção dele para fazer perguntas enquanto empurravam suas câmeras e dispositivos de gravação em direção ao rosto dele. Ele pode ficar longe e ser antissocial, mas eu não?

O jornalista me perguntou lentamente:

― Você mantém contato com os outros membros do trio de ouro?

― Sim.

Eu engoli em seco, forçando-me a ter esperança de que isto não estava indo para o lado que parecia ir. E ainda assim, eu sabia que estava.

― Harry Potter e Ronald Weasley, certo?

― Sim.

Os olhos do homem balançaram de volta para mim, então, quando abaixou as pálpebras, eu soube que estava ferrada.

― Vocês se conheceram na escola... tiveram aulas com Snape? Juntos?

Confirmei com a cabeça em resposta. Quanto menos eu falar, menor eram minhas chances de dizer algo comprometedor.

― Obviamente. — respondi.

― Aulas interessantes? Alguma animosidade entre o trio dourado e Snape? ― Insistiu ele.

Nós dois estávamos bem cientes de que ele sabia a resposta. Idiota. Mas não sou estúpida, e não ia deixá-lo se dirigir a mim para me fazer parecer como uma. Vector separava um horário semanal para nos orientar sobre como falar em público. Claro que era a disciplina onde eu nunca tirava um "excede as expectativas", mas ela me ensinou algo que nunca esqueci: é muito importante manter a entrevista sob controle.

― Sim. As aulas de Poções e Defesa Contra as Artes das Trevas eram interessantíssimas. E claro que havia animosidade, Harry Potter estava nelas.

Os olhos do jornalista contorceram-se.

― Snape era mais do que intragável, nessas aulas... ― Ele emendou

― Estávamos à beira de uma guerra mágica, certo? ― Estampei um sorriso no meu rosto, dando-lhe um olhar que disse: "Sim, eu sei exatamente o que você está fazendo". ― O professor Snape era exigente, pois sabia o que enfrentaríamos. ― Ampliei mais o meu sorriso, lembrando de não quebrar a regra de Minerva sobre "manter a atenção no treinamento e não em Snape". ― Eu preciso ir agora, tem alguma coisa que precise perguntar sobre o treinamento?

Os olhos do repórter deslizaram na direção em que Snape tinha ido.

― Nós terminamos. Obrigado.

― À disposição.

Dei um passo para trás, ajeitei minha mochila no ombro e comecei a caminhar em direção ao campo de quadribol. Ainda precisaria me trocar para o uniforme novo, Minerva exigiu que o usássemos para as tais fotos.

― Hermione, vá buscar as tuas coisas! ― Vector ordenou.

Fiz meu caminho para o local onde Madame Malkin montou sua tenda com os uniformes dispostos em cabides, acenando para alguns estudantes e professores que já estavam arrumados. Haviam apenas algumas pessoas sob a tenda dos tecidos, dois funcionários da loja distribuindo os uniformes, quatro dos alunos novos e três professores. Um deles era Snape.

― Bom dia. ― eu disse quando fui até o grupo na tenda.

Um coro de "bom dia" ecoou de volta, até mesmo a partir de Madame Hooch, que claramente não gostava muito de mim por eu ser um desastre em uma vassoura. Ela estava mais uma vez a postos para Snape.

― Hermione? É sua vez, querida. Eu tenho o seu uniforme bem aqui. ― Uma das mulheres trabalhando atrás das araras me chamou com um sorriso.

Andando até lá, eu sorri em agradecimento e peguei as vestes que ela me entregou.

― Tenho de autorizar alguma coisa? — Perguntei enquanto ela me entregava um pergaminho.

― Quanto você calça? Não consigo saber se é um cinco ou seis. — Confessou.

― Seis. ― Respondi, batendo com a minha varinha na área ao lado do meu nome para autorizar o débito na minha conta em Gringotes.

― Dê-me um segundo para encontrar suas meias. ― Ela virou as costas para mim e começou a vasculhar uma gaveta que flutuava por trás dela.

― Sr. Snape, tenho para você um manto numeração dois, isso soa certo? ― A empregada que não estava ocupada perguntou, seu tom de voz um pouco alto e sem fôlego, e os olhos mal segurando um brilho de nervosa excitação neles.

― Sim.

Foi uma resposta simples, mas eu senti o seu tom direto entre minhas omoplatas. Me lembrei do quanto eu gostava daquela voz, que era ao mesmo tempo suave e profunda. Eu poderia ouvi-lo falar sobre qualquer assunto por horas e nunca me entediaria.

Hermione Granger, se recomponha!

Engoli em seco, incapaz de superar que sua voz era a mesma de antes, mas ele parecia muito diferente. Olhando agora assim tão de perto, ele realmente estava mais robusto. Seu cabelo ainda era uma cortina negra que caía nas laterais, mas com uma das mechas atrás da orelha, era possível ver que a lateral estava raspada. E isso foi a coisa mais surreal que percebi. Mas não era a única. Ele estava sem seu manto habitual, e a ponta de uma tatuagem aparecia sob a manga dobrada da sua camisa. E não era nem remotamente a Marca Negra, era algo novo. Meu peito se contorceu em curiosidade.

.― Aqui, Hermione, eu as peguei. ― A bruxa da Malkin disse, dando-me um pacote selado. ― Os coldres só chegarão mais tarde.

― Tudo bem. Obrigada, Sam.

Segurando minhas peças, dei um outro olhar sobre Snape, que tinha a espinha rígida e mantinha a sua atenção para a frente. Lutei contra a ansiedade que estava começando a se concentrar em meu peito. Meus pés não se moviam, e meus olhos estúpidos também não. O fato era que eu não esperava estar tão perto deste homem de novo. Após quase um minuto ali, desajeitadamente, esperando por uma palavra ou um olhar, percebi que ele não ia me dar nada. Mesmo comigo a menos de dois metros de distância dele, ele fez questão de manter o olhar dirigido à sua frente, perdido em seus próprios pensamentos; talvez ele quisesse ser deixado em paz, ou o que era mais provável: ele não queria desperdiçar seu tempo falando comigo.

Esse pensamento foi como um golpe mortal direto em meu peito. Me senti como uma adolescente de novo, que queria a atenção dele como meu professor e ele sequer reconhecia que meu braço estava levantado no ar. Ele não ia me reconhecer, estava muito claro.

Eu não sou exatamente um Dean, que faz amizade com todos, mas gosto de ser amigável com as pessoas. Porém, obviamente, Snape não vai me dar uma chance tão cedo. Como não deu a ninguém ainda, pelo menos, não a nenhum dos alunos. Então... Não dói em tudo, mas meu coração também não se sente reconfortado. Com um rápido olhar sobre o homem que estava parado e alheio a tudo ao redor dele, peguei minhas coisas e fui me trocar. Eu não precisava que Severus Snape falasse comigo. Não precisei antes e não precisarei no futuro.

oOoOoOo

Se por um segundo, pensei que as coisas fossem ficar menos agitadas como o passar dos dias e que a presença de Snape em Hogwarts lentamente se tornaria notícia velha, eu estava muito enganada. Todos os dias, havia pelo menos meia dúzia de repórteres fora dos portões ou nos jardins, até mesmo no vilarejo de Hogsmeade. Onde quer que fôssemos, eles estariam lá.

Tentei ficar mais longe deles o quanto pude. Quase tanto quanto eu tentei ficar longe do meu ex-professor de Poções. Para ser justa, ele facilitou tudo. Continuou no canto do universo que ele cavou para se esconder dentro de si, um pequeno canto solitário que incluía apenas ele mesmo. Aparentemente só Minerva, Hooch e Vector tinham convites de vez em quando. Quanto a nós, ele apenas levantava e nos assistia; então se movia um pouco para o lado e continuava a assistir.

― Sinto como se estivéssemos em exposição no zoológico londrino. ― Dean sussurrou enquanto estávamos desfrutando de uma pausa após uma sessão árdua de duelos.

Eu o olhei com os olhos arregalados. Acho que não fui a única que notou a impassividade do nosso orientador.

― Parece mesmo. — Declarei em um sussurro.

Ele assentiu com a cabeça como se estivesse desanimado com isso.

― Ele não disse nada, Mione. Quer dizer, não é estranho? Ele costumava ser um bast… Você sabe. ― Ele curvou os ombros. ― É apenas estranho.

― Muito estranho. ― Concordei com ele. ― Mas não podemos falar nada.

Três bruxas novatas sentaram-se na arquibancada logo abaixo de onde estávamos, e Dean e eu nos entreolhamos e interrompemos a conversa comprometedora. Eu soltei a primeira coisa que me veio à mente:

― Por que nós treinamos feitiços no campo de quadribol?

Uma das bruxas sorriu para nós e as outras duas nos ignoraram.

Dean mordeu o lábio antes de responder:

― Por que você vive reclamando de o treinamento ser aqui? Não estamos voando, você deveria ao menos agradecer por isso.

― Sim, certo, porque eu deveria agradecer se nós temos um castelo inteiro à nossa disposição e ficamos aqui, sob o sol? — Argumentei.

― Você não leu o material de História da Magia? — Ele questionou.

― Sim? ― Respondi com uma pergunta.

Dean me olhou como se tivesse nascido outra cabeça ao lado da minha.

― O capítulo oito fala que a magia é otimizada pelos elementos naturais. — Explicou como se falasse o óbvio.

― Sim, eu sei sobre os quatro elementos.

― E que a luz solar é um dos agentes amplificadores de poder, você pulou isso? ― Ele perguntou exasperado e finalmente percebi que eu tinha perdido algo importante.

― O quê? Não, eu só... não lembrava. — Admiti, por fim.

Dean me olhou com preocupação. Ele era uma das poucas pessoas que sabia dos meus efeitos de longo prazo após as maldições que Bellatrix me lançou.

― Você está bem? ― Ele sussurrou, para que as bruxas abaixo não ouvissem.

Eu concordei com a cabeça e deslizei meu olhar para o horizonte. Respirei fundo, tentando evitar que imagens daquela noite invadissem a minha cabeça.

― Você me dirá se acontecer de novo, certo? ― Dean segurou minhas mãos entre as deles e me deu um olhar tão preocupado, que eu não pude fazer nada além de puxá-lo para um abraço.

― Claro que sim. Eu confio em você, Dean.

oOoOoOo

― Há um boato de que você vai integrar a equipe oficial do Ministério em breve, algo a dizer sobre isso?

Era o primeiro dia oficial de novos treinamentos, depois das sessões de testes, de fotos e das revisões de tudo que já tínhamos pesquisado. Num ímpeto de boa vontade, eu tinha concordado em falar com um dos editores do Profeta Diário. Até agora, duas perguntas, estava indo bem. Isso ainda não significa que eu pudesse falar sobre assuntos confidenciais. Seja vaga, Hermione. Não confirmar ou negar nada. Quase podia ouvir Vector sussurrando no meu ouvido.

― Acho que não. Sou essencial no hospital, e estou ocupada com outras prioridades.

― Oh? ― Ele levantou uma sobrancelha. ― Como o quê?

― Estou trabalhando com as escolas primárias.

Todos nós, bruxos do nível seis em diante, tínhamos que exercer alguma atividade no Mundo Mágico, afinal, só existiam pouco mais de cem bruxos com nível mágico total. Então tínhamos que nos dividir para suprir todas as profissões estritamente mágicas, como curandeiros, aurores, fabricantes de poções, desfazedores de feitiços, obliviadores, e ativadores de transportes mágicos, que eram basicamente as mais importantes. Os bruxos mestiços assumiram os papéis de herbologistas, jogadores de quadribol, tratadores de criaturas mágicas, artesãos de vassouras e varinhas e, qualquer outra função que não exigisse um nível tão alto de magia para ser exercida. Aos agora não-mágicos, restavam as funções de pesquisadores ou assistentes.

Eu atuava como curandeira no Saint Mungus quando não estava ocupada com os treinamentos em Hogwarts. E adoro fazê-lo. Algumas pessoas me julgaram por essa escolha. Todos tinham assumido que eu seria uma auror, que esse era o meu dever, como "heroína de guerra".

Eles não entendiam que eu lutei em uma guerra porque fui obrigada a isso. No furacão que se sucedeu quando todos perceberam que a magia de um terço do mundo mágico tinha desaparecido, algumas pessoas se rebelaram contra minha escolha de profissão. Todos esperavam que eu mergulhasse a fundo para descobrir a origem dessa maldição e a combatesse, e não que eu ficasse de plantão em um hospital.

Fui chamada de egoísta, fingida, arrogante e insensível mais vezes do que eu poderia contar. Tudo porque eu estava traumatizada demais, seja pela caça às horcruxes, o que me rendeu uma tortura com a maldição cruciatus e alguns ferimentos tão graves ― que me rendiam efeitos colaterais até hoje, ou pelo fato de eu ter perdido meus pais para um feitiço de memória. Eu não aguentaria mais lutas, maldições, escuridão. Mas ninguém entendia isso. Às vezes, nem eu mesma.

Eventualmente, Minerva me puxou de lado depois que um grupo de sangue puros revoltosos tinham me emboscado no Beco Diagonal. Ela disse: "As pessoas vão julgá-la independentemente do que você escolher. Não escute o que elas têm a dizer, porque, ao final do dia, você é aquela que tem de viver com suas escolhas e onde elas lhe levaram. Ninguém vai viver sua vida por você.".

Na maioria das vezes foi mais fácil dizer do que fazer, mas aqui estou eu. Madame Pomfrey me colocou sob sua asa e eu trabalhei muito duro para que não tivesse sido em vão. Eu tive a sorte de encontrar algo que gostava e que eu poderia trabalhar.

As sobrancelhas do editor subiram até quase a linha do cabelo.

― E como vão os treinamentos?

― Bem. — Respondi de forma direta.

― Como você se sente sobre o movimento de alguns bruxos que alegam que Hogwarts deveria ter conseguido um orientador com melhores qualificações do que Severus Snape? — Instigou ele.

― Acho que qualquer um pode fazer o que quer fazer, desde que se importe o suficiente.

Talvez tenha sido algo ruim a dizer, quando Snape realmente não parecia se importar nem um pouco sobre nós, mas as palavras foram saindo da minha boca e eu não podia trazê-las de volta.

― Snape é notório por querer trabalhar sozinho. ― Retrucou ele com naturalidade. Eu só o olhei, mas não disse uma palavra. Se havia uma maneira de responder a isso, eu não sabia como. ― E ele também matou o lendário bruxo Alvo Dumbledore.

Pelo menos esse jornalista não estava fingindo ter amnésia quando falava sobre o passado de Snape, ao contrário do último. Mas a agressividade da afirmação dele finalmente me fez reagir.

― A mando do mesmo. ― Dei de ombros porque era a verdade. ― Não é inédito coisas como essa acontecerem num contexto de guerra. Agora eu realmente preciso começar minha produção de poções. ― Completei educadamente antes que ele tivesse a chance de perguntar mais alguma coisa.

― Obrigado pelo seu tempo. ― O editor sorriu enquanto estendia a mão para apertar a minha.

― Sem problemas. Tenha um bom dia.

Esse cara tinha feito o suficiente com meu humor e eu saí pisando duro em direção ao laboratório de Poções.

oOoOoOo

― O que você tem? ― Dean me perguntou enquanto eu mexia minha poção do morto-vivo.

Ergui minha mão para limpar meu lábio superior e boca. A umidade estava terrível nas masmorras, nenhuma surpresa, e a dor de cabeça e tensão que eu tive essa manhã não ajudava em nada; a conversa com o repórter ainda martelava os meus nervos.

― Estou bem. ― Eu respondi a ele antes de concluir mais dez rotações no sentido anti-horário.

Ele levantou uma sobrancelha, suas bochechas inflando quando um sorriso incrédulo atravessou seu rosto. Quem eu estava tentando enganar? Independente de sermos amigos íntimos há apenas três anos, nos conhecíamos há onze. E hoje em dia, Dean me conhecia melhor do que qualquer um.

― Você sabe que pode falar comigo sobre qualquer coisa. — Assegurou.

Me senti culpada por ele ser tão agradável sobre isso, mas ainda assim, não queria falar sobre o meu incômodo.

― Estou bem.

― Você não está bem. — Retrucou Dean.

― Estou bem. — Repeti, sentindo o peso sobre meus ombros.

― Mione, você não está bem.

Suguei uma respiração quando concluí os movimentos de varinha na poção e a deixei cozinhar.

― Eu realmente estou bem. ― Insisti em voz mais enfática.

Ele não acreditou em mim, por boas razões. Eu realmente estava chateada e irritada. Eu queria apenas treinar meus poderes para cruzá-los com os conhecimentos que estávamos estudando sobre magia antiga. E enquanto fazia isso, não queria ver as pessoas desenterrarem nada do passado, meu ou de qualquer outra pessoa. Por que eles simplesmente não superavam aquela guerra de quatro anos atrás e focavam no que realmente estávamos fazendo agora? Precisamos salvar a magia, pelo amor de Merlin! Isso devia ser mais importante do que qualquer outra coisa.

Mas era ele. A presença de Snape potencializou o interesse de todos naquele passado sombrio em que lutamos. Ele tinha sido um comensal da morte e as pessoas não aprenderam a deixar isso para trás, mesmo que ele sequer esboçasse uma reação a elas. Com esse pensamento, acidentalmente olho para onde o professor silencioso está de pé, os braços cruzados sobre o peito, olhando para os caldeirões borbulhantes à nossa frente, com o mesmo comportamento sem emoção que ele estava retratando desde que chegou.

Ele me incomodava, mas eu estava também irritada comigo mesma por ter deixado sua atitude me incomodar tanto. Tudo o que eu precisava era me concentrar em terminar esse lote de poções que eu mesma devia levar para o meu plantão em Saint Mungus, hoje, pela tarde.

Não fiquei totalmente surpresa quando Dean falou novamente:

― Você está puta. E você só faz essa cara indignada quando alguém te irrita muito.

Ele tinha razão. Respirei fundo e tentei relaxar meu rosto, esticando meu queixo e boca. Muito da minha tensão fez seu caminho para fora dos músculos do meu rosto.

― Eu te disse. ― Dean salientou e sorriu gentilmente para mim quando viu o meu rosto relaxar. ― Você parecia que estava no Tribruxo da França, lembra disso?

Como eu poderia esquecer? Uma das bruxas nível oito tinha liberado o inferno com Fogomaldito para cima de mim e, Winky, a elfo que antes pertencia ao Sr. Crouch, que estava acompanhando nossa comitiva, entrou no meio das chamas para me resgatar. Ela não saiu ilesa e ainda hoje tinha cicatrizes, embora a pequena elfo as ostentasse com orgulho.

Antes da volta para a Escócia, eu encurralei a aluna de Beauxbatons em um dos banheiros femininos e a deixei pendurada de cabeça para baixo no ar e vomitando lesmas, com um feitiço silenciador. Ela só foi encontrada três horas depois, por um dos fantasmas.

― Mas eu me vinguei por Winky. ― Respondi com um pequeno sorriso exaurido em meu rosto.

― Quem diria que Hermione Granger fosse tão vingativa? ― Dean sorriu, antes de levantar uma sobrancelha. ― É o seu ciático que está te incomodando? ― Perguntou olhando ao redor, mais uma vez para certificar-se de que ninguém estava por perto.

Eu limpei meu rosto novamente e tomei um gole de água.

― Um pouco. ― Respondi sinceramente porque era a verdade.

Dean fez uma careta.

― Mione, você precisa ter cuidado.

Esta era a diferença entre Cho e Dean. Cho teria me dado um tapa nas costas e me dito para imprimir mais força no treinamento. Dean, ficava preocupado. De agora em diante ele ficaria de olho em mim, e isso era parte da razão por que eu gostava tanto dele. Limpei meu rosto com a palma da mão.

― Estou bem. — Afirmei.

Ele me olhou um pouco criticamente antes de perguntar: ― O que mais, Granger?

Dean não ia me deixar sozinha nisso. Fui mais próximo dele, para que ficasse perto o suficiente para me ouvir.

― Esta manhã, o repórter perguntou sobre Snape e o trio dourado. ― Frustração borbulhava na minha garganta. ― Estou um pouco preocupada, você ouviu a Minerva no primeiro dia, não é como se eu pudesse expor o jeito que ele nos tratava.

Meu melhor amigo soltou um assobio baixo, completamente ciente da situação.

― Sim. ― Concordei estremecendo.

― Por que eles não esquecem isso? É passado.

Dei de ombros. Sim, é.

― Eu não sei? ― Respondi e ele concordou com a cabeça. ― Eu só estou um pouco mal-humorada sobre isso, eu acho.

― Respire fundo. ― Ele exigiu facilmente. ― Só é permitido uma única pessoa ter aparência de um assassino em série enquanto prepara uma poção.

Ao mesmo tempo, nossos olhos se viraram para procurar Cho. Quando a avistamos, sorrimos. Cho era incrível, mas… Eu poderia facilmente vê-la num manto de dementador, sugando a alma das pessoas.

― As Poções devem ser engarrafadas. Todos para o campo de quadribol, treinaremos duelos triplos. ― Foi a voz do professor Flitwick que cortou o silêncio abafado das masmorras.

Eu devo ter finalmente sorrido, porque eu ouvi Dean claramente murmurar, "Sádica" sob a respiração. Empurrei a dor no meu nervo ciático, Snape e o trio dourado para fora da minha cabeça, e bati no ombro de Dean antes de me virar para sair do laboratório de poções.

― Você vem? ― Perguntei enquanto sorria sarcasticamente para ele, que suspirou em resposta, antes de sair atrás de mim.

Flitwick nos colocou em trios dispostos em três circuitos diferentes. Fui para o primeiro grupo, eram trinta minutos de duelo sem parar, lançando escudos e atacando sempre que tivesse uma abertura. Se nossos oponentes fossem abatidos, formávamos outra tríade. Terminou em um piscar de olhos, eu, Dean e Justin formamos o último trio de pé. Na segunda rodada, precisávamos lutar usando Transfiguração, exigia controle mental e habilidade para mantermos nossos objetos atacando o oponente. Dean me surpreendeu com uma transfiguração perfeita de um cálice em uma bomba de bosta que quase explodiu em cima de mim, mas o bastão de batedor que eu tinha usado para atacar Cho um minuto antes, a rebateu para longe. Em seguida, foi a vez de enfrentar o mini labirinto recheado de enigmas e algumas criaturas, eu o venci em dez minutos. Um feito.

Esperei mais vinte minutos até que, um a um, os outros foram saindo da cerca de sebes. Localizei Cho caminhando rumo à margem do lago e comecei a fazer meu caminho em direção a ela, ignorando Snape e Minerva que estavam junto. Quando passei pela dupla, Minerva estendeu a mão para me cumprimentar.

― Você usou apenas a sua mão esquerda nas transfigurações? — Perguntou com um tom impressionado na voz e uma expressão que combinava orgulho e alegria, pelo feito da sua pupila.

Eu sorri para ela. Trabalhei muito com minha canhota e agora os meus feitiços eram tão perfeitos quanto os da minha mão dominante. Foi o resultado de horas e horas gastas nos finais de semana, treinando em casa.

― Sim. ― Respondi sorridente.

― Você foi perfeita. — Ela elogiou meu desempenho.

― Obrigada, Minerva.

Balancei uma última vez a mão dela e, sinceramente, não tenho certeza de por que hesitei depois disso. O que eu esperava? Talvez um elogio do homem ao lado dela? Ou pelo menos um olhar, uma fração minúscula de reconhecimento? Qualquer coisa seria legal.

Minha hesitação foi, por um segundo, longa demais, o suficiente para Minerva olhar para Snape pelo canto do olho, como se ela também estivesse esperando que ele dissesse alguma coisa. Mas não, aqueles olhos quase negros, como uma lagoa escura, nem mesmo olharam para mim.

Constrangimento sangrou através da minha barriga e minha garganta, especificamente. Poderia ter sido os nervos de ácido ou apenas o rubor em minhas bochechas que fez sair estranho o sorriso que forcei no meu rosto, o qual dizia a Minerva que tudo bem, eu só tinha sido ignorada.

Mas eu estava fervendo e morrendo um pouco por dentro. Eu era melhor que isso, muito melhor. Ele não fez a mesma coisa comigo no passado? Sim, fez, mas desde o fim da guerra eu não me lembrava de uma única vez que alguém tinha apenas olhado direto por mim, como se eu não existisse. E não digo isso de forma pretensiosa e vaidosa. A maioria das pessoas eram amigáveis comigo, e se fossem tímidos ao conhecer uma heroína de guerra e uma bruxa de poder nove, ao menos olhavam em meus olhos antes de desviar o olhar. Mas este grosso poupou até as calorias que poderia queimar virando o pescoço em minha direção.

Nada, ele não tinha feito absolutamente nada.

Dei um último sorriso a Minerva, um pouco mais apertado que o anterior, e outro rápido aceno antes de caminhar em direção a Cho, o sentimento ácido apertando ainda mais o nó em meu estômago.

― O que está errado, Hermione? ― Cho perguntou em uma voz cautelosa no minuto em que eu fui para onde ela estava à minha espera.

Eu era tão óbvia assim?


Notas Finais


Nossa heroína tem alguns próprios problemas para tratar, resultado daquela fatídica tortura em Relíquias da Morte.

Gostaram das profissões? Quem consegue imaginar como é conviver com alguns dos sagrados vinte e oito como meros assistentes no Ministério? Sim, é terrível.

Próxima atualização: 13/10. Toda quarta feira teremos capítulo novo, compromisso firmado!

E muito obrigada pelas respostas a essa história! Bjs.