Notas do Autor:

Alerta gatilho: Há cenas de tortura e sofrimento mais adiante, entre elas, ameaças contra criança. Se você preferir um resumo editado da cena, por favor, contate-me.

Disclaimer: Todos os personagens do universo Harry Potter, assim como as demais referências a ele, não pertencem ao autor desse texto, escrito sem nenhum interesse lucrativo, mas à JK Rowling.


Capítulo 22 - Sob a perspectiva do meu fim


Se havia algo que eu sempre iria me orgulhar, era de ter vivido o suficiente para ver o meu afilhado se arrepender de um dia ter concordado com o estigma dos puros-sangues. Eu teria orgulho desse garoto pelo resto da minha vida. E faria qualquer coisa para que ele fosse livre e pudesse viver em paz com o seu filho.

Hoje, eu tive uma prova do quanto Draco me ouve e não possui mais nenhuma sombra do garoto preconceituoso que já foi um dia. Eu sei disso porque estou de pé, diante de Lucius Malfoy, enquanto um dos seus capachos segura uma lâmina na garganta de um garotinho de olhos arregalados. Mas um garotinho de cabelos negros, pintados com tinta trouxa. Um disfarce que só alguém sem barreiras preconceituosas, faria no próprio filho. Eu vim até aqui para colocar esse garoto em segurança. Mas já era tarde. Nosso único trunfo, é que Lucius não faz ideia de quem Scorpius seja.

O rosto pálido de Lucius era uma máscara de frieza, mesmo com o leve sorriso adornando seu rosto. Eu o odiei ainda mais quando vi Scorpius, uma criança inocente, tremer de medo enquanto encarava o pai, que tinha acabado de chegar comigo. Draco ficara imóvel como a morte ao ver seu filho nas mãos daqueles monstros.

Eu forcei um meio sorriso à boca enquanto empurrava a fúria em mim para uma caixa bem no fundo da minha mente.

— Não é tão impressionante ser um vilão se o que você vai fazer é ameaçar crianças, Lucius.

O patriarca Malfoy ampliou a ironia no seu sorriso.

— Que alegria descobrir que você ainda me admira, Severus. Seu tom irônico me faz falta, se você quer saber. Eu costumava me divertir lembrando de sua acidez matinal. Quando ela não era dirigida a mim, obviamente. — Lucius comentou casualmente. — Mas, descobrir a localização deste lugar não foi uma obra minha.

O líder da facção rebelde inclinou a cabeça, deslizando com sutileza um pouco dos seus longos fios loiros por um ombro. E como se em resposta, Ronald Weasley surgiu no limiar de uma das portas da casa, a porta que eu sabia, levava ao corredor dos quartos. Eu notei com satisfação quando seus olhos perceberam a cena diante de nós, seus olhos passando de triunfo para desespero ao notar, com horror, que nem eu e nem Draco estávamos numa posição de captura, mas sim, uma criança.

Lucius desviou o seu olhar de mim, encarando Draco agora, que mantinha o olhar fixo em Scorpius. Com a atenção do seu líder em outro lugar, Weasley se posicionou ao meu lado, como se fôssemos, de alguma forma, aliados naquilo. Ele não era um legilimens e nós não estávamos um de frente para o outro, para que eu pudesse encará-lo nos olhos e ter o prazer de plantar em sua cabeça a imagem mental da morte que eu tinha preparada para ele.

A voz fria de Lucius cortou o silêncio que tinha se estabelecido entre nós.

— Parece que esta, agora, é uma cena casual entre nós, filho.

O rosto de Draco permaneceu impassível. Sem desviar o olhar de scorpius, ele respondeu ao próprio pai:

— Solte o menino!

Uma risada baixa, rouca saiu de Lucius.

— Ah. — Meu estômago se revirou quando a voz do homem que eu já considerei um dia como amigo, soou, enquanto se voltava para Scorpius. — Todos aqui são babões por crianças. Um ex-herdeiro dos sangues puros, uma escória mestiça que envergonha os bruxos e... até o meu braço direito, ao que parece. — Ele concluiu, olhando com desprezo para Weasley.

Fiquei tenso ao perceber que o ruivo mal respirava ao meu lado. Lucius se abaixou à frente do menino e brincou com uma mecha dos cabelos agora pintados de negro e eu fiz uma oração silenciosa para qualquer entidade que existisse nesse mundo ou acima dele, para que ele não se reconhecesse nos olhos cinzas do garotinho. Scorpius estremeceu ao toque e uma onda de poder rugiu dentro de mim e precisei de toda a minha concentração para afundá-la de volta ao meu núcleo mágico.

— Weasley não esperava que houvesse uma criança aqui quando me convocou até a localização do meu estimado filho.

— Desculpe. — Disse o ruivo ao meu lado.

Eu não sabia se o pedido era para mim, Draco, ou para o próprio garotinho, cujos olhos ainda estavam arregalados de medo.

— Uma criança adorável, não é mesmo? — Lucius continuou. — Você era desse mesmo tamanho na primeira vez que me desafiou, Draco.

Meu afilhado rosnou uma maldição.

— Bem… — Fui eu quem iniciei a negociação com Lucius. — Você não arrastou sua admirável figura até aqui por nada. Então, vamos logo ao que interessa. O que quer para deixar a criança ir?

Aquele sorriso aristocrático contraiu os lábios de Lucius outra vez.

— O que eu deveria exigir como pagamento pelo menino? — ponderou Malfoy, dando alguns passos na nossa direção, com a graciosidade orgulhosa de quem discutia o tempo, não a vida de uma criança inocente. — Por que meu braço direito não me diz? Tem andado tão ocupado, Weasley, realmente, muito ocupado nesses últimos meses.

Ao baixar a cabeça, a voz do traidor saiu rouca.

— Fiz o que me ordenou, senhor.

— Então aqui está o meu filho, mas onde estão os tais frascos de poções?

A poção. Eu sabia exatamente de qual poção eles falavam.

Weasley apontou com o queixo na minha direção.

— Ele a produz.

— Weasley. — Draco rosnou em aviso.

Eu finalmente virei minha cabeça para encarar Ronald. O ruivo que um dia já foi um dos meus piores alunos em Poções. Mas ele não me encarou de volta, nem a mim, nem a Draco. Sequer reconheceu a nossa existência ao prosseguir:

— Presenteou os Potters com quatro frascos dela.

— Weasley. — Rosnou Draco de novo.

— Cale a boca. — Weasley disse em resposta.

O olhar de Lucius se voltou mais uma vez para Scorpius.

— Conhecimento sobre uma poção, em troca de uma criança que parece importante para vocês todos.

O fogo em minhas veias rugiu novamente.

— Você não tem coisas melhores a fazer do que aterrorizar criancinhas? Liberte o menino e vamos resolver isso de modo divertido. — Chamas dançaram nas pontas dos meus dedos quando dei um passo à frente, esbarrando em Draco com a lateral do corpo, forçando-o a recuar para longe do seu pai. — Quer brincar com fogo, Lucius?

Lancei um olhar por cima do ombro para Draco, implorando com o olhar que ele pegasse Scorpius e fugisse, assim que eu atacasse Lucius.

— Não creio que você seja uma parceiro adequado para brincadeirinhas no momento, Severus. Não quando sua magia está quase esgotada. Acha que minha ida até Hogwarts foi apenas para sequestrar uma velha? Eu posso não ter mais poderes, mas os conhecimentos que adquiri na minha educação bruxa se mantêm na minha cabeça. — Ele sorriu irônico e eu tive ainda mais vontade de convocar uma rocha para esmagar aquele sorriso debochado dele. — A magia elementar faz um bruxo se exaurir muito mais rápido que a magia normal. Você ficou exausto após matar os homens que levei comigo ao castelo.

Uma armadilha. Capturar Minerva foi uma grande e maliciosa armadilha para drenar o meu poder. Mesmo assim, ergui uma sobrancelha ironicamente para ele.

— Você levou uma manada de porcos para o abate só para atrair minha atenção? — Perguntei, cético.

— Levei uma manada para ver se você enfrentaria o desafio e mostraria o que tanto tentou esconder. Aparentemente, seu poder supera o de qualquer bruxo mestiço. — Confessou Lucius.

Ele sacrificou os próprios peões para me obrigar a fazer uma exibição de poder. Minerva foi só uma isca para mim. Lucius estava completamente louco.

— Titio? — Scorpius sussurrou, não entendendo nada do que estava sendo discutido. Eu agradeci mentalmente a Merlin por ele ser um garoto inteligente o suficiente para se dirigir a mim como seu tio, do que a Draco com "papai". — Você já pode fazer mágica?

Nem eu e nem Draco respondemos. As chamas ao redor dos meus dedos aumentaram e envolveram a minha mão. Lucius olhou para elas, depois para Scorpius, ainda sob a mira da lâmina do soldado rebelde.

— Saia do alcance. — Sibilei para Draco, que recuou, mas manteve o olhar implacável a cada movimento do pai.

— Não pode esperar vencer, Severus. — Declarou Lucius, parecendo finalmente disposto a negociar a jogada.

— Pelos menos me divertirei enquanto o fim não chega. — Respondi de volta, com as chamas agora alcançando os meus ombros.

— Não tenho interesse algum em matá-lo. — Lucius cantarolou.

E finalmente a fúria dentro de mim venceu e eu explodi. Chamas dispararam, quentes e douradas, mas um escudo negro se projetou automaticamente ao redor de Malfoy. O choque do meu fogo contra aquela parede negra fez as paredes estremecerem.

O guarda foi jogado no chão, e Draco se moveu rápido, antes que o homem se desse conta, sangue jorrou do seu pescoço, quando o meu afilhado tomou a lâmina da mão dele e cortou sua garganta. Outros dois lançaram-se sobre Draco, mas tiveram o mesmo fim. O meu jovem sonserino estava selvagem e coberto de sangue quando foi finalmente parado por mais outros dois capangas rebeldes. Até agora, eu tinha contabilizado doze deles, para apenas dois de nós.

Eu não tinha me dado conta que Weasley tinha saído do meu lado e corrido até Scorpius, colocando-o em seus braços, que se debatia em seu aperto.

— Weasley, segure o garoto! — Ordenou Lucius, calmamente, sem sequer olhar em sua direção. — E não tenha nenhuma ideia heróica e idiota a respeito de fugir com ele.

O ruivo ficou completamente imóvel, segurando Scorpius ainda mais apertado. Minhas chamas atacaram mais fortes e quentes do que antes. Puro ódio soprando-as em minhas mãos quando me dei conta de que Weasley tinha entregue algum frasco da minha poção a Lucius, para que ele tivesse conseguido conjurar esse feitiço escudo ao redor de si.

— Titio. — Suplicou Scorpius, começando finalmente a chorar.

Ouvir o choro dele me desestabilizou e minhas chamas se extinguiram. A escuridão do feitiço escudo de Lucius me golpeou com força, lançando meu corpo para trás. Me levantei a tempo de evitar a próxima onda de magia das trevas que ele me lançou pela esquerda, reconheci o brilho do Sectumsempra e o bloqueei com a contra-maldição.

Mas não vi o golpe à direita. Draco gritou em aviso, porém tarde demais. Um de seus soldados, me atingiu com um Flagrum. Caí de joelhos com o impacto da dor que rasgou a minha lateral e Lucius não desperdiçou a vantagem e, imediatamente, me atingiu com um Cruciatus. Rangi os dentes, evitando gritar na frente do garotinho que se debulhava em lágrimas, enquanto o poder sombrio da maldição me atingia em força máxima e meu corpo se debatia no chão.

Sangue pingou do meu nariz, manchando o piso de madeira clara, quando Lucius finalmente parou a maldição. Tentei me levantar, mas minhas pernas tinham desistido. O homem loiro disparou cordas da sua varinha e elas se enroscaram na minha garganta, sufocando-me.

— Qual a sensação, Severus, de saber que foi você quem desenvolveu a poção que me fez ser capaz de torturá-lo? — Ronronou Lucius. — Uma poção que vai me fazer vencê-lo.

As cordas enrolaram-se mais forte no meu pescoço, cortando o meu suprimento de ar. Meu instinto mágico conjurou chamas ardentes para consumir as amarras, mas um movimento da varinha de Lucius me mandou de volta para a espiral de dor de mais um Cruciatus, tão poderoso quanto o primeiro. A maldição me envolveu novamente e me arrastou para a beira de um precipício doloroso. Desta vez, não consegui conter os gritos.

— Deixe-o! — Consegui ouvir o pedido de Draco.

Lucius virou-se para o filho, ainda mantendo a varinha e o cruciatus sobre mim.

— Como se eu fosse atender o pedido de um traidor de sangue. — Ele rosnou para o filho e aumentou ainda mais a intensidade da maldição. — Você gosta mesmo de bancar o empregadinho de um mestiço, Draco, ou faz isso apenas para me afrontar?

— Pare, Lucius! — Implorou Draco. — Por favor!

— Lucius? — Cantarolou o loiro mais velho. — Nada de Pai? Mesmo deserdado, eu esperava que você mantivesse o respeito por mim. Talvez você tenha passado tempo demais com seu bastardo mestiço como chefe?

Lucius finalmente parou a maldição. Minha mente parecia geleia derretida, embotada demais pela dor dos meus músculos e ossos. Me enrosquei de lado, sangue escorrendo de minhas duas narinas e da boca, impedindo o ar de entrar nos meus pulmões. Eu tossi, tentando expulsar mais rápido o sangramento e me recompor. Pelo canto do olho, vi a tentativa de Draco de vir até mim, mas um feitiço o congelou no lugar.

— Acho que não. — Declarou Malfoy.

Arquejei, tentando mais uma vez tomar fôlego e pisquei meus olhos, que pareciam vítreos da névoa de dor e os deslizei até os de Weasley. Minha boca ensanguentada e rachada formando a palavra "salve-o", pare ele, implorado por alguma humanidade naquele idiota que o fizesse ter pena de uma criança.

Nada.

Meus braços tremeram quando tentei me levantar. Eu não me lembrava da última vez em que sofri um ataque pela Cruciatus por tanto tempo. Minha concentração estava em frangalhos e notei que Lucius tinha razão, eu estava exaurido, mágica complexa nenhuma se remexia nas minhas veias.

— Liberte a criança, por favor! — Implorou Draco, de novo.

O pai sorriu para ele. — Não tenho interesse em matar criancinhas. Que tipo de pessoa vocês acham que eu sou?

— Você matou as pessoas que cuidavam dele? — Perguntou o loiro mais jovem.

Os olhos de Lucius estavam frios quando ele assentiu. — Trouxas nunca são bem-vindos nas minhas reuniões com meu filho.

Eu consegui ver a tristeza inundar os olhos de Draco, mas o foco dele manteve-se sobre Lucius.

— Por favor, deixe Severus tirar o menino daqui e eu volto com você para casa.

— Casa? — Lucius perguntou. — A mansão Malfoy ainda é o seu lar?

— Sim, Lucius. — Respondeu Draco, entredentes. — É onde a minha mãe está.

— Sua mãe… — Repetiu Lucius. — Sim, você ainda a honra chamando-a de mãe, enquanto eu sou apenas Lucius, não é? Conversaremos sobre sua falta de consideração para comigo em outro momento. — Ele finalizou, virando-se novamente para mim. — Levante-se!

Eu tentei, mas meu corpo falhou. Lucius emitiu um estalo de nojo com a língua, e um movimento de sua mão fez um dos seus capangas apertar a mão sobre meu braço direito e me colocar de pé. Minha visão enevoada pela dor ficou nítida quando me enchi de ódio frio ao vê-lo se aproximar de mim.

— Tanto talento para poções, tanto poder nas veias e os usa para ajudar trouxas. — Lucius me contemplou, eu sentia sangue ainda escorrendo da minha boca enquanto ele estava de pé na minha frente.

— Você é um trouxa também, Lucius. Não possui um pingo de magia em suas veias e não vai tê-la por muito mais tempo. Seu capanga inútil não lhe disse qual a duração do efeito da poção? — Cuspi aos seus pés.

— Ah, Severus, eu sei sobre a duração. O Weasley se mostrou um espião valioso. Talvez como você mesmo era? — O sorrisinho irônico voltou à boca de Lucius. — Por isso tomei precauções.

— Precauções? — Repeti.

— Ainda não entendeu? — Lucius riu com escárnio, um som de triunfo. — Eu o terei pelo pescoço, e o que quer que eu lhe peça, você me dará. Ou eu atacarei novamente a sua parceira. Você a curou após o meu ataque minimamente organizado. Acha que ela terá chance contra uma horda de mantícoras enquanto mantenho você no meu poder?

— Vou matá-lo. — Grunhi para ele.

— E esse garotinho? Cabelos pretos e pele pálida. Há alguma relação entre você e ele, Severus? Será que eu devo acrescentá-lo à minha lista de garantias contra suas ações? — O leve sorriso permanecia.

Eu não respondi, meus olhos fervilhavam com ódio, luto e desespero. Eu vi Lucius ser cruel por vezes demais para arriscar a vida de Scorpius e Hermione.

— Deixe-o em paz. — Sussurrou Draco.

Lucius o ignorou.

— Bem? Devo?

— Não tenho relação com a criança. — Menti, olhando para Draco. — Os avós dele me disseram que o garoto veio de um lar violento. Isso me afeta. Antes de se tornar um sádico, você costumava se importar sobre essa parte da minha história também.

Eu jogaria tudo que eu pudesse para acessar alguma parte de Lucius que fosse misericordiosa o suficiente para liberar Scorpius.

Lucius emitiu um estalo com a língua.

— Que protetor bonzinho e nobre você é, Severus. — Eu encarei o nada, finalmente reunindo minha habilidosa oclumência para deixar meus olhos o mais inexpressivos possível. Lucius continuou. — Eu não tinha planejado para que uma criança entrasse nessa conta e você deve agradecer Narcissa por ter me dado uma, afinal, ser pai, desperta um lado empático e protetor em qualquer homem. — Ele olhou para Draco, sem nenhum dos sentimentos que havia acabado de elucidar expressos em sua expressão. — Mas ainda assim, não me impede de usá-lo como moeda de troca, já que a sua… Como foi mesmo que se referiu a ela, Severus? — Ele deu mais um dos seus sorrisos irônicos. — Ah sim, sua mulher. Já que a sua incrível mulher não está em minhas mãos ainda, eu farei uma troca agora.

Eu enrijeci o corpo e Draco chiou em aviso. O mundo ficou mais lento e consegui ouvir o meu próprio sangue rugindo nas minhas orelhas quando Lucius apenas deu de ombros.

— Pois certamente não tenho planos de desperdiçar suas habilidades de exímio pocionista. E o que acho realmente interessante é que nem mesmo preciso capturar a sua sabe-tudo agora. Mas como duvido de que permaneça por vontade própria comigo, não sem tentar se matar primeiro, deixarei que tenha uma escolha. — Malfoy acenou com uma das mãos e eu me preparei. — Antonin.

Eu fiquei rígido. Weasley sutilmente deu um passo mais longe, com Scorpius em seu colo ainda chorando sem parar e esticando os braços em minha direção e de Draco.

Com o chicote que tinha me atingido na mão, Antonin saiu do aglomerado dos capangas por trás de mim e caminhou até o lado de Lucius. A crueldade sádica característica dele, brilhando nos olhos escuros e um sorriso de escárnio estampando sua face enquanto me olhava notar as gotas do meu sangue nos espinhos afiados das esferas do Flagrum.

— Permita-me lhe dizer algo que você não sabe sobre nosso antigo companheiro de equipe. — Disse Lucius. — Com a perda da nossa magia, Antonin precisou treinar habilidades à moda trouxa. É claro que você teve um gosto do nosso adorado Cruciatus hoje, conseguido através da sua fabulosa poção. Mas, enquanto não sabíamos da existência dela, Antonin passou os últimos anos aprendendo a arte da tortura, e... talvez ele possa demonstrar a você algumas das coisas que aprendeu durante suas aulas práticas.

Draco estava pálido.

— Lucius, estou implorando...

Um feitiço se chocou contra o meu afilhado, empurrando-o de joelhos, forçando o rosto dele contra o piso. Scorpius chorou mais alto.

— Basta! Você vai me respeitar, Draco. — Sibilou Lucius, antes de se voltar para mim de novo. — Eu disse que você tem uma escolha, Severus. E tem. Ou vem voluntariamente comigo e se torna meu pocionista enquanto se submete às técnicas de Antonin, ou… — Aqueles olhos cinzas se voltaram para Weasley e o garoto, e eu senti Draco soltar um soluço ainda ajoelhado. — Ou levo você mesmo assim... e trago essa criancinha fofa conosco. Tenho certeza de que Antonin não tem as mesmas ressalvas em maltratar crianças quanto às minhas.

O simples ato de respirar fazia meu corpo doer. Torturado com Cruciatus e sem nenhuma reserva mágica, tudo doía em mim. Não restava nada para me salvar. Então, não foi uma escolha difícil.

— Não. — Disse Weasley, baixinho.

O simples ato de virar a cabeça irradiou dor pela minha espinha. Mas eu olhei para Scorpius, que ainda chorava no colo de Weasley, cujo rosto estava branco com puro terror enquanto olhava entre Antonin, Lucius e o garotinho. Draco fazia o mesmo; mensurando talvez as chances de quão rápido precisaria ser para salvar o filho. Eu negociaria os dois. Draco sairia com o filho, mesmo que eu tivesse que me matar aqui e agora para conseguir isso.

— Não o quê, Wasley? — Disse Lucius. — A criança vir conosco caso Severus decida bancar o herói, ou minha generosa oferta de deixar o garoto em paz se nosso amado mestre em poções vier de boa vontade?

Era pavoroso saber que uma criança inocente precisou estar sob a mira de um sádico para que Weasley finalmente percebesse a merda onde tinha se enfiado.

— O garoto, ele… é inocente. Leve Snape e me deixe levar a criança a algum lugar. — Pediu o ruivo.

Draco finalmente encontrou de novo a própria voz.

— Ele é uma criança trouxa. Se você não quer nenhum trouxa no seu caminho, então deixe o garoto fora disso.

Lucius ignorou o próprio filho enquanto olhava para Weasley.

— Ordeno que fique fora disso e me observe, sem fazer nada. Você não tem permissão para se mover ou falar até que eu o ordene.

Weasley imediatamente obedeceu, parando as tentativas de acalmar Scorpius, que ainda chorava. Lucius se virou novamente para mim.

— Só você pode impedir isso. Tenho o movimento rebelde em uma das mãos e terei você, fabricando poções que nos devolve a magia, na outra. Precisarei quebrá-lo primeiro para que faça isso de bom grado. E esse movimento começa com essa escolha.

Antonin sorriu. Draco encarou o pai, que sequer olhou em sua direção.

— Por favor, solte o garoto…

Ouvi o loiro mais jovem implorar novamente e aquilo foi demais. Draco não merecia mais sofrer.

— Irei com você, se o menino for libertado juntamente com Draco. — Falei.

Lucius tinha a minha aceitação e rendição. Eu não veria o meu afilhado perder mais um membro da sua família.

— Temos um acordo. — Malfoy fez uma reverência com a cabeça, triunfo dançando nos seus lábios. — Weasley, solte o menino.

Os braços de Weasley desceram e ele pôs o garoto no chão, que correu chorando até o pai. Eu olhei ao meu lado, para o abraço dos garotos que consegui, com provavelmente o meu último ato de liberdade, proteger. Ambos choravam. Draco finalmente quebrado o bastante pelo alívio de ter o filho de volta em seus braços.

E eu sei mais do que isso. Sei da profecia sobre Scorpius. A serpente pode ser Draco também, ele é tão pária quanto eu fui, e esteve sob a bandeira Sonserina por tanto tempo quanto eu e foi corajoso o bastante para se libertar dos nossos estigmas. O Novo Mundo que iríamos refazer, precisaria deste tipo de coragem. Se Scorpius era a constelação da profecia e Hermione o leão, Draco poderia ser a serpente.

— Diga a ela… — Sussurrei, tentando encontrar as palavras certas. — Diga que sinto muito. — Minha voz falhou, quando Draco soltou um soluço alto e mais lágrimas escorreram pelo seu rosto já manchado, mas ele assentiu mesmo assim. — Diga à Hermione que sinto muito por ter alimentado algo que não vai poder ser real. Diga a ela que eu queria que tivéssemos tido mais. — Lutei para continuar, apesar da boca trêmula. — Diga que ela precisa lutar e sobreviver e libertar a magia. E diga que agradeço a ela por ter feito seu caminho até mim.

Draco assentiu mais uma vez, apertando Scorpius mais forte contra si.

— Palavras tocantes. — Lucius debochou. — Agora leve este menino chorão daqui antes que eu volte atrás de minha misericórdia.

Draco levantou-se, tendo o cuidado de não deixar o filho ver mais nada daquela cena, enterrando o rostinho do menino no seu peito. Um suspiro de alívio saiu de mim quando pai e filho atravessaram a sala e saíram pela porta da frente

— Agora que não temos mais uma plateia infantil, — Lucius pisou mais perto de mim. — ajoelhe-se e tire a camisa. — Meus joelhos reclamaram ao descerem até o chão quando obedeci. — Mais baixo. — Deslizei o corpo até estar com a testa no piso de madeira. — Excelente.

Eu percebi o que ia acontecer antes da ordem dada.

— Totts, Weasley. — Os dois homens se adiantaram e eu não protestei quando cada um me segurou por um braço e me levantaram de braços abertos, enquanto Lucius se aproximava. Seu hálito balançou a mecha solta do meu cabelo quando ele falou: — Dez chicotadas, Antonin. Deixe que o nosso estimado Severus experimente o que o espera quando chegarmos à mansão, caso ele não coopere com a causa. — Eu fitei o olhar cruel de Lucius conforme encarava os meus olhos e sorria, enquanto ouvia Antonin puxar o Flagrum novamente. — Por que não conta o número de golpes para nós, Severus? — Mantive minha boca fechada, tal qual a minha mente. — Conte, ou ordenarei que Antonin recomece a cada uma que você perder.

Senti meu corpo me trair e estremecer com a ameaça de Lucius. Eu conhecia a dor da chicotada, Antonin tinha me atacado quando Lucius me distraiu pela esquerda. Sei qual é a sensação das esferas dentadas arrancando pedaços da minha carne. Mas desta vez, eu estava avisado e não me permitiria sentir aquilo, não permitirei que a minha alma sinta aquela dor de novo. Eu preencheria minha cabeça com o sonho doce que eu tinha desde que Hermione Granger cruzou o meu caminho.

— Comece! — Ordenou Lucius.

Eu inspirei, preparando-me para o estalo e a dor que me atingiria, mas antes que minha mente estivesse completamente dominada pela lembrança que escolhi para ocupá-la e mesmo contendo-me com a força da minha barreira mental, o golpe brutal quase me fez gritar. Senti o sangue escorrer pela parte de trás da calça.

— Quero o número, Severus. — Lucius disse, ainda parado à minha frente.

Eu não o faria. Não contaria minha desgraça para esse aristocrata sádico.

— Antonin. — Lucius ordenou.

Outro estalo e mais uma onda de dor. Arqueei as costas, e ofeguei pelos dentes trincados. Weasley e o companheiro imprimiram mais força nos meus braços para evitar o meu cambalear. Lucius sorriu e ele e Antonin esperaram a minha contagem. Mas eu morreria antes de fazer aquilo.

— De novo! — Lucius comandou.

Antonin obedeceu por mais sete vezes, antes que um grito de dor escapasse dos meus lábios, incapaz de contê-lo quando as esferas atingiram a carne já aberta e massacrada das minhas costas. Outros cinco golpes se seguiram, gritei, mas me recusei a contar.

— Novamente. — Repetiu Lucius.

— Malfoy… — Murmurou Weasley. — Talvez seja prudente parar.

— Ainda há áreas sem ferimentos. — Rebateu Antonin.

— Não é prudente ficarmos aqui. Draco pode acionar alguém. Ele tem contatos no mundo bruxo. — Weasley insistiu.

Eu estava fraco demais para lamentar ser poupado de mais dor por uma observação de Weasley. Lucius fez um barulho de desprazer.

— Continuaremos mais tarde, Antonin. Levem-no.

Quando Weasley e o companheiro me arrastaram, o movimento fez o meu corpo colapsar com tanta dor que a escuridão invadiu a minha visão. A cada centímetro em que fui arrastado até a parte de trás da casa e os meus pés raspavam pelo piso, era como se mais chibatadas me atingissem. Sangue ensopava a minha calça e eu imaginei que precisaria de um curandeiro para curar os ferimentos profundos que o chicote causou. Uma fina folha de esperança me preencheu ao saber que Lucius não me deixaria morrer, se tinha interesse que eu produzisse a poção da magia. Pelo menos, até que Hermione liberasse a magia de volta na terra, eu ficaria vivo.

Hermione.

Pensar nela me lembrou que nosso tempo juntos foi ínfimo. Mas eu seria grato pelo tempo em que pude conhecê-la. Grato porque eu tinha conseguido entrar na pequena parte do seu mundo privado e assistir séries e filmes com ela, rir em sua companhia, ouvir verdades duras durante nossas discussões. Grato por tê-la tocado, seja para examinar suas costelas ou para apertá-la de encontro a mim enquanto a beijava.

Eu seria agradecido pelos últimos meses apenas por tê-la ouvido me dizer que não quebraria sob as minhas mãos. Preenchi minha mente com a cena de nós dois naquele pôr do sol, e do exato instante onde ela sussurrou meu nome no meio do beijo quando a toquei intimamente. Não protestei quando Lucius agarrou o meu pulso e nos aparatou para a mansão. E nem quando ele me jogou num catre pútrido nas masmorras.


Meus pés mal haviam tocado o piso da minha pequena sala de estar, quando olhei ao redor do espaço e reconheci os cabelos loiros de Draco assim que o vi sentado no sofá. Dean, Remus e Harry entraram atrás de mim, contornei o móvel e me vi encarando uma cena terna na minha frente: Scorpius dormia profundamente, enterrado no peito do seu pai, que fitava minha televisão desligada, enquanto deslizava a mão carinhosamente pelas costas do filho.

— Severus deixou você entrar? — Eu disse em forma de cumprimento ao loiro, que finalmente desviou o olhar da tela escura e fitou o meu. — Onde ele está?

Foi só após a minha pergunta que eu notei as emoções no rosto de Draco. Pesar e ira, ou um misto dessas duas, pontuado por puro pânico. Eu quase consegui ouvir o partir do meu coração quando meu antigo inimigo da escola falou:

— Lucius o levou. — Duas grossas lágrimas desceram por cada um dos olhos cinzas de Draco.

— Como? — Minha voz falhou quando fiz a pergunta. Meus olhos se elevaram de Draco para os três homens de pé, parados na minha sala. — Dean?

— Ele se trocou por Scorpius e por mim. — Draco falou novamente. A voz grossa pela emoção. — Para que nós dois pudéssemos escapar. — Ele me encarou, seu olhar agora carregado de agonia e desespero. — Desculpe.

Harry me pegou antes que meus joelhos atingissem o chão. E me segurou com força por todos os minutos em que Dean narrava que Severus tinha enviado ele e Harry para me buscar assim que lembrou do solstício do Hemisfério Sul. Ele mesmo teria ido buscá-la, se não precisasse colocar Scorpius em segurança, disse Dean. Mas era uma armadilha.

— Sinto muito. — Draco murmurou.

Eu lembrei das palavras de Severus me dizendo que as chances eram ruins. E que não queria me dizer nada que não pudesse cumprir, e soube que ele esperava pelo momento em que tudo daria errado e ele não viveria para ter uma história feliz. Como no passado. Severus não esperava que tivéssemos tempo. Foi o que ele quis me dizer antes que eu partisse para o Brasil. Ele não esperava viver o suficiente até o nosso final feliz.

Mas eu não aceitaria aquilo. Não aceitaria nem por um segundo que ele tinha aberto a guarda para mim e eu havia invadido seu espaço e dito a ele que ele me merecia, para no fim, Lucius bastardo Malfoy nos separar. Jamais aceitarei que o meu destino e o dele seja esse. Eu não vou libertar a magia de volta para um mundo onde eu não possa viver com Severus.

— O que faremos agora? — Indagou Remus.

Eu o encarei, quando todos os homens na sala olharam para mim.

— Dean vai com você resgatar Minerva. — Eu disse para o lobisomen. — Ele é um nível nove. Você estará em boa companhia. — Dean assentiu para mim e desviei o olhar para Harry. — Nós vamos aparatar até Bamburgo e eu vou colocar o feitiço Fidelius na sua casa e…

— Nós não moramos mais lá. — Harry me interrompeu. — Ron… ele estava presente, quando capturaram Severus. Foi ele quem entregou a localização de Draco. — Ódio fervilhou dentro de mim, Harry notou minha mudança de humor. — O único ponto a favor dele é que ele não fazia ideia que haveria uma criança lá e implorou a Lucius para deixar o menino partir.

— Ele vai ter o que merece. Vamos esquecer do pequeno traidor por hora. — Eu disse friamente. — Preciso que você e Ginny estejam sobre o feitiço Fidelius para que cuidem de Scorpius. Fará isso por nós, Harry?

— Sim. — Meu amigo me respondeu, nenhuma hesitação em sua voz.

Olhei para Draco, que não protestou ao me ver negociar o filho dele assim. Eu sei que ele costumava ser tão inteligente quanto eu em Hogwarts e já havia imaginado o que eu pretendia.

— Você irá até a mansão Malfoy. — Falei e Draco ainda assim não disse nada. — E vai usar sua astúcia sonserina para convencer sua mãe a nos dizer onde Lucius está mantendo Severus. E assim que descobrir, você me conta.

Draco assentiu com a cabeça. Os dedos ainda estavam correndo sem parar, subindo e descendo carinhosamente pelas costas do menino dormindo e alheio a tudo o que estávamos planejando ali.

— O que você vai fazer com a informação, Granger? — A voz de Draco finalmente ecoou pelo silêncio da sala.

— Eu vou resgatar Severus. E vou cumprir minha promessa a você: eu queimarei aquele lugar até o chão, enquanto ouço o seu pai implorar por misericórdia.


Notas Finais

1. O enigma no grupo do whatsapp foi o seguinte: Haverá a aparição de um item, algo que pode ser usado para causar sensações, tanto boas quanto más. Essa coisa aparece em alguns momentos da bíblia. A resposta certa seria "açoite ou chicote", que pode ser usado para a dor ou prazer (em cenas BDSM).

2. Neste link há uma imagem de como é um Flagrum:

3. Peço desculpas pelo capítulo mais curto.