Notas do Autor


Disclaimer: Todos os personagens do universo Harry Potter, assim como as demais referências a ele, não pertencem ao autor desse texto, escrito sem nenhum interesse lucrativo, mas à JK Rowling.


Capítulo 21


— Como eles entraram aqui? — Perguntei baixinho a Severus, enquanto soltava o meu aperto no braço de Draco e o obrigava a sentar-se na cama do meu antigo quarto do castelo.

Severus encarou o sangue que jorrou do pescoço da namorada morta de Draco e que estava respingado em vários pontos de nós dois, por uns instantes. Draco escolheu um ponto no quadro de Rowena na parede, em frente à cama, e apenas ficou lá, admirando o nada, sem esboçar nenhuma reação. Eu não tinha certeza quais das mortes o loiro estava revivendo em sua cabeça, e meu coração se apertou por ele.

— Eu não sei como eles entraram. — Um músculo se contraiu no maxilar de Severus. — Mas é certo que eles têm alguém de nível alto trabalhando com eles.

— Precisamos encontrar uma forma de libertar Minerva. O mais rápido possível. — Eu afirmei para ele.

— Não percam seu tempo, ela estará morta em breve. — Draco falou abruptamente. — Vocês viram do que ele é capaz.

— Draco… — Sussurrei.

— Sua única chance é dominar sua magia. E quando fizer isso... — Haviam lágrimas manchando as bochechas ensanguentadas de Draco agora. — Quando fizer isso — repetiu ele —, queime a Mansão Malfoy até o chão, com Lucius dentro.

Eu não sabia como responder o seu apelo. Draco levantou, encarou Severus e saiu do quarto. Eu ouvi a batida forte da porta quando ele se foi. Passei uma mão pelo meu rosto, estremecendo enquanto tomava fôlego e empurrava minhas lágrimas de volta. Eu entendia tão profundamente agora as atitudes de Draco, quando ele agia como um idiota na escola, visando atender uma expectativa opressora de Lucius sobre ele; que o meu estômago estava embrulhado em culpa por ter julgado ele por tanto tempo.

Quando meus olhos, por fim, encontraram os de Severus, notei que os dele também estavam brilhando. Devagar, ele estendeu a mão para mim.

— Você e eu, vamos encontrar um modo de libertar Minerva. O rastreador não está ativo em você, era um blefe de Malfoy. Preciso que vá ao Ministério agora, a lareira do meu escritório está ligada ao saguão. Chegando lá, use o seu nome e status para conseguir uma Chave de Portal imediata para a Castelobruxo. Traga Lupin. Ele vai nos ajudar a rastrear os covis dos lobisomens. — Ele se aproximou de mim, segurando agora minhas duas mãos. — Não seja pega. Eu juro que queimarei o mundo inteiro só para encontrá-la.

O resto do mundo se dissipou em uma névoa quando as últimas palavras dele foram absorvidas por mim. Sendo sincera comigo mesma, até esse momento, eu não tinha me dado conta do quão forte é o sentimento de Severus em relação aos meus. Ele havia me chamado de "minha mulher" enquanto contava algumas mentiras a Lucius Malfoy, mas aquilo não me emocionou tanto quanto ouvir agora a sua promessa. Acho que, talvez, essa tenha sido a declaração mais direta que ele fez para mim. E perceber isso fez meus olhos arderem de novo.

— O que você está tentando me dizer, Severus? — Sussurrei.

— O que você acha, Granger? — Ele me devolveu uma pergunta, seus olhos sérios demais enquanto me encarava.

— Acho… que você sente algo por mim. — Sussurrei insegura. — Mas você nunca me disse isso.

Severus se permitiu olhar no meu rosto, eu sabia que ele estava vendo um tom bem mais pálido na minha pele, causado pelo frisson de minutos antes. Sentia que meus olhos estavam arregalados, ainda pelo medo que senti na situação anterior e pela captura de Minerva. Mas ali, agora, o medo que eu sentia era por nós. O que quer que o nosso "nós" significasse.

— Não disse, porque nós não poderíamos viver como pessoas normais, Hermione. Não agora. Talvez nunca. — Ele passou a mão pelo próprio cabelo, desviando o olhar de mim. — Problemas sempre nos encontrariam.

Sei que ele está certo. Nós não éramos o tipo de pessoa que leva uma vida normal, pacata. Levantei minha mão, encostando a palma da bochecha dele, que se reclinou ao meu toque e soltou um suspiro profundo quando o meu polegar acariciou sua maçã do rosto.

— Eu sei, Severus. Mas você consegue nos imaginar em um mundo livre dessa bagunça? — Perguntei, verdadeiramente curiosa.

— Óbvio que sim. — Ele passou a mão pela minha cintura, me puxando para mais perto. — Eu gostaria de estar com você em um mundo sem essa luta por supremacia de sangue. Mas… — A voz dele soou mais grossa, como se sua garganta tivesse de repente secado. — Mas ao mesmo tempo não quero viver nesse tal mundo se o risco de criá-lo significa que talvez nós não sobreviveremos para vê-lo. Que eu não sobreviva para dizer o que eu quero a você.

Meus olhos dessa vez não contiveram uma das minhas lágrimas. Uma delas deslizou pela minha bochecha, enquanto o meu polegar acariciava o rosto dele de novo.

— Somos dois, Severus. — Sussurrei para ele, fechando meus olhos e descansando minha testa na sua. — E eu não vou pedir qualquer coisa que você não esteja pronto ou disposto a dar.

— Eu estou pronto. E disposto. — Ele sussurrou para mim de volta. — Mas você merece melhor do que isto, do que eu.

Meus olhos ainda estavam fechados quando o implorei.

— Não me diga que eu não o mereço. Nem fale sobre amanhã, ou o futuro, nada disso. — Abri meus olhos e me afastei dele para encarar seu rosto. Seus olhos estavam brilhantes.

— Eu sei que as chances são ruins. — Ele respondeu.

— Você sempre mandou as chances à merda, Severus. Sempre.

Ele tentou, mas não conseguiu não sorrir, e se aproximou novamente, perto o bastante para nossas respirações se misturarem.

— Eu quero beijar você de novo. — Eu disse a ele, suavemente.

Os dedos dele apertaram a minha cintura, mãos quentes o suficiente para que o calor passasse através do meu suéter. Eu conseguia sentir um leve tremor em seus dedos quando ele os apertou sobre minha pele.

— O que você está esperando? — Ele perguntou em um tom de voz gutural.

Eu precisei subir na ponta dos meus pés para enfim beijá-lo novamente. Mal consegui me manter dentro da minha própria pele, foi como acender novamente todos os faróis que o nosso beijo no aniversário de James, criou. Era uma resposta e uma canção, e eu não conseguia pensar ou sentir com rapidez o suficiente. Minhas mãos se fecharam na camisa dele, meus dedos se entremearam ao tecido, puxando-o para mais perto de mim.

Os lábios de Severus acariciaram os meus com movimentos pacientes e lentos, como se tracejassem a sensação deles. E quando os dentes dele roçaram o meu lábio inferior, minha boca se abriu para a língua dele, que imediatamente deslizou a sua própria para dentro. Ele encostou a mão em meu queixo, inclinando mais o meu rosto para reivindicar melhor minha boca e eu arqueei o corpo, implorando silenciosamente que ele tomasse tudo o que eu sabia que ele queria. E que merecia, mesmo que me dissesse o contrário. Esse homem nobre e altruísta e um bruxo incrível, me merece. Eu sei.

Passei as mãos pelos ombros dele, e subi pelo seu pescoço, meus dedos roçando a área raspada das laterais de sua cabeça, antes de eu deslizá-los pelos sedosos fios negros. Rocei a língua contra a dele, e o gemido de Severus fez os dedos dos pés se flexionarem dentro dos meus sapatos, e senti o tremor que percorreu o corpo dele.

De repente, ele parou, abri os meus olhos, ofegante.

— O que foi?

— Nós… — Ele parou, parecendo por um momento perder a noção de por que tinha interrompido o nosso beijo. O vi engolir em seco, antes de recuar suavemente, tentando controlar a respiração irregular.

Eu olhei pros seus lábios inchados e uma parte feroz em mim, uivou internamente com satisfação ao ver que eu tinha feito aquilo com ele, que tinha levado aquele rubor às bochechas dele e feito crescer o volume que senti da sua excitação na minha barriga. Ele é meu. Completamente meu.

— Nós ainda somos parceiros de equipe. Eu sou seu orientador. — Severus conseguiu dizer de modo mais formal, empurrando-me delicadamente para que ele pudesse se sentar na minha poltrona de leitura. — E, aqui no castelo, planejo manter tudo em um nível profissional. — O meu sorriso em resposta foi tudo, menos profissional. — Antes de desviarmos por essa tangente, eu estava tentando avisar a você para não ser pega.

Meu coração murchou qualquer latejo de sedução quando ele me lembro do nosso assunto inicial. Eu me ocupei em ir até o armário, procurar vestes limpas e de preferência leves, para pousar no calor abafado da Amazônia com o maior conforto possível. Por que estávamos nos beijando quando uma coisa horrível como aquela tinha acabado de acontecer? Uma mulher inocente tinha acabado de morrer e eu estava me agarrando com Severus.

É óbvio que ele notou minha súbita mudança. Eu não consegui esconder a sombra de arrependimento e vergonha em meu olhar quando Severus me puxou para ele de novo.

— Ei… — Ele segurou meu rosto, me forçando a olhá-lo. — Eu sei que o momento é ruim. Mas isso aqui é uma despedida. Não se culpe por buscar conforto, Granger. Você é humana.

Eu concordei com a cabeça, fungando levemente.

— Eu vou sentir sua falta. — Admiti por fim. — Por que não podemos fazer isso juntos?

— Porque eu preciso colocar Scorpius sob o feitiço Fidelius. Não consigo imaginar o que Lucius faria se soubesse da existência dele e o encontrasse.

Severus não precisou me explicar mais nada. Falar o nome de Scorpius me lembrou do juramento que fiz a mim mesma, mais de quatro anos antes: eu libertaria a magia. E junto a isso, destruiria a facção rebelde. Não importavam as dificuldades, não importava quanto tempo levasse, não importava o quão longe eu precisasse ir. Seria difícil estar longe de Severus, mas eu daria a Scorpius e a Draco, a chance que ainda não tiveram de serem felizes e livres. Eu, uma nascida trouxa que não herdou magia de nenhuma linhagem poderosa, seria a salvadora do mundo mágico.

Eu abracei Severus pela última vez, antes dele sair do quarto e seguir para sua própria missão. E, meia hora depois, eu estava no Departamento de Transportes Mágicos, solicitando uma Chave de Portal para o Brasil.

A assistente, uma bruxa que eu não conhecia, informou que Chaves de Portais internacionais eram acionadas apenas nas sextas feiras, e que a desta semana para a escola da América do Sul, já estava lotada. Eu fechei meus dedos em punho e fiz exatamente o que Severus me ordenou.

— Você entendeu errado, senhorita Gorgyn. — Li o sobrenome no seu crachá com uma voz fria. — Diga ao seu chefe que Hermione Granger está exigindo uma Chave de Portal para a Castelobruxo agora. E que eu espero por dez minutos pela ativação da mesma, ou direi ao Ministro que a única bruxa nível dez da Grã-Bretanha foi obstruída de executar missões na sua função de salvar o Mundo Bruxo porque o Departamento de Transportes Mágicos é burocrático e inútil em situações de emergência.

Não me dei ao trabalho de sorrir ao final da minha declaração e não me senti mal pelo olhar atordoado no rosto da assistente, antes que ela corresse em direção ao escritório da chefia para informar o que eu solicitava.

Eu estava realmente me tornando uma versão de cabelos castanhos e cacheados de Severus Snape. Eu sorri ao fim dessa constatação.


— Você está brincando comigo, Tonks? — Perguntei com a voz esganiçada.

— Não, Hermione. O solstício de verão, no Brasil, sempre fecha todas as fronteiras mágicas. Você já leu sobre a influência da magia das criaturas fantásticas do folclore brasileiro tem sobre a astronomia?

— Não muito. Sinistra dava uma disciplina eletiva sobre isso, mas nunca me interessei ao ponto de cursá-la. — Eu lamentei.

— No solstício de verão, há um alinhamento das energias mágicas dos seres lendários amazônicos e a intensidade dos raios solares do solstício faz a magia deles explodirem. Durante as duas primeiras semanas do verão, todos os bruxos do Brasil são proibidos de usar magia, nenhum elemento mágico que não seja essencial é ativado também. Eles precisam fazer isso para que apenas a magia das criaturas reaja com a aura de poder do sol. Se usarem a magia, podem desencadear uma sobrecarga mágica e toda a comunidade bruxa ser exposta. Você chegou aqui no último minuto das fronteiras abertas, pelas próximas duas semanas não há como voltar.

— Tonks, a lua cheia é em duas semanas. Minerva não terá nenhuma chance contra um bando de lobisomens. Ela só tem metade do poder e provavelmente nem tem mais uma varinha. E ela não é mais jovem. Por favor, tem que haver um jeito. — Eu conseguia ouvir o desespero na minha voz enquanto explicava, talvez pela quinta vez, a gravidade da situação para ela.

A expressão de Tonks se suavizou, talvez por ver o meu rosto pálido e meus olhos rasos em lágrimas. Ela pôs a mão sobre a minha.

— Vamos ter fé de que Remus vai conseguir encontrar uma solução. — Disse de forma gentil, descendo o olhar para a minha bolsinha de contas. — Ela ainda possui aquele feitiço de extensão ilegal? — Perguntou levemente divertida. Eu confirmei com a cabeça, preocupada demais para sequer respondê-la verbalmente. — Ótimo!

Tonks se levantou, me deixando sozinha na pequena sala de estar do chalé em que ela, Remus e o pequeno Ted moram. Poucos minutos depois, ela voltou com algumas mudas de roupas que reconheci serem de Remus e estendeu a mão para mim.

— Coloque na bolsa enquanto eu pego alguma comida enlatada para vocês.

— Tonks? O que é isso tudo? — Perguntei, curiosa com a atitude dela.

Mas não houve tempo dela me responder, a porta da frente se abriu e Remus passou por ela. Ele me encarou sério, antes de desviar o olhar para a mulher e dar um leve aceno de cabeça. Tonks correu para a cozinha.

— Hermione, é uma sorte que você já acampou em florestas antes. — Seus olhos sorriram levemente.

Tonks voltou com o estoque de comida enlatada e as enfiou dentro da minha bolsinha de contas, enquanto Remus subia até o quarto de Ted, provavelmente para se despedir do filho. Ela me explicou apressadamente que já imaginava que Remus faria a travessia à moda trouxa até um dos países vizinhos e conseguiria uma Chave de Portal internacional de um deles, provavelmente da Guiana Francesa até a França, e depois de lá até Hogwarts.

Eu a abracei forte, quando nos despedimos e dei privacidade para que ela e Remus conversassem antes de partirmos. O vento úmido e quente da Amazônia varria meus cachos para cima do meu rosto enquanto eu esperava por ele, do lado de fora do chalé.

— O que faremos agora? — Perguntei a Remus assim que ele se juntou a mim.

— Salvamos Minerva. — Disse ele, encontrando o meu olhar. — Mas vamos precisar usar um dos bolsões mágicos dos Curupiras. Eles não são afetados pelos efeitos do solstício, porque se alimentam da magia dos próprios seres. — A forma como Remus afirmou isso, parecia que significava algo mais.

— É seguro? — Perguntei, encarando-o apreensiva.

Não. Eu praticamente podia ver a palavra refletida nos olhos avelãs de Remus antes que ele negasse com a cabeça. Assenti silenciosamente.

Eu sabia o quanto os seres místicos da Amazônia eram ferozes. E o curupira, como protetor da floresta, revolta-se contra todos aqueles que a destroem e, por isso, é visto com grande temor pelos Mazioologistas. São criaturas que aterrorizam e matam qualquer um que entre na floresta para caçar ou derrubar árvores. Ou, no mínimo, faz os caçadores se perderem na floresta e esquecer o caminho pelo qual sairiam dela. Não à toa, são os protetores da Castelobruxo e não deixam que nenhum ser não-mágico se aproxime da escola de magia.

Os tais bolsões mágicos dos curupiras são cavernas-portais que levam imediatamente quem passa por elas, para outras partes do território. Nenhuma vai nos tirar do Brasil, eu sei que elas estão concentradas no território amazônico, então eu só podia imaginar que Remus nos levaria para o mais próximo possível da fronteira com o país de onde podíamos pegar a Chave de Portal.

— Vamos. — Remus disse, andando na direção do bolsão que nos levaria até os limites do território brasileiro.

Nós nos apressamos, rápidos e silenciosos. Remus me disse que quando se mudaram pro Brasil, quis morar perto da floresta e de um desses bolsões, por conta de suas próprias transformações. Ele queria uma rota de fuga relativamente segura para Tonks e Ted, caso um dia ele saísse do controle durante a lua cheia.

Remus parou diante da fumaça rodopiante no arco de pedras que era o bolsão mágico. Um músculo se moveu no maxilar dele, eu só podia imaginar que ele estava lamentando por deixar a família para trás e se enredar de novo em uma guerra. Meu coração se apertou e eu soube que entenderia caso Remus se negasse em deixá-los aqui para nos ajudar a rastrear uma toca de lobisomens.

Meu antigo professor de Defesa Contra as Artes das Trevas levou mais um segundo em seu pesar, antes de piscar os olhos para mim e estender sua mão para que eu a alcançasse. Entrelacei os meus dedos com o de Remus e cada um de nós empunhou sua própria varinha quando pisamos sob o arco e caminhamos para a fumaça sufocante contida nele. E ainda consegui ouvir, à distância, tão fraco que eu podia ter imaginado, o assobio fino e contínuo característico do ser de cabelos vermelhos e pés ao contrário que protegia a Floresta Amazônica.


Saímos com as varinhas em punho e mal respirando por causa de toda fumaça que inalamos. Mas não havia nenhuma criatura do outro lado da passagem. Pelo menos nenhum que pudéssemos ver ou sentir. Andamos suaves pelo musgo e pulamos algumas pedras, margeando a floresta, em direção ao norte, para qualquer que fosse o país mais próximo da fronteira onde estávamos. Deixei Remus liderar o caminho, desejando que eu pelo menos fosse capaz de enxergar na floresta que estava escurecendo. É estranho que anoiteça tão cedo por aqui. Entramos na densidade da floresta, e a umidade dela me atingiu, embora não tenha feito nada para aliviar o calor.

Eu e Remus não tínhamos conversado desde que entramos no bolsão mágico, e foi muito pouco o que expliquei a ele antes que ele tivesse saído correndo para o Ministério da Magia brasileiro em busca de uma permissão de viagem. Mas eu sabia que somente nossa necessidade por discrição foi o que manteve o fervilhar de perguntas dele longe.

Algumas horas de caminhada depois e a noite estava completamente em cima de nós, e agora, era o frio que penetrava meus ossos. Mesmo assim, hesitei quando Remus nos levou à entrada de uma caverna.

— Ela não leva a lugar algum. Só vai nos manter fora de vista. — Remus indicou.

Eu o deixei entrar primeiro e o segui. Cada membro do meu corpo estava lento e dolorido quando me vi encarando um acampamento. Remus revirou alguns itens abandonados em um canto, e em seguida, acendeu uma vela que estava numa das saliências de pedra natural, iluminando todo o recinto. Havia um colchonete e um cobertor velho num canto, cheios de folhas e teias de aranha.

— A matilha de lobisomens locais costuma indicar aos estrangeiros, locais como esse, para que possamos nos abrigar durante as transformações. — Ele disse, examinando traços de garras na pedra. — É só durante a noite.

Eu engoli o choro ao me lembrar das condições inóspitas que Remus era obrigado a viver, uma vez por mês. Eu sei o quanto era desolador o interior da Casa dos Gritos, e essa caverna não era melhor em nenhum dos sentidos da palavra. Eu levantei o colchonete e bati nele algumas vezes, folhas e nuvens de poeira voando dele antes que eu o colocasse de volta no chão.

— Você deve ter uma história e tanto lá em Hogwarts, para precisar vir até tão longe de casa. — Remus disse suavemente, enquanto sentávamos lado a lado no colchonete e eu revirava minha bolsinha de contas.

Tirei um suéter mais quente, e um dos casacos de Remus que Tonks tinha me entregado.

— Sim. — Respondi.

Abri uma das latas de sopa enlatada e entreguei para ele, alcançando uma para mim em seguida.

— Isso é tudo que você tem a dizer? — Ele perguntou a mim após dar um gole na sua lata. Conseguia sentir um leve tom de diversão em sua voz e franzi minha testa em confusão. Remus bufou. — Tonks e eu mantivemos uma assinatura eletrônica do Profeta Diário. Ambos concordamos em ler notícias de casa.

— Vocês deviam poupar esse dinheiro. Eles continuam empregando abutres sensacionalistas como repórteres. — Respondi, sabendo que estava fugindo da pergunta dele.

Remus não ia aceitar facilmente.

— Ah, mas a senhorita Charlotte Firth fez algumas perguntas interessantes "Ele é solteiro?". — Remus repetiu a pergunta que Charlotte me fez alguns meses atrás numa perfeita imitação da voz dela.

— Como você sabe imitar a voz da garota tão bem? — Eu perguntei, enquanto sorria da imitação de Remus.

— Ela é filha de um lobo amigo. Eu a conheço desde criança. — Remus sorriu gentilmente. — Você não respondeu a isso quando ela perguntou.

Eu suspirei, sabendo que não tinha como fugir mais do que Remus estava me perguntando.

— Naquela época, eu mal me dava bem com ele. Naquele mesmo dia, após o treino que sucedeu a entrevista de Charlotte, nós dois tivemos uma discussão por causa de uma das hipocrisias descaradas de Severus. Você sabe que ele é um maldito hipócrita quando quer ser.

Remus riu. — Ah sim, eu gosto de lembrar que ele escreveu aos pais dos alunos pedindo a minha cabeça por causa da minha condição, e no ano seguinte voltou a ser um comensal da morte.

Eu virei minha cabeça para encará-lo. Meu instinto protetor me fazendo defender Severus, mesmo que tenha sido eu quem tenha incitado Remus a apontar um dos defeitos do meu orientador.

— Ele se ressentia pelo passado. — Sussurrei para Remus, que suspirou audivelmente.

— Eu nunca pedi desculpas para ele, por ser… omisso, ao que ele sofria nas nossas mãos. — Remus murmurou de volta, encarando o teto de pedra sobre nós.

— Mas pediu por tentar matá-lo, mesmo que não tenha sido intencionalmente. — Eu disse, alcançando os dedos de Remus e apertando-os gentilmente.

Os olhos de Remus aqueceram levemente quando ele me encarou de volta.

— Ele contou a você que eu pedi desculpas?

— Minerva. — Eu respondi. — Ela me ouviu resmungar algumas vezes sobre como o meu orientador era uma pessoa horrível e estava tentando me fazer enxergá-lo como uma pessoa de bom coração.

— Ela conseguiu? — Remus perguntou.

— Ele conseguiu. — Respondi, encarando o brilho bruxuleante da vela nas paredes de pedra. — Severus é… diferente de tudo o que imaginei que ele seria. Embora eu tivesse uma vaga ideia de que ele é uma pessoa leal, eu não fazia ideia do que é ser a pessoa que está no alto da sua lista de prioridades.

— Severus usou uma máscara por muito tempo. — Remus comentou.

De fato, ele usou. Mas ele a despia completamente na minha presença.

— Sim. — Confirmei, puxando uma linha solta do colchonete. — Mas, ele não é mais, nem de longe, a pessoa que usava aquele disfarce, Remus.

— O que você responderia a Charlotte hoje? — O lobisomem ao meu lado perguntou.

Eu arranquei a linha solta do colchonete, enquanto debatia a minha conversa com Severus, antes de nos separarmos em nossas missões distintas.

— Eu não sei se eu teria uma resposta para aquela pergunta. É complicado, nós dois somos companheiros de equipe, ele está em uma posição maior na hierarquia de Hogwarts e, enquanto eu estiver sob a orientação dele, não vai importar o que eu gostaria de responder para Charlotte. — Antes que ele pudesse me perguntar mais alguma coisa, completei: — Eu estou cansada. E nossas vozes ecoam nessas paredes. Vamos conversar quando não pudermos ser pegos e mortos por alguma criatura da floresta.

O olhar de Remus era brando em minha direção quando ele inclinou o queixo para baixo em concordância e se levantou do colchonete. Ele se acomodou do outro lado da caverna, olhos cravados na entrada.

— Eu fico com o primeiro turno. Descanse. — Ordenou, gentilmente.

Eu puxei o cobertor empoeirado sobre mim e fechei meus olhos, rezando para qualquer divindade para nos manter a salvo.


Minha exaustão era um cobertor sobre os meus sentidos enquanto a luz cinza da manhã manchava as paredes da caverna. Eu passei a maior parte tendo sobressaltos a cada estalado e som que vinha da floresta do lado de fora, então não consegui descansar nem um pouco. E pela expressão abatida no rosto de Remus enquanto ele se sentava, eu soube que ele também não dormiu durante o turno de descanso dele.

— Você está bem? — Ele perguntou, esfregando uma mão pelo rosto.

— Sim, dada às circunstâncias. — Respondi cansada.

— Nós precisamos ir mais para o norte. É um longo caminho até a fronteira. — Remus fez uma pausa. — E é a direção onde os híbridos de humanos e Mapinguaris vivem.

Eu estremeci. Já tinha ouvido falar sobre o Mapinguari em uma das aulas de Hagrid no terceiro ano, é uma das criaturas mais ferozes que vive embrenhada por essa floresta.

— Então, é melhor que a gente permaneça sem sermos vistos. — Eu disse, me levantando e apanhando minha bolsinha de contas. Remus me seguiu para o mundo exterior e não dissemos mais nenhuma palavra.

Por mais três dias, caminhamos floresta adentro e passamos as noites escondidos em abrigos, até finalmente atravessarmos a mata mais densa e nos depararmos com campos abertos. Nós cobrimos dois desses campos até o final da tarde do quarto dia e mesmo que eu estivesse exausta, quando Remus sugeriu que parássemos à noite, insisti que continuássemos até mais próximo da beira do rio.

O rio era a fronteira entre os dois países e mesmo que nós descansássemos ainda na margem brasileira, estar mais perto daquela colônia européia me fazia ficar mais confiante do fato de que, muito em breve, Remus nos levaria para Hogwarts.

Achar abrigo tão próximo ao leito do rio, não foi fácil, mas encontramos um local com grandes e íngremes pedregulhos que nos davam certa cobertura. Remus estava ofegante enquanto escalávamos um deles.

— Como você não está sem fôlego? — Ele perguntou ao subir na parte mais lisa da pedra.

Eu empurrei uma mecha de cabelo que tinha soltado da minha trança de volta pra trás, deixando meu rosto livre.

— Os treinamentos em Hogwarts simulam condições atípicas. E também treinei um pouco de controle sobre os elementos. As lições sobre o ar me ajudaram a controlá-lo ao meu favor, pelo menos dentro de mim, é assim que consigo controlar minha respiração. — Estremeci, lembrando do quão sufocante foi aquela primeira e exaustiva lição sobre ar que Severus me deu.

— Isso é algo incrível, Hermione. — Remus sorriu.

— Eu ainda tenho um longo treinamento pela frente. — Respondi, tentando minimizar a admiração no tom dele.

— Ainda bem que você é a bruxa mais esperta da sua geração, então. — Remus disse suavemente, enquanto eu chegava perto de um apoio na próxima rocha. Minhas unhas reclamaram enquanto eu enterrei meus dedos nela e me puxei para cima.

Mas mesmo eu tentando não me sentir tão convencida pelas palavras de Remus, elas atingiram a bruxinha de onze anos dentro de mim, aquela garota que só queria provar para aquele mundo novo e mágico, que ela merecia estar lá. Uma onda de emoção me varreu, mas eu mantive a queimação dos meus olhos bem escondida, quando o respondi:

— Eu tive excelentes professores.


Antes de adormecer, eu admirei as estrelas do céu sem nuvens acima de mim, enquanto relembrava todas as interações que eu e Severus tivemos. Eu queria achar o ponto onde a tal chave entre nós, virou. Não pode ter sido em nossas primeiras interações, na primeira delas, eu fui injusta ao acusá-lo de ter se tornado um comensal da morte por despeito. Na segunda delas, ele ameaçou minha posição em Hogwarts depois de tê-lo resgatado inconsciente de um bar. Não, não foi ali que Severus passou a me ver de outra forma. Será que foi quando eu o chamei de ditador? Não, muito cedo também.

Então lembrei do dia de nossa discussão por causa da forma como ele tratou Harry. Eu o chamei de idiota. Alguém se apaixona por outra pessoa porque ela o xinga? Isso é possível? Acho que não. Então, a imagem do dia em que vi o seu olhar diferente sobre mim, encheu a minha cabeça: foi o dia em que saí do escritório de Minerva e esperamos juntos no corredor, para embarcarmos nas escadas móveis do castelo. Severus me notou checá-lo e devolveu o meu cumprimento. Ali, naquele dia, eu enxerguei o brilho intenso no seu olhar sobre mim, como se ele tivesse enxergado a minha alma e, finalmente, verdadeiramente, ele me viu.

Eu imaginei o brilho das estrelas que eu estava admirando agora, refletido nas pupilas negras de Severus, e, naquela noite, eu dormi melhor. Talvez a minha insistência em me aproximar da fronteira seja o que tenha me deixado confiante o suficiente para me permitir sentir esperança e me fazer sonhar. Eu sonhei com o abraço quente de Severus enquanto nos beijávamos. Senti o deslizar suave do seu nariz em minha bochecha e eu quase conseguia sentir a sensação da boca dele sobre a minha.

Todas as vezes que eu pensava naquele beijo, um sorriso fácil dominava meus lábios. Fazia quatro dias desde a última vez que o vi e a saudade dentro de mim era tão sufocante às vezes, que eu achava que fazia muito mais tempo. Deixei que a lembrança suave do toque dele sobre mim, me embalasse para um sono tranquilo e levasse minha mente para qualquer lugar em que nós pudéssemos estar juntos.

Não sei quanto tempo eu tinha dormido, quando uma mão forte apertando o meu rosto, me acordou.

— Olha o que nós encontramos. — Uma voz masculina fria falou devagar.

Eu nunca tinha visto um rosto como aquele. Peludo e com apenas um olho no meio da testa. Mas eu sabia do que se tratavam assim que percebi mais duas outras criaturas como aquela, prendendo Remus abaixo deles. Eram híbridos humanos-mapinguaris. Eles tinham nos alcançado.

— Nosso Pai, — Disse o ser que segurava uma faca contra a minha garganta, dirigindo-se a Remus. — Não vai gostar muito de você, já que é um híbrido também, certo?

— Estou levando-a para o meu bando. — Respondeu Remus, suavemente.

A faca pressionou ainda mais minha pele quando a criatura que me segurava soltou uma risada sem humor.

— Certo. Há um boato de que um lobisomem e uma bruxinha estão fugindo juntos. — Seu sorriso se alargou. — Um lobisomem sem bando.

— Ele a quer só para ele, parece. — Um dos outros brincou.

Eu deslizei o olhar para a criatura acima de mim e não deixei que o medo que eu estava sentindo, me dominasse. Os híbridos não eram tão ferozes quanto um verdadeiro mapinguari. Eles eram humanóides conscientes e inteligentes, o lado feral deles era apenas a força e o olho assustador no meio da testa.

— Você vai nos soltar. — Exigi.

— Nosso estimado criador vai se deliciar em dominar uma coisinha mandona como você. — Disse a besta com um sorriso feral. A faca não desencostando da minha pele. — Vocês virão conosco para nossa casa.

— Não iremos a nenhum lugar. — Remus avisou. Eu podia jurar que sombra de garras surgiram em suas mãos. Remus podia se transformar sem que estivéssemos em lua cheia? Medo desceu pela minha espinha.

O híbrido sobre mim apenas disse, frio e entediado: — Levante-se.

Foi então que eu senti uma fagulha de poder se mexer e acordar dentro de mim, como se algum bastão o tivesse cutucado. E talvez eu não tivesse reconhecido essa faísca, se Severus não tivesse passado três dias exaustivamente me fazendo despertar meus instintos em relação ao meu núcleo mágico.

Evoque-os! Use a magia elementar, Granger! Eu conseguia ouvir a voz do meu orientador ecoar nas paredes da minha cabeça no dia que ele me ensinou pela primeira vez em como despertar a magia instintiva em mim.

Olhei para Remus e só posso supor que ele notou o suor escorrendo pela minha têmpora e no meu lábio superior, enquanto meu sangue se aquecia. Um leve movimento do queixo para baixo foi o seu único sinal de compreensão.

— Não temos o dia todo, bruxinha. — Ele me empurrou um passo.

Mas eu estava esperando por isso. Equilíbrio, Severus tinha me ensinado que isso era crucial para vencer qualquer duelo em uma superfície irregular, como aquele solo pedregoso. E quando o empurrão do híbrido fez com que ele próprio também começasse a andar irregularmente, eu girei tão rápido em sua direção, que ele não me viu mover as mãos e derrubá-lo com a força de uma lufada de ar. O misto de animal místico e homem que me segurava, tropeçou para trás e Remus saltou sobre ele, batendo sua cabeça em uma das pedras, enquanto eu lançava minha magia para o rio e evocava uma coluna de água sobre os outros dois. Liberei cada gota de magia em mim, formando uma parede entre nós e eles.

— Corra! — Gritei para Remus.

Senti Remus chegar ao meu lado e colocar uma mão firme sob o meu braço, enquanto eu ainda controlava a água do rio às nossas costas. Remus lançou um Bombarda na maior rocha à nossa frente e eu forcei minha coluna de água a empurrar os dois híbridos para dentro do buraco aberto, selando-os lá dentro. Eu modifiquei o meu feitiço para agora usar o poder de manipular o elemento terra e o direcionei para a rocha acima de onde Remus havia aberto a fenda. Houve uma chuva de poeira e detritos quando selei a entrada.

— Nossa magia está fraca! — Remus constatou sem fôlego. — É o efeito supressor da magia no território brasileiro. Precisamos atravessar aquela fronteira agora!

Não tivemos tempo de escolher uma direção, pois o híbrido desmaiado aos nossos pés estava lentamente despertando. Estávamos sem tempo.

— Depressa! — Remus rosnou e eu não perdi uma batida à medida que cambaleávamos na noite.

Minha bolsinha de contas foi perdida em algum lugar da batalha. Eu tinha agora apenas a minha varinha comigo, e Remus a dele. Graças a Merlin, ambos éramos bruxos de magia plena. Mas com a supressão da nossa magia, não ousamos parar, e corremos pela margem pedregosa do rio até que pudéssemos chegar ao melhor ponto para atravessá-lo.

Com minha magia fraca e as águas dele volumosas demais, eu não conseguiria abrir um caminho por elas. E ainda havia a correnteza, que era forte o bastante para nos arrastar, se não fôssemos exímios nadadores. Precisávamos correr até o menor ponto entre as duas margens. E rápido.

— Por que diabos não há uma ponte ligando esses dois países? — Perguntei entredentes a Remus.

Ele olhou para trás ao invés de me responder. Parecia que tínhamos despistado o híbrido remanescente. Remus me puxou para trás de uma das pedras maiores e ambos envergamos nossos corpos para frente, em busca de recuperarmos o fôlego. Ficamos alguns minutos ofegantes enquanto tentávamos engolfar a maior quantidade de ar possível para os nossos pulmões.

— Eu não sei. — Ele respondeu por fim, tentando enxergar, mesmo na escuridão, a margem oposta do rio. — Quanto do seu poder você consegue acessar?

Me concentrei em chacoalhar a minha magia interior. Ela estava muito mais forte agora, já que estávamos praticamente fora do território brasilerio, mas eu ainda podia sentir os efeitos abafados da supressão mágica que nos cercava. Eu me perguntei se era assim que os bruxos que perderam a magia, se sentiam. Como se a sua mágica fosse um eco do que já fora um dia. Apenas um lembrete do potencial mágico que havia dentro de cada um deles. Eu odiei a sensação.

— Não muito. No que você está pensando? — Perguntei a ele, que ainda mantinha o olhar na margem oposta.

— A magia elementar que você fez lá trás? — Ele voltou os olhos para mim, franzi minha testa em confusão. — De uma margem a outra, eu estimo quatrocentos metros de distância. — Meus olhos se arregalaram quando entendi a ideia de Remus. — Preciso que você congele a camada superior da água e nos faça uma passarela de gelo.

Neguei com a cabeça.

— Remus, não tenho magia suficiente.

— Ela vai aumentar à medida que formos atravessando, Hermione. No lado Francês não há amarras mágicas.

— Eu nunca fiz isso antes. — Implorei.

— Eu confio em você. — Remus pôs as duas mãos no meu rosto, me forçando a encará-lo mais de perto na escuridão que nos cercava. — E é a nossa única chance. E da Minerva, ao menos tente. Por favor. — Foi a vez dele me implorar.

Meu coração batia forte contra o meu peito quando confirmei com a cabeça para ele. Nós saímos de trás da pedra onde havíamos nos escondidos e eu concentrei minha mente no treinamento de Severus, dias atrás. Remus murmurou um cálculo mental feito com base nos nossos pesos corporais e estimou qual a espessura do gelo que eu precisaria formar. Eu me agachei na margem onde a água escura do Oiapoque molhava nossos sapatos e mergulhei minhas mãos na água, ecoando o encanto que eu sabia que congelaria cada gota que eu precisava que se tornasse sólida.

Sorrimos um para o outro quando, lentamente, a placa sólida de gelo foi se estendendo sobre as águas, claro como vidro e nos deixando ver a correnteza abaixo dele fluir com a mesma força de antes. Demos as mãos e seguimos pela passarela de gelo confiantes. Eu tive o cuidado de não olhar para os lados, para ver a força da correnteza do rio fluindo sob nossa fina ponte, e assim não perder minha concentração.

Remus tinha razão, não havíamos sequer chegado a metade da travessia quando eu pude perceber minha magia lentamente aumentando. Aproveitei essa nova onda de poder para reforçar o gelo sob nós, mas no mesmo instante, ouvimos um rosnado.

Nós nos viramos ao mesmo tempo e ambos avistamos os três híbridos que nos atacaram na margem brasileira. O maior deles levantou as mãos em punho e golpeou a passarela de gelo em que estávamos.

— Corra! — Remus gritou, assim que a rachadura traçou uma linha tortuosa direto para nós.

Ele e eu corremos, o gelo liso me fazendo dar passos traiçoeiros que poderiam me atirar direto na poderosa correnteza do rio, mas usei minha magia do ar para cobrir Remus e eu com uma brisa que nos obrigava a ficarmos ereto.

— Mais rápido! — Ele ordenou. — Não olhe! — Ele completou quando eu comecei a virar a cabeça para ver se as criaturas tinham nos seguido.

Remus esticou uma mão para segurar meu cotovelo, e me forçou a acelerar a corrida pelos duzentos metros que ainda nos separavam da margem francesa.

Água espirrou debaixo das minhas botas quando a rachadura enfim nos alcançou, Remus ofegou e nos impulsionou mais rápido para frente, lançando-nos nos arbustos lamacentos da margem oposta do Oiapoque. A magia inundou minhas veias como um tsunami e eu me pus de pé imediatamente, mas havia algo sobre a lenda dos mapinguaris que eu não tinha registrado até aquele momento: eles eram rápidos, muito.

Eu mal havia me virado quando o híbrido mais alto dos três, me bateu. Um golpe tão forte no rosto, que meus dentes cortaram meu lábio. Eu cambaleei para a direita e ele segurou meu braço, me acertando mais uma vez, agora na lateral da cabeça.

— Você virá comigo, sua puta traiçoeira! — Ele sibilou, quando soltou o aperto no meu braço e agarrou o meu cabelo, tão forte, que lágrimas picaram os meus olhos.

O brutamontes me arrastou de volta através da água negra do rio e eu tive um vislumbre de Remus enfrentando as outras duas criaturas. Eu acho que o ouvi gritar meu nome, enquanto eu me debatia e arranhava o braço peludo que me arrastava no meio da água. Eu tinha certeza de que morreria, não conseguia acessar minha magia, a adrenalina da captura não me deixava concentração o bastante para invocar a magia elementar. E minha varinha estava em algum lugar na margem francesa onde Remus nos lançou.

A água se tornou de repente mais congelante em torno de nós, e eu parei de me debater por tempo o suficiente para ver a lufada de gelo congelando uma espiral ao nosso redor e forçando o brutamontes a parar onde estávamos.

Uma vassoura bateu na área congelada diante de nós, e quando o bruxo saiu dela, com a varinha em punho, eu soltei um soluço trêmulo. Faíscas voaram pelo cabelo de Dean quando ele vislumbrou a mão do híbrido apertando o meu cabelo. Outro impacto atingiu o gelo por trás de nós e eu comecei a chorar de verdade, alguma teia que eu tinha mantido em mim se soltando quando reconheci a figura de Harry, também empunhando uma varinha em nossa direção. O homem que matou Voldemort, emanava poder, tal qual fosse um bruxo de nível máximo. Eu sabia o que tinha feito isso possível: a poção de Severus.

Harry caminhou até mais perto de nós e disse com uma calma letal: — Solte-a agora!

O aperto do híbrido no meu cabelo, aumentou, e um gemido de dor ecoou de mim. Eu vi o instante que a ira se acendeu no rosto do meu melhor amigo e vislumbrei o brilho da luz verde voar de sua varinha e derrubar o brutamontes que me segurava. Dean, na margem oposta, já havia ajudado Remus a derrubar os outros dois. Eu me voltei novamente para Harry, que abriu seus braços e me abraçou apertado antes de me obrigar a montar sua vassoura e nos lançar para o céu. Ao lado de nós, Dean e Remus fizeram o mesmo.

— Você tomou a poção. — Murmurei para Harry, meus olhos agora derramando lágrimas de alívio.

O sorriso que Harry me deu de volta, também foi emocionado, mas ao mesmo tempo, suave.

— Eu sempre estarei aqui para você, Hermione.

Minha garganta se apertou até o ponto de dor, e apertei ainda mais forte os meus braços ao redor de sua cintura, abraçando-o firmemente, mas não disse nada.

— E eu sinto falta da magia também. — Ele murmurou, entrelaçando suas mãos nas minhas, enquanto a vassoura fazia seu caminho cortando o vento ao nosso redor.


Notas Finais


1. Lendas Amazônicas! Eu estava ansiosa por trazer isso, mesmo que apenas em uma pincelada. Algumas das informações dos dois seres (Curupira e Mapinguari) estão neste link: /cultura/conheca-as-lendas-da-amazonia-que-mexem-com-imaginario-popular

2. Quem não reparou nessa poção que o Severus presenteou o Harry no aniversário do James, precisa voltar ao capítulo dezenove. rsrsrsrs.

3. Charlotte Firth é uma jornalista que apareceu no capítulo cinco da fanfic e esse é o pseudônimo dela no mundo mágico. Ela é a personificação da Jussara Souza, uma querida amiga e assídua leitora de Novo Mundo e nossa mais nova Mestra em Comunicação. Parabéns Jubs!

4. A música que inspira esse capítulo, é "ain't no sunshine". Afinal, enquanto Hermione está longe e correndo riscos, Severus não consegue viver sem a luz dela na sua vida.