Notas do Autor


Disclaimer: Todos os personagens do universo Harry Potter, assim como as demais referências a ele, não pertencem ao autor desse texto, escrito sem nenhum interesse lucrativo, mas à JK Rowling.

Capítulo 28 - Ruínas de um Templo


A moldura do retrato de Rowena Ravenclaw se abriu silenciosamente, revelando a passagem que eu sabia onde chegava. Segurei o medalhão no meu pescoço e o metal estava quente contra a palma da minha mão. Eu fui resgatada da última vez e Dean já havia vindo aqui e saído. Eu também sairei.

Severus colocou sua mão em minhas costas, senti o calor de sua palma, e me guiou para dentro da abertura na parede e a luz de sua varinha iluminou o chão empoeirado diante de nós.

Não quero descer aí... Não quero...

— Respire devagar — disse ele, ao meu ouvido. — Controle o seu medo.

Com a luz da ponta da varinha dele flutuando adiante, tentei não olhar por muito tempo para as paredes de pedra à nossa volta. A poeira do chão estava marcada por pegadas em alguns lugares, prova de que Dean e Lupin realmente desceram por essa passagem até a tumba, em busca de pistas. Eles não encontraram nada, apenas vazio e silêncio. O mesmo silêncio que fazia agora, eu imagino. E essa ausência de sons parecia aumentar conforme passávamos por uma das curvas do caminho, assim como o frio que parecia querer esmagar os meus ossos.

Eu me concentrei novamente em controlar minha respiração quando o pânico mais uma vez quis me dominar, me lembrando da Mantícora em minha última incursão nesse lugar horrível e me trazendo a imagem da minha quase morte.

Cada vez que a passagem nos levava a mergulhar mais profundamente no interior do castelo, eu segurava mais forte os dedos de Severus para evitar que eu me perdesse para o meu próprio medo.

— Você conhecia esse lugar? — Minhas palavras saíram tão baixas que foram devoradas pela escuridão.

— Não. Mas eu imaginava que os fundadores estavam enterrados em algum lugar do castelo. — Severus respondeu, sua voz suave quase se perdendo no eco das paredes.

— Por que você acha que Dean e Lupin não conseguiram encontrar a tumba? — Perguntei.

— Os fundadores da escola fizeram tudo ao nosso redor. De certa forma, eles tinham um tipo de magia própria que se moldou a cada pedra edificada nesse castelo. É de se esperar que a tumba deles não apareça para qualquer um. — Severus explicou. — Nem tenho certeza se aparecerá para mim, mesmo que o castelo ainda me reconheça como diretor.

— Por que você acha que apareceu para mim, então? — Sussurrei.

— Regulus lhe contou isso? — Severus perguntou de volta.

— Você sabe que não.

— Então não serei eu quem terei a resposta, Hermione. E agora não é hora de falar disso. — Ele segurou mais forte a minha mão para dar ênfase e continuamos seguindo para baixo.

Não havia nenhuma luz, nem som, nem mesmo água escorrendo. Mas eu finalmente conseguia senti-los: os sussurros entremeados à brisa gelada. Os pelos dos meus braços se arrepiaram e eu me esforcei em controlar o aperto na mão de Severus, ou eu esmagaria os seus dedos.

— Você o conheceu? — Sussurrei a pergunta, decidindo que ouvir a voz de Severus enquanto descíamos, me ajudava a me manter sob controle. — Ele era mais novo que você, eu sei, mas vocês se cruzaram na escola?

— Sim. — Severus respondeu brevemente. — Regulus também se tornou um comensal da morte.

— Eu sei. — Sussurrei, minha outra mão ainda brincando nervosamente com o medalhão no meu pescoço.

— Ele me procurou uma vez. — Severus continuou. — Aparentava travar uma batalha interna, queria me contar alguma coisa, mas não tinha coragem suficiente para isso.

— Você não o ajudou?

— Tentei entrar na mente dele, mas os Blacks costumavam ser oclumentes naturais. Eu não consegui descobrir o que havia de errado com ele na época. — Severus fez uma pausa. — Pouco tempo depois, ele estava morto. Acusado de traição pelo Lorde das Trevas.

Horror se acumulou em minha garganta.

— E você não investigou o motivo?

— Por que me daria o trabalho? Regulus não me contou quando teve a chance. — Um som incrédulo saiu dos meus lábios e Severus parou a caminhada para me olhar. — Eu estava em uma fase problemática e difícil naquela época, Hermione.

Assenti com a cabeça, mas fui incapaz de conter meus olhos de brilharem com lágrimas não derramadas.

— Como você acha que ele descobriu sobre as horcruxes? — Perguntei, minha voz ainda embargada pelo pesar por Regulus.

— Acho que ele teve ensinamentos sobre magia das trevas que nenhum outro comensal da morte teve. Os Blacks eram partidários fervorosos da magia maligna, havia livros e artefatos sombrios naquela casa até quando a Ordem os baniu por completo. — Severus explicou. — Meu palpite é que ele aprendeu sobre isso antes de se juntar à causa de Voldemort. Quando Regulus soube da obsessão do Lorde das Trevas pela imortalidade, ele usou o cérebro para juntar dois mais dois e se deu conta do que ele tinha feito.

— E você não conseguiu chegar a essa conclusão até que Harry contou sobre elas?

— Eu parei de estudar a Magia das Trevas assim que mudei de lado. — Severus sussurrou, virando em mais uma das curvas da passagem. — E Alvo garantiu que minhas suspeitas nunca fossem na direção certa.

— Por que ele faria isso? — Eu sempre me perguntei por que Dumbledore não confiou a Severus a informação sobre as horcruxes.

— Não sei ao certo. Da última vez que o questionei, as palavras exatas dele para mim foram "Prefiro não colocar todos os meus segredos em uma cesta, principalmente uma cesta que passa tanto tempo pendurada no braço de Lord Voldemort".

Eu consegui sentir uma nota de amargura na voz de Severus quando ele me respondeu. Deve ser angustiantemente difícil para Severus apontar que seu maior defensor era, ao mesmo tempo, a pessoa que o acusava com sutileza. Não consigo imaginar como ele se sentiu durante o tempo que se seguiu à morte de Dumbledore, nem gosto de imaginar as possíveis conversas entre eles até que o bruxo mais velho conseguisse convencer Severus a matá-lo. Uma sensação de desconforto se instalou no meu estômago por indiretamente fazê-lo relembrar de uma fase tão conturbada da sua vida.

Estremeci com a frieza do espaço ao nosso redor, ao mesmo tempo em que minha respiração se condensava diante de mim. Mais e mais para baixo nós fomos, até que chegamos à base onde os três portais se encontravam.

Severus me olhou e eu inclinei minha cabeça levemente para o arco mais à direita, o que levava até a tumba. Silenciosamente, seguimos por ele, descendo e descendo até perdermos a noção do tempo e sem nunca soltarmos a mão um do outro. Eu sabia que apenas a luz da varinha dele e sua mão quente apertando a minha, eram o que me impediam de sentir como se estivesse prestes a cair direto para a escuridão.

— Só mais um pouco. — Murmurei, reconhecendo os patamares por onde passamos.

— Passamos do nível do lago. Esse lugar… ele está sob os pilares do castelo. — Severus comentou quando o ar se tornou mais denso.

— Você acha que isso já existia? Eu digo, antes do castelo ser erguido?

— Não sei. E suspeito que ninguém saiba, ninguém vivo, ao menos. — Tentei não começar a balir como um animal, com a observação sombria dele. — E a tumba? Como ela é?

— Você verá. — Murmurei.

Passamos pela sala onde o comensal encapuzado tinha controlado a mantícora na noite do meu ataque. As lascas de madeira da porta destruída pela besta ainda estavam espalhadas pelos degraus de pedra. O corredor à esquerda continuava para baixo, e o ar agora era quase sufocante, nos levando mais perto de ontem precisávamos ir. Se eu fosse sincera comigo mesma, os arrepios do meu corpo já haviam me alertado para algo diferente ali embaixo. Havia um vazio sombrio no ar, uma aura de morte, mesmo a condensação de minha respiração no ar frio parecia ter vida curta.

Soltei a mão de Severus quando paramos diante da antiga porta de madeira com a aldrava de esqueletos dos animais símbolos de Hogwarts, removi o medalhão do meu pescoço e o entreguei a ele. Nós dois tínhamos conversado sobre a relíquia na noite anterior, e ele pediu que eu a removesse quando estivéssemos prestes a possivelmente encontrar com o fantasma do Black mais novo. Por fim, alcancei a maçaneta e a abri. A tumba estava escura, mal discernível à nossa frente.

— Eu estava à sua espera. — Disse uma voz baixa do lado de dentro. — Mas o seu acompanhante é uma grata surpresa.

Nós dois entramos e dessa vez, os archotes não se acenderam magicamente, a única luz dentro do recinto era o brilho do fantasma do jovem Regulus, flutuando contra a parede mais afastada, os dele observaram Severus e, depois deslizaram para onde eu estava à espreita, na entrada.

— Entre. — Ele se dirigiu a mim e eu dei apenas um passo para dentro e mais nenhum. — Ouvi sussurros sobre a sua última incursão aqui. — Disse o menino, me observando com atenção.

— Ouviu? — Perguntei.

O sorriso dele beirava a diversão.

— Está com medo?

— Sim. — Respondi. Não minta, foi uma das instruções de Severus para mim antes de descermos.

Regulus flutuou um pouco mais perto, mas ainda se manteve do outro lado da cela.

— Hermione Granger. — Murmurou Regulus, como se conseguisse sentir o gosto do som do meu nome na sua língua. — Onde está o gêmeo do meu medalhão?

— Uma pergunta por outra. — Respondi, exatamente como Severus tinha me instruído horas antes.

Os olhos de Regulus deslizaram de volta ao meu acompanhante.

— Você sempre foi o mais astuto entre nós. — Ele respondeu com uma pontada de diversão antes de seus olhos se fixaram novamente em mim. — Conte como o destruiu, o que viu... e responderei sua pergunta.

Severus me deu um aceno de cabeça sutil, mas os olhos mostravam cautela.

Precisei me acalmar para pensar e conseguir me lembrar da descrição detalhada de Harry sobre o que havia dentro daquela Horcrux. Havia uma voz sibilante que zombava dos sonhos de Ron "Sempre o menos amado pela mãe que desejava uma filha... menos amado agora pela garota que prefere o seu amigo... sempre segundo, sempre, eternamente na sombra".

Severus ficou imóvel enquanto monitorava o fantasma de Regulus. Tudo o que eu me lembrava parecia estar sendo lido pelo meu companheiro como se ele estivesse usando legilimência em mim, mesmo que nossos olhos não estivessem fixados um no outro. Talvez nosso laço mental seja tão forte que não precisamos do contato visual para que um enxergue o outro como um livro aberto. Eu me perguntei se Severus achava que eu desistiria de expor tudo o que eu sabia sobre a destruição do medalhão, dado a falta de notícias sobre Ron.

Fechei as mãos em punhos.

— Havia uma voz. — Comecei o relato e a cabeça de Severus virou para mim. — Era a voz de Tom Riddle. Ela ofendeu Ron, disse que via o coração dele, os seus sonhos e os medos dele também. A voz disse que tudo o que ele desejava era possível, mas tudo o que temia também. — Precisei fazer uma pausa quando minha voz embargou. — Harry o mandava perfurar com a espada, mas Rony parecia enfeitiçado pela conversa da serpente entalhada ali e ela continuou. Disse que ele era o filho menos amado pela mãe, que ela desejava uma filha, não ele. E disse… — Precisei de mais uma pausa. — Disse que eu não o amava e que ele sempre seria o segundo, vivendo à sombra de Harry.

Os olhos de Regulus pareceram brilhar mais.

— Então, duas formas saíram das duas metades medalhão, formas grotescas minhas e de Harry, primeiro as cabeças, depois o corpo inteiro. Ron ficou ainda mais hipnotizado quando a minha forma desfocada começou a falar que ele não devia ter voltado e que nós tínhamos rido da covardia, burrice e da presunção dele em achar que eu o olharia quando tinha Harry Potter ao meu lado. E o Harry debochou que a própria senhora Weasley tinha confessado que preferia que ele fosse filho dela e que faria a troca satisfeita. Ambas as formas disseram a Ron que ele não era nada. — Eu enxuguei as lágrimas que caíram dos meus olhos, e precisei de alguns segundos para continuar. — Até que a minha forma se enroscou com a de Harry em um abraço e nossos lábios se tocaram. Ron conseguiu desferir o golpe da espada depois disso. Ele destruiu o medalhão. — Concluí.

— Você consegue perceber que isso era para você? — Eu levantei meu olhar para a forma de Regulus, mas seus olhos estavam fixos em Severus.

O rosto do meu orientador tinha ficado ainda mais pálido que o normal e sua boca era uma linha fina.

— Não. Eram eu e Harry expressos lá. — Falei, confusa.

— Você estava lá? — Regulus insistiu.

— Sim. — Severus confirmou em voz baixa.

— A armadilha era para você. Tom sempre desconfiou que você o trairia.

— Aonde você quer chegar? — Severus soltou com raiva.

— Eram as formas de Lily e James naquela projeção, Severus. Não sei como conseguiu manipular a magia negra do medalhão sem que Potter e Weasley percebessem, mas aquela armadilha era para você. — Regulus afirmou.

— Já basta de você! — Disse Severus, sua voz parecendo o som de uma espada cortando o ar. — Uma pergunta por outra e você já fez muitas.

A forma flutuante deslizou da parede até se sentar sobre o túmulo de pedra de Salazar.

— É raro o dia em que encontro alguém que violou uma Horcrux. Perdoe-me por querer detalhes sobre um mestre da manipulação da magia negra. — Regulus gesticulou com a mão translúcida em minha direção. — Pergunte, senhorita Granger.

— Suspeitamos que o sumiço da magia esteja ligado a livros. — falei, com o máximo de firmeza que podia. — Você sabe algo sobre isso?

Aqueles olhos brilharam.

— O que está escrito nesses livros?

— Nomes.

— De famílias bruxas? — Confirmei com a cabeça. E Regulus olhou para as próprias unhas, antes de me dar um sorriso cínico. — Famílias como a minha? — Confirmei novamente. — Ouvi dizer que quando Hogwarts foi fundada, a magia estava contida dentro de um livro.

O rosto de Severus era de novo uma máscara de calma.

— Onde o esconderam?

— Conte para ela algo que ela ainda não sabe, Mestre de Poções, e contarei o que sei.

Eu me preparei para qualquer que fosse a verdade que estava prestes a vir.

— Regulus tinha uma pinta bem ao lado do seu mamilo esquerdo. E eu sei disso porque deslizei a língua por ela algumas vezes.

O fantasma conteve uma risada rouca, mesmo quando olhei para Severus boquiaberta.

— Você sempre foi meu preferido. — Disse ele, dando um sorriso que beirava uma emoção parecida com saudade. — Muito bem. Esse tal livro foi escondido no mesmo local onde estava o medalhão gêmeo dos Gaunt. — Severus começou a se virar para mim, como se fosse para lá imediatamente, mas a voz fantasmagórica acrescentou: — E sumiu há muito, muito tempo.

— E suponho que você não saiba quem o tem agora. — Disse Severus. — Obrigado pela ajuda. — Agradeceu, e colocou a mão em minhas costas para me guiar para fora.

Mas se houvesse uma chance de Regulus saber... Me virei de novo para o fantasma.

— Havia um homem… da última vez. — Falei.

Severus tinha se contraído nas minhas costas, mas sua mão permaneceu no lugar, quente e firme. E eu me perguntei se esse toque serviria de âncora para confortá-lo de que ambos estávamos ali, ainda respirando.

— Eu não achei que ele fosse humano. — Continuei — Ele parecia poder flutuar, como um fantasma.

Por um momento, os olhos de Regulus piscaram brevemente para minha pergunta não dita. Então, ele disse:

— Quando o castelo foi erguido, os fundadores forjaram o Livro e a Pena de Admissão a partir desse livro original onde a magia estava contida. Nele, são descritos os nomes de todos os bruxos nascidos em nossas terras e que tenham uma vaga garantida em nossa escola. Ao longo de toda a história nunca se ouviu falar sobre um outro fragmento do Livro Original, aquele que fundou nosso mundo. Mas Voldemort suspeitava que o Diretório de Sangue-Puro contém uma fração ínfima dele. — Os olhos de Regulus se semicerraram, tornando-se fendas, devido ao interesse. — Hogwarts ainda possui o Livro de Admissão, mas ele está perdido entre os milhares de lugares escondidos do nosso amado castelo. — continuou ele. — E o Diretório, o original, é quase um mito perdido. Os sussurros me dizem que está vigiado e protegido com feitiços de sangue ligados ao criador dele e que ele deve ser dado voluntariamente pele descendente direto, sem truques, sem mágica envolvida. Criaturas tão inteligentes e adoráveis os bruxos… — Regulus pareceu perdido em memórias antigas; então, ele sacudiu a cabeça e terminou: — Reúna os dois e vocês conseguirão o que planejam.

Não me dei ao trabalho de agradecer. Não com a primeira informação direta que Regulus nos dera. Não quando eu tinha sido forçada a dizer aquelas coisas sobre Ron... Nós nos viramos, a mão de Severus deslizou das minhas costas e segurou minha mão. O toque leve, carinhoso. E subitamente não tive forças para sequer segurar de volta.

Regulus cantarolou um assobio em resposta.

— Pegue o arco da esquerda, senhorita Granger.

A porta bateu atrás de nós, e mais e mais para cima na escuridão nós seguimos, pelas pedras frias e dormente das paredes de Hogwarts. Pouco antes de alcançarmos a moldura do retrato no meu aposento lá em cima, falei para Severus:

— Você acha que ele falou a verdade?

— Você primeiro.

— Sim. — Respondi e Severus concordou com a cabeça.

— Você? — Insisti.

— Sim. — Falou por fim. — Regulus nunca mentiu. Ele tinha esse… dom. Podemos chamar assim. Ele gostava de jogos de palavras e enigmas, mas quando precisava ser direto, ele era. Ele nunca foi exatamente bom com mentiras e eu era um excelente legilimente e um pocionista experiente em Veritaserum, mesmo quando adolescente. Não havia espaço para mentiras entre nós. Apenas para omissão.

O amargor em sua voz me indicava que Severus se ressentia por Regulus não ter contado sobre a descoberta dele sobre as Horcruxes.

O arco da esquerda era um portal. Ainda em Hogwarts, mas ele nos levou a margem mais distante do lago negro. Conseguíamos ver o castelo ao longe e bem à nossa frente, uma ilha. Igual a que continha o túmulo de Dumbledore. Porém, nesta, havia uma construção que estava submersa pela metade.

— É a ruína do templo de Merlin. — Severus disse, pousando os olhos no mesmo local.

— Parece um lugar idiota para esconder um livro. — Eu disse, olhando para toda água ao redor.

— E o último lugar em que alguém procuraria. — Argumentou Severus, se afastando e acocorando junto à linha d'água. — Com certeza Voldemort o protegeu com feitiços impermeabilizantes e este lugar é apenas visível por breves momentos ao longo do dia, quando a maré está baixa. Esse lago é mágico e segue as influências lunares do mesmo jeito que um oceano.

— Então, como entramos? — Perguntei.

— Esperamos a maré baixar completamente. Provavelmente está enfeitiçado contra travessias de barco. — Disse Severus, ainda acocorado com os antebraços apoiados nas coxas. — Não vamos arriscar um ataque das criaturas do lago. Entraremos a pé.

Franzi a testa.

— A maré baixa completamente só a noite essa semana. Cho estava com a tábua das marés pouco antes de ir visitar Hagrid, algo sobre grindylows. — Comentei.

— Então esperamos.

Severus transfigurou uma das folhas caídas perto da margem em uma toalha de campo e nós nos deitamos na sombra de uma das árvores. Eu me enrosquei ao lado dele, e ficamos por muito tempo admirando o céu azul acima de nós. Outra folha foi transfigurada em um cobertor para nos enrolar, e somente ficamos lá deitados esperando a maré baixa, enquanto éramos consumidos pela expectativa do que poderia acontecer.

— Foi difícil falar sobre ele?

Sua pergunta me fez hesitar, assim como perceber a hesitação em sua própria voz.

— Sim. — Respondi em um sussurro.

— Eu não mensurei o quanto ele amava você. — Ele afirmou, sua voz agora com a calma habitual de sempre.

— Ele tinha um jeito estranho de demonstrar. Até eu duvidava do amor de Ron mesmo enquanto estávamos juntos.

— O que ele fez… — Ele pausou a voz, deixando-a ainda mais calma e letal. — Seria um gesto grandioso o suficiente para reconquistá-la?

Eu levei nossas mãos unidas aos lábios e beijei a palma dele.

— Nada mais será o suficiente depois que encontrei o meu caminho até você.

Um suspiro saiu dele, pouco antes de Severus pressionar os lábios em minha testa e seu braço aumentou o aperto ao meu redor, quase como se quisesse garantir que continuávamos amarrados um ao outro nesse relacionamento que criamos.

— Mas eu vou sentir falta dele. — Confessei.

A mão quente de Severus deslizou pelo meu braço em uma carícia reconfortante. Segundos e minutos se passaram antes que ele erguesse o meu queixo e me beijasse longa e lentamente.

— Eu entendo. — Foi a única frase dele.

Eu pressionei o ouvido contra o peito dele, ouvindo as batidas do coração de Severus enquanto um silêncio confortável caiu sobre nós. Com a mão dele subindo e descendo pelas minhas costas, meus pensamentos se desligaram da tensão que a busca pelo livro causou e flutuou por dias, meses e anos de momentos com a presença inabalável de Severus. Minha imaginação atravessou todos os percalços que passamos para construir essa relação e eu consegui me ver sendo feliz ao lado dele por todo o meu futuro.

Foi fortalecida pelas imagens dessa felicidade que eu pousei meus pés na lama fétida do lago, que emitia ruídos aquosos quando cada passo meu a espremia para os lados em nosso caminho até a pequena construção. Cracas, algas e até mesmo alguns grindylows se agarravam às pedras cinzentas espalhadas pelo pequeno caminho. Mas a cada pegada em direção à câmara, algo no meu peito dizia para me afastar.

Severus tinha verificado feitiços ao redor do local, mas não encontrou nada. Era estranho, mas talvez a sorte estivesse sorrindo para nós uma vez que fosse. A porta estava aberta, então silenciosamente Severus e eu concordamos que não precisaríamos acender nossas varinhas e atrair algum dos animais fixados por luz. As rachaduras na pedra do teto fornecia iluminação o suficiente para enxergarmos.

Com os joelhos enterrados em lama e a água recuando e escorrendo pelas rochas, Severus e eu verificamos a câmara interna.

— Consigo sentir… — Sussurrei. — Parece como garras percorrendo a minha coluna. — E, de fato, minha pele formigava e todos os meus pelos se arrepiavam sob minhas roupas.

— Não é à toa que ele o escondeu sob pedra e lama e a água escura do lago. — Murmurou Severus, a lama fazendo barulhos aquosos quando ele se virou de onde estava.

Estremeci, e também me virei onde estava.

— Não sinto nada nas paredes. Mas sei que está aqui.

Nós dois olhamos para baixo na mesma hora e nos encolhemos.

— Não podemos usar magia. Devíamos ter trazido algo para escavar. — Rosnou Severus.

— Não dá tempo de pegarmos uma. E eu aposto que se a gente voltar e transfigurar um galho em uma, o feitiço se desfará assim que pisarmos aqui. — Eu afirmei com pesar, sabendo o que precisaríamos fazer.

Também havia o fato da maré estar totalmente baixa agora. Cada minuto contava para a água que retornaria.

Nós caminhamos com esforço em meio ao aperto firme da lama, e tanto eu quanto Severus nos concentramos naquela sensação de garras em nossas costas que meio que nos empurrava para o centro da câmara. Aqui, bem aqui, eu quase podia ouvir esse sussurro.

Me inclinei para baixo, estremecendo para a lama gelada e para os pedaços da natureza e destroços que arranharam minhas mãos expostas conforme comecei a empurrá-los.

— Rápido!

Severus sibilou e também se abaixou para puxar a lama pesada e densa. Pequenas criaturas faziam cócegas nos meus dedos. Nojento, pensei, mas me recusei a pensar neles e nós dois cavamos até estarmos cobertos da lama fétida que fazia os pequenos cortes abertos pela escavação forçada, queimarem. Não sei quanto tempo depois, olhamos ofegantes para um piso de pedra. E uma porta de Titânio.

Severus xingou.

— Titânio para manter a força total do lado de dentro, para preservá-lo. Igual os caldeirões de poções. — Severus estremeceu e apontou. — A porta está selada.

Usei minhas mãos de novo para raspar o restante da lama da porta. Cada esbarro contra o metal lançava pontadas de frio por todo o meu corpo. Mas ali estava: um redemoinho entalhado bem no centro da porta.

— Isso está aqui há muito tempo. — Murmurei. Severus assentiu. — Como Voldemort encontrou isso?

— Há runas aqui. — Ele disse, apertando os olhos ao redor do redemoinho. — "Se você nasceu em berço mágico, aqui não é o seu lugar."

— O que isso quer dizer? — Eu o olhei confusa.

— Minha aposta é que bruxos não são permitidos.

— O que faremos? Ambos somos bruxos.

— Eu aposto em você. Não sabemos o que ele pensava quando instaurou as proteções deste lugar. E Merlin não escreveria runas com tais dizeres se não quisesse mesmo dizer isso. O Lorde das Trevas com certeza trouxe um trouxa com ele para abrir essas proteções. Eu gostaria de ver a cara dele ao se deparar com a ironia dessas inscrições.

— Por que colocar o livro aqui, então? A aversão dele a trouxas devia tê-lo descartado esse esconderijo.

— Ele era um sádico, Hermione. Nunca vamos entender a mente de Tom Riddle, acredite em mim, eu tentei.

Assenti com a cabeça e espalmei a mão no redemoinho no titânio. Um sobressalto me percorreu o corpo como um relâmpago, e resmunguei, descendo meu peso sobre a porta. Meus dedos congelaram ali, como se o poder estivesse sugando minha essência, e eu a senti hesitar, questionar...

Sou trouxa. Eu me lembrei de cada traço da minha infância e de cada sorriso dos meus pais. Também pensei nas brincadeiras de rua com os meus vizinhos e nas aulas da escola primária. Lembrei das viagens de férias com meus pais e cada momento passado ao lado deles na normalidade da nossa casa.

Não permiti que nenhuma parte de mim se lembrasse da magia em minhas veias.

Sou trouxa, e você me deixará passar.

A tranca resistiu com mais força, e mal eu conseguia respirar enquanto mantinha inabalável o meu escudo mental sobre minhas memórias da magia.

Então, ouviu um clique e um rangido. Abri os meus olhos e recuei para a lama amontoada no momento em que a porta afundou e se afastou, entrando sob as pedras e revelando uma escada espiralada que descia para uma escuridão primitiva que exalava uma brisa úmida.

Ao meu lado, o rosto de Severus ficara novamente mais pálido que o comum e seus olhos escuros brilhavam fortemente em expectativa.

— Nunca o vi. — Disse ele. — O livro de admissão. Uma cópia com o nome dos alunos aparece magicamente no escritório do diretor a cada início de verão. Agora eu entendo o porquê. Se com apenas um grão de seu poder tem... essa sensação, eu não gosto de imaginar como estar perto do Livro Original me faria sentir.

De fato, aquele poder estava preenchendo a câmara, minha cabeça, meus pulmões; sufocando, afogando e seduzindo...

— Rápido! — Avisei, quando uma pequena bolha de luz disparou do archote ao lado da porta e seguiu para baixo da curva das escadas, iluminando degraus escorregadios com lodo.

Com uma das mãos apoiada na parede de pedra gelada, para evitar escorregar, iniciei a descida, com Severus logo atrás, antes da luz dançar sobre a água na altura da cintura. Verifiquei a passagem ao pé das escadas.

— Tem um corredor e uma câmara além dele. — Disse em voz baixa e avancei para a água escura, contendo um grito diante da temperatura quase congelante e da sensação lodosa das algas ao redor. Severus rosnou em protesto quando me seguiu.

— Este lugar sem dúvida enche rápido depois que a maré sobe. —Ele observou, conforme arrastamos nossas pernas pela água, franzindo a testa para os muitos vãos de drenagem nas paredes.

Seguimos devagar o bastante para tentarmos detectar qualquer tipo de feitiço ou armadilha, mas... não havia nada. E eu me perguntava quem desceria até um lugar como esse.

Tolos... tolos desesperados, como nós.

O longo corredor de pedra terminava em uma segunda porta de titânio. Atrás dela, vibrava aquele poder que se emaranhava em nós desde que pousamos os pés nessa construção.

— Está aqui. — Sussurrei.

— Obviamente.

Fiz uma careta para Severus antes de nós dois estremecermos. O frio ficando ainda mais intenso, o bastante para que eu me perguntasse se talvez já estava perto da morte por hipertermia.

Espalmei a mão contra a segunda porta e os puxões, os questionamentos e a exaustão foram muito piores dessa vez. Eu precisei apoiar minha outra mão na porta para evitar cair de joelhos e gritar conforme o poder invadia minha cabeça.

Sou trouxa. Sou trouxa. Sou trouxa. Ecoei mentalmente.

Um clique e um rangido, e a porta deslizou para a parede, águas se encontraram e agitaram quando cambaleei para trás, para os braços de Severus.

— Fechadura idiota. — Sibilou ele, estremecendo com raiva ao ver meu estado após a intrusão mental.

Minha cabeça estava girando. Mais uma fechadura e eu desmaiaria. A bolha de luz tremeluziu para dentro da câmara diante de nós e paramos.

A água não tinha se encontrado com mais uma câmara, mas parado contra um umbral invisível, que lembrava horrivelmente o Véu da Morte do Departamento de Mistérios.

A câmara seca estava vazia, exceto por um altar de pedras e um pedestal de ouro. Uma caixa também de titânio estava sobre ele.

Severus gesticulou com a mão hesitante no ar acima de onde a água simplesmente parava. Então, satisfeito por não haver feitiços ou truques, ele entrou, pingando nas pedras ao ficar de pé na câmara, encolhendo um pouco o corpo.

Arrastando as pernas o mais rápido possível na água, eu o segui, quase caindo no chão quando meu corpo se ajustou ao ar repentino. Eu me virei... e, de fato, a água era uma parede negra, como se houvesse um painel de vidro mantendo-a no lugar.

— Sejamos rápidos! — Ordenou ele, e não ousei discordar.

Nós dois cuidadosamente verificamos a câmara: pisos, paredes, tetos. Nenhum sinal de mecanismos ocultos. Embora não fosse maior que um livro comum, a caixa de chumbo parecia engolir toda a luz; e dentro dela, ecoando os mesmos sussurros, estava o livro.

"Quem é você? Chegue mais perto, me deixe vê-la…"

Nós dois paramos de lados opostos do pedestal e a bolha de luz pairou sobre a tampa.

— Nenhum feitiço. — Disse Severus, a voz pouco mais alta que o raspar de suas botas na pedra. — Nenhum feitiço. Precisa retirá-lo e levá-lo para fora. — A ideia de tocar naquela caixa, de me aproximar dela... — A maré está voltando — acrescentou Severus, verificando o teto.

— Cedo assim?

— Talvez o lago saiba. Talvez a água do lado sirva aos propósitos do próprio livro.

E se ficássemos presos ali embaixo quando a água subisse… Pânico se contorceu em meu estômago, mas eu o afastei e reuni coragem, erguendo o queixo.

"Quem é você?"

Flexionei os dedos e estalei o pescoço. Sou trouxa. Nascida fora da magia.

— Vamos lá! — Murmurou Severus. Acima, a água escorreu mais rápido pelas pedras.

"Quem é você? Quem é você?"

Sou trouxa; meu nome é Hermione Jane, filha de dois dentistas do Reino Unido.

A caixa se calou. Como se fosse resposta o bastante.

Estendi minha mão e a peguei a do pedestal, a frieza do metal feriu minhas mãos, e o poder percorreu meu sangue, como uma mácula de óleo na água límpida.

Uma voz antiga e cruel soou:

"MENTIROSA!"

E a porta bateu às nossas costas.


Notas Finais


Todas as referências sobre a destruição do medalhão foram retiradas do capítulo dezenove "A corça prateada" de Harry Potter e as Relíquias da Morte.

A cena da câmera submersa é inspirada em uma passagem de Corte de Névoa e Fúria, segundo livro da saga Acotar. Se você reconheceu algo, provavelmente é da Sarah J Maas.

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