Notas do Autor:

Disclaimer: Todas as personagens do universo Harry Potter, assim como as demais referências a ele, não pertencem ao autor desse texto, escrito sem nenhum interesse lucrativo, mas à JK Rowling.


Capítulo 19 - A Órbita do Tempo


— Você está usando um vestido.

Eu me virei e franzi a testa, minhas mãos alisando à frente do vestido azul marinho que pus cinco minutos antes.

— Sim. — Sorri para ele, que me olhou da porta, nas mesmas vestes negras que costuma usar no dia a dia, sempre que vamos para o mundo trouxa.

Ele não disse nada, só ficou me olhando, como se nunca tivesse me visto em um vestido. Pensando bem, nas vezes em que estive na frente dele em vestes assim, eu era apenas uma jovem aluna invisível aos seus olhos.

— Pode ser novidade para você, mas eu me visto assim às vezes. Aniversários, Baile de Natal, Ano Novo. — Eu puxei a bainha do vestido que quase chegava aos meus joelhos para a lateral e o olhar dele deslizou por toda a extensão da peça até o meu rosto, depois de me ver mexer com a saia.

— Você está de maquiagem.

— Eu uso maquiagem. Não muito, mas o suficiente. — Respondi, nervosa pela análise minuciosa que ele estava fazendo.

— Sem saltos? — Ele olhou para meus pés, que estavam em um par de botas de camurça pretas até os tornozelos.

— Confie em mim, Severus, você acabaria passando a noite me tirando do chão e rindo do quanto eu sou péssima em cima deles. — Eu sorri para ele.

Os olhos dele encararam os meus e um pequeno sorriso rachou os cantos de sua boca.

— Duvido. Você é boa em tudo o que faz.

Fiquei sem responder por alguns segundos, levemente emocionada pela sua declaração.

— Quem me dera. Eu vou fazer uma lista, mais tarde, com todas as coisas em que sou horrível. Voar é uma delas. — Peguei minha bolsinha de contas no canto da cama e puxei-a sobre a minha cabeça. — Você está pronto para ir?

— Sim. — Ele respondeu, tirando seus olhos dos meus para olhar o decote do meu vestido por uma fração de segundo a mais.

Eu tinha sardas no meu peito, mas não é como se ele não tivesse visto isso quando examinou as minhas costelas após o incidente com a mantícora. Empurrei o conhecimento dele me "secando" para fora da minha cabeça e exalei fundo para relaxar. De manhã, ele tinha acordado quando eu estava apenas vestindo um sutiã e calcinha, e Severus não tinha dito uma palavra enquanto eu vestia o resto das minhas roupas. Óbvio que eu poderia ter ido para o banheiro para me trocar, mas continuei com o mesmo pensamento na minha cabeça que tinha desde o início. Eu precisava ser natural sobre essa coisa entre nós dois e começar a agir como uma virgem imaculada sobre isso agora parecia estúpido, já que ele me viu sem uma blusa antes.

Mas os olhos deles deslizaram de novo para o meu decote, e me dei conta de que era uma oportunidade boa demais para ser desperdiçada.

— Ei! — Chamei alto e estalei os dedos para chamar sua atenção para o meu rosto. — Olhos aqui em cima, professor.

Diferente de mim, que fiquei mortificada pela percepção dele em minha análise ao seu "tamanho", Severus apenas soltou uma risada divertida e se dirigiu a saída.

Encontramos os quatro Potters, Ron e uma amiga dele na sala de estar nos esperando. Foi Harry que fez a primeira rachadura quando me viu. Em uma camisa, calças compridas e sapatos, ele deve ter esquecido que tinha agido como um trasgo tímido em torno de Severus, porque imediatamente cutucou Ginny com o cotovelo, antes de falar:

— Olha, é um Milagre de Natal. Hermione, não está de jeans e camiseta.

Fiz uma careta para ele ao mesmo tempo.

— Engraçadinho.

Ginny veio para frente e apertou meu ombro. — Você fica linda com essa cor, realça seus olhos. Vestiu-se assim para encontrar um namorado novo? — Comentou com um sorriso travesso no rosto.

Arregalei os meus olhos para ela, ignorando o olhar intenso vindo de Severus.

— Me vesti para mim mesma, Ginny.

— Bom, não impede você de ser admirada. Com certeza é a mais linda entre nós. — Ela disse, olhando torto para o próprio irmão e sua companheira.

— Vocês duas estão maravilhosas. As crianças estão com fome, vamos lá. — Harry comandou, subindo Alvo para um de seus braços, enquanto estendia a outra mão para James, que o olhava com uma expressão feliz.

Fiquei no lugar e sorri para Ron e sua amiga quando eles seguiram Harry e os garotos porta a fora, mas ele não me olhou. Eu cerrei os dentes e enterrei minhas emoções pro fundo da minha cabeça. Hoje era sobre James, não sobre eu e Ron.

Severus e eu fomos separadamente, já que não caberia tantos de nós no carro da família Potter. Eu mal tinha virado a ignição e saído da garagem quando Severus falou.

— Não gosto de como Weasley trata você. — Viro minha cabeça para olhar para ele, que estava ocupado virado para frente. — Por que você o deixa te menosprezar dessa forma?

— Eu… — Me virei de volta para o para-brisa e tentei me dizer que este momento era real. — Ele perdeu muito. E não sei, acho que o amo demais, como amigo, claro, e não quero magoá-lo ao lhe dizer que a falta de atitude dele comigo me magoa.

— Não deveria se sentir culpada por Weasley ter perdido sua magia, Granger. Não foi sua culpa. — Ele me cortou.

— Ele tem uma visão diferente sobre isso. E eu sei que não deveria me sentir assim, Severus. Mas é quem eu sou. Eu não vou ser diferente disso apenas porque Ron é um idiota comigo. Eu só o deixo dizer tudo o que ele quer dizer e engulo. No final do dia, vou continuar a ser uma bruxa, independente do que ele diz ou pensa. Não preciso esfregar isso na cara dele.

Pela minha visão periférica, vi sua cabeça virar para mim.

— Ele não suporta nem olhar para você? — Severus perguntou.

— Ele me olha e fala comigo às vezes. Mas ele costuma dizer que sou um lembrete de tudo o que ele perdeu e acha injusto que alguém que nem sabia da existência da magia por onze anos, a tenha herdado, enquanto que ele nasceu no meio dela e não tem acesso a nenhuma centelha mágica. — Expliquei.

— Ele esqueceu o quão boa bruxa você é? — Ele perguntou completamente sério.

Eu tive que sorrir, sua crença em mim era absolutamente encantadora e quase compensou Ron me ignorando por três dias inteiros.

— Você realmente acha que sou boa? — Perguntei, com a sombra de um sorriso pairando em meus lábios.

— Você poderia ser mais esforçada...

Eu sabia que ele estava apenas tentando me irritar falando a mesma frase que me disse esta manhã quando quase me afoguei dentro da bolha de água que ele invocou no nosso treinamento. Mesmo assim, me virei para olhar para ele, indignada.

— Você está falando sério?

Ele ignorou minha indignação.

— Estou, não faça disso uma grande coisa. Você ainda tem todo um treinamento dos quatros elementos para superar, então há o que melhorar. — Ele fez uma pausa. — Mesmo assim, Weasley deveria estar orgulhoso de você.

Fiquei dividida entre continuar defendendo Ron e querer dar-lhe um beijo pelas coisas boas que ele estava dizendo. Em vez disso, continuei nossa conversa.

— Ele é orgulhoso de mim. É só... É difícil para ele comigo, eu acho. Nós estivemos juntos por tanto tempo, e mesmo quando éramos adolescentes, Ron às vezes parecia se sentir inferior por ser superado por uma bruxa nascida-trouxa. Não sei explicar bem. — Eu conseguia sentir a mudança no tom da minha voz. Sempre que eu tentava explicar para alguém por que a minha relação com Ron tinha azedado, meus sentimentos se pulverizavam ao meu redor, uma parte era frustração por ele ser um cabeça dura idiota e a outra era uma genuína tristeza que me culpava por ter deixado uma amizade tão bonita, desfalecer.

— Sei o que quer dizer. — Ele comentou.

Eu o olhei com espanto. — Sabe?

— Sim. — Ele assentiu. — Draco se sentia da mesma forma. E antes que você diga que não chamo o Draco de idiota por isso, eu vou explicar porque ele não é um, enquanto que o Weasley sim.

— Eu não ia falar nada! — Retruquei alto.

Severus só me deu um olhar de lado, que me fez apertar a mão mais forte no volante.

— O herdeiro dos Malfoys foi criado para replicar tudo o que sua família prezava. Desde que foi gerado, Draco foi incitado a manter a fama, dinheiro, poder e, principalmente, a supremacia de sangue que a sua família pregava. Lucius foi implacável com ele em todas as oportunidades possíveis. Ele humilhava o garoto por ser "batido" intelectualmente por uma bruxa nascida-trouxa. O que piorou quando a tia dele fugiu de Azkaban e se juntou ao pai para incitá-lo a se tornar um Comensal da Morte. — Severus tinha uma expressão desgostosa no rosto. — Em Hogwarts, eu era complacente com Draco, porque minha relação de apadrinhamento com ele, gritava alto para que eu não enterrasse o garoto em ainda mais desprezo. Quando eu o protegia na escola quando ele agia maldosamente, não tinha nada a ver com Potter ou vocês. Eu sempre estive ciente dos horrores que ele era submetido em casa. Narcissa tentava aliviar pelo lado dela, mas não havia muita coisa que ela pudesse fazer. Mas mesmo que não tenhamos o protegido tão bem, ele conseguiu quebrar o paradigma dos Malfoys e se tornou uma pessoa melhor. Ele teve sorte, mesmo que por pouco tempo, de se relacionar com a Diana.

O tom de voz dele soava triste para mim, ao final de sua explanação, e o silêncio pairou no carro. Não digo nada, porque sei que Severus está em alguma memória que precisa processar.

— Weasley, pelo contrário, sempre viveu cercado de amor. Ele cresceu em uma família que defendia os ideais pregados pelos outros três fundadores de Hogwarts: que a magia deveria ser acessível a todos. Não há, portanto, como explicar o problema dele com você. Se você continuar a defendê-lo, vai precisar me dar uma explicação melhor do que apenas "ele acha injusto ser eu quem mantive a magia porque sou nascida-trouxa". É um argumento raso demais para que eu assimile. — Ele concluiu, parecendo levemente irritado por não conseguir me entender.

— Eu o amo, Severus. — Sua falta de resposta foi o suficiente para me confirmar que ele estava chateado. — Mesmo que ele ache que essa pausa da magia seja injusta. Os Weasleys foram o mais próximo de uma família que eu tive no mundo mágico. O que não aprendi em livros ou em Hogwarts, aprendi n'A Toca. Eles são as pessoas mais maravilhosas de conviver que já conheci, e não gosto de ninguém falando mal deles. Quando Ron diz algo ruim, tento ser compreensiva, porque ele odeia ser escanteado desde que é o último dos irmãos e sempre ficou com as sobras dos mais velhos.

— É injusto com seus esforços ele pensar menos de você, Hermione! — Ele rosnou.

— Eu sei, Severus! — Gritei, e respirei fundo para voltar ao meu tom de voz normal. — Eu sei, acredite em mim. — Pisquei as lágrimas de frustração que tentaram inundar meus olhos. — Quando ele fala assim, eu sinto como se ele desprezasse todos os dias em que eu trabalhei mais do que meus companheiros de equipe para ser a melhor. Desde o meu primeiro ano, eu tive que trabalhar duas vezes mais que todas as outras crianças para provar que não cheguei aqui por acaso. — Fiz uma pausa para respirar melhor. — Eu só… não deixo que o fato dele ser um cretino, mude alguma coisa em mim.

Nos cinco minutos que levamos a partir desse ponto até que estávamos estacionando no restaurante, Severus não disse uma palavra. Eu estava bastante familiarizada com ele para reconhecer quando ele estava irritado, mas eu não conseguia ler nenhuma das emoções no rosto dele. Ele estava simplesmente em silêncio. E eu também não queria mais falar sobre isso, então não forcei a conversa. Falar sobre Ron sempre me deixava com o coração pesado.

Não falamos um com o outro quando nos encontramos com o resto das pessoas que estavam nos esperando na entrada e nem quando entramos no estabelecimento e pegamos dois assentos um ao lado do outro. Harry estava sentado na cabeceira da mesa, com James numa cadeirinha infantil ao lado direito dele e Ginny do lado esquerdo, seguida por outra cadeirinha infantil em que Alvo estava sentado, a amiga de Ron vinha em seguida, e na outra extremidade da mesa, o próprio Ron se acomodou.

— O que você gostaria de beber? — O garçom tinha começado com Ginny e fez o seu caminho ao redor, passando por Severus antes de chegar até mim. Eu tinha pensando em começar com um drink para aliviar o estresse que tinha vivido no carro, mas o homem ao meu lado tinha um problema confesso com bebidas alcóolicas e eu estava dirigindo.

— Água, por favor. — Decidi finalmente.

Ginny começou a contar sobre uma das confusões que James aprontou na creche e todos fomos envolvidos pela conversa até o garçom voltar com nossas bebidas e começar a anotar nossos pedidos.

— Para você? — Ele perguntou a Severus e anotou, antes de se virar para mim. — E a senhorita?

Antes que eu tivesse uma chance de responder, alguém fingiu deixar cair o guardanapo no chão, e no processo de se dobrar para recuperar o item imaginário, Severus cavou seu cotovelo afiado na parte exposta da minha coxa.

Isso durou um segundo, mas o grito que saiu da minha boca foi tão feio, que Harry fez uma careta para mim.

— Não conhecemos ela. — Ele disse divertido, ao garçom.

Eu sorri e me virei para Severus, todo o clima estranho em nós tinha se evaporado.

— Você vai se ver comigo mais tarde. — Murmurei sob minha respiração.

Ele bateu o joelho contra o meu, suas ações dizendo muito mais do que quaisquer palavras poderiam, depois de sair do carro. De onde diabos esse homem brincalhão tinha vindo, não tinha ideia, mas adorei. Por baixo da mesa, deslizei minha mão pela extensão da coxa dele e apertei o joelho coberto de tecido. Ele engasgou com a bebida, enquanto eu fingia ignorá-lo.

— Quem quer me dar o primeiro presente? — James soou na sua voz alegremente infantil, assim que o garçom tinha ido embora.

Ginny e eu encontramos os olhos uma da outra do outro lado da mesa, e gargalhamos com a espontaneidade do garoto. Ela olhou carinhosamente para o seu filho mais velho e estendeu a mão para bagunçar ainda mais os cabelos dele, tão parecidos com os do pai.

— Eu vou te dar seu presente em casa. — Ginny olhou para o resto de nós. — Ron? Mione? Quem quer começar?

Ron suspirou do outro lado da mesa. Às vezes era estranho olhar para ele e me lembrar que fomos o primeiro amor um do outro.

— Eu vou primeiro. — Ele disse e puxou uma pequena caixa debaixo da mesa, passando-a para Ginny, que a entregou a James. — Feliz aniversário, garoto. Espero que goste.

James rasgou o papel entusiasmado, com toda a alegria de uma criança recebendo um presente. Ele puxou uma caixa com um kit infantil de quadribol não mágico. Bolas e tacos. Harry ajudou James a sair de sua cadeirinha e o garoto correu até o tio para abraçá-lo.

Assim que James subiu em sua cadeirinha, ele voltou sua atenção na minha direção e fez sinal de "me dá" com as mãos. Todos na mesa sorriram. Severus estendeu a mão para mim.

— Vou pegá-los.

Peguei minhas chaves na minha bolsa e as entreguei para ele. — Obrigada.

Meu orientador mal tinha deixado a mesa quando Harry se inclinou, uma aparência vidrada nos seus olhos e falou comigo. — Não estou sonhando, estou?

Ginny gemeu. Harry a ignorou.

— Você acha que pode tirar uma foto dele aqui? — Meu amigo perguntou ansioso.

Eu pensei sobre o que aconteceria se uma foto de Harry e Severus fosse publicada pelo Profeta Diário. No interior, eu recuei. Muito. Mas como podia dizer a ele que não?

Dizer que não queria que o mundo soubesse que Severus passou um tempo com a "minha família"? Ou que não queria que rumores circulassem por aí? Eu definitivamente não queria nada disso, mas, por outro lado, ele estava tão emocionado e feliz com tudo, apesar do fato de que ainda não tinha dito uma palavra direta para o nosso ex-professor.

Eu não tinha o direito de acabar com a felicidade de Harry.

— Claro, Harry.

O sorriso dele foi tão brilhante para mim que não restou nenhuma dúvida de que eu pudesse dizer-lhe não. Enfiei minha mão na minha bolsinha de contas e discretamente tirei a caixa com os tênis que comprei para James. O garotinho exigiu que a mãe colocasse os sapatos novos nele e deu diversos pulinhos de alegria quando percebeu que o calçado acendia luzes vermelhas quando ele pisava no chão.

Severus estava de volta em algum momento, deslizando em seu lugar, segurando duas caixas perfeitamente embrulhadas nas suas mãos. Os pacotes tinham aparecido mais cedo naquela tarde, já empacotados em papel de presente. Severus me entregou ambas, então eu pude passá-las para Harry, enquanto ele se encarregava de devolver James a sua cadeirinha.

— Feliz aniversário de nós dois. — Eu disse, sem sequer pensar sobre como essa frase soava.

Harry nem ao menos prestou atenção, enquanto ajudava o filho mais velho a se livrar dos papéis de embrulhos. Animadamente, James arrancou o papel da primeira e puxou um dos frascos de Felix Felicis que eu tinha tentado comprar no dia anterior.

Ele soltou um gritinho, olhando para a mãe com alegria.

— Mamãe! Dinda nos deu melzinho amarelo feliz!

Ginny sorriu de volta para o filho e explicou para mim e Severus que era assim que James se referia à poção.

O garoto foi para a próxima caixa. Dentro dela havia outros três frascos de poções. Elas eram furta-cor. Harry examinava um dos frascos contra a luz, tentando decifrar o conteúdo. Eu nunca tinha visto aquela poção antes. Se eu pudesse descrever como ela se parecia, diria que alguém tinha pego um arco-íris e o engarrafado. Eu olhei curiosamente para Severus.

— Ainda não tenho um nome para ela. — Ele me respondeu com um piscar de olhos.

— O que ela faz? — Perguntei, verdadeiramente curiosa.

Severus olhou para Ron por um milésimo de segundo, antes de me encarar de volta. Seus olhos seguiram para Harry, que pela primeira vez, encarava o homem nos olhos.

— Por uma hora inteira, ela faz de você um bruxo. — Severus explicou em voz baixa.

Um silêncio assombrado varreu a mesa. Cuidadosamente, Harry colocou o frasco de volta na caixa e parecia ter medo de tocá-lo, como se ele fosse frágil ou precioso demais. Ouvi meu amigo respirar fundo e sua voz saiu embargada quando ele falou.

— Como isso é… possível? — Harry perguntou.

— Criei a poção após uma longa pesquisa. — Severus explicou. — Eu peço segredo a todos. — Seus olhos piscaram para Ron e sua acompanhante, que ainda o olhavam com assombro. — Duas das fontes dos elementos principais da poção são seres vivos, e o procedimento é invasivo, então não há nenhuma chance dessa poção ser desenvolvida em massa.

— O que seriam dois seres vivos sofrendo se isso significasse que as pessoas teriam sua magia de volta? — Ron soltou, seu tom indignado.

— Ron! — Ginny rosnou, indignada.

Eu fechei os meus olhos e coloquei a mão sobre minha boca, mas não tinha certeza se era para conter o comentário ácido que eu sabia que sairia de mim, ou suspirar em exasperação por sentir minha raiva se firmar em algo afiado. Eu abri minha boca para explicar para Ron a problemática na sua frase, mas Severus pousou uma mão sobre a minha. Aversão fervilhou nos olhos de Ron. Com a outra mão livre, Severus tomou dois goles de sua água, até encarar os olhos azuis de Ron.

— Diga-me, Weasley, você colabora com os rebeldes que assassinam os familiares dos bruxos remanescentes? — Severus perguntou calmamente. — Você soa exatamente como eles.

Ginny rapidamente chamou um dos garçons e pediu que ele levasse as duas crianças para área infantil do restaurante, onde os recreadores eram encarregados de distraí-las enquanto os clientes jantavam.

Severus não deu espaço para que Ron respondesse e dirigiu-se a Harry, quando Ginny recuperou seu assento, mas parecia longe de qualquer tipo de tranquilidade.

— Nós podemos discutir a composição da poção em questão mais tarde, Potter.

— Não se contenha por minha conta. — Ron disse calmamente.

A luz dos olhos de Severus se apagou como se uma mão coberta em escuridão limpasse qualquer centelha de vida existente lá. Ele se reclinou em sua cadeira, retirando a mão da minha.

— Não estou confortável em discutir algo raro com inimigos. — Severus pontuou.

— Não. — Ron disse com igual facilidade. — Você está apenas confortável em fodê-la. — Ele apontou o queixo em minha direção.

Todo pensamento e som saíram da minha cabeça. Uma fúria ondulou em mim em ondas silenciosas. Mas se Ron sentiu que eu estava contemplando matá-lo, ele não demonstrou. Severus deu de ombros, sorrindo ironicamente.

— Parece-me uma alternativa muito melhor à conspirar com assassinos. — Severus afirmou.

Ron deixou escapar um bufo baixo.

— Eu dei meu apoio aos rebeldes para encontrar uma maneira de espionar o que eles estão fazendo. Estou sendo útil da forma que posso.

— Você fez o quê? — Ginny perguntou, incredulidade pontuando sua voz.

— Você não fez isso Ron. Por favor, diga que não fez isso. — Eu implorei.

Ron me ignorou, inclinando a cabeça na direção de Severus. — Quando você a fode, ela também implora a você?

Vergonha manchou minhas bochechas mesmo que eu não tivesse feito nada do que Ron estava me acusando. Vergonha por tê-lo deixado ter esse poder de minar toda a minha dignidade. A acompanhante de Ron sorriu, encantada com a minha mortificação. E foi Harry quem saiu em minha defesa, com a voz fria como a morte.

— Você não tem nenhum pingo de decência para faltar com o respeito com Hermione, Ron.

Surpresa brilhou nos olhos de Ron quando ele olhou para Harry, mas desapareceu em seguida, engolida pela fúria pura quando ele percebeu que a mão de Severus pousou novamente sobre a minha.

— Não foi suficiente ficar com alguém que perdeu a magia, não é? — Um sorriso de ódio curvou seus lábios. — Você me disse que não se importava que eu não fosse mais um bruxo, mas não quis formar uma família comigo. — Ron finalmente enfrentou sua irmã e o marido dela. — Vocês viram que ela me largou na primeira oportunidade. Ela chegou em Hogwarts sem nunca ter visto magia e nós abrimos nossa casa e nossa família para ela. Nós moldamos Hermione em quem ela é, mas se você está se perguntando o que aconteceu com aquela garota nascida-trouxa que nós dois salvamos de um Trasgo Montanhês… — Ele se dirigiu para Harry. — Olhe para o homem sentado ao lado dela. Pergunte o que ele está ganhando estando ao lado da nascida-trouxa mais poderosa da atualidade. E todos aqui sabem como ele é feliz em servir senhores com sede de poder.

Eu estava tão abismada pelos absurdos que Ron cuspiu sobre nós, que não conseguia abrir a minha boca para rebater nenhuma de suas acusações.

— Ele é inocente. — Harry soprou em voz baixa. — Isso já foi provado, Ron, é o suficiente para mim.

— Mas não é para mim. — Ron retrucou de volta. — Eu não entendo como você sabe o que ele fez com seus pais e ainda assim foi fácil para você aceitá-lo em sua casa.

— Perdoe-me se ele me mostra mais confiança hoje em dia do que você! — Harry rebateu. — Você confessou que está trabalhando com os rebeldes. O que isso deve significar para nós? Eles assassinaram uma família inteira! O que você estava pensando quando achou que seria uma boa idéia se juntar a eles?

Os olhos azuis de Ron se voltaram para os de Severus.

— O mesmo que ele, quando jurou lealdade a Voldemort, suponho.

— Chega! — Foi Ginny quem falou. — Você não vai nos fazer duvidar de Severus, Ron. Fazíamos isso quando éramos crianças. Todos nós crescemos.

— Estou simplesmente avisando que ele pode apresentar a aparência de honestidade e amizade, mas o fato é que ele esteve do lado errado por anos, ele tem sede de poder. Estou avisando que, embora ele tenha alegado que fez o que fez para ajudar Harry, ele está de novo se juntando a quem acha que tem mais poder. — Os olhos de Ron faiscaram em minha direção. — E ainda aproveitaria para fazer sexo com a Golden Girl enquanto isso.

— Isso está ficando enfadonho, Weasley. Essa sua fixação pela minha vida sexual não agrada ninguém. — Severus comentou com desprezo.

— Qual é o ponto aqui, Ron? — Eu finalmente despertei do meu torpor insultado e assobiei para o meu ex namorado. — O que você quer? Que eu peça desculpas e rasteje em sua cama para bancar uma esposa perfeita e cheia de filhos?

— Por que eu iria querer você de volta? — Ron rosnou. — A partir do momento em que você o deixou a foder como uma…

Em um piscar de olhos, uma lufada de ar correu sobre todos nós enquanto Ron engasgava e parecia sufocar. Eu soube imediatamente que Severus estava manipulando o ar ao nosso redor e desprovendo meu ex-namorado da capacidade de respirar. Ele tentou puxar o oxigênio ao seu redor, mas não conseguiu.

Não havia nenhum sorriso no rosto de Severus, nem sequer um brilho da diversão irreverente que apontou à mesa enquanto entregávamos os presentes de James.

— Agonizar como um peixe combina com você, Weasley.

Todos na mesa agora se voltaram para meu parceiro e possuíam uma sombra de medo em seus olhos quando perceberam quem exatamente tinha atacado Ron, sem uma varinha à vista e sem nenhuma palavra verbal sussurrada. Os olhos de Ginny foram os primeiros a reconhecer o que Severus era. Um bruxo de magia plena.

— E se você está mesmo tão interessado em saber, Hermione e eu somos apenas amigos. — Severus disse suavemente. — Você a insulta novamente e eu corto o seu pau e o faço sufocar com ele.

Severus me olhou e assentiu com a cabeça, levantando-se em seguida e indo em direção à saída. Eu ouvi Ron tentar engolfar uma quantidade de ar maior do que a capacidade de seus pulmões quando o meu parceiro soltou o controle sobre o ar ao nosso redor.


— Você não disse uma única palavra. — Severus afirmou.

Eu não tinha mesmo, ele estava certo. Como eu poderia falar, quando algo enorme tinha se alojado no meu peito? Algo monstruoso tinha pego, mudado e roubado o espaço de onde minha respiração e palavras geralmente vinham. Severus tinha ocupado esse pedaço de mim quando ele me defendeu com tanto afinco e expôs o seu próprio poder, revelando um dos seus segredos mais guardados, apenas para dar uma lição em Ron. O que porra você diz depois disso?

— Você está chateada? — Ele perguntou.

— Com o quê, especificamente, Severus?

Estávamos na parte de trás do restaurante, onde havia um mirante que se derramava para a vista lá embaixo. O sol estava se escondendo entre as árvores e Severus estava banhado pela luz desse pôr do sol. Me senti transfixada por uma visão de um anjo de luz e fogo e protegi meus olhos da luz do sol enquanto me aproximava dele para admirar a eternidade do horizonte banhado em laranja.

— Por ter sufocado o seu amigo. — Ele respondeu sem me olhar. Ainda focado na vista lá embaixo.

— Não. — Respondi, encostando-me em um dos pilares de madeira do gazebo. Meu corpo enfrentou-o, mas meus olhos também voltavam-se para o pôr do sol. — Estou surpresa que ninguém esteja aqui.

— Eles se viraram quando me viram e saíram quando cheguei. — Severus olhou para mim e seus olhos se mantiveram firmes enquanto a brisa leve balançava os meus cabelos. — Mas você me seguiu, provavelmente para falar sobre o que aconteceu lá dentro.

Por um momento, me vi perdida por palavras enquanto admirava os cabelos negros dele chicotearem ao vento, o negro de suas vestes perfeitamente abotoadas era uma sombra escura contra a paisagem banhada em luz. A pele do seu rosto que é sempre tão pálida, sob a luz daquele pôr do sol, brilhava em dourado e fazia com que meus dedos se contorcessem para tocá-lo.

Precisei piscar os meus olhos algumas vezes para voltar ao foco do que estávamos falando e expulsei a tensão para fora dos meus ombros o melhor que pude.

— Eu vim para desfrutar da vista. O que aconteceu lá dentro, foi merecido.

Severus segurou seu olhar no meu por um tempo, até voltar-se novamente para o sol. A luz emergiu ainda mais o seu rosto em um brilho quente e silêncio era tudo o que nos rodeava naqueles minutos.

— Mas eu acho que devo agradecê-lo pessoalmente pelo que você disse e fez. — Murmurei.

— Eu disse a verdade. — Severus afirmou.

— Por todas as outras coisas, então. Por ter vindo comigo, me treinar. — Eu disse enquanto tirava um dos cachos do meu rosto e olhava para o mago ao meu lado.

— É o meu trabalho, Hermione. Eu recebo para isso.

— Para ser exclusivamente o meu treinador em um final de semana. — Não foi uma pergunta, apenas um fato.

— Como eu disse… — Severus respirou fundo e olhou para mim novamente. A maciez proporcionada pelo pôr do sol mudou, lançando parte de seu rosto na sombra. — Eu sou orientador em Hogwarts, pago pelo Ministério para treinar toda a equipe. Não só você. — Sua risada era para aliviar a tensão, mas serviu para fazer exatamente o oposto. — Que arrogante pensar em outra coisa, Granger.

— Acho que sou. — Eu revirei os olhos. — Ou talvez minha declaração foi uma mera observação.

— Você ama atenção.

— Sim. — Me surpreendi, sorrindo levemente, olhando para baixo para ter um vislumbre da grama sob minhas botas.

— No que você está pensando agora? — Ele me perguntou.

Levei alguns segundos admirando o esplendor dos últimos vestígios de luz.

— Estou apenas curtindo o pôr do sol. Nada mais. — Respondi, fechando os olhos para a brisa dançando em meu rosto.

— Acho difícil de acreditar. — Severus pontuou.

Ignorando aquele barulho baixo de sua voz, continuei de olhos fechados, me permitindo sentir o calor no meu rosto.

— Ao contrário de você, Severus, eu sei como relaxar.

Ele bufou deselegantemente e abri os olhos a tempo de vê-lo desprender as mãos por trás dele e lentamente rolar os próprios ombros.

— Você criou aquela poção sem seguir as instruções em um livro? — Perguntei.

Severus claramente não esperava a mudança de assunto. — Sim.

— Como você cria assim, sem nenhuma orientação?

— Pelo motivo pelo qual você não é uma Ravenclaw, Granger. — Havia aquele timbre sedoso em sua voz, que rastejava até a minha espinha e se estabelecia nas fendas da minha mente. — Mente aberta. Isso, e muita pesquisa.

— Eu me lembro deste argumento. — Respondi, desencostando da coluna onde estava apoiada. — Minha opinião sobre os conhecimentos contidos nos livros pode ter mudado, mas esta noite, por estar saturada de discussões, eu vou deixar esse assunto morrer.

— Eu me sinto relaxado o suficiente depois de ter dado a Weasley o que ele merecia. — A resposta dele soou honesta. — Mas, diferente de você, estaria disposto a apontar que você claramente prepara poções corretamente de acordo com instruções e seria muito difícil que fosse capaz de criar alguma a partir do zero. Como aquela que presenteei, Potter.

— Nem todo mundo é um mestre em poções dedicado como você.

— Eu sou dedicado tanto quanto sou um bastardo, Hermione. Acredite em mim. — Ele zombou.

— Eu sei. Você é um homem difícil de descobrir.

Do jeito que ele vacilou, eu podia dizer que suas próximas palavras eram as que ele não falaria em nenhuma conversa normal.

— Não para você. Eu não sou tão difícil.

Eu soltei uma risada. — Eu não acredito nisso nem por um...

— Não sou difícil. — Ele me cortou. — No entanto, sou privado sobre com quem e o que eu gasto meu tempo e energia. — Aquela mesma honestidade relutante de quando ele me confessou seu nível mágico, estava em exibição. — Eu prefiro qualidade não quantidade, e eu não vou alimentar nada que não seja real.

Havia camadas profundas em suas palavras que pontuavam o cerne do caráter dele. Talvez se nossa noite tivesse sido mais tranquila, eu tivesse energia para separar cada afirmação oculta em suas palavras. Mas, por ora, eu só queria curtir o pôr do sol que já tinha afundado três quartos do caminho abaixo do horizonte, levando alguns dos vermelhos e laranjas com ele, mas deixando para trás algumas tonalidades mais claras.

— Minerva quer que eu a informe sobre o treinamento em uma semana. — Olhos negros deslizaram para os meus e depois para o horizonte. — Isto significa que você precisa se esforçar mais.

— Eu vou. — Afirmei. — Eu vou devolver a magia para ele. Embora Ron não a mereça.

— Não soe tão amarga quanto eu, Hermione. — Severus pediu.

— Como você aguenta? — Perguntei, verdadeiramente curiosa. — Como suporta que desconfiem de tudo o que você faz, do que você é.

— Eu quis dizer o que eu disse sobre ser um bastardo, mas… — Severus parou, os cantos de sua boca se contraindo enquanto ele lutava contra suas próprias reservas de confiança. Ele fechou os olhos. Um segundo passou, depois trinta, enquanto ele tentava se controlar.

— Você pode confiar em mim. — Minha voz saiu baixa, privada, eram palavras ditas apenas para ele. — Mas eu suponho que isso é tudo o que você sabe ser. Reservado.

Servidão, dor, solidão e dever. Era tudo o que ele conheceu na vida. Empurrei o pensamento deprimente de volta para os recessos da minha mente e me forcei a concentrar nos últimos resquícios da luz do dia.

— O que você acha de mim? — Ele perguntou após alguns segundos, e notei que seus olhos estavam me sondando, querendo saber o que eu diria sobre ele.

— Você é… — "Obstinado. Inteligente. Compassivo. Um poço profundo de emoções que começavam a querer sair quando você está perto de mim, mas que você, teimosamente, as mantém presas". Essas eram as coisas que eu queria dizer, mas talvez eu tenha sido induzida pelas ações dele mais cedo, ou por sua dedicação em estar ao meu lado, me treinando, cuidando de mim. Ou até mesmo tenha sido o calor do ar e do sol que me relaxou, mas minha resposta foi a última coisa que me veio à mente. — Você não é o que eu esperava.

Severus limpou a garganta e voltou a olhar para o céu agora cor-de-rosa diante de nós. Ele estava imóvel, mas eu podia ver as rodas girando em sua mente, como se estivesse analisando o pedaço de frase que eu tinha acabado de entregar a ele.

Apesar de suas alegações de não ser difícil, Severus Snape ainda era muito complexo para que eu o compreendesse. Cada ação dele sempre chamava a minha atenção para mais e mais perguntas, especialmente sobre a distância que ele mantinha de todos, mesmo que hoje em dia fosse um herói. A única coisa óbvia sobre ele, é que ele quer manter distância de pessoas. Então, por que eu quero ficar com ele? Eu não sei. Honestamente, posso nunca saber.

Por ora, acho que é melhor deixá-lo em seus pensamentos. A noite estava se aproximando rapidamente e eu devia voltar para dentro do restaurante e ajudar Ginny com as crianças. Era uma boa saída para aliviar os sentimentos que se agitavam dentro de mim desde a discussão com Ron.

E se eu tivesse que colocar a responsabilidade em algo para minha próxima ação, eu culparia tudo, exceto eu mesma. Era um hábito que mantinha com meus amigos, mas também foi uma atitude baseada em vê-lo me reverenciar com tanto afinco em frente à acusação de Ron. Seja o que for, eu me movi sem pensar, pisando ao lado dele e usando seu braço para apoio, enquanto me levantava nas pontas dos dedos para pousar um beijo em sua bochecha direita. Mas essa ação se transformou em outra coisa quando um conjunto suave de lábios pressionou desajeitadamente contra os meus quando Severus virou o rosto em minha direção.

Eu recuei imediatamente do contato, um pedido de desculpas pendurado em meu próximo suspiro, mas seus olhos me pararam. Não a cor ou proximidade, mas o fato de que não havia gelo. Só fogo e calor, que estavam se espalhando sem controle. O que ele descobriu em meu próprio olhar, eu nunca saberia, mas ele se inclinou com uma hesitação que guiou cada um de seus movimentos em uma série de pausas para a frente até que ele estava apenas a um fôlego de distância e suas mãos subiram para apalpar o meu rosto, seus polegares deslizando suavemente pelos meus lábios, uma e outra vez.

Inconscientemente levantei mais o queixo assim que Severus exalou e me beijou completamente. A ação expôs brevemente sua incerteza, até que a determinação dele ficou evidente quando Severus me explorou com uma série de beijos lentos e de boca fechada que pareciam um aquecimento para o evento principal, que prometia ser elétrico.

E a razão pela qual me abri para a experiência de sentir a língua dele na minha, foi egoísta: eu queria explorá-lo. E da melhor forma, sem a responsabilidade que vinha com tal ato. Sem o peso das consequências que viriam se eu tivesse o beijado em Hogwarts, ou em qualquer lugar onde pudéssemos ser vistos juntos.

Foi natural cair nele, no ritmo de sua respiração. Os lábios dele estavam quentes e firmes, e foi muito fácil beijá-lo, continuar beijando-o, segurar sua camisa e se agarrar completamente à ele para evitar com que eu flutuasse para o céu que admiramos segundos antes. Eu só fechei os meus olhos e o explorei, catalogando cada sensação que ele evocou dentro de mim: o feroz rugido do meu cérebro; a vibração em meu estômago; e o piscar da minha intimidade.

Eu sei que é da natureza humana buscar conexão, conhecimento e significado através de algo tão primitivo quanto o toque, mas naquele momento, não havia nenhum problema em afirmar que eu apenas estava sedenta por isso. Sedenta pelo toque dele e por sentir um pertencimento de que ele era todo meu. De que nós dois não estávamos mais sozinhos.

Um formigamento elétrico atravessou minhas veias quando movi uma mão para o peito dele, bem acima de seu coração, e senti a maneira como bateu contra minha palma. Acelerado, como o meu. Nosso beijo foi pura intensidade, seja impulsionado pela discussão com Ron, ou pelas nossas confissões de antes, ou até mesmo pela energia do sol que tinha acabado de se pôr. Talvez fosse pela combinação de tudo o que tínhamos vivido até este momento, que criou essa necessidade de não lutarmos contra as emoções crescentes em nosso peito, a batida dos nossos corações, o pulsar em nossas veias, a respiração em seus pulmões e o aperto duro em minha barriga do desejo dele.

E minha mente cantava repetidamente que este era Severus me beijando, tocando em mim, e que me levou cegamente para trás, ainda me segurando e me beijando completamente, não quebrando a nossa tênue nova conexão, até me empurrar na mesma coluna onde estava apoiada minutos antes e deslizar um joelho entre as minhas minhas pernas, me alavancando para mais próxima dele.

— Estou pesada? — Sussurrei quando ele me deslocou em sua coxa pela segunda vez.

Severus não respondeu; ele engoliu minha pergunta com um beijo tão chocantemente intenso que quase doeu. Mas foi fácil usar essa intensidade dele para puxar seu cabelo e guiá-lo a me beijar exatamente do jeito que eu queria, mostrando-lhe o que eu gostava. Foi anormalmente egoísta o jeito que o puxei na direção que eu queria, sem dar muito em troca.

Por que ele me deixou comandar? Por que ele não me pressiona por mais?

Severus me beijava selvagemente, mas eu ainda o sentia contido. Ele sempre foi, então por que eu continuo esperando por algo diferente? Porque eu quero mais. Eu quero tudo dele. E eu sabia melhor do que cutucar um ex-comensal da morte, mas eu o queria por completo. Sempre quis.

— Eu não vou quebrar, Severus. — Meu sussurro soou áspero e desconhecido para seus próprios ouvidos, intensificando o calor através das minhas próprias veias até o meu baixo ventre.

Eu acho que essa foi essa honestidade crua das minhas palavras e da permissão que concedi com elas, que provocou as chamas dentro deles a se espalharem como um incêndio. A mão dele, antes pousada respeitavelmente em seu pescoço, desceu até minha coxa, subindo pelo meu quadril, embaixo da minha saia e foi só aí que me dei conta que nós teríamos um problema de contenção. Nosso fogo era muito mais forte. Incontrolável. Inevitável. Inegável.

Severus permitiu-se tomar o que ele não achava que tinha direito e eu não lutei contra isso. Nem ele. Foi perfeito sentir o calor da palma da mão dele na minha bunda, segurando-me no exato lugar que ele queria. E a maneira como ele beliscou o meu lábio inferior e puxou, sem nenhuma gentileza no ato, foi o suficiente para me fazer queimar enquanto ele escorregava de novo a sua língua para dentro e a escovava contra a minha.

Severus exalou na minha boca, cada beijo mais insistente do que o último. Era pura paixão de um fogo crescente e um sentimento de exposição emocional que eu sabia que ele não era propenso a expressar em sua vida diária e era por isso que eu o segurava tão forte. Porque era fascinante como alguém tão frio e distante, estava agora tão quente e me segurava com tanto ardor.

Eu abandonei qualquer pensamento quando sua mão deslizou de novo pelo meu quadril e escorregou brevemente entre as minhas coxas. O choque disso fez com que eu gemesse o nome dele entre nosso beijo e o ouvisse rosnar de volta.

Foram vozes altas que nos despertaram para a realidade novamente. Severus endureceu contra mim quando as palavras desconexas de uma discussão entre duas vozes masculinas nos alcançaram.

Foi estranho quando nos separamos, olhamos para todos os lugares, exceto um para o outro, enquanto arrumávamos as rugas em suas roupas. Quando finalmente dei uma olhada em Severus, o encontrei de volta ao normal, salvo a bagunça desordenada do seu cabelo e a energia nervosa que ele emitia.

— Você pode… — Ele começou.

— Esquecer isso? — Eu o cortei, nervosa em extravasar a energia do beijo que trocamos. — É o que você vai sugerir? Claro que posso. Faz sentido. — As palavras se derramaram de mim fora de minha própria vontade.

Severus me pegou completamente desprevenida ao sorrir. Ele venceu a distância que tinha acabado de nos dar e imediatamente reacendeu as chamas que as vozes desconhecidas tinham acabado de extinguir. Ele me olhou por alguns segundos, antes de deslizar o polegar pelo meu lábio inferior.

— Você pode me levar até um hotel, Granger? — Ele esperou que eu acenasse positivamente com a cabeça e em um gesto inesperado, beijou a ponta do meu nariz. — Eu não posso dormir no mesmo quarto que você hoje, ou irei marcá-la como minha, bem debaixo do teto de Potter.


Notas Finais:


Então gente, dezenove capítulos depois e aqui estamos. Espero que todos curtam essa cena de beijo que, para mim, foi emocionante de escrever.

Toda a cena do pôr do sol foi escrita ao som da música "É o que me interessa" do Lenine.

Este capítulo tem uma fanart oficial feita pela Mademoiselle Raposa arts, e pode ser encontrada pelo link em meu perfil.

Novo Mundo tem playlists no Spotify, Youtube e Amazon Music, os links podem ser encontrados pelo link disponível em meu perfil.