Notas do Autor


Disclaimer: Todos os personagens do universo Harry Potter, assim como as demais referências a ele, não pertencem ao autor desse texto, escrito sem nenhum interesse lucrativo, mas à JK Rowling.


Capítulo 27 - Nós apenas somos certos um para o outro


Ser curandeira era trabalhar com uma combinação de poções e feitiços que se combinavam durante o processo de cura. Não havia espaço para o caos, e era ali que eu encontrava o meu controle através de medidas calculadas e do conforto em executar feitiços que curariam alguém e me trariam uma sensação muito necessária de satisfação completa que não deixava espaço para preocupações.

Salvar vidas não era fácil e nem previsível, mas tudo o que eu precisava fazer era seguir as instruções, manter a calma e, quando precisasse improvisar, confiar nos meus instintos; no final, não haveria apenas um paciente salvo, mas a chance de ter a minha mente aliviada e clara.

Mas o plantão de hoje me deixou com uma necessidade dessa simplicidade. Um desentendimento com um dos curandeiros estagiários sobre o crescente número de visitas autorizadas a Minerva; dois bruxos em confusão mental por uma explosão de caldeirão; Ginny me ligando convocando uma noite emergencial de "garotas" e a explicação do passo a passo que precisei dar ao novo terapeuta que cuidaria dos Longbottons; sem mencionar a surpresa com o pedido apressado de reposição urgente do estoque de Wolfsbane, me deixaram com a cabeça fervendo.

O estado caótico da mesa de Neville não ajudava o meu humor em nada também. Ele sorriu quando notou meu olhar carrancudo a pilha de papéis à sua direita.

— Eu sei onde fica cada coisa, chefe. — Ele levantou, indo até nossa mini copa improvisada e começando a preparar o chá da tarde. — Esse seu olhar deveria me deixar apavorado, mas lembro como era seu humor esta manhã, antes da enxurrada de trabalho que se abateu sobre nós.

— Só faça o nosso chá, Neville, por favor. — Assobiei.

Um sorriso surgiu em seu rosto.

— Sim, você chegou aqui meio que flutuando essa manhã. Então eu vou insistir que sua carranca é pelo estresse do dia.

— Claro que é pelo plantão. Os domingos não costumavam ser dias tranquilos por aqui? — Perguntei retoricamente.

— Sim, costumavam. — Seu sorriso se transformou em uma carranca preocupada enquanto ele passava a mão pelo cabelo. — Ginny me ligou também sobre a noite das garotas mas não quis adiantar nada por telefone. Ela disse alguma coisa a você?

— Não. — Fiquei tensa quando mais uma autorização de visitas à Minerva apareceu magicamente na minha mesa. Eu assinei a recusa de imediato.

— Bem, já que sobre o plantão não há o que ser melhorado, podemos falar sobre o seu humor matinal? — Meu assistente foi direto.

Neville sorriu novamente para mim, apoiando o cotovelo na minha mesa enquanto me estendia uma das xícaras de chá que tinha acabado de fazer e esperou pacientemente pela minha explicação enquanto eu me reorientava e rapidamente decidia que, de todos os meus amigos, ele era o mais discreto e merecia saber alguma coisa.

Os rumores da equipe tomaram conta de todos os círculos, depois que as pessoas presenciaram a mim e Severus nos abraçando no campo de quadribol quando ele voltou do seu sumiço de três dias. Sem contar os rumores nos jornais, as suspeitas de Ginny comigo e Severus dividindo um quarto e o resgate e cuidado que eu tive com o meu orientador poucos dias atrás. Neville estava ciente de cada coisa dessa, o que já era muito. E isso nem incluía o que ele havia notado fora da minha presença. No entanto, que conclusão Neville havia tirado para si mesmo, eu ainda não sabia. Valia a pena investigar.

— Não foi você quem não quis olhar o meu beijo e de Severus na memória de Ginny? — Perguntei a ele enquanto tomava um gole do meu chá. Estava delicioso.

— Por que eu prefiro perguntar a você? — Ele devolveu.

Sua pergunta simples foi feita enquanto eu o oferecia um macaron de mirtilo, que tinha tirado de uma caixa de dentro da minha gaveta. Neville devorou a guloseima em uma única mordida e estendeu a mão em um pedido silencioso por outro.

— Responder a uma pergunta com outra pergunta é o que alguém faz quando está tentando ganhar tempo para dizer algo que já sabe.

Neville sorriu. — Seu humor dessa manhã confirmou minhas suspeitas.

— Você está demorando para fazer a pergunta real, amor. — Eu disse alegremente.

— Porque você está tentando me distrair com macaron! — Neville respondeu.

— Está funcionando?

— Não. Além disso, eu estava querendo perguntar desde nossa última noite de pizza e vinho, mas… — Eu sabia o final da frase dele: Cho podia se tornar obsessiva sobre qualquer coisa e fazer do nosso momento de relaxamento algo caótico, na melhor das hipóteses. — Bem, nós podemos andar em círculos ou você poderia me dizer a verdade sobre o que está acontecendo entre você e Snape. — Neville levantou a mão antes que eu pudesse responder. — E não diga que não é nada. Eu vi vocês dois na primeira visita a Minerva e Dean contou a mim e Ivan que ele tem ficado na sua casa porque a dele está ocupada por Narcissa Malfoy.

— Estamos namorando. — Meus nervos estavam ruins o suficiente sem notar a rapidez com que o queixo de Neville caiu. Era a primeira vez que eu confessava em voz alta a alguém o que eu e Severus tínhamos. — Nós estamos dividindo o mesmo teto e nós… hum, fizemos sexo. Não apenas uma vez, ou duas.

Se possível, os olhos de Neville se arregalaram, mais incrédulos; sua boca abriu e fechou várias vezes enquanto tentava formar palavras sem sucesso.

Eu olhei para longe, para dentro da minha gaveta ainda aberta de onde eu tinha retirado a caixinha de macarons. Eu não estava envergonhada pela confissão do sexo com Severus. Mas Neville, bem, havia todo um passado entre ele e Severus que não me dava chance de suavizar a notícia de que eu estava dormindo com seu algoz da infância. Honestamente, ela estava esperando pelo choque do meu assistente e essa era a minha relutância em não confessar, mas ele perguntou.

— Uh… — Neville finalmente limpou a garganta. — Desde quando?

— Oficialmente? — O olhar ainda chocado no rosto de Neville me confirmou que sim, ele falava sobre oficialmente. — Sexta à noite, mas eu... acho que estamos envolvidos há muito mais tempo.

— Estou confuso. Eu pensei que tinha surgido algo na viagem, pelo beijo que vocês trocaram, mas… não sei. Bruxos costumam fazer um pedido oficial de namoro somente após um certo tempo de cortejo.

— Sim… bem… não sei Neville. Alguns costumes de sangues puros não fazem a mínima diferença para mim. — Respondi honestamente, esperando que ele não se ofendesse com meu comentário. Neville cortejou Hannah por um ano inteiro, antes do pedido oficial de namoro ser feito. — Mas é novo e às vezes eu realmente não tenho ideia do que estou fazendo.

— Você gosta dele? — Neville parecia dolorido até mesmo de perguntar.

— Eu…

— Sem julgamento se você fizer isso. Eu só pergunto porque você parece nervosa.

Eu olhei para o relógio. — Você já pode ir, ou vai chegar atrasado para surpreender Hannah.

— É literalmente uma palavra Hermione: sim ou não. Simples assim.

Complexidades à parte, Neville estava certo. E eu já tinha confessado ao meu parceiro o que sentia, então, para mim, seria fácil repetir para qualquer pessoa que sim, eu o amava, pois confirmei isso durante os momentos mais estranhos e intensos que vivi com Severus. Foi nas mudanças que ele fez, e na maneira com que ele constantemente trabalhou para melhorar a si mesmo, permitindo que velhas feridas cicatrizassem e abrindo espaço para que eu o alcançasse. Foi também na forma do chá que ele mantinha para mim todas as noites, mesmo que já tivesse se recolhido para dormir. Ou ainda na forma ferrenha com que ele reafirmava que eu era uma bruxa excepcional.

Até mesmo fora desses momentos, eu conseguia encontrar a resposta em algo tão simples: na maneira como ele me olhava.

— Sim. Eu o amo, Neville.

— Então isso é tudo o que importa por agora. — Neville pousou a mão no meu ombro. — Você tem permissão para ser feliz.

— Estou tentando. — Murmurei. E eu sempre fui boa em ser feliz enquanto curtia um namoro. Eu fui feliz até com meu caso esporádico com Viktor. E eu sou boa em fazer isso quando Severus está por perto. Mas nós dois vivemos no meio de uma guerra, então o meu cérebro fica acelerado a cada oportunidade. — Nós nos entendemos de todas as formas. Mas acho que ele tem que pensar mais do que eu, e provavelmente hesitou por um tempo apenas porque eu também hesitei. Eu tenho minhas inseguranças, nós dois temos, e a lista é longa. Ambos somos marcados por essa guerra, mais do que gostaríamos. O lado bom é que ambos não somos impulsivos, temos certeza absoluta do que somos. Mas estamos numa guerra, Neville, não consigo ser feliz sabendo que há consequências esperando por nós em algum momento.

— As consequências estarão lá, independentemente. — Neville respondeu, sorrindo levemente. — Eu digo que você deve viver o momento.

Uma risada escapou de mim. — Eu esperava mais resistência sua contra ele.

— Eu não impediria você de encontrar o que está procurando, Hermione, mesmo que isso signifique que há uma chance de que Snape seja isso. — Neville deu de ombros e colocou a alça da própria bolsa no braço, enquanto me dava uma piscadela. — Não se engane, eu estou chocado, mas eu sou capaz de reconhecer a aura de felicidade que estava ao seu redor pela manhã. Aproveite isso, Mione, você merece.

Eu enxuguei uma lágrima teimosa que desceu pela minha bochecha, emocionada demais pelas palavras de Neville. Ele tinha todos os motivos do mundo para não apoiar meu relacionamento com Severus. Mas ele estava feliz por mim, atitudes assim é o que embasavam minha teoria de que a amizade era um sentimento muito mais forte que o amor. Talvez, quem nomeou ambos, os tenha trocado de posição.

Houve uma batida na porta do meu escritório muito tempo depois que Neville foi embora.

— Entre. — Ordenei, continuando totalmente focada na minha tarefa de analisar pergaminhos com o diagnóstico confuso de uma paciente recém admitida na Ala Janus Thickey que mal notei a porta sendo aberta e fechada, mas quando o visitante não disse nada, levantei enfim a minha cabeça com um comentário irritado na ponta da língua por sua não identificação.

Minhas palavras ácidas se transformaram em um suspiro ao ver Severus. A lembrança de acordar nos braços dele ontem, ainda estava vívida demais em minha mente para que eu não deixasse um sorriso leve brotar nos meus lábios ao vê-lo.

— Severus.

— Curandeira Granger.

Uma lufada de ar escapou de mim. Alguém devia explicar o porquê de Severus Snape soar tão sexy quando ele estava apenas sendo formal. Eu me sentia uma estúpida por suspirar só em ouvi-lo soar sério. Um dia, eu espero, que ouvir aquele timbre aveludado saindo da boca dele não me cause mais essa vibração infantil no meu estômago. Eu preciso me acostumar com meu nome em sua boca como se isso fosse uma coisa normal.

Mas não era apenas isso. Ele estava vestido em roupas trouxas e parecia tão casualmente vestido em perfeição, com uma calça cinza e camisa preta com uma gravata da mesma cor, que eu fiquei alguns segundos presa a sua figura, sem emitir nenhuma palavra. Era um visual diferente do habitual dele, e eu preciso confessar que essa escala monocromática de cores que Severus sempre usou, me faz esquecer que sou uma apaixonada pela beleza das cores. Vê-lo sempre em preto e cinza, num apelo claro à sua natureza simplista, me deixa atraída demais por esse homem. Ele se veste assim porque sabe o efeito que tem sobre mim?

Olhei para mim mesma e me senti tão mal vestida em meu jaleco verde limão, até me lembrar do meu vestido azul claro por baixo dele e quase fiz uma careta, só me contive do surto de irritação irracional porque o próprio Severus não parava de me olhar.

Foi desanimador que um único plantão de oito horas do domingo tivesse destruído toda a minha auto-estima recém adquirida pelos elogios que Severus me fez em nossa maratona de sexo da sexta à noite, que se estendeu pelo sábado inteiro. Ele sussurrou tantas vezes que eu era linda, que eu estava absolutamente convencida disso enquanto me vestia hoje pela manhã. Dois pacientes em confusão mental e uma cirurgia de reconstrução de estômago, pulverizaram qualquer bom humor que eu tive ao longo do dia.

Talvez eu pudesse me trocar ou...

— Minha suposição estava correta. — A voz dele interrompeu meu pensamento.

— E ela era…? — Perguntei, observando sua firme aproximação.

Severus não parecia crítico enquanto examinava o caos descontrolado na mesa de Neville; ele provavelmente se acostumou com a visão disso, dada a todas as visitas que fez aqui. A permanência de Minerva no hospital me fez autorizar a abertura da conexão Flu do escritório da diretora em Hogwarts para o meu, em Saint Mungus, para que Severus não precisasse aparatar em caso de emergência e corresse o risco de ser novamente convocado pelos Inomináveis.

— Que você não estaria pronta. — Ele me respondeu.

Finalmente me lembrei de olhar o relógio na parede junto à porta. Oh, droga! Eu valorizo muito a pontualidade, mas minha escolha de profissão quase não me deixa abertura para estar imune ao atraso.

— Estou quase terminando. — Respondi e voltei à minha tarefa, rapidamente escrevendo as minhas anotações sobre as poções e feitiços que ministrei nos pacientes do dia. O som da minha pena arranhando era o único ruído no silêncio. — E os outros?

— Convoquei a reunião para amanhã à noite. — Severus sentou na cadeira do outro lado da minha mesa e eu quase sorri com a visão. Era uma estranha inversão de papéis; meu antigo professor, hoje orientador, sentado à minha frente enquanto eu ocupava o assento de maior autoridade. — Draco contou à ela.

Parei de escrever e dei a ele toda a minha atenção. — Eu deveria saber o que isso significa?

— Draco contou a Narcissa que ela tem um neto. A visita dele após isso foi uma pura contemplação de lágrimas. — Ele continuou.

— Bem, era de se esperar. Draco está bem? — Severus deu de ombros e eu dei um olhar significativo a ele. — Você está bem com isso? Eu sei o quanto vocês dois não querem que a informação sobre a existência de Scorpius vaze até Lucius. — Alcancei a mão dele que estava sobre a mesa.

Severus deu um olhar para as nossas mãos juntas.

— Sinto falta de Albus. — Ele murmurou.

Eu não respondi a sua frase, esperando que ele fizesse a conexão entre a falta que Albus Dumbledore fazia na vida dele com a conversa que estávamos tendo. Meu parceiro demorou alguns minutos antes de falar novamente. Eu imaginei que ele estava repassando em sua cabeça algumas das situações que ele e Albus viveram juntos e que justificava a declaração que ele tinha acabado de fazer.

— Ele não teria esperado tantos dias até usar a informação sobre Scorpius para exigir uma posição mais ativa de Narcissa. — Severus soltou um suspiro. — O bem maior valia qualquer coisa. Qualquer pessoa.

— Isso é sobre o Harry? — Perguntei.

Os olhos do meu antigo professor de poções encontraram os meus quando ele acenou afirmativamente com a cabeça.

— Scorpius não seria o primeiro garoto a ter sua vida jogada no meio de uma guerra. — Ele disse em tom de lamento. — A diferença agora é que sou eu quem estou na frente dessa tomada de decisão.

— E você preferiria que fosse o Albus fazendo isso. — Não é uma pergunta, mas Severus acena positivamente de novo. Eu aperto os meus dedos sobre os dele, tentando tranquilizá-lo com meu toque. — É a sua vez, Severus, não há como fugir disso.

— Eu sei. — Ele murmurou, desviando o olhar.

— Mas há uma grande diferença entre você e ele. — Seus olhos voam novamente para encontrar os meus e eu posso ver refletida uma ansiedade lá, ou talvez seja um fundo de esperança de que eu enxergue melhor do que ele a situação onde ele se encontra. — Você os deixa saber os seus passos. Ninguém está no escuro aqui. E acredite em mim, fui caçar horcruxes com Harry e não tínhamos nada mais do que suposições sobre as pistas. Foi difícil. Então se você foi claro com Draco sobre o que ele precisava fazer para que ganhássemos a ajuda de Narcissa, você já é uma pessoa melhor. E Draco não pode deixar Scorpius à margem disso. O garoto está na profecia. Mais cedo ou mais tarde, ele estaria envolvido. — Severus me deu um olhar significativo e eu finalmente soltei a mão dele para retomar o meu trabalho de onde havia parado. — Draco sabe que eu e você vamos proteger Scorpius. Se ele concordou em convencer a mãe a acionar Theodore e usá-lo como um espião dentro da força rebelde, é porque ele acredita que devemos aproveitar esse movimento para mudar o rumo do embate com Lucius e permitir que agora sejamos nós que ditaremos o tom da batalha. Você confia em Narcissa?

— Sim. — Severus não hesitou. Ele consultou o relógio. — Seis e quinze.

Faltava apenas uma hora até o pôr do sol.

— Finalizado. — Respondi e bati minha varinha nos pergaminhos, que assumiram a forma de aviõezinhos de papel e decolaram até o escritório do meu rendeiro de plantão.

Lamentando novamente a minha escolha pelo vestido azul claro justo, convoquei meus saltos com um aceno irritado da minha varinha. Eu podia sentir Severus me observando enquanto saía dos meus tênis antiderrapantes brancos de trabalho e subia no meu par de saltos pretos que eram um bonito modelo boneca, mas eu finalmente cedi a minha crescente irritação, e bufei.

— Eu posso simplesmente aparatar para casa e me trocar e…

— Não.

Quando me virei, Severus estava bem atrás de mim e perto o bastante para descansar as mãos em meus ombros. Eu quase me esquivei dele, afundada demais na minha irritação purulenta.

— Você está tão bem e eu estou com a mesma roupa do dia inteiro de plantão, e…

— Hermione, você é linda mesmo sem tentar. — Ele me interrompeu. — É uma pena que você não seja auto consciente sobre isso. Vou me empenhar em lembrá-la disso todos os dias.

Minha irritação evaporou como a neblina sempre que o sol sai, e eu ergui o meu queixo enquanto um rubor coloriu minhas bochechas. Quem era esse homem que sabia exatamente o que falar quando eu me enfiava em um poço de auto-flagelação?

O olhar de Severus sobre mim era de completa atração.

— Eu pensei que você não…

— Azul é a minha cor favorita em você. — Ele declarou, e, como se ele não tivesse me dito algo novo e surpreendente, ele se moveu, deslizando as mãos pelos meus braços e deixando arrepios em seu rastro. — Você está pronta?

— Sim.

Severus enfiou a mão no bolso da calça e tirou um isqueiro de dentro dela. Com dois toques de sua varinha, a Chave de Portal foi ativada, e assim que nossos pés pousaram no chão, me vi admirando mais um pôr-do-sol com Severus.

Eu acho que o momento de admiração pelo colorido róseo do céu, seria nosso porto seguro por todo o sempre. Aquele beijo marcou o início do nosso "sim", então eu acho que a partir dali, assistir o mundo ser tingido em cores quando estivéssemos juntos, seria o nosso momento de admiração do nosso próprio amor. Muito mais do que só admirar um espetáculo fornecido pela natureza. E eu sei que nem eu, nem ele, costumava nos dar a chance de fazer isso, mas agora esse era um momento nosso.

De pé na colina que Severus escolheu nos trazer e apoiada no parapeito de ruínas antigas deixadas por alguma civilização passada, eu observei o sol mergulhar lentamente no horizonte, enquanto absorvia seu calor e energia. Um sorriso brincou em meus lábios.

— Você sabia que as cores do pôr do sol resultam da luz refratada por partículas na atmosfera? — Perguntei a ele, mordendo meu lábio. — Claro, há mais do que isso, mas não quero aborrecê-lo com conversas sobre o comportamento da luz, a composição da atmosfera, comprimentos de onda e dispersão. Eu estudei um pouco de física trouxa.

O som do vento ao nosso redor foi tudo o que eu ouvi até que sua risada cortou o espaço.

— Por que não estou surpreso em você ser uma sabe-tudo até no mundo trouxa, mesmo que tenha passado sua educação juvenil presa em um castelo e lutando uma guerra?

Eu bati no braço de Severus, que mal se mexeu.

— Eu sempre achei o pôr do sol lindo! Então li sobre isso em um livro.

— Oh, num livro? — Ele arqueou uma sobrancelha. — Isso também não é nada surpreendente, Granger. — Sua voz soou suave, antes que ele gargalhasse.

E talvez fosse o humor irradiando dele ou a facilidade de nossa conversa, mas o que quer que fosse, me fez rir livremente, até que eu captei a curva dos lábios dele e meu sorriso desapareceu lentamente quando ele olhou para baixo, para mim.

Desde que essa nossa relação começou, quando fomos nos tornando amigos próximos, eu percebi que Severus não sorria muito abertamente. Mesmo quando ele parecia feliz. Eu podia contar nos dedos as vezes que o vi fazer isso. Vê-lo sorrir abertamente agora, foi real e encantador. Meu peito se inchou de tanto amor que eu desviei os olhos dos dele.

Inalando o ar fresco, dei uma olhada ao redor. Havia árvores e flores em volta, colinas e verde estendendo-se como um tapete à nossa frente e o calor do sol poente contrastando com o vento gelado do inverno. Mesmo frio, era uma paisagem de tirar o fôlego. A natureza no seu melhor.

— Por que você escolheu este lugar? — Fiz a pergunta quando meus olhos pousaram novamente em Severus e notei que ele estava olhando ao redor também, mesmo que não tivesse a mesma expressão de admiração que eu podia sentir exalando de mim.

— Porque você gosta da natureza.

Eu deveria ter esperado isso, afinal, Severus é atento a detalhes.

— Sim, eu gosto. — Coloquei um dos meus cachos atrás da orelha. — Você não?

— Morei anos demais naquele castelo. Eu gostava mais da natureza quando ela não era tudo o que eu via ao meu redor.

— Da próxima vez, leve-me a algum lugar que você goste. — Murmurei.

— Anotado.

Tanto seu olhar quanto o estrondo em sua voz mudaram algo dentro de mim.

— Além de poções, bebidas e tatuagem, o que você gosta?

Severus olhou por cima da minha cabeça, para a colina mais ao longe, mas não disse nada por um longo momento. Pensando.

— Eu não tive muito tempo para descobrir.

Sua resposta foi honesta, embora triste; eu me voltei novamente para a direção do sol. Mantendo-me em silêncio.

— Eu gosto de criar. — Ele confessou baixinho. — Feitiços. Maldições. Poções.

— Como a poção furta-cor?

Severus assentiu. — Eu a criei pensando em Potter.

— Sério? — Sussurrei, surpresa.

— Foi por isso que foi ele quem foi ao Brasil buscar você. Eu queria que ele tivesse sua magia de volta e enviá-lo para buscá-la era uma forma de lembrá-lo de que ele ainda é um herói. Sempre será.

Eu engoli o caroço de emoção na minha garganta e olhei para ele com os olhos marejados.

— Isso foi… incrível, Severus.

Ele desviou o olhar do meu. Severus não sabia reagir a elogios.

— Fiz algo para Draco e Scorpius também. — Ele disse.

— O que é?

— São meras embalagens de doces. Eles o carregam o tempo todo nos bolsos. Não são Chaves de Portais, porque podiam ser facilmente verificados por qualquer bruxo ou feitiço. São mais como uma forma de GPS trouxa. Eu posso localizá-los se um dos dois desaparecer.

— Ah, isso é inteligente. — Eu ignorei a expressão presunçosa em seu rosto. — Como você sabe tanto sobre tecnologias trouxas?

— George.

— George? Como em George Weasley? — Perguntei espantada.

— Acredito que você e eu não conhecemos outro. — Ele sorriu levemente.

Eu fiz um pequeno humm concordando. O silêncio que retornou foi curto; outra pergunta já estava se formando quando ele puxou o meu corpo para junto de si e eu naturalmente deslizei um braço ao redor de suas costas. Fácil e natural como uma respiração e estávamos abraçados um ao outro.

— Severus, você já se perguntou por que, em momentos como esse?

— Porquê o quê?

— Por que isso parece do jeito que parece. — Eu respondi, engolindo em seco. — Nós dois.

Estar com ele agora era assustadoramente fácil de uma forma que não existia antes. Pelo menos não para mim. Recordar nossas primeiras conversas e brigas cheias de atritos e tensões, não só me envergonha pelo modo como eu o havia atacado com palavras duras e interpretações errôneas sobre ele, mas também faz com que o fato de que estamos agora adorando a companhia um do outro fosse algo incompreensível.

Eu não sei nem dizer exatamente quando a tensão entre nós mudou para essa convivência tranquila. E é ainda mais difícil lembrar qual foi o momento em que nos vimos como o que somos hoje.

— Não muito tempo atrás nós estávamos discutindo como dois pólos opostos… — Parei, respirando fundo. — E agora estamos aqui. É mistificador e avassalador sempre que penso nisso e em você. E eu preciso admitir que eu passo horas pensando e pensando em quando isso aconteceu e tentando não me sentir insegura por achar que voltaremos àquele estágio de brigas e gritos. E então eu olho para você e você parece completamente despreocupado, e tudo o que eu faço é me perguntar... por quê?

O silêncio que se seguiu parecia tão infinito quanto a extensão do céu sobre nossas cabeças. Quando Severus falou, seu tom de voz era como ele: equilibrado e controlado.

— Eu não tenho experiência em ser explosivo ou ansioso, Hermione. Fui um espião por muito tempo; é da minha natureza ser estóico e impassível e não demonstrar nada. É por essa mesma razão que também não sou um homem romântico, embora eu não acredite que você seja do tipo de mulher que precisa disso. Se você me acha romântico quando eu digo que você é uma bruxa excepcional ou linda, é porque você tem sérios problemas de auto-afirmação, porque quando eu falo essas coisas, estou apenas declarando um fato, e não querendo entrar em suas calcinhas.

Eu abri a boca para falar, mas a fechei rapidamente.

— Se você quer uma linha do tempo da sequência de eventos ou uma lista de momentos que nos trouxeram até aqui, eu também não a tenho. Assim como eu não tenho uma resposta para sua última pergunta. Minha despreocupação é porque nós apenas... somos certos um para o outro. — Ele me encarou nos olhos, antes de continuar. — Se você não consegue ver o porquê, eu não posso explicar para você.

— Eu me sinto... fora de controle. — Confessei, mesmo que estivesse desconfortável com a minha própria honestidade. — Como você não se sente da mesma forma que eu me deixa perplexa.

— Eu nunca disse que não. — Ele declarou.

Eu trouxe o meu braço livre para se juntar ao que já estava enlaçado ao redor dele e entrelacei meus dedos um nos outros, abraçando-o por completo e com meu queixo erguido para encará-lo. Severus não desviou o olhar do meu em nenhum momento. Mas ele mantinha sua expressão fechada, aquela que era bem difícil de ler.

Mas eu entendi a última frase dele. Severus também se sentia fora de controle. Faz todo o sentido, agora que penso que estar em um relacionamento são águas desconhecidas para ele. É algo novo e frágil. E desconfortável, se eu quiser colocar nessa equação o fato de que a única outra mulher que ele já amou na vida, descartou até a relação de amizade que eles tinham desde a infância.

Severus não sabia o que era um relacionamento amoroso, ele nunca esteve em um, então, essa coisa entre nós, da parte dele, ainda está aprendendo a existir. No entanto, aqui estava ele liderando o caminho, por ser o homem e o mais velho da relação, ele assumiu naturalmente esse papel de liderar, mesmo sem saber nada sobre isso. Ele com certeza está fora de controle e aterrorizado, só era bom demais em não demonstrar isso para que eu, a mulher, a mais jovem, e o lado da relação que naturalmente tende a ser mais carente, não me sentisse insegura em definir nosso ritmo.

Essa questão ficou clara quando Severus emoldurou o meu rosto com as mãos e capturou minha boca em um beijo que foi tudo menos impulsivo. Seu verdadeiro significado, de que ele sempre se manteria calmo e seguro sobre nós dois, foi endossado pelo rugido no meu peito, pela agitação em meu estômago e pela curvatura dos dedos dos meus pés. Nós apenas somos certos um para o outro, a declaração dele ecoou pela minha cabeça e se infiltrou em meus ossos.

Mas assim que eu o segurei mais forte, procurando por mais, Severus se afastou, virando a cabeça para os últimos resquícios da luz do dia, em seguida dando uma rápida olhada no relógio. Seus olhos se demoraram nele.

— Jantar?

A pergunta foi tão abrupta que dispersou meus pensamentos, deixando minha mente desprovida de argumentos contra.

— Sim.

O jantar foi sofisticado. Ele me levou por uma nova Chave de Portal até um dos restaurantes londrinos que eu sei que é preciso fazer reservas com semanas de antecedência. A atmosfera é sofisticada demais e mais uma vez eu me recrimino pela minha escolha de vestido mas, obviamente, Severus deveria ser um cliente assíduo porque a anfitriã o reconheceu à primeira vista e nos levou até uma mesa privada tão rapidamente que eu mal tive a chance de processar o fato de que Severus gostava de comida tailandesa até que nós estivéssemos sentados um em frente ao outro na sala escura.

Eu olhei ao nosso redor, então fixei meu olhar nele.

— É refinado aqui. — Comentei.

Severus concordou com a cabeça enquanto enchia minha taça com o vinho branco que apareceu magicamente na pequena mesa ao lado dele.

— O menu? — Perguntei, olhando ao redor mais uma vez.

— Foi escolhido anteriormente.

Eu finalmente coloquei a minha cabeça para voltar algumas horas no tempo e minha boca abriu e fechou várias vezes com a constatação crescente: suas vestes, Severus verificando a hora no meu escritório do hospital e depois cronometrando nossa conversa ao pôr-do-sol. Em seguida uma sugestão de jantar após um beijo de distração e um restaurante que não aceita ninguém sem uma reserva, com um menu pré-definido.

— Você me enganou para me trazer em um encontro. — Murmurei.

— Sim. — A curva de sua boca formou um sorriso. Algum problema?

O primeiro prato surgiu magicamente na mesa antes que eu pudesse responder ou argumentar. Eu não sabia o que era, mas estava delicioso. E cada curso subsequente foi melhor que o anterior, algo que eu achava impossível, dada a característica apimentada da comida tailandesa. Severus me disse no intervalo entre um prato e outro, que ele havia pedido o prato principal dentro das quatro opções do menu que não eram servidas com o habitual tempero típico tailandês.

Ao final do jantar, eu não tinha mais nenhuma oposição sobre Severus ter me trazido de surpresa até aqui. E se eu fosse sincera, foi maravilhoso ver Severus desfrutar abertamente de algo tão simples quanto uma refeição, e eu passei todos os minutos de nosso jantar fotografando cada uma de suas expressões. A conversa não foi abundante, mas eu saí de lá sabendo mais alguma coisa sobre Severus Snape: ele amava comida tailandesa porque sua avó trouxa era casada com um tailandês e fazia os pratos nas raras reuniões familiares que ele compareceu na infância.

Após o jantar, caminhamos de mãos dadas até chegarmos a um lugar seguro para aparatar para o nosso destino final: a sala de estar da minha casa. Foi a minha vez de nos levar até lá e Severus não perdeu tempo em me beijar, assim que chegamos.

O desejo em nossas veias surgiu como um frisson e nossas roupas voaram ao nosso redor, enquanto nos beijávamos avidamente. A próxima coisa que me dei conta, é que estávamos em nossa cama, com o dedo longo de Severus trabalhando firme contra meu clitóris, e seus dentes estavam cravados em meu pescoço enquanto seu pênis latejava profundamente dentro de mim. Com os ângulos de nossos corpos tão perfeitamente alinhados eu podia sentir meu clímax iminente se aproximando cada vez mais. E o dele também, se seu ritmo quebrado e suas maldições ofegantes fossem confiáveis. O controle era apenas uma invenção da minha imaginação quando gozei com a cabeça jogada para trás em seu ombro e minha espinha curvada contra seu peito.

Minutos depois, enrolada contra o peito dele e finalmente descendo do auge do meu orgasmo, passei os dedos para frente e para trás ao longo de sua mandíbula antes de roçar o polegar em seus lábios.

— Eu queria que a realidade de amanhã nunca nos alcançasse. — Sussurrei.

Severus beijou suavemente minha cabeça enquanto enrolava o dedo em um dos meus cachos. Levantei meu rosto para o dele quando ele soltou um suspiro pesado.

— Vamos fazer um novo mundo para nós, Granger.


Notas Finais


Esse capítulo foi completamente reescrito porque essa autora aqui lembrou que, oficialmente, nosso casal nunca teve um primeiro encontro.

PS: Não se acostumem com a bonança.

A atualização dupla prometida para hoje, vou ficar devendo, mas preparem-se para a ação no próximo. Todos de volta à realidade!

Capítulo betado pela incrível Daniela Regina e se você nunca leu uma história dela, corra para ler, são incríveis!