Sonhando para viver
II – Um desencontro
O jovem Duo Maxwell teria tudo para ser um garoto normal, e talvez fosse, mas ele não sabia em que momento exatamente havia esquecido que era normal. Talvez desde o dia que acordara em um quarto de hospital e descobrira que estava sozinho no mundo. Seus pais mortos em um acidente de carro, e eleimpedido de andar e jogar basquete, coisa que amava fazer. O basquetebol era sua vida.
Agora ele estava sentando numa mesinha num canto daquele bar animado, sozinho ele pensava quanto tempo havia perdido da vida, sim, quanto tempo perdera lutando contra a morte naquele hospital e tanto mais tempo perdera lutando contra a idéia de que não era normal, sua luta absurda pela recuperação, e hoje, quando ele finalmente conseguia se aprumar sobre as duas pernas de uma forma que os médicos disseram que jamais conseguiria fazer, vinha algum idiota e o chamavam de aleijado. Justo ele, a qual o caminhar de forma torta soava como uma Vitória.
Ele se moveu desconfortável naquela cadeira, estava abafado, barulhento, não era seu lugar. Há anos havia esquecido que podia fazer parte daquilo.
Onde estava Trowa e Quatre afinal? Será que chegara muito cedo? Algumas pessoas pareciam está o observando, estava quente. Duo pensou em pedir uma bebida, talvez o ajudasse a enfrentar o novo desafio de estar ali exposto.
-Não. – ele falou baixo, abafado pelos ecos musicais do alegre ambiente. Duo sabia que nada disso era necessário. No passado já havia enfrentado a morte, a olhou nos olhos e não temeu, não seria agora que vacilaria.
Quatre e Trowa chegaram finalmente. Estava cheio demais e o loiro se animou ao conseguir encontrar seu amigo sentando ao fundo, numa mesa. Ele puxou Trowa pelo braço mostrando um Duo solitário e distante.
-Trowa, se o Heero o machucar... – Quatre gritou ao ouvido do namorado quando se aproximava de Duo.
Quando Duo viu chegar os amigos seu coração pulou numa felicidade tão genuína de quem não via amigos há muito tempo, na verdade um alívio.
Ele sorriu. Seus olhos violetas buscaram mudos por uma terceira pessoa, que Duo achou estar com eles, e quando constatou que Yui não havia vindo ele se entristeceu um pouco, na verdade havia se entristecido completamente.
Quatre notou o desconforto que a ausência de Yui havia causado, mas nada comentou. No seu íntimo não perdoaria o japonês se ele não viesse, se ele tivesse a coragem de deixar Duo ali, plantado e frustrado. Com o passar das horas ia se tornando um fato: o japonês não vinha.
Duo tentou sorrir, mas estava falhando. Ver Quatre com o namorado, todos com um namorado.
-Eu... Vou ao banheiro. – ele falou triste em certo ponto. Nem sabia o que ainda estava fazendo ali, talvez apenas atrapalhando o casal de amigos.
-Claro. – Quatre sorriu para depois que Duo sumiu na multidão encarar o namorado com seus olhos feios de um quase matar. –Eu não vou te perdoar... – ele gritou para se fazer ouvir.
Trowa nada falou. Ele estava se sentindo péssimo por ter incentivado aquela loucura total. Um bolo subia e descia gelado em seu estômago quando ele lembrava do olhar doce de Duo agora ferido e pisado por aquele japonês sem alma.
-Está muito cheio... – Duo voltou mancando.
-É... – Trowa meneou com a cabeça sem ter como encarar o amigo. –Duo... eu... – ele começou falando num tom alto para se fazer ouvir. –Sobre o Heero. – ele parou olhando para Duo e vendo qual seria sua reação.
-Ahh... – Duo consentiu com a cabeça. Ao ouvir o nome do japonês seu coração deu um solavanco num misto de esperança de que ele fosse entrar por aquela porta principal a qualquer momento e uma mágoa de quem fora feito de idiota.
-Eu sinto muito... – Trowa falou triste. Ia pedir que o jovem esquecesse qualquer coisa que tivesse fantasiado sobre o japonês, mas nesse exato momento Yui passou pelos seguranças na porta principal – Sinto muito pelo meu amigo ser um retardado que vive se atrasando, ele não faz por mal. – o empresário emendou assim que viu o oriental chegar os procurando.
- Ai estão vocês. Desculpem pelo atraso. – ele falou sem jeito sentando ao lado de Duo.
-Heero. – o jovem lhe sorriu de uma força genuína.
-Desculpe, Duo. – Heero tocou no rosto dele pela primeira vez sentindo como era macia a pele. Desse momento em diante todo o corpo do oriental ficara em alerta, excitado pela presença do trançado.
-Tudo bem. – corando violentamente o mais jovem se afastou sensivelmente de Heero evitando novos toques, seus olhos não se encontraram mais porque agora Duo parecia apenasfocalizar as próprias mãos sobre a mesa, tudo para não topar com aquele olhar turquesa do empresário.
Passava da meia noite quando o som se amenizou passando a uma melodia romântica.
-Quatre. Vamos! – Trowa se levantou tomando seu namorado pelas mãos. –É a nossa música. – e assim eles deixaram os outros dois na mesa.
Duo pareceu se incomodar com isso, a julgar que agora trazia nas mãos o copo intocado de cerveja o apertando com força. Estava tenso com aquela situação, porém o japonês notou aquele desconforto e porque não achar aquele jeito tão doce e meigo? Era a primeira vez que um "ficante" se comportava assim, eles geralmente já o teria agarrado para um beijo, mas Duo estava quase trêmulo de tanta vergonha.
-Meu Deus. Ele fica lindo assim. Os lábios dele... Eu quero o beijar. – Heero pensou encarando o jovem a seu lado e fechando os olhos foi se aproximando.
O trançado não se moveu. Heero estava perto, perto demais. O hálito quente e gostoso respirando junto a si, o calor e a gostosa flagrância masculinaa quase o embebedar. Um fogo líquido se atiçou no baixo ventre de Duo e ele encarou Yui. Tarde demais. Estavam muito próximos e seus olhos se viram sem nenhuma barreira, como se um pudesse ler a alma do outro.
Por um breve momento, que podia ter durado uma eternidade na cabeça deles, os olhos violeta e azul se miraram cúmplices de um sentimento sagrado que os dois acabavam de descobrir que podia existir.
Não chegaram a seu beijar, embora tudo indicasse que iam fazê-lo.
-Heero! – uma garota acabara de os interromper. De fato que foi uma indelicadeza, afinal qualquer um que estivesse atento aos dois perceberia que um beijo estava para acontecer, mas ela os impedira.
-Relena. – Yui gemeu a olhando com certo desgosto.
-Não achava que te encontraria hoje aqui. – ela se sentou sorrindo furiosamente para o jovem oriental. –Quem é? Seu novo casinho? – ela sorriu para Duo como se esse fosse um insignificante apetrecho de decoração.
-Duo Maxwell. – o trançado respondeu sem gostar do tom daquela mulher. Ela não parecia ser amiga.
Relena não lhe deu atenção. Continuou a fingir que se ele estivesse ali naquela mesa, era apenas uma simples peça decorativa, mas Heero não gostou da intromissão. A moça era intragável e ainda por cima estava atrapalhando a noite deles.
-Hee. Lembra dessa musica? – ela gritou em certo ponto tão animada que chegava a assustar. Relena pecava pelo exagero. –Vamos! Eu amo essas músicas dançantes. – a moça loira e elegante puxou o oriental pelo braço.
-Não, Relena. – Yui se viu gemendo como se fosse uma criança. Ele fora pego tão de surpresa por aquela explosão exagerada que se viu fazendo um papel infantil. Sentia-se como aquela criança tímida que se recusa a dançar no aniversário de algum coleguinha.
-Vamos! – Relena insistiu o puxando com tanta força.
-Não. – Heero ainda falou, mas o último puxão fora tão forte que ele se desequilibrara se apoiando na mesa para não cair. A moça também perdeu o equilíbrio dando passos para trás tropeçando contra Duo.
Teria sido muito engraçado se fossem um trio de trapalhões, mas era uma mulher histérica atrapalhando um casal que acabara de se conhecer.
Naquela confusãoa cadeira de Duo virou e ele caiu para trás com Relena sobre seu corpo. O barulho chamou a atenção dos que estavam mais próximos e alguns já ensaiavam uma gostosa gargalhada. Na verdade até Duo teria levado aquilo na esportiva, mas a loira se levantou chateada com a vergonha e o trançado quis fazer o mesmo, seu cérebro mandara ao corpo a ordem automática, um reflexo para se levantar, mas uma barreira física o impedira. Às vezes acontecia, ele na ânsia pela recuperação acabara acostumando o cérebro com a sensação de que tudo era possível, mas a realidade de seu corpo era outra, e às vezes acontecia esse duelo entre cérebro e corpo. Dessa vez o corpo venceu, impondo a Duo uma enorme dificuldade para se levantar. Quando esse apoiou com a perna manca buscando equilíbrio foi ao chão novamente e essa cena pareceu por demais divertida aos que estavam próximos, eram os amigos de Relena. Aquilo pareceu divertido demais para todos, exceto para Duo, para ele se levantar fora como um grande e quase intransponível desafio físico. Apenas conseguiu porque havia doutrinado a mente a se sobrepor àquela dificuldade.
Heero não sorriu, mas não entendeu qual o problema com o jovem trançado? Ele olhou em volta vendo que todos sorriam e voltou a olhar para Duo.
O trançado se apoiou na mesa, cansado pelo esforço. Quando levantou os olhos para Heero viu que todos riam. Tentando ignorar aquilo ele deu alguns passos, daquela sua forma manca e trôpega.
-Ele é... Manco? – Relena gritou surpresa. Somente a mente dela podia ter tido a desumanidade de achar aquilo engraçado. –Heero está saindo com um manco! – ela riu com gosto aguçando a risada dos demais.
A música havia parado por um momento, uma pausa para a banda tomar uma água. A única coisa que se ouviam eram as gargalhadas.
Heero nada falou. Ele apenas olhou para Duo muito espantado. O trançado era mesmo aleijado? Como não notara isso antes? Parecia tão normal a mente de Yui processou esse pensamento.
-Duo? Você... Manca? – com um assombro o japonês perguntou alto.
-Eu... Sou aleijado. – Duofalou magoado. –Eu não sabia que fazia tanta diferença para você. – ele saiu. Maldita perna. O menino queria ter saído correndo e sumir dali, mas se o fizesse acabaria no chão sendo motivo de mais risos. Assim saiu o mais rápido que pode arrastando a perna direita, sob risos, que na verdade vinham dos amigos de Relena, porque não havia nada engraçado em uma pessoa com um problema físico, ao menos as outras pessoas não viam, apenas Relena e sua turma achava aquilo muito cômico.
-Duo! – Heero ia atrás do menino, mas Quatre tomou sua frente saido de algum lugar que Yui não pode processar devido a rapidez que o loiro se pôs em sua frente. Eles não trocaram palavras, mas os olhos do loiro o impediram de ir atrás do garoto.
-Seu cretino. – Quatre finalmente falou deixando uma sonora bofetada no rosto de Heero, saindo atrás do amigo trançado.
Sem reação Yui tocou o local acertado com a ponta dos dedos.
Como a sua noite havia se tornando um fiasco? A resposta estava parada a seu lado, tinha cabelos loiros e se vestia em tons rídiculos de rosa-bebê.
-Eii... Heero. Se você for atrás de tortinho nem precisa correr, ele ainda deve estar se arrastando pelo pátio. – Relena sorriu do meio do grupinho dela e Heero teria partido para o lado dela se Trowa não tivesse aparecido e sabiamente o arrastado para fora daquela confusão.
-Umconhaquereforçado! – o namorado de Quatre pediu ao barman quando se aproximaram do bar, longe da pista de dança, longe das mesas e burburinho. –Jesus, Heero. O que você fez? - Trowa o encarou.
-O que eu fiz? Sei lá... – Heero falou. Estava trêmulo. – O que aconteceu aqui afinal? - ele levantou os ombros. – Ele era aleijado?
Trowa suspirou cansado. –Achei que você sabia. Pensei que tinha reparado nele no dia do hospital, me admirei que você disse que queria tentar... Achei que sabia e não se importava. Eu devia ter previsto isso, você jamais ficaria com ele...
-Merda, Trowa. Você tinha que ter me dito isso...
-Eu sei, cara. Mas esquece. Duo vai ficar triste, mas depois vai esquecer. É melhor do que se envolver e depois...
-Que está dizendo? Que diferença isso faz? Eu apenas fiquei sem ação porque não esperava por isso... E ele achou que eu um filho da mãe canalha. - Heero bateu com o punho fechado sobre o balcão. Duo tinha entendido tudo errado.
-Que está dizendo? - Trowa o olhou, buscando um contato direto com os olhos azuis turquesa.
-O Duo saiu daqui achando que eu estava... Que eu não queria nada só porque ele puxa da perna... – Yui sorveu com raiva o líquido caramelo em seu copo. –Onde ele mora? Eu vou lá. – ele falou decidido.
-Não. Você vai para casa... Depois, quando estiver calmo você conversa com ele. – Trowa foi sensato, ainda atordoado com o que seu amigo lhe dissera. Será que Heero Yui não ia mesmo se importar de apresentar um namorado manco para os amigos?
A noite estava acabada. Quatre alcançara Duo chorando fora do bar.
-Porque ele fez isso comigo, Quat? – o trançado gritou aos prantos. Estava doendo tanto, como uma ferida que se julgava fechada e cicatrizada, mas que torna a abrir. –Porque?
-Duo... Perdão. Eu não sabia que ele ia te ferir assim. – o loiro abraçou o amigo. Sentia-se um miserávelmente culpado por deixar um homem como Heero Yui se aproximar de Duo. –Vamos para casa... Você dorme um pouco e depois vai esquecer essa humilhação. Você sabe que pode fazer. Vocêé melhor que isso. – o médico falou firme e naquele abraço amigo levou Duo consigo na direção de seu carro.
Heero dera uma carona para Trowa e no caminho eles conversaram. Trowa não sabiamuito sobre Duo, apenas que era um paciente de Quatre, que acabara virando amigo. Parecia que o menino tinha perdido a família num acidente de carro e que ficara aleijado... Mas mesmo com uma explicação tão vaga, Yui pode sentir que Duo era um vencedor da morte e um estranho orgulho brotou no seu peito.
De repente ele percebera que era alguém como Duo que estava esperando esse tempo todo. Queria mergulhar de cabeça na vida dele, saber o passado, dividir esse sofrimento todo, dividir as alegrias futuras.
Quando guiou sozinho pela noite depois de deixar Trowa em casa, Yui decidiu que lutaria por Duo e de qualquer forma apagaria aquela terrível primeira impressão.
Gosto dessa fic... ela é leve.
E a mensagem é mesmo essa:
"Se você acreitar será capaz de tocar as nuvens. "
Beijos,
Valeu os comentários fofos.
Valeu moça.
Tina-chan fofa.
Hina
