Notas do Autor


Disclaimer: Todas as personagens do universo Harry Potter, assim como as demais referências a ele, não pertencem ao autor desse texto, escrito sem nenhum interesse lucrativo, mas à JK Rowling.


Capítulo 05


― Você parece um lixo. ― Observou Cho, e eu acenei de acordo.

Haviam as pessoas da manhã, que mesmo após acordar depois de poucas horas descansando, parecem felizes por estarem vivas. E há pessoas como eu, que acordo cedo apenas porque tenho que fazer isso, e só levanto depois de ficar sentada na beira da minha cama olhando distraidamente para o vazio por, pelo menos, mais dez minutos. Adicione isso ao fato de que eu não tinha conseguido descansar na noite anterior, e eu estava agora atravessando o Salão Principal enquanto bocejava.

E também, é inútil dizer que estou muito ansiosa sobre Snape, que ainda não tinha aparecido. Ele dormia profundamente quando saí esta manhã por volta das seis, covarde demais para esperar que ele acordasse e desse de cara comigo numa vigília ao lado da cama dele. Meu pescoço estava dolorido por dormir na cadeira desconfortável e meu corpo duro de arrastar a bunda dele por aí, mas pelo menos eu sabia que ele estava vivo. E fui corajosa o suficiente para deixar o bilhete com meu número de telefone rabiscado, assim, ele saberia quem salvou a pele dele ontem.

― Você está doente? ― Cho perguntou.

Eu neguei com a cabeça enquanto lentamente me alongava, soltando um abafado gemido ao sentir a dor nas minhas costas.

― Não consegui dormir ontem à noite. ― Respondi, me lançando na cadeira do Salão Principal, tentando colocar a minha coluna em linha reta, o que enviou uma dor ainda mais forte para minhas costas. ― Foda-se! ― Sussurrei antes de engolir a dor e olhar para Cho, que tinha uma sobrancelha levantada. ― Eu tensionei minhas costas.

― Fazendo...? ― Ela questionou.

Eu a encarei simplesmente, não queria fazer parecer que estava escondendo algo.

― Arrastando o peso de uma pessoa bêbada por aí. — Expliquei.

Cho soltou um escárnio.

― Devia ter deixado lá, Hermione, hoje não é o dia da cirurgia?

Como eu desejava que pudesse ter feito isso. Um minuto depois, ela me entregou dois pequenos frascos de poções analgésicas.

― Aqui, toma! ― Cho falou suavemente, mas vindo dela, era uma ordem clara para que eu as tomasse imediatamente.

― Obrigada. ― Agradeci enquanto os destampava, e bebi. ― Isso não vai te fazer falta? Eu estarei no hospital a partir das duas, você sabe, e tenho acesso ilimitado às poções de lá.

― Não fará nenhuma falta. O Justin é obcecado por poções. Talvez o estoque da nossa casa seja tão grande quanto o do Saint Mungus. ― Cho respondeu com um bufo divertido.

Alguém agarrou o nó confuso que estava meu cabelo.

― Você está bem? ― A voz retumbante de Dean me perguntou após uma única olhada no meu rosto. Ele me conhece bem demais.

― Tenho uma dor nas costas.

Um sulco se formou entre as sobrancelhas dele, tão confuso quanto Cho ficou sobre eu estar em um estado tão ruim, sabendo a cirurgia que eu teria pela frente, à tarde. Todos nós somos muito preocupados em cuidar um dos outros quando temos eventos que demandam grandes reservas mágicas, então, parece estranho fazer algo estúpido que cause desconforto em um dia tão importante.

― Quer uma massagem mais tarde? ― Dean perguntou, deixando cair a mochila dele ao meu lado.

Cho e eu nos olhamos de relance em um único segundo e sem nem pensar duas vezes, eu respondi:

― Estou bem, Dean. Obrigada.

― Tem certeza? — Ele quis conferir.

Se eu tinha certeza que não queria ser maltratada pelas mãos pesadas do Dean? Sim. Ele podia usar aquelas mãos para torturar pessoas, de tão brutas que elas são. Então… não, eu não queria a dor que acompanharia posteriormente as massagens dele.

― Tenho certeza. ― Disse cuidadosamente para não o magoar. ― Cho me deu poções, vou ficar melhor antes que o treino de feitiços de vocês comece.

Dean deu de ombros.

― Ok. Onde você vai estar enquanto estivermos treinando? ― Ele me perguntou.

― Biblioteca, isso não é óbvio? ― Cho respondeu por mim, revirando os olhos em diversão.

Dean soltou uma risada divertida quando eu confirmei com a cabeça.

― Onde ele está? ― Ouvi uma das garotas, que passaram por trás de nós nesse momento, perguntar.

Ele. Não precisei olhar ao redor, eu sabia muito bem quem era a única pessoa que faltava. Eu tive a certeza de definir o despertador na mesa de cabeceira dele para tocar as sete horas da manhã. Era tempo mais do que suficiente para ele conseguir chegar à Hogwarts. Olhei no meu celular novamente e verifiquei se tinha alguma mensagem ou ligação perdida. Ainda nada. Oh, certo.

Minutos depois, quando todos os outros alunos partiram em direção ao treino de feitiços no campo de quadribol, peguei minha mochila para seguir à biblioteca, até ver Minerva acenar e se dirigir até mim.

― Está tudo bem? ― Ela perguntou enquanto estávamos caminhando em direção à saída do Salão Principal. ― Desculpe não ter atendido sua ligação ontem. Eu estava dormindo quando você ligou.

Ah, merda! Esqueci completamente que eu precisava inventar uma desculpa para Minerva.

― Oh, sim. Desculpe por isso, liguei por engano. ― Respondi, esperando parecer convincente o suficiente.

Minerva não pareceu perceber a minha mentira.

― Oh, querida, se for algo importante da próxima vez, insista. Três anos usando aquele telefone portátil e eu ainda não consigo despertar a tempo de atendê-lo antes que ele pare de tocar. — Confessou.

Antes que eu pudesse sorrir com a percepção de que Minerva e o celular dela não se davam muito bem, vi pelo canto do olho quando ele entrou no Salão Principal. Eu engoli em seco, então apontei para as portas onde ele tinha acabado de passar.

― Vou à biblioteca.

Minerva sorriu e concordou com a cabeça, me dando um tapinha gentil no ombro. Tentei sair o mais rápido possível do Salão, mas enquanto caminhava em direção à saída, cometi o erro de olhar por cima do meu ombro para o homem em vestes negras.

Aqueles olhos negros que eu tinha visto por trás da fumaça de caldeirões e na mesa dos professores do Grande Salão por seis anos seguidos, estavam em mim. Não olhando através de mim, nem sobre mim. Mas diretamente para mim. E embora não houvesse uma mísera expressão em suas feições, não havia falta de intensidade por trás daquele olhar.

Eu tinha visto aquela intensidade antes, muitos anos atrás, quando ele acusou a mim e Harry de ajudarmos Sirius a escapar, no nosso terceiro ano. Era a intensidade de quem estava a três segundos de perder o controle. Diferentemente do medo que eu sentia dele naquela época, hoje eu só endireitei os meus ombros para trás e o encarei de volta com meu próprio rosto em branco, afinal, eu não tinha feito nada errado. Eu socorri um colega de equipe que estava bêbado, paguei por um quarto de hotel para ele ficar, o acomodei e ainda deixei um bilhete. O que mais ele queria? Também não disse a ninguém o que aconteceu. Nem mesmo a Dean. Certo, talvez Snape não acredite que eu não contaria a ninguém.

Desviei meu olhar novamente para a frente, reafirmando para o meu íntimo que eu não tinha feito nada de errado. Pelo contrário, fiz o melhor que pude. Cabeça em sua pesquisa Hermione, e na cirurgia imensa que tem hoje à tarde. Se preocupe com as coisas que realmente importam, ao invés de desperdiçar seu tempo se culpando por ter feito uma boa ação.

Me concentrei com todas as minhas forças e segui para o meu reduto favorito no castelo. Hoje eu iniciaria um novo conjunto de livros antigos que Viktor me enviou da biblioteca de Durmstrang.

Segundo a carta que ele enviou junto com a coleção, havia algo intrigante e promissor naqueles volumes. O primeiro deles descrevia em detalhes as árvores genealógicas das famílias bruxas da Inglaterra, os chamados "sagrados vinte e oito". Eu conhecia bem essas árvores, dois anos atrás, começamos a rastrear a linhagem dos sangues puros, em busca de alguma anomalia que tivesse causado a extinção da magia. Não encontramos nada, claro. Mas, se Viktor viu algo promissor, eu iria ler tudo com a mesma atenção de quando li pela primeira vez, e foi exatamente o que eu fiz.

Como estavam organizadas por ordem alfabética, a primeira árvore era a da família Abbott. E, logo de cara, notei que havia um detalhe diferente: um nome a mais. Meu coração estava acelerado quando vasculhei minhas anotações anteriores e as comparei com os nomes da árvore do livro búlgaro. Meu dedo indicador tremia enquanto descia a lista dos nomes dos membros que listei na minha pesquisa de dois anos atrás e, de fato, o nome de Franklin Abbott não estava lá.

Dirigi-me até a seção de história da magia, com o coração martelando em meu peito. Nós perdemos uma pista mágica? E é possível que essa seja a tal pista promissora que Viktor sugeriu? Alcancei a edição do Diretório Sangue Puro, a que consideramos a original, escrita à mão pelo fanático Cantankerus Nott, e a abri na árvore da família Abbott. Nenhum Franklin. E nenhuma "queimadura" em sua árvore, que indicasse que alguém havia sido deserdado da família.

Pelas próximas duas horas, eu comparei cada uma das vinte e oito árvores. E encontrei outros nomes ausentes em mais três famílias. Era como se aqueles bruxos nunca tivessem existido, mas eles tinham. Não tinham? Por que mais eles estariam listados em outra edição do Diretório, e em uma edição que foi enviada para uma escola conhecida por ensinar exclusivamente bruxos sangues puros? Era de conhecimento público que muitas famílias de sangue puro, como os Potters, os Crabbes e os Goyles não estavam listados no Diretório, e que muitos supremacistas de sangue puro da época, ficaram irritados com sua falta de inclusão. Cantankerus Nott nunca assumiu a autoria do Diretório justamente por ter sido taxado de tendencioso pelos bruxos insatisfeitos da década de trinta. Era muito plausível que ele enviasse uma edição privada e muito mais detalhada para um reduto de sangues puros como Durmstrang. Isso pode não ser uma coincidência, nem um erro da edição.

A excitação percorreu o meu corpo, como sempre ocorria quando uma pista promissora se mostrava na minha frente. Eu precisava investigar e, se possível, rastrear esses membros perdidos na linhagem das quatro famílias para saber se eles se encaixavam na anomalia que afetou e extinguiu a magia dos bruxos de sangue puro. Mergulhei mais atentamente em toda a história da família Abbott e, pelas duas horas seguintes, me ative a cada detalhe dos avós e pais de Franklin. Eu iria começar por ali. Fiz uma nota mental para marcar uma conversa com Hannah, namorada de Neville e a Abbott mais próxima a mim.

Pesquisei por mais uma hora e meia, até que recolhi cuidadosamente o material da pesquisa e o arrumei na minha mochila, seguindo para os jardins. Eu estava sem fôlego e sorrindo como uma idiota por ter algo novo em que trabalhar, quando aconteceu. Cheguei tão longe, a ponto atravessar os portões até onde o meu carro estava estacionado, esconder minha mochila no porta-malas e colocar minhas mãos para cima, acima de minha cabeça, para esticar meus ombros, quando uma mão agarrou meu cotovelo com força suficiente para deixar uma marca no local.

A última coisa que esperava era olhar para trás e ver uma figura alta de cabelos negros. Snape. E perto demais, novamente. A noite anterior havia sido passada em uma névoa bêbada da parte dele, onde a única coisa que eu tinha conseguido focar era no tamanho de seu corpo e seu peso, ao contrário de hoje. Tinha um céu azul e uma brisa quente tocando meu rosto, soprando o cheiro da Floresta Proibida até o meu nariz. O que seria um cenário perfeito para ter os dedos da mão esquerda dele apertando meu braço enquanto ele me encarava com aquela intensidade sombria, tão característica dele.

Engoli em seco, entrando em pânico por um minuto, e tentei esconder meus pensamentos atrás do meu olhar surpreso. Mas sendo completamente consciente que ele conseguiu enxergar isso no meu olhar com suas habilidades Legilimens.

― Diga uma palavra sobre ontem e eu vou fazer você se arrepender. ― O barítono suave e gelado da voz dele sussurrou a declaração tão baixo, que se eu não estivesse olhando para ele, diria que os lábios dele não se moveram. Mas eles tinham.

Severus Snape estava de pé ao meu lado me dizendo... O quê?

― Hum... Desculpe-me? ― Perguntei devagar, com cuidado, querendo ter certeza do que ouvi.

― Se você, ― O tom dele soando como "você não me ouviu?" ― Contar a alguém sobre ontem, eu vou ter certeza de fazer você fracassar em todos os testes, o que a rebaixará ao nível seis até o final do semestre.

Eu poderia contar nos dedos o número de vezes que eu fui ameaçada de punição por algum problema que eu tivesse causado fora do treinamento. Sim, no passado, eu fui pega, principalmente, na companhia de Harry e Ron, e ganhei poucas detenções, mas que fizeram pesar muito sobre mim a questão de não gostar de fazer coisas más ou desapontar ninguém. Em toda minha vida, eu sempre evitei fazer coisas que iam me meter em problemas. Exceto as atitudes que tomei na guerra, mas, era uma guerra!

Parecia absurdo, para mim, que ele pensaria que eu faria algo idiota assim. Espalhar uma fofoca, mesmo que fosse sobre algo verdadeiro, para causar um tumulto na equipe e me fazer ser rebaixada. Imediatamente um ódio puro e quente escureceu minha razão. Rebaixada a uma bruxa nível seis, eu? A indignação fez meu coração começar a bater mais rápido e o meu peito ficar apertado. Sabia que meu rosto estava em algum tom de vermelho e um nó se formou na minha garganta. Por um milésimo de segundo esqueci quem estava diante de mim e foi tempo suficiente para que eu alcançasse meu coldre e puxasse a minha varinha, apontando-a diretamente para o ponto de pulsação da garganta dele, enquanto projetava o meu queixo para cima, encarando-o com uma energia feroz.

― Você...

Não sei do que eu estava prestes a chamá-lo, porque eu estava tão furiosa que não conseguia pensar direito. Minha mente cantou um feitiço e tive que usar toda minha concentração para evitar deixá-lo escapar em forma não-verbal. Eu não ia deixar esse estúpido estragar as chances do meu paciente de ter uma cirurgia impecável.

Minerva e alguns alunos, que provavelmente estavam indo ao vilarejo de Hogsmeade, vinham andando em direção aos portões. A presença deles se juntou ao pensamento no meu paciente, que estava à minha espera, sedado, em Saint Mungus, misturando-se ainda com aquela pequena voz na minha cabeça que me dizia que uma ameaça de Snape não era uma ameaça vazia, me fizeram repensar sobre o que eu estava fazendo: quase amaldiçoando um professor.

O ar saiu de meus pulmões como se eu tivesse sido socada e uma veia na minha têmpora palpitou em resposta. Não faça isso! Os cabelos em meus braços se arrepiaram quando aliviei minha mente do feitiço preso. Lentamente, abaixei a minha mão para meu lado e fechei minha boca com um ranger de dentes.

Esse imbecil não seria a razão pela qual eu fracassaria. Não, ele não seria. Ainda assim, tive vontade de chamá-lo para um duelo e provar-lhe que eu era uma das bruxas nascida-trouxa com plenos poderes e não seria subjugada por um bruxo mestiço, mesmo correndo o risco de soar como uma supremacista.

Mas respirei fundo e guardei o desejo de volta no meu peito. Ele não vai vencer. Ele não vai tirar isso de mim. No que foi provavelmente uma das coisas mais difíceis que eu já fiz, devolvi minha varinha para o meu coldre e dei as costas para ele, antes de deslizar para o assento do meu carro. Fechei a porta sem dizer nada, liguei o automóvel e acelerei, não olhando uma única vez no meu retrovisor. Tive a certeza de que o castelo tinha desaparecido atrás de mim quando fiz a primeira curva da estrada, para então, deixar as lágrimas saírem dos meus olhos.

Como ele pode me ameaçar depois do que eu tinha feito? Eu não conseguia entender. Respirei fundo e mesmo esfarrapada por dentro, disse a mim mesma que eu não ia chorar as minhas lágrimas por ele. Seja pela ingratidão, ameaça, ou pelo fato de estar com raiva, não importava. Eu não me importo com a opinião de uma pessoa tão amarga. Eu fiz uma boa ação. E eu sei quem eu sou e o que eu serei.

Snape pode ir chupar um pau. E eu espero que ele se engasgue com isso.


― Você está bem? ― Neville me perguntou assim que saí da sala de cirurgia.

Arranquei as luvas de látex que os medibruxos usam para evitar contato com as poções e pomadas, e acenei com a cabeça para ele, dando-lhe um sorriso cansado.

― Foi difícil lá dentro. Mas estou bem. — Confirmei.

― Os auxiliares disseram que você foi brilhante. Não que isso seja uma surpresa para mim. ― Ele comentou casualmente.

― Digamos que eu tive para onde direcionar o meu foco. E você? Tudo bem? ― Perguntei, enquanto olhava para as bolsas escuras sob seus olhos.

Ele tirou o gorro da cabeça e passou uma mão sobre seu os fios loiros e curtos.

― Um pouco de ressaca, mas eu já passei por piores. ― Ele abriu a agenda em sua mão, antes de seguir atrás de mim. ― Ficou tudo bem ontem à noite?

― Sim. Ele estava no castelo esta manhã. ― Eu disse casualmente, e acho que mereço uma Ordem de Merlin por isso. ― Obrigada novamente por me chamar.

Ele deu de ombros e pegou a pena para riscar algo no planner enquanto me esperava na porta da nossa sala.

― O que você acha que ele fazia lá? ― Neville sussurrou a pergunta.

― Eu não tenho ideia.

Snape não tinha dito nada além de me ameaçar. Fantástico.

― Parece bastante estúpido para mim, mas pelo menos tiramos ele de lá. ― Respondi, enquanto fechava a porta da antessala e me dirigia ao meu consultório para me trocar. Não sem antes encontrar os olhos de Neville presos em mim.

― Você fez a coisa certa. Não se preocupe. ― Ele me disse, dando um sorriso para me encorajar.

A súbita vontade de dizer-lhe que Snape ameaçou dificultar meus treinos para me rebaixar de nível pairou em minha boca, mas consegui refreá-la. Tudo o que tinha sido era uma ameaça e eu já tinha dito a mim mesma que não ia dar a ele poder sobre mim, embora eu tenha a suspeita irritante de que ainda posso deixar cair uma lágrima ou duas, se reconhecer a ingratidão dele em voz alta.

E o que mais me irritava neste momento é a vontade latente que ainda estou de amaldiçoá-lo. E sair amaldiçoando pessoas por aí não soa como Hermione Granger. Eu não sou essa pessoa. Eu não posso acreditar que ele é capaz de trazer essas emoções para fora de mim. Eu não sou uma mulher temperamental ou emocional. Nunca fui. E agora eu estava fazendo esse papel ridículo. E por culpa dele, de Severus Snape.


Miss Granger! Miss Granger!

Eu tinha andado propositadamente com minha cabeça baixa, para que os jornalistas rondando os jardins não me vissem atrás do grupo de alunos que estavam indo para o campo de quadribol.

Droga.

Miss Granger!

Dean riu quando parei, e ele passou por mim, o traidor. Forçando um sorriso educado no rosto, eu procurei ao redor pela dona da voz feminina chamando meu nome. Ela correu, gravador na mão e um sorriso tão grande estampado no rosto, que eu realmente não tinha certeza se era autêntico ou não.

― Olá. ― Cumprimentei-a.

― Muito obrigado por parar. Você é um exemplo de educação. ― Ela disse, afastando o cabelo longo do rosto. ― Tem uns minutos para mim?

O "Claro" que saiu da minha boca parecia estranhamente convincente. Sinceramente, não tinha nada contra qualquer um na mídia, era só eu sendo estranha e cautelosa, sabendo que minhas palavras poderiam ser documentadas e usadas contra mim. E medrosa, a voz irritante dentro da minha cabeça sussurrou.

Ela me deu outro sorriso, apontando-me seu gravador.

― Eu vou gravar isso, se você concordar. ― Acenei em acordo. ― Ok, obrigada novamente. Meu nome é Charlotte Firth, e trabalho para o Ego Social.

O nome soava vagamente familiar.

― O que é trabalhar com um dos homens mais sexy do mundo bruxo?

Meu cérebro falhou, deixando de funcionar por alguns segundos, e eu pisquei para ela.

― Você quer dizer o professor Snape?

Acho que alguém em algum lugar achava Flitwick atraente; Hagrid também, pelo menos, Madame Maxime e ele eram um casal até hoje. Isso deve significar que ela o acha atraente, ou pelo menos, achou, quando iniciaram o namoro. Mas o mais provável é que a repórter estivesse falando de Snape.

Como se em resposta aos meus pensamentos, Charlotte Firth soltou uma risada muito feminina.

― Oh sim, claro que você sabe de quem eu estou falando. Severus Snape. Como é ser treinada pelo homem mais misteriosamente sexy do mundo?

Levou tudo dentro de mim para não olhar para o céu e pedir a Deus uma intervenção divina.

― Hum... Bem... ― Pigarreei, tentando fazer minha voz não soar enjoada. ― Ele é um herói, foi uma das pessoas de maior importância para a nossa vitória na última guerra, então é bem emocionante.

― Tenho certeza que sim. ― Ela soou estridente. ― Diga-nos, ele usa boxers?

Merlin, que porcaria de entrevista é essa? E como é que eu ia saber sobre isso? Não soei indignada, pois minha mente entrou em curto, e ao invés de explicar que esse era um detalhe que eu não tinha como saber, eu me perdi em minha resposta.

― Eu... Não faço ideia, mas espero que ele use algo sob o uniforme. ― Soltei exasperada.

― Que tipo de interesses ele tem?

Obriguei minha mente a focar na minha conversa com Vector e Minerva na outra manhã e não nos absurdos que essa repórter estava me perguntando.

― A única coisa que ele está interessado é em achar a solução para o bloqueio da magia, eu acho.

Firth me deu um olhar incrédulo.

― Ele é solteiro? — Ela soltou outra pergunta.

Eu pisquei para ela mais um pouco e finalmente olhei por cima do ombro para me certificar de que ninguém estava nos filmando. Quando olhei de volta para ela, imprimi toda a indignação que sentia.

― Isso é uma piada? ― Quase rosnei a pergunta.

― Não. ― Charlotte prontamente respondeu.

― Tem certeza? ― Insisti.

― Sim. ― Novamente não houve hesitação em sua resposta.

Levou um momento antes que eu conseguisse me recompor.

― Severus Snape é meu professor. Ele é o homem mais corajoso do mundo bruxo, senão do mundo como um todo. Vivia recluso e, inacreditavelmente, tivemos a sorte de vê-lo retornar para Hogwarts. ― Mesmo que ele não tenha feito nada até o momento, mas porque matar a ilusão? ― Eu o respeito e o resto da equipe também, porque ele é um grande bruxo. Sua vida pessoal é problema dele e não faço ideia do que ele faz quando não está aqui, me desculpe. ― Concluí, esperando que ela entendesse o quão estúpidas eram suas perguntas.

― Oh. Ok... Pode me dizer alguma coisa sobre ele que você acha que o público não sabe? ― Ela insistiu em saber algo pessoal.

Que ele continua tão bastardo quanto tinha sido quando era um espião? Ou que ele ocasionalmente bebe muito em bares e tinha que ser carregado, sem sequer emitir um obrigado em troca? Tive a certeza de não deixar nenhuma dessas ideias cruzar o meu rosto quando dei de ombros para a mulher, que estava apenas fazendo o trabalho dela. Não era culpa dela que as pessoas se interessassem por coisas superficiais assim.

― Me desculpe. Não sei mesmo. Eu vi ele usar meias roxas um dia. Isso é tudo o que eu sei. ― Respondi, dando-lhe o miserável pedaço de conhecimento que podia soltar. Ele realmente usou meias roxas, era um fato.

Ela me deu um olhar que disse que não era o que estava procurando, mas percebeu que era a única coisa que receberia de mim. Eu disse adeus e rapidamente fiz o meu próprio caminho, sem conseguir afastar o aborrecimento com coisas assim: perguntas sobre um babaca que eu tinha que ficar defendendo em público.

Vou fazer você se arrepender.

Tive que engolir o grito interior frustrado que sairia de dentro de mim quando a ameaça dele pairou na minha mente. Será que ele tem ideia do quanto tinha significado para mim, quando eu era mais jovem? Claro que não. Mas esse não era o ponto. O ponto era que eu achei, e ainda acho, que ele foi o maior bruxo que conheci, maior que Dumbledore, maior que Voldemort, e eu queria ser como ele: corajoso e leal até o fim. Eu costumava entrar em discussão com os meus melhores amigos quando eles falavam mal dele. Mesmo agora eu defendi suas habilidades como um bruxo poderoso e implacável, porque não se pode discutir contra fatos. Severus Snape tinha sido incrível e não havia nada emocional em eu conseguir assumir isso. Mesmo com esse temperamento de merda que ele tem, ele é um bruxo excepcional.

Maldito idiota.

― Como foi? ― Dean perguntou com um sorriso quando me sentei ao lado dele. Eu não me incomodei em esconder o meu rolar de olhos.

― Eles me perguntaram se ele era solteiro. ― Eu respondi e Dean bufou. ― Eu deveria ter dito: "Não, eu conheci o trasgo que é o seu parceiro de vida há poucos dias. Ele é ótimo." ― Sorri para Dean enquanto tirava minhas coisas da minha bolsa. ― Talvez um dia.

― Ontem um deles me perguntou se eu achava que Snape estava se preparando para ser o próximo Lord Voldemort. Então, quando cheguei em casa, o Ivan me perguntou se eu me incomodaria se ele virasse um dos comensais da morte do Snape, porque ouviu falar sobre orgias que rolavam no círculo íntimo do Tom. Eu tive uma síncope de tanto que ri. ― Nós dois caímos em risadas, antes que ele continuasse. ― Um dia antes disso, minha tia me perguntou se havia alguma maneira dela aparecer aqui no castelo. Ela nem conseguiria ver o lugar! Ela é trouxa!

Dessa vez Dean soou sério, como se esses boatos tivessem ido longe demais. Dean não é de reclamar, ele leva tudo como piada, então para haver incômodo, realmente as coisas estavam fora do lugar.

― Justin me disse que o chefe dos Inomináveis jurou lhe dar um aumento se ele conseguir levar o Snape para almoçar no departamento com eles um dia qualquer. ― Eu comentei.

― Eu ouvi a Cho dizer a um repórter hoje de manhã que ela veio para salvar a pele dos sangues puros de viver como trouxas pelo resto da vida e não para falar sobre o professor dela. ― Dean devolveu.

Nós dois rimos novamente, porque se havia alguém sarcástica o suficiente para responder esses repórteres inconvenientes, esse alguém era Cho.

O riso morreu em meu rosto quando Minerva nos chamou e disse que hoje era o dia de mais fotos oficiais para o Ministério. Desanimadamente, me aninhei entre Cho e Dean, esquecendo completamente que Vector havia dito que eu deveria estar perto de Snape. E mesmo que eu tivesse lembrado de seu conselho, iria continuar fingindo que não lembrava e manter a minha distância velada em relação a ele. Mas minha tática foi descoberta não menos que cinco minutos depois.

― Granger!

Oh, inferno. Não. Não!

― Granger, você está no lugar errado. ― O fotógrafo gritou do lugar dele.

― Vejo vocês mais tarde. ― Murmurei para Dean e Cho.

Levou tudo em mim para não baixar minha cabeça e arrastar os pés em direção a Vector, que tinha surgido do nada, quase como se tivesse aparatado sem o pop habitual da aparição. Eu entendia que ela estava cuidando de mim, me fazendo um favor ao me ajudar a me sair melhor em entrevistas e tentando colocar panos quentes sobre toda a situação desconfortável das cartas com ameaças. Mas era difícil ficar de boca fechada e fazer o que eu precisava.

Engoli seco e respirei fundo enquanto caminhava como uma pessoa corajosa normalmente caminharia: postura ereta, peito aberto, e segui na direção que me estava sendo apontada.

― Hermione, ali, uma linha abaixo. Severus, ao lado de Hooch. ― Vector ordenou.

Ergui meus ombros e fingi que não percebi a maneira que ele ignorou tudo e todos ao redor dele, mesmo quando fiquei a menos de trinta centímetros de distância. Mas eu agi como a adulta que era. Eu prometi que não o deixaria chegar até mim.

Mas as coisas não ficaram melhores quando as câmeras chegaram para filmar o treinamento. Vector ficava acenando para que eu fosse em direção de onde os professores estavam de pé.

― Vá. ― Ela sussurrou para mim quando cheguei perto o suficiente. ― São apenas algumas tomadas.

Sim, apenas algumas tomadas com um homem que tinha me dito meramente três frases em mais de um mês. Ótimo. Juntei as migalhas do meu orgulho e coloquei-o em volta dos meus ombros, antes de gradualmente fazer o caminho até onde os professores estavam juntos.

Parei para conversar com Minerva, enquanto Snape ficava nas proximidades com os braços cruzados sobre o peito e sua atenção em outro lugar. Cada vez que eu o olhava, minha mente me imaginava lançando a maldição que prendi em minha varinha no dia anterior. Maturidade, definitivamente, não existia em mim quando se tratava dele.

Mas eu fazia o que tinha que fazer. Sempre. É por isso que coloquei um sorriso no meu rosto e falei com as pessoas que eu realmente gostava, enquanto o pessoal da filmagem andava por ali. Tinha que ser bom o suficiente. Afastei todos os pensamentos sobre Snape, ignorando a vida em si e prestei atenção nos outros alunos do meu entorno. Minerva começou a falar com outra pessoa.

― Estou pronto para acabar com isso. Alguém sabe o que vamos fazer amanhã? ― Ouvi Justin perguntar.

― Acho que vamos nos encontrar na Madame Malkins para pegar as vestes que precisaram de ajustes, não vamos? ― Cho respondeu.

Alguém concordou.

― Sim. Alguém quer sair para um happy hour amanhã?

Ir para o happy hour um dia antes de uma exibição de duelos contra llvermorny? Fiz uma careta para mim mesma, mas continuei com meu olhar para a frente e minha boca fechada. Ouvi quando duas pessoas concordaram e outra disse que não. De qualquer forma, não é como se elas fossem me convidar ou pedir minha opinião. A maioria das pessoas tinha desistido de me convidar para lugares após tantos "nãos", e a culpa era minha. Eu estava sempre ocupada. Às vezes, parecia que eu tinha que agendar até minhas idas ao banheiro durante o dia. Enquanto elas estavam saindo para o happy hour, eu ia realizar uma cirurgia ocular dificílima.

― Mal posso esperar. ― Admitiu uma das garotas. ― Esta semana foi uma droga. Eu poderia me afogar em um par de copos cheios de Firewhisky.

― Garota, eu também. ― Justin concordou.

― O que vocês precisam é de disciplina, não bebidas um dia antes de uma exibição de duelos.

Eu parei de respirar ao som da voz gelada soando. Não precisei me virar para saber quem tinha falado. Você teria que ser um idiota para não saber. De todos os momentos, ele tinha escolhido esse para falar mais alto.

― Mas é apenas uma exibição.

Não sabia quem foi burra o suficiente para se incomodar justificando que era "apenas" uma exibição de feitiços defensivos. Eu parcialmente compreendia que, tecnicamente, não contava para nada. Mas também achava imprudente beber na véspera de um evento mágico. Agora, quanto a essa reclamação vindo de Snape: que maldito hipócrita!

― Nenhum evento mágico é "só" nada. ― Foi a resposta afiada que voltou dele.

Minerva mudou-se rapidamente para o lado dele e iniciou algum tema de conversa aleatório para distraí-lo da exibição rude dele com os alunos.

Eu me virei para olhá-lo, vendo-o usar um tom tão feio com os alunos enquanto ele era uma enorme farsa. Se eu não tivesse arrastado sua bunda bêbada, um dia atrás, para um quarto de hotel, eu até concordaria com a repreensão dele. Mas o estrago já tinha sido feito. Mesmo no meio do falatório de Minerva, ele sentiu meu olhar queimar um buraco em sua têmpora e virou-se para encontrar meus olhos. Eu sequer pisquei quando os orbes negros encontraram o meu olhar e o encarei de volta com fúria.

― Algo a acrescentar, Granger? ― Ele sibilou.

Respirei fundo para me acalmar, tentando preencher os meus pulmões que estavam contraídos demais com a raiva incontida.

― Apesar de se recusar tanto a interagir, você certamente soa muito como um ditador.

Snape trincou o maxilar.

― Você não tem ideia do que é um ditador, Granger. Não tem a mínima noção de como é difícil viver debaixo da opressão de um. — A voz era grave e arrastada, carregando um veneno mais forte do que o comum.

― Explique, então. ― Falei inexpressiva, enquanto escondia a fúria latente ainda mais fundo dentro de mim.

― Para começar, a palavra de um ditador é lei. Ninguém trai a confiança de um. ― Um músculo se contraiu no maxilar dele.

― Exceto você. ― Cuspi de volta.

Ele se aproximou de mim, ficando a menos de um palmo de distância. Sua altura me intimidaria, se eu mesma já não tivesse cruzado a barreira de respeito que mantive por ele durante tantos anos. Agora eu só o encarava de volta, com o mesmo desprezo gelado que via em seus olhos.

― Exceto eu. ― Ele rosnou. ― Então eu sugiro que ninguém contrarie o homem que zombou das ordens de Lorde Voldemort e viveu para contar a história. Nem mesmo você, Golden Girl.

Como uma onda de silêncio, os sons das atividades ao nosso redor morreram. Todos agora assistiam a nossa interação e cada um de nós sentiu a queimadura das últimas palavras de Snape. Ninguém disse nada. Nem mesmo os outros professores. Nem mesmo Minerva. Todos encararam estupefatos o homem em vestes negras girar e sair em direção aos portões, desaparecendo assim que cruzou o gradil de ferro.

No segundo em que eu fiz contato com os olhos de Dean, ele sussurrou, "Que diabos foi isso?". Eu ainda olhava para o ponto onde Snape sumiu quando respondi para que só ele me ouvisse:

Isso, foi Snape finalmente interagindo.


Notas Finais


As informações sobre Cantankerous Nott foram devidamente pesquisadas e retiradas do Harry Potter Wiki.

Quero fazer um agradecimento especial a minha beta, Jayne Bueno, pela impecável revisão e as melhores reações aos acontecimentos. Você é incrível e esta história seria bem mais "pobre" sem você para acrescentar seus comentários. Obrigada!

Seguindo a premissa do Snape: Eu vou precisar ameaçar vocês também para que me deixem um comentário? Sério?