Notas do Autor
Disclaimer: Todos os personagens do universo Harry Potter, assim como as demais referências a ele, não pertencem ao autor desse texto, escrito sem nenhum interesse lucrativo, mas à JK Rowling.
Capítulo 23 - O resgate no Festim dos porcos
Draco se foi há três dias. Somando-se aos quatro que passei no Brasil, totalizava-se sete. Uma semana inteira desde o momento em que Severus foi levado cativo. E quanto a mim, eu mal lembrava do meu próprio nome. Só me lembrava porque os outros membros da força tarefa que montamos o repetiam enquanto iam e viam com atualizações sobre a busca por Minerva, sobre notícias dos Potters e sobre movimentações dos rebeldes.
Eu parava por tempo o bastante para alimentar meu corpo e dar a ele algumas horas de sono. Não fosse por essas necessidades fisiológicas básicas, eu nunca pararia de mergulhar fundo no treinamento da magia elementar. Eu precisaria de toda força, concentração e habilidade que pudesse reunir, para quando a busca por ele terminasse e eu pudesse enfim arrancá-lo de onde ele estivesse. Precisaria de cada gota de controle do meu treinamento para enfrentar o aristocrata sombrio que me havia dilacerado por dentro, roubando Severus de mim justo quando nós dois encontramos um ao outro.
E depois que eu acabasse com Malfoy, eu enfrentaria fantasmas, mantícoras e o que mais houvesse naquela tumba, determinada a destruir o que bloqueava a magia. Era apenas por esses objetivos que eu permanecia focada enquanto dias se passavam sem que Draco me desse um sinal.
E em cada um desses dias, treinei legilimência e li exaustivamente sobre projeções mentais. Tentando lançar minha alma ao vento para onde quer que Severus estivesse preso. Encontrarei você, era o meu sussurro lançado.
— Vou trazê-lo de volta. — Disse Draco, do canto onde estava, próximo à janela, como se respondendo a algum debate não proferido.
Dean voltou o olhar para o antigo herdeiro Malfoy. Os olhos cinzas de Draco brilharam.
— Então, você vai morrer. — Decretou Dean.
Dean tinha acabado de retornar com Lupin, de uma busca ainda infrutífera por Minerva. A lua cheia estava agora apenas há cinco dias de distância. Enquanto isso, Draco tinha finalmente voltado de onde encontrou-se secretamente com a mãe. Segundo ele, ela confirmou que a base de operações dos rebeldes era mesmo na mansão. Eu só podia imaginar a que preço ele conseguiu essa informação, sabendo de todo o rancor que ele nutria pelos seus genitores. Porém, eu descobriria sobre isso quando Draco quisesse conversar sobre.
A parte mais importante das informações que ele trouxe é onde ele havia me garantido que poderíamos ter a chance de entrar na Mansão Malfoy. Mas, segundo o próprio, havia proteções a considerar como, por exemplo, as magias de sangue, que talvez não fosse possível driblá-las, já que ele foi deserdado. Mesmo assim, ao ouvi-lo proferir que entraria lá, fiquei de pé e encarei os olhos cinzentos dele.
— Eu irei com você. — Anunciei.
Draco apenas assentiu.
— Vocês não vão conseguir entrar o suficiente naquela mansão. — Observou Lupin.
— Vou entrar pela porta da frente. — Rebati.
Todos semicerraram os olhos quando retirei o frasco da poção de dentro do meu bolso e tomei um gole, me transformando em minutos numa réplica perfeita de Narcissa Malfoy.
— Oh merda! Já passamos por isso antes. — Sussurrou Harry.
Dean se levantou.
— Malfoy vai saber que você não é ela. Não são duendes que você vai enganar desta vez, Hermione.
Era de conhecimento público a investida do Trio Dourado a Gringotes durante a guerra contra Voldemort. Todos sabiam que naquela missão eu havia me transformado em Bellatrix Lestrange. E tanto Dean quanto Harry, meus dois melhores amigos, sabiam que eu havia jurado nunca mais repetir uma impudência dessas, mas aqui estava eu, precisando novamente fazer o que fosse necessário.
— Draco concordou em doar memórias para replicarmos as joias de Narcissa. Preciso que um de vocês vá até Filius, as transfigurações dele são as melhores, na ausência de Minerva. — Continuei como se Dean não tivesse feito a observação anterior.
Lupin soltou um suspiro, antes de fazer um sinal para Draco e estender sua varinha para a têmpora do ex-herdeiro Malfoy. O bruxo mais velho não fez mais perguntas ou observações, e partiu logo em seguida com algumas das minhas bijuterias para Filius transfigurar em réplicas das jóias de família que Narcissa usa.
Até o retorno de Lupin, eu mergulhei em algumas das memórias de Draco para conseguir imitar bem os trejeitos da mãe dele. Narcissa sempre foi uma completa estranha para mim, e como havia o risco de toparmos com alguns dos ex-bruxos que a conheciam bem, eu deveria saber imitá-la com a maior precisão possível. Foi um tempo curto para treinar até que eu conseguisse uma imitação perfeita dela, uma que o próprio Draco me garantiu que estava assustadoramente parecida. Mesmo assim, como Narcissa não atuava diretamente na frente rebelde, nossa confiança estava depositada no fato de que ninguém ousaria olhar com muita atenção para ela. Nem lhe fazer perguntas.
Eu tinha acabado de tomar mais uma dose da poção Polissuco quando Harry voltou a entrar no quarto onde Draco havia me deixado para me arrumar.
— Se Malfoy me ver, ele vai saber que sou uma impostora. — Falei a Harry, antes que ele tivesse a chance.
— Sim, vai. — Confirmou Harry, com a voz rouca.
Mas ambos sabíamos que estávamos sem ideias, ninguém conseguia ver outra solução. Minhas mãos começaram a tremer, porque eu tinha absoluta consciência das nossas mínimas chances e porque também sabia o que enfrentaria lá. Vi pessoalmente a crueldade de Lucius Malfoy quando matou a atual namorada de Draco, dias atrás.
Harry cobriu a distância entre nós, segurou minhas mãos e me olhou nos olhos, e eu sabia que mesmo que ele estivesse olhando para o rosto de Narcissa, ele conseguia enxergar a minha alma por baixo do efeito da poção.
— Há alas em volta da Mansão. Mesmo com a magia extinta, algumas das alas de residências dos sangue puros são antigas demais para terem sido derrubadas. Uma delas é a anti-aparatação. Você precisa entrar e sair de lá andando. Só após os limites da propriedade é que vai poder aparatar de volta para cá.
Assenti. Harry deu um leve beijo em minha testa.
— Desculpe por ter trazido você para o meio disso. — Lamentei com a voz rouca, meus olhos fixos na tábua do piso. — Eu sei que é pedir muito a você para deixar sua família sozinha.
Harry segurou as laterais do meu rosto, me obrigando a olhá-lo nos olhos.
— Ele vale a pena. — Harry disse com a voz forte. — Não se distraia. E não demore. Você é uma lutadora, Hermione, e lutadores sabem quais brigas lutar.
Assenti e permiti que uma única lágrima escorresse pela minha bochecha, antes de encarar Harry com o olhar determinado. Ele sorriu para mim.
— Eles tomaram algo que é meu. E não permito que esse crime fique sem punição.
Foi Harry quem concordou com a cabeça dessa vez.
— Não tenha medo. — Ele sussurrou. — E não hesite. Entre, pegue-o e saia de novo. Faça-os saber que você é uma leoa grifinória. E a mais poderosa que existe.
Draco escolheu esse momento para voltar ao quarto, parando no umbral da porta ao nos ver juntos. Harry desembolsou o seu manto de invisibilidade do bolso e o estendeu para o loiro.
— Entre com ela e saia com os dois. — Disse Harry a Draco quando passei para o lado do nosso ex-inimigo de infância. — E, diferente de antigamente, estamos do mesmo lado agora e eu não me importo com quantos você precise matar para isso. Os dois saem.
Draco deu um aceno positivamente firme.
— Eu juro, Potter.
Não era um juramento mágico, nenhum dos dois possuía magia em suas veias para isso, mas eram palavras poderosamente formais.
Descemos até minha sala e eu segurei com força a mão de Draco quando ele me deu um leve aceno de cabeça. Ele tinha me mostrado antes o ponto onde eu deveria nos aparatar. Olhamos uma última vez para Harry, Lupin e Dean, este último deslizou os olhos entre mim e Draco, e eu consegui enxergar refletido ali um medo que eu achava que não veria mais em nenhum dos meus amigos. O medo de que a guerra nos roubasse um do outro. De novo. Assim que a boca de Dean se abriu para dizer algo que eu não precisava ouvir agora, eu e Draco partimos.
O alvorecer devia chegar em duas horas, quando eu nos aterrissei em uma mata densa no alto de uma colina que se debruçava sobre o limite da imponente mansão. Draco tirou um vidro de dentro do bolso e eu assisti o líquido espesso e vermelho pingar nos limites dos feitiços que protegiam a propriedade.
— Você não podia fazer um corte aqui? — Perguntei levemente divertida, tentando quebrar o clima sombrio da nossa expectativa pelo que viria.
— Não é meu sangue. — Ele respondeu friamente. — Eu fui deserdado.
— Como você conseguiu que sua mãe doasse sangue, além dos próprios cabelos, afinal? — Perguntei curiosa enquanto aguardávamos as proteções caírem.
— Você me impressiona com o quanto não faz muito jus à sua fama de bruxa mais inteligente da sua geração, Granger. — Draco respondeu quando vislumbramos o primeiro cintilar nas alas bem à nossa frente.
— Bem, você não me deu muita coisa. Só alguns fios de cabelo e agora esse frasco. Não é muito para que eu trabalhe, mesmo com a minha mente afiada. — Devolvi, levemente irrritada.
As proteções caíram e Draco sumiu debaixo da capa de invisibilidade no mesmo instante em que pisamos dentro dos terrenos da propriedade Malfoy e a voz dele soou de algum lugar à minha esquerda.
— Narcissa não me deu nada, Granger. É só o que você precisa saber.
Alisei a túnica que Draco havia me feito transfigurar em algo que a mãe dele certamente estaria vestida e comecei a abrir caminho colina abaixo, direto para o coração do movimento rebelde.
Nosso primeiro teste seria o mais perigoso, passar pelos guardas posicionados no limite do acampamento e convencê-los de que Narcissa havia saído para um passeio na madrugada. Congelei minhas feições naquela máscara enojada que a loira sempre estampava no rosto, ergui bem a cabeça e tratei de exibir o anel falso de casamento que Filius havia transfigurado, tentando replicar de forma exata a aura de poder que ela exibia, porque, mesmo que Narcissa não passasse de uma esposa troféu para Lucius, ela nunca estamparia uma postura derrotada.
Não podia ver Draco, mas podia sentir o leve farfalhar da capa sobre ele. Os seis guardas que flanqueavam a entrada da mansão me avaliaram, caminhando para fora da escuridão dos terrenos, com um leve tom de surpresa e eu me preparei para a primeira interrupção. Mas nenhum deles me impediu quando passei direto por eles e cheguei ao hall de entrada. Fora a expressão surpresa em seus rostos por ver a dona da casa vagando a essa hora pelos jardins, eles não disseram nada.
Eu não ousei relaxar os ombros, nem mesmo suspirar com puro alívio. Não conforme seguia pelo hall e finalmente entrava no local onde fui torturada por uma sádica. Segui direto pela porta principal e não olhei, nem mesmo me virei, na direção de ruídos que alcançavam meus ouvidos. Eu não tinha ideia do que aquele lugar faria comigo quando eu entrasse nele, e assim que meus pés atravessaram a primeira sala, minha respiração engatou e um medo gelado desceu pela minha espinha.
Quase conseguia sentir a dor da Maldição Cruciatus que me acometeu. Meu ciático latejou, quase como se carregasse a memória do lugar onde ele foi arruinado anos antes. Meus pés travaram parados no meio da primeira sala de estar da mansão e foi preciso que Draco sussurrasse por detrás de mim que eu precisava manter o foco porque em algum lugar daquele poço infernal estava Severus, para que eu despertasse do torpor e me obrigasse a andar novamente.
Draco tinha desenhado a planta da mansão para mim, e o calabouço não parecia tão longe quanto parecia agora, enquanto ele me guiava pelos corredores e salas que nos levariam até lá. Foi maravilhoso termos vindo durante a madrugada, afora os guardas na entrada, não topamos com ninguém e eu quase tive a esperança de que entraríamos e sairíamos sem sermos notados. A hora da noite funcionava em nossa vantagem. Parecia que todo o resto do pessoal dormia. Depois que o sol afugentasse as sombras, no entanto... Iria evidenciar algumas falhas nas transfigurações das minhas roupas e joias.
Era difícil analisar os ambientes conforme passávamos, e mais difícil me concentrar nos ruídos sombrios dos resíduos da magia das trevas daquela mansão enquanto fingia ser alguém completamente acostumada a ouvi-los.
Congelei, quando passamos por um dos corredores e o som das comemorações chegou até nós muito antes de conseguirmos ver o espaço onde tais pessoas estavam reunidas. Foi assim que soubemos que a maioria dos soldados não estava dormindo. Estavam ali, celebrando. Draco sussurrou para mim que ali se tratava de um dos salões de baile da mansão, e que seríamos obrigados a passar por ele se quiséssemos chegar na entrada do porão.
Viramos na entrada do espaço e vimos os rebeldes reunidos, alguns dançavam, outros apenas bebiam de enormes barris de carvalho com cerveja que eu reconhecia como bebida trouxa e alguns transavam em espreguiçadeiras espalhadas pelo espaço enquanto outros apenas observavam. Mas, em meio às risadas e à cantoria, eu podia ouvir os gritos.
Uma mão invisível apertou meu ombro, lembrando-me de não fugir nem demonstrar surpresa. Narcissa estaria acostumada com a profanação da casa dela, desde a segunda guerra. Minha boca secou quando outro grito soou e meu punho se fechou com força. Eu não conseguiria suportar se deixasse o que quer que fosse prosseguir.
A mão invisível de Draco segurou a minha, me puxando para mais perto e eu podia sentir ódio emanar da forma invisível dele enquanto percorremos as festividades vagarosamente. E finalmente vislumbramos a forma se tornar clara. Uma jovem, provavelmente trouxa ou bruxa sem poderes e simpatizante do sistema bruxo atual, estava amarrada de cabeça para baixo próximo a lareira.
Outras duas pessoas estavam penduradas ao seu lado, mas pela falta de reação delas, eu só podia imaginar que não estavam mais vivas. Meu estômago se revirou, ameaçando despejar o conteúdo pela garganta.
A última deveria ter aguentado por mais tempo, mas eu sabia que aquele seria o seu destino em breve. E eu não podia deixá-la ali. Mas, se permanecesse tempo demais, poderia chamar atenção para mim mesma. As palavras de Harry "lutadores sabem quais brigas lutar" ecoaram na minha cabeça, mas como eu poderia deixar aquela garota ali e conviver com essa culpa depois? Seria o mesmo que matá-la, se eu a deixasse ali para salvar Severus.
Estranha. Ela é uma estranha, escolha suas lutas, Hermione. Repeti na minha cabeça e tentei me forçar a andar novamente.
— Ele anda procurando por você. — Cantarolou uma voz masculina.
Draco soltou minha mão e se posicionou atrás de mim quando me virei e vi Theodore Nott saindo das sombras de um dos cantos do salão. O jovem de cabelos cacheados apontou com a cabeça na direção da lareira e, como se a mão invisível de alguém tivesse tirado uma venda dos meus olhos, eu o vi. Lucius Malfoy estava jogado em uma cadeira, a cabeça apoiada no punho e seu rosto era uma máscara de diversão enquanto observava o festejo, a tortura e a adulação da plateia que ocasionalmente se virava para brindar ou se curvar a ele. Eu provavelmente não o tinha visto antes porque estava distraída demais pelas imagens dos corpos e da garota sofrendo. Eu estremeci e senti Draco fazer o mesmo.
Obriguei minha voz a se suavizar e a adaptei ao tom de Narcissa.
— Andei ocupada dando algumas ordens aos elfos.
Theodore me encarou por um longo momento, voltando os olhos para o anel transfigurado no meu dedo e para a túnica cinza pálido que eu vestia. Eu soube assim que ele percebeu quem eu era, quando seus olhos castanhos brilharam diferente.
— Onde ele está? — Foi tudo o que eu disse.
Nott sorriu, arrogante. Não para mim, mas para qualquer um que nos observasse.
— Anda me seduzindo há semanas. — Sussurrou ele. — Aja como tal.
O rosnado que veio da forma invisível de Draco foi abafado por uma nova onda de gritos da garota pendurada. Engoli em seco, enojada. Mas ainda assim, apoiei a mão em seu peito, piscando quando me aproximei. Nott zombou.
— Acho difícil acreditar que foi assim que derreteu o coração gelado de Severus, Golden Girl. — Tentei controlar minhas feições quando ele me puxou pela cintura e deslizou o nariz pela minha garganta. — Você deu sorte de ter escolhido a forma da única mulher por quem todos sabem, eu obedeço, ou eu entregaria você agora mesmo.
Olhei ao redor, meus olhos encontrando-se com o de alguns dos soldados que nos encaravam com luxúria brilhando no olhar.
— Malfoy pode nos ver! — Chiei, quando ele cravou os dentes na minha garganta.
— Se você fosse mesmo a Narcissa, saberia que essa não é mais uma preocupação desde que me juntei ao casal Malfoy na cama deles em nossa última festa. — Retrucou Nott.
Dessa vez o rosnado de Draco foi mais parecido a um esgar de nojo.
— Onde ele está? — Perguntei novamente.
— Intocado. — O nó no meu estômago se aliviou com essa palavra. — Não por muito tempo. — Avisou Nott. — Ele entregou a fórmula da poção da magia, mas há gotas do sangue de alguém que desconhecemos e Severus prefere morrer do que entregar a identidade do bruxo. Lucius veio até aqui para pensar no que fazer com ele e maturar como pode atingir você com isso.
Não parecia mentira. Mas eu não tinha como confiar em Theodore Nott.
— Por que você está me contando isso? — Perguntei, encarando-o nos olhos.
Theo me encarou de volta, eu consegui vislumbrar alguma humanidade passar no seu olhar, antes que ele mascarasse tudo debaixo da frieza habitual que os antigos alunos da sonserina sempre usavam. Eu fiz minha última aposta. Acariciei seu braço e, depois, pousei a mão sobre o coração dele.
— É por ela? — Pisquei os olhos azuis de Narcissa, forçando-os a lacrimejarem. Theo pareceu esquecer por um momento que não era ela debaixo desse disfarce e pousou a testa de encontro a minha, respirando fundo. — Onde ele está, Theo? — Sussurrei.
Ele afastou a testa da minha e levou a boca ao meu ouvido.
— Você promete levá-la com você?
Narcissa. Eu senti Draco rosnar de novo do meu lado. Minhas mãos se fecharam no casaco de Theo.
— Apenas se ela aceitar ir conosco.
Consegui sentir Theo assentir contra meu ouvido.
— Ele está no escritório de Lucius. Acorrentado e ligado a um feitiço de sangue.
Eu não lembrava se havia sobrado sangue no vidro de Draco, mas respirei aliviada mesmo assim. Theo segurou meu queixo com uma das mãos.
— Venha para os meus aposentos agora, Cissa. Quero experimentar novamente o gosto dessa sua boceta. — Foi difícil não me encolher, mas deixei que ele colocasse a mão em minha lombar. — Parece-me que você já tem um pau entre as pernas e não precisa do meu.
Eu senti o solavanco que atingiu Theo por trás e o derrubou com força no chão. Só podia ter sido de Draco, mas um grupo de dançarinos entusiasmados havia acabado de passar por nós e Theo imaginou que eles fossem os culpados. Estendi minha mão para ajudá-lo a levantar.
— E quanto à jovem amarrada? — Perguntei.
Ele ficou de repente sério. — Houve muitas antes, e muitas virão depois. Simpatizantes do atual sistema.
— Não posso deixá-la aqui. — Falei entre dentes.
Theo continuou me levando em direção à saída do salão, diretamente para o escritório de Lucius. — Narcissa ou ela, não poderá sair com duas.
— Traga-me ela e farei acontecer. — Jurei.
Theo me ignorou. — Diga que Lucius a mandou para tentar convencer Severus em nome da antiga amizade de vocês dois. — Murmurou Theo.
Pisquei, e percebi que haviam guardas nas portas do que eu só podia supor, fosse o escritório de Lucius.
— Lucius me pediu que viesse tentar convencer Severus a entregar a identidade do fornecedor do ingrediente da poção. Não é segredo que nós sempre tivemos uma relação harmoniosa. — Eu disse a Theo com um olhar superior.
Theo fingiu irritação como se fosse um cachorro no cio deixado à espera.
— Seja rápida. — Disse ele, indicando com o queixo os guardas de cada lado das portas.
Os guardas não se incomodaram em esconder as expressões lascivas quando passei. Eles provavelmente sabiam do meu envolvimento com Theo e um deles arrumou o cinto quando entrei na tenda.
A energia escura da magia das trevas era bem mais forte ali, sombria e fria. Nenhuma brasa crepitava na lareira, nenhum candelabro estava aceso, tudo estava mergulhado na mais completa escuridão. Os pelos do meu braço se arrepiaram.
— Você tem cinco minutos para tirá-lo daqui. — Sussurrou Theo em meu ouvido. — Vá para o limite oeste da propriedade, é o caminho mais curto e as alas terminam no penhasco sobre o rio. Encontrarei vocês lá. Se ouvir gritos, não entre em pânico. — Era a provável distração que ele criaria. Theo sorriu para o lugar ao meu lado onde eu sabia, estava a forma invisível de Draco. — Espero que você não se importe em me chamar de padrasto.
Draco não confirmou que estava ali e ouvira a provocação. Theo voltou o seu olhar para mim novamente.
— Se a pegarem com vida, Lucius irá... — Ele sacudiu a cabeça. — Não deixe que a peguem com vida.
Então, ele se foi.
Draco se despiu da capa um segundo depois. Ele indicou com o queixo a estante de livros ao fundo e nós seguimos até ela, desviando de mesas e móveis. Assim que Draco moveu o livro que abria a passagem escondida na estante. Eu o vi.
Severus estava amordaçado e com os punhos atados em correntes poderosas. Ele estava de olhos fechados e eu conseguia ouvir o murmúrio de um cântico antigo saindo de seus lábios. Meu coração afundou quando reconheci o latim de algumas das palavras e os olhos de Draco se arregalaram quando também o ouviu. Era magia antiga, sendo evocada de modo a unir a essência das coisas. Eu me ajoelhei na frente dele e tentei tocá-lo e forçá-lo a abrir os olhos. Meus dedos chiaram em contato com a pele escaldante dele.
— Granger… — Foi Draco quem sussurrou.
— Abra a janela. Rápido. — Ordenei para Draco e me tentei acessar o homem na minha frente com a minha voz. — Severus. — Murmurei — Severus… deixe que a minha voz tranquilize você. — Mas o calor emanando do corpo dele pareceu aumentar. — Severus! — Tentei novamente.
Draco abriu a janela e eu corri até ela, evocando o frio da brisa gelada de dezembro para revestir minhas mãos e conseguir tocá-lo. Ajoelhei de volta na frente dele.
— Severus, estou aqui. Por favor!
Eu tentava fazê-lo me ouvir por cima da onda de sons que ele murmurava e parecia preenchê-lo, fazendo com que sentisse cada corrente que o unia à terra. Eu chamei mais uma vez, mas quando Severus finalmente abriu os olhos, eles estavam ardentes em chamas, no estágio de uso do elemento fogo, onde era quase impossível alcançá-lo.
— Severus! — Gritei, pousando minhas mãos agora geladas ao redor do seu rosto. — Já chega por enquanto, meu amor. Eu estou aqui.
Lentamente, muito lentamente, ele me olhou e eu me dei conta que ele já havia se entregado às chamas incandescentes que pareciam saltar de seus olhos.
— Olhe para mim! — Exigi. — Olhe, Severus!
— Granger, ele não consegue ouvi-la. — Draco sussurrou.
Severus havia me contado sobre esse estágio quando me ensinou a lição do elemento fogo. Era uma sensação de estar preso dentro de uma fogueira ardente, fundido-se ao elemento de uma forma que sua mente e corpo não pulsava com vida, mas apenas crepitava ao balançar das chamas.
— Deixe que o fogo queime sozinho, Severus. Solte! — Ordenei.
Eu podia ter jurado ver um esforço de vontade dele em voltar para o mundo real, mas as chamas ondularam mais forte em seus olhos e ele não conseguiu mais reagir.
— Se solte! — Implorei, segurando ainda o rosto dele, embora o frio já tenha ido todo embora e minha pele começasse a queimar novamente. — Se não se soltar, vai se queimar por completo, Severus. Você está quase se assando de dentro para fora.
Severus piscou, e o fogo se projetou dos olhos dele, atingindo a parede à minha direita. Draco gritou, sua mão correndo para me alcançar e me tirar de junto dele quando o tapete sob nossos pés se incinerou. A pele de Severus soltou fumaça ao redor dela.
— Draco, sugue o máximo de ar que conseguir! — Gritei e me voltei para Severus. — Desculpe. — Sussurrei, antes de me concentrar e fazer todo o ar desaparecer.
Severus tentou gemer, mas não havia mais como respirar. E também não havia mais ar para alimentar aquela combustão interna. Eu não sei quanto tempo se passou até que a escuridão de antes voltou com força total, quando ele tombou inconsciente.
Draco xingou quando eu soltei o ar de volta ao nosso redor. Ambos tossimos tentando respirar novamente e me arrastei até o corpo inconsciente de Severus, tentando verificar se ele estava respirando também. Confirmei que sim, mas ainda havia algo de muito errado com ele. Seu fôlego era raso e quente, muito quente. Ele tinha que ter ultrapassado algum limite para que ainda ardesse vivo sob a pele.
— Você aguenta carregá-lo? — Perguntei a Draco. — Eu consigo resfriar a pele dele com o ar frio lá de fora, mas precisamos levá-lo para água fria. Agora.
Draco vasculhou as vestes e pegou o frasco do sangue, pingando-os nas correntes de Severus, que se abriram imediatamente com o barulho fraco de tilintar. Draco o apanhou nos braços e nós corremos em direção a janela que ele tinha aberto antes.
— Não temos tempo. — Murmurou Draco. — Eles estão vindo. — Os gritos e urros começaram. A distração de Nott. — Corra e não pare!
Disparamos para os limites da propriedade a oeste, para o penhasco.
— Se Theo não estiver lá com a jovem a tempo… — Falou Draco.
— Então, você vai. Eu a pego. — Respondi de imediato.
Nós corremos pelos fundos, Draco carregando Severus ainda desacordado nos seus braços. Eu lancei um feitiço de levitação para que o peso dele não atrapalhasse nossa corrida. Cruzamos com dois guardas nos fundos das propriedades, mas Draco havia jogado a capa de Harry sobre nós, embora nossos pés fossem visíveis, com sorte, ninguém olharia para baixo.
Corremos pelos terrenos, nossos pés voando sobre grama e terra, enquanto a luz brilhava fraca no leste, atrás de nós, quando o dia começava a nascer.
Um uivo lancinante partiu a noite que morria. E soubemos que haviam percebido o que tínhamos feito. Eu tive a certeza que a magia havia modificado a essência dos lobisomens quando vi alguns deles correr atrás de nós, sentindo nosso cheiro pelo ar.
— Mais rápido! — Gritou Draco.
A terra estremeceu atrás de nós. Não ousei me virar para olhar. Draco cortou para a direita, desviando de uma pedra, e aproveitei a angulação para me virar e disparar flechas de gelo das mãos. Uma delas atravessou o pescoço da criatura mais próxima. O lobisomem caiu, e continuamos nossa corrida para o horizonte oeste ainda sombrio.
Eu conseguia sentir soldados correndo atrás dos lobos, rastreando as criaturas porque ainda não podiam nos ver. Mas minhas flechas de gelos informaram muito bem a eles da distância em que estávamos. Assim que os lobos nos alcançassem, aqueles rebeldes surgiriam e nos capturariam.
O ar ondulou, e ergui o rosto, vendo uma chuva de flechas trouxas disparadas por trás de nós, centenas delas, era uma tentativa às cegas de atingir qualquer alvo. Lancei um feitiço escudo poderoso, que mesmo assim, estremeceu com o impacto, mas se manteve.
No entanto, a capa escorregou de nossos corpos.
Os lobisomens se aproximaram, dois se desgarraram e cortaram pela lateral. Para nos encurralar. Pois ali na frente, estava a beira do penhasco, era o limite da propriedade. Segurei a mão de Draco, mas as alas anti aparatação ainda estavam em vigor onde pisávamos.
— Só após pularmos. — Draco murmurou.
Foi quando eu as vi, de pé no penhasco de uma queda muito profunda, e um rio imperdoável abaixo e aninhadas em capas escuras, estavam a garota torturada e Narcissa. Theo cumpriu a promessa de deixá-las lá e não estava em nenhum lugar a vista.
— Draco.. Eu não vou conseguir aparatar cinco de nós em queda livre. — Murmurei de volta.
Draco não respondeu, seus olhos estavam presos em algo atrás de nós. Me virei para olhar também e como se tivesse aparatado no ar com magia, Lucius Malfoy preenchia o espaço ao lado do lobo que havia nos perseguido.
— Que ladrões intrépidos. — Disse ele, lentamente, as palavras por todos os lados e, ao mesmo tempo, em lugar algum. — Como devo puni-los?
— Você tem alguma poção da magia com você? — Perguntei baixo a Draco.
— Não, algo melhor. — Ele respondeu e eu o vi sacar uma arma trouxa e apontá-la diretamente para o pai enquanto jogava o peso leve de Severus em um dos ombros.
— Draco… esqueça Lucius, tire Severus daqui. — Implorei a ele, ofegante. — Eu pego sua mãe e a garota.
— Iremos os cinco. — Draco rosnou.
— É uma ordem. Você precisa…
Minhas palavras foram interrompidas quando senti o impacto antes da dor lancinante e incandescente que irrompeu de meu ombro. Uma flecha tinha me atingido. Meus pés cederam sob o corpo, sangue jorrou, e caí no chão rochoso com tanta força que meus ossos reclamaram. Draco xingou, mas, com Severus em um dos braços, lutar não era uma opção para ele. Os lobisomens chegaram mais perto,. eu consegui disparar outra rajada de flechas de gelo com as mãos, mas meu ombro gritou com o movimento. Um deles cai à nossa direita.
— Torturar você seria tão entediante. — Ponderou Lucius. — Lembro que foi divertido da última vez, mas agora parece-me que você desenvolveu uma certa resistência à dor. — Cada passo dele era lento, intencional. — Então terei que fazer uma abordagem diferente com vocês dois em mãos. Como será que Severus se revoltaria e entraria em pânico se sua amante trouxa tivesse um fim por minhas mãos? Lembro-me de vê-lo em total desgraça quando o Lorde das Trevas eliminou a primeira.
O sorriso irônico de Lucius me distraiu o suficiente para que eu não pudesse avisar a Draco que corresse para o penhasco antes que dois lobisomens estivessem sobre mim. Um deles me derrubou antes que eu pudesse reagir e os dois saltaram sobre mim. Ergui o braço sobre a cabeça para evitar a mordida de um deles, até ouvir um rugido e vários disparos de arma de fogo. As formas mortas dos lobisomens desabaram ao meu lado e olhei para Draco mas ele olhava em choque para a direção contrária a minha.
Era Ron. Ele também tinha uma arma apontada agora para Lucius.
— Ron… — Falei, e seus os olhos azuis se semicerraram em minha direção. Corra, eles pareciam dizer.
Mais dois lobos se lançaram contra ele e Ron atirou nos dois. Lucius parou, e, embora permanecesse longe, eu podia claramente discernir a surpresa que deixou o rosto dele inexpressivo.
Fiquei de pé com dificuldade, retirando a flecha com um grito contido. Draco ao meu lado me agarrou pelo colarinho, e me empurrou na direção das duas mulheres.
— Você precisa nos aparatar. Concentre-se. — Ele ofegou, apontando novamente a arma para Lucius que retomava sua aproximação debochadamente lenta.
As duas mulheres de pé na beira do penhasco nos observavam com olhos arregalados, cabelos açoitados pelo vento no rosto. Eu jamais aparatei em uma queda livre. Mas não me permiti considerar a alternativa de estrunchar todos nós. Eu nos aparataria.
Outra flecha foi disparada em minha direção e eu ouvi o grito de Ron no último segundo, e rolei para longe da peça de madeira que voava direto em minha direção. Me levantei às pressas e corri na direção das mulheres, Draco já as havia alcançado. Eu vislumbrei o máximo de detalhes de todos nós e me preparei para o puxão da aparatação assim que entrasse em contato com todos eles.
Com dois passos faltando para a beirada rochosa do penhasco, eu vi a ondulação de magia de uma parede de escudo se erguer bem atrás das quatros pessoas que eu atingi. Nós cinco batemos com força na barreira dura de ar e fomos encurralados pelos lobisomens restantes.
A jovem gritou e Narcissa tinha o rosto banhado em lágrimas, Draco disparou a arma uma dezena de vezes para atingir os mais próximos de nós, mas não havia como escaparmos de tantos.
Tão rápido. Tudo aconteceu rápido demais. Um grito ensurdecedor saiu da garganta de Ron. E eu o olhei, coberto de sangue pelo ataque dos lobisomens.
— AGARRE!
Eu identifiquei o pedaço de pedra preta que ele lançou para nós quando ele já estava a poucos centímetros de distância.
— Deem as mãos! — Ordenei às pessoas juntos de mim, a mão de Draco se entrelaçou na minha no mesmo instante em que meus dedos se fecharam na pedra negra que era uma Chave de Portal.
A Chave de Portal estava ativa para o mesmo lugar de antes, o escritório de Minerva. Caímos em um amontoado de membros e foi preciso alguns segundos para que eu me orientasse.
— Para a Sala Precisa. Agora! — Ordenei a Draco, que se encarregou de levar Severus ainda inconsciente para lá.
A luz cinzenta da manhã já havia se espalhado pelo mundo, enquanto seguíamos para o sétimo andar. Imaginei o quarto com piscina que eu conjurava quando queria relaxar e quando as portas se abriram à nossa frente, eu ordenei que Draco mergulhasse Severus na piscina. Removi todas as minhas peles e roupas e mergulhei com ele, pouco me importando com as mulheres e Draco atrás de nós.
A água ao redor de nós estava quente da combustão ainda queimando dentro de Severus. Eu invoquei meu poder e varri os ventos frios ao redor do castelo para direcionarem sua frieza sobre a piscina à nossa volta. A água congelou por completo.
Não me lembro de quando as três pessoas partiram, nem me lembro qual foi o exato momento em que Severus finalmente parou de queimar. Mas eu me lembro de nos deitar no tapete de pele de urso depois que sua combustão acabou. E de como senti o corpo magro dele se aninhar perto do meu e se enroscar em mim, ainda inconsciente, ainda exalando um cheiro de fumaça daquela irredutível força de vontade em destruir a Mansão Malfoy de dentro pra fora. Eu mal tinha percebido o quanto estava frio em nossa volta até que seu calor me envolveu.
E eu não sabia por quanto tempo ficamos deitados ali juntos mas, nós dois, que nunca havíamos dividido uma cama antes, nos seguramos com força. E não soltamos.
Notas Finais
1. A música deste capítulo é Fix You, do Coldplay.
2. E eu odeio dizer isso, mas Ron a ama. Ao modo louco dele, ele jamais deixaria que nada acontecesse com a Hermione. Mesmo assim, eu ainda não sei se o perdoo.
3. O cronograma de atualização da fic sofreu uma alteração, e agora os capítulos serão sempre publicados aos domingos. Obrigada a todos!
