Entre o Céu e o Inferno
No Éden o Sol estava avançando rápido sobre a escuridão. Quando Zechs chegou silenciosamente em seu quarto voando pela janela ampla de uma das torres de cristal o céu estava decorado de um laranja calmante.
O anjo estava exausto, nem soube como reuniu forças para manifestar suas asas e voar até em casa. Ele se jogou na macia cama. Pensava na loucura que fora aquilo. Não deixava de se preocupar com o jovem demônio que teria que voltar para casa sozinho numa hora daquelas, afinal o inferno não era um lugar amistoso.
Estava preocupado também como o amante daquela noite acordaria no dia seguinte, seu corpo saiu da transa bem machucado e seu estado de espírito, uma vez que era um virgem se entregando ao um total desconhecido, também devia estar abalado.
-Desconhecido? – Zechs falou em voz alta. –Eu... Não sei nem o nome dele. – Pensou sentindo uma ponta de tristeza em seu coração. –Ahh... Talvez seja melhor assim. Eu não vou vê-lo novamente mesmo. Foi apenas uma gostosa noitada que aquele maluco me deu.
-Zechs! – Um grito forte e irritante quase o derrubou da cama. A voz aguda era de Relena.
A moça mal gritou e já estava dentro do quarto avaliando o irmão com seus olhos intrigados. Ela notou o estado nada apresentável do loiro.
-Você me dar nojo. – Falou com asco vendo do que se tratava o estado lascivo do anjo.
-Fale logo... Estou com sono. – Ele fez uma cara de impaciência.
-Sei... Passa a noite toda na... Não me interessa. Afinal só podia ser filho de uma humana mesmo...
-Cale-se. Não ouse falar dela. – O semblante do arcanjo mudou para um mais perigoso. Odiava que criticassem suas origens humanas.
-Certo... Mas não vai dormir. Ou se esqueceu? Você tem que receber Trowa Barton Iviel. Ele chegou hoje da Terra. – Relena sorriu. – Ahh, querido irmãozinho. Vou precisar de uma verba extra para conseguir novas cegonhas.
-Relena... De novo? – O loiro a olhou com espanto.
-Ora... Você não viu no jornal celestial? As cegonhas estão com medo. Muitas chegam feridas e assustadas.
-Mas que levem para o veterinário celestial. – O arcanjo falou de forma simples.
-Eu sei querido, mas tem muita cegonha que se recusa terminantemente a voltar a Terra. Elas têm verdadeiro pânico. E quando eu digo que a entrega é no Rio de Janeiro... Muitas até já se mataram... Preferem morrer a ir lá...
-Tá. Tá. Vou ver o que consigo. – Zechs falou fazendo um gesto com as mãos para enxotá-la. – Fedelha chata. – Ele falou se obrigando a levantar. Tinha que cumprir as obrigações de um príncipe celestial.
Assim ele caminhou sorridente pelos corredores das torres aconselhando um e outro. Indicando soluções... Estava vestido com suas roupas sempre brancas, caminhava rápido pelos corredores encontrando a sala onde era esperado.
Sorrindo ele entrou com a porta se fechando as suas costas. A sala era ampla e redonda. O chão e o teto era completamente branco-neve, as paredes eram vidro. Completamente de vidro. A vista era a coisa mais pura e viva que alguém podia sentir. No centro da sala havia duas poltronas também em branco-neve. Uma delas estava ocupada.
O rapaz que estava na sala lançou um olhar inanimado para o loiro.
-Olá. Sou Zechs. – Ele se apresentou se aproximando.
-Sei quem é você. Posso ser um imprudente, mas não sou louco ou desmemoriado.
-Opa, seu humor não está nada bom. – O arcanjo falou erguendo as mãos pedindo rendição e se sentou. De dentro das vestes ele retirou uma pasta e passou a lê-la de forma interessada. – Ahhh... Seu arquivo. – Ele informou ao levantar os olhos vendo que o rapaz o acompanhava curioso.
-Então mandam um arcanjo para me ajudar. Que merda os faz acreditar que preciso de ajuda? – O humor do rapaz estava inconstante. Ele conseguia mudar do apático para o violento em pouco tempo.
Entendo. – Zechs o olhou profundamente. – Você acabou de chegar da Terra. Mesmo sendo um anjo de alta ordem você está passando por uma grande confusão. Por isso estamos aqui e só sairemos quando você conseguir entender que terá que deixar a Terra para trás. – O loiro falou.
-Como? – O rapaz falou cansado. Estava abatido e magro. Ele tinha um rosto esguio, o cabelo numa tonalidade marrom-tijolo terminado em um topete, os olhos médios de um verde misterioso, os lábios retos e os traços sérios.
-Terá que esquecer... Essa paixão. – Zechs aconselhou.
Não houve resposta. O rapaz abaixou a cabeça chorando. O que assustou o loiro. Anjos não choravam. Nunca. Humanos e demônios sim, mas anjos não. De certo que o amigo estava com uma imensa confusão, mas o choro era um sério sintoma de descontrole espiritual.
-Eu o amava. Tem coragem de me olhar e me pedir para esquecer minha paixão? – Ele perguntou ferido.
-Claro que não. – Zechs ficou pensativo. Era estranho, mas será que amar era mesmo a fraqueza dos seres vivos, como muitos anjos pregavam? Ele achava que não, afinal sentia tanta força quando pensava na loucura que fora aquela noite passada, mas logo removeu essa lembrança da cabeça. Ele não amava aquele demônio maluco.
-Trowa. – O arcanjo o olhou. – As almas vão a Terra para suas missões, a falha cabe ao fracasso delas. Você como anjo da guarda dele fez o que pode.
-Eu estava com ele. Era meu dever zelar por ele... Eu estou arruinado. Ele retirou a própria vida. – O anjo de topete estava trêmulo.
Zechs se encostou à poltrona. Estava prestando a atenção às vidraças que cercavam as salas. Ele passou a ver as nuvens passando... A imagem sem foco. A distancia. Logo estava tendo uma perfeita visão da Terra. O nascimento de um bebê... A família... A escola... Os passos de uma vida humana em pleno desenvolvimento.
-Eu no meu primeiro dia de escola. – Trowa ficou surpreso. As imagens de sua vida passavam como filme em um telão. – Quando conheci Quatre, meu amado Quatre. –Voltou a chorar.
-Quatre Winner. Você lembra que nasceu para ajudá-lo a cumprir uma missão? Você foi lá para isso, Trowa. Uma vez que acabou você deve voltar.
-Mas eu falhei, Zechs. Vencemos os desafios da vida juntos. Desde o colegial estávamos juntos, um não desgrudava do outro. Entramos para faculdade juntos... Nos ajudamos. Foi tão árduo, mas nos formamos com mérito na faculdade de medicina. Quatre nunca gostou da profissão, ele queria ser artista. Gostava de atuar, mas a vida... – Trowa fez uma pausa.
-Eu sei dessa história. Sua missão era mantê-lo na medicina para que ele pudesse salvar o pai que padecia de câncer. Mas, você não teve culpa e nem ele. Vocês dois entenderam tudo errado. – Zechs falou brando.
-Como? – Do que aquele arcanjo estava falando? Trowa estava surpreso.
-Você veio para ajudar Quatre a ficar na medicina e juntos salvarem as tantas vidas que salvaram, nunca foi por causa do pai dele. O senhor Winner já estava preparado para voltar. Por ele, nem mesmo Deus poderia fazer nada. Quatre não entendeu isso. – Zechs explicou.
-Zechs... Não pode ser. – O outro anjo falou.
-Quando o pai dele se foi, o Quatre pirou. Sem entender que ele e você haviam conseguido cumprir a missão de vocês que era salvar vidas, e vocês salvaram muitas. Mas, Quatre pôs tudo a perder. Ele abortou a missão quando retirou a própria vida. – Zechs estava muito abatido agora. O crime contra a própria vida era um que abalava muito os anjos.
-Eu preciso encontrá-lo. Preciso dizer isso a ele... – Barton tinha que fazer o amado entender seu erro.
-Trowa. Sua missão para com Quatre acabou. – O loiro advertiu. – Nada mais pode ser feito. Ele agora está no vale dos suícidas e ninguém sae de lá, somente depois de séculos de sofrimento e talvez o Quatre não perceba nunca que não estava errado.
-Eu vou fazê-lo entender. Eu tenho que fazê-lo entender isso. – Trowa estava irredutível.
Zechs e Trowa ficariam ali dentro da sala redonda o tempo que fosse preciso. Eles só sairiam de lá quando Barton voltasse a assumir a forma impessoal de um anjo. Era como uma terapia intensiva de cura dos males da Terra, entre esses, as marcas de amor eram as mais difíceis de se apagar.
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No inferno as coisas pareciam seguir seu curso normal.
Era cedo quando toda a família Zebu se reuniu à mesa. Heeriana estava sentada numa extremidade e Beel na outra. A mulher gorda lia seu periódico de culinária enquanto o demônio lia o jornal de informações infernais diárias. Wufei tomava seu café olhando para um ponto da parede, como se estivesse sentado sozinho à mesa. Heero estava lá, porém estava tenso. Não tocara em nada na mesa.
Yui olhou para o lugar a seu lado que geralmente era ocupado pelo irmão mais novo, mas Duo não estava. Na certa ainda dormia.
Beel Zebu fechara o jornal e olhara cada membro de sua família. Seus olhos vermelhos pararam ao lado de Heero. Ele apoiou a mão não sobre a mesa.
-Onde está Duo, Heero? – Sua voz saiu como um relâmpago cortante.
-Ahh... Porque tenho que saber? – Yui olhou o pai atravessado.
-Primeiro porque eu quero que você saiba. Segundo porque é sua obrigação zelar por ele, e terceiro porque a próxima vez que eu lhe fizer uma pergunta simples e você me responder dessa forma eu juro que vai sair voando daqui direito para o posso de larvas escaldantes. – Beel falou cada palavra com calma e frieza sem desviar seus olhos vermelhos por nenhum segundo de Heero. –Olhe pra mim, demônio. – Ele exigiu. Heero era o filho que mais se parecia com Beel. E era seu costume sempre desafiar o pai, sempre sustentar seus olhares vermelhos com o azul atrevido, porém nessa manhã ele não o olhava. Era como se estivesse fugindo.
-Certo papai. Desculpe. Eu não vi meu querido irmão hoje, embora eu tenha sempre zelado por sua integridade física, metal e espiritual. Mas hoje, ainda não o vi. – Heero respondeu automaticamente.
-Bú. Não gosto que ensine as crianças a agirem como máquinas. Odeio coisas previsíveis, você sabe disso. – Heeriana falou por atrás de sua revista, sem olhar para a família.
-Sinto muito, querida. Prometo tentar rever a educação das crianças. – Ele comentou abafado. –Mas... – Voltando-se ao filho do meio. – Como foi a festa ontem. Nem vi a hora que chegaram.
-A festa? – Heero ficou mudo.
-Sim... A festa... – Beel repetiu.
-Linda. – Sem saber o que dizer Yui acabou se atrapalhando.
-Linda? – Bell repetiu estranhando muito.
-Linda? – Wufei olhou para o irmão como se esse fosse algum ser de mil cabeças.
-Heero, querido! Você disse a palavra... linda? Está se sentindo bem? – Heeriana largou a revista de forma urgente e passou a revistar o filho. Medir temperatura, ver dilatação de pálpebras, garganta...
-Estou... Bem, Mamãe. Eu... Só disse... Que foi... Maçante. Era isso que eu queria dizer.
-Ah, sim. – Wufei o olhou estreito.
-E Duo, gostou? Não o deixou sozinho nem por um minuto, né? Percebeu algo de estranho, alguém se aproximou dele? Alguém falou alguma piadinha a ele? Mexeu com ele... – Beel começou a tecer uma rede imaginária de possíveis problemas.
-Não, papai. Nada aconteceu. – Heero falou cansado. Se seu pai soubesse a verdade, arrancaria suas asas com requinte de crueldade... E depois ia atrás do maldito enganador de Duo e obrigaria a casar. Mas por hora Yui achou melhor se manter quieto, até mesmo para o bem de Duo.
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Surgiu um novo dia no inferno. Que diferença fazia? No inferno todos os dias eram iguais, vazios, escuros. Sem amanhã.
Duo já havia tomado seu tão esperado banho. Agora ele estava trançando os cabelos em frente a um pedaço de espelho. Eles não tinham muito conforto por ali, porém a vaidade com aqueles cabelos fizera Duo insistir para que Heero lhe trouxesse aquele pedaço de espelho quando voltasse da Terra.
Seus olhos violetas correram seu reflexo. Não era ele ali. Estava abatido, o rosto cansado, com seu olhar sem brilho. Tão diferente da noite passada quando estava nos braços daquele anjo.
Ele suspirou tentando conter um rompante de dor, como se por dentro lhe tivesse uma ferida viva e chuchante. Lágrimas escorreram enquanto Duo se mantinha congelado frente com seu reflexo.
Em seu corpo havia tantas marcas, pescoço, os mamilos machucados, as marcas dos dedos do anjo em sua cintura, seu ânus ainda incômodo, sua virgindade ainda ferida. Seu corpo estava massacrado. Ele percorreu cada uma das marcas, sabia que logo elas desapareceriam, porém a marca em sua alma jamais sumiria.
Duo admitia que Heero tinha razão, mas seu coração ainda lhe pregava a cruel peça de acreditar no amor daquele ser, embora soubesse ser impossível. O anjo nada lhe dissera, ele não lhe fez juras, nem promessas de um futuro, era apenas uma noite.
Mas sua alma chorava só de pensar que não ia mais ficar naqueles braços.
-Ohh... Deus. Faça que nos encontremos mais uma vez. – Duo choramingou escorregando para o chão.
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Enquanto esteve trancafiado na sala redonda com Trowa Zechs não pensou, na verdade, se forçou a esquecer da noite de amor que teve com o desconhecido demônio, uma vez que sua missão de trazer de volta a sensatez de Trowa era algo muito dificultoso. Assim o loiro decidiu que tentaria esquecer ao menos enquanto estivesse ali a imagem da melhor noite que tivera.
Quando finalmente saíram, nenhum dos dois saberia dizer quanto tempo se passara desde o dia que entraram.
Zechs estava esgotado, lhe custara muito trazer o anjo Trowa Barton de volta. Livrá-lo das dores e pesos humanos.
Caminharam pelos jardins embora estivessem cansados. O Sol do Éden lhes faria bem. Trowa se deixou cair na grama sentindo o carinho gostoso dos raios do Sol tocarem seu rosto. Ele havia conseguido finalmente se livrar dos sofridos sentimentos humanos, porem jamais esqueceria as lembranças.
-Saudade. – Ele sorriu expondo seus pensamentos de forma alta.
-Como disse? – Zechs o olhou, se sentado à grama também.
-Na Terra existe um idioma que usa essa denominação para quando sentimos falta de alguma coisa que tivemos e que nos foi muito boa.
-São fantásticos, não? Eles conseguem resumir essa grandiosidade em uma única palavra.
-Como é difícil viver como humano. Deus. Eles são tão sofridos, mas ainda assim conseguem a bravura de sorrirem e amarem. Eu tenho hoje, profundo respeito e admiração por eles. – Os olhos de Trowa brilhavam.
Ficaram quietos por muito tempo, apenas olhando o céu.
-Zechs, você me ajudou a resgatar minha celestialidade, mas... Você também sente... Essa palavra. Saudade. O que é? – Trowa o olhou finalmente.
Talvez fosse bom falar um pouco sobre aquele sentimento que estava guardando. Não sabia quanto tempo havia se passado desde aquela noite, nem mesmo se o menino demônio ainda lembrava dele, ou mesmo se ainda estava vivo. Mas era fato que não havia um dia sem lembrar daquele brilho violeta nos olhos grandes e meigos.
-Eu... Depois de tantos séculos, senti a necessidade de fazer sexo. Eu fiz sexo. Tive uma noite maravilhosa de sexo. – O loiro explicou.
-Hum... Ao menos isso mostra que ainda se sente vivo. – Trowa brincou.
-Nem sei lhe dizer. Nunca tinha me sentido assim antes.
-Isso é muito. Você já viveu por tantas dimensões. – O outro anjo o olhou.
-Não foi só sexo. Quando eu estava dentro daquele demônio eu me senti tocado por um sentimento que os anjos não poderiam ter. – Ele explicou confuso.
-Tolice... O amor é tão imensamente forte que arruma meios de chegar a todos. E você foi tocado por ele. Capturado em apenas uma noite. – Porque não vai atrás desse tal demônio. Porque não luta por ele? Ao menos eu faria isso por Quatre se ele não estivesse em um local inacessível. O vale dos suicidas.
-Nem brinque. Eu? Um arcanjo. Nunca. Eu acho que vou preferir esquecer.
-E viver assim? Carregando as lembranças dele?
-São saudades... Como você mesmo chamou. – Zechs falou. Talvez fosse mais cômodo viver saudoso a tentar.
-Não. Só se sente falta do que tivemos, meu amigo. Pense nisso e pense se tem motivo para sentir saudades desse demônio. – Trowa saiu o deixando sozinho.
-Ele... É tão mais centrado do que eu. – Zechs considerou a sensatez do anjo de topete. – Eu não posso sentir saudades daquele demônio, ao menos se tivéssemos tido alguma coisa. Ao menos se eu estivesse disposto a correr os riscos e lutar por ele. Mas acho que não estou. – O loiro não sabia. Uma parte forte lhe dizia para abdicar de sua condição de anjo e lutar para ter o demônio, mas outra lhe dizia para esquecer e tratar aquele jovem apenas como uma gostosa diversão de uma noite fria e solitária.
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De fato o tempo havia passado naqueles mundos. Tudo seguia sua normalidade. Porém no inferno alguma coisa estava mudada, na casa de Beel Zebu principalmente.
Era Duo. O xodó da família. O menino dos olhos meigos estava diferente. Perdera aquela felicidade saltitante de viver. Não que tivesse completamente depressivo. Talvez tenha ficado quando seu coração passara a entender que aquele anjo não lhe procuraria mais. Isso lhe custara. Custara-lhe muito, mas uma vez entendido isso, sua mente tratou de dominar o coração trancando dentro de si a dor crucial. Mas ainda assim, embora estivesse se esforçando para se passar por normal e feliz, como sempre fora, às vezes, em momento de puro descuido seus olhos deixavam sua dor escapar timidamente.
-Eu vou esquecer... Eu tenho que esquecer. – Duo choramingou.
Ele estava no vale perdido. Como todo o inferno era um local seco. Ali nada parecia brotar. Uma terra morta.
O jovem demônio nem soube como fora parar ali. Apenas em um momento quase desespero havia voado sem destino enfrentando os ventos gélidos atravessando os desertos e colinas, exausto se deixou pousar no meio daquele vale. E agora estava ali. Ajoelhado ao chão, apoiava às mãos com força na terra sem vida e deixava que suas lágrimas de dor banhassem a terra.
Era bem tarde quando Duo voara de volta para casa. Forçara suas asas ao máximo para chegar nas torres. Estava seco por dentro, como se tivesse derramado todas lágrimas possíveis.
Quando finalmente ele aterrissou dentro de seu quarto após entrar pela janela viu que Heero estava sentando em sua cama com uma expressão nada agradável.
-Heero? – Duo o olhou assustado. Desde quando ele havia se entregado ao anjo que o irmão não lhe voltava à palavra e isso o estava ferindo profundamente.
Quando finalmente ele aterrissou dentro de seu quarto após entrar pela janela viu que Heero estava sentando em sua cama com uma expressão nada agradável.
-Heero? – Duo o olhou assustado. Desde quando ele havia se entregado ao anjo que o irmão não lhe voltava à palavra e isso o estava ferindo profundamente.
-Duo. – Heero se levantou o encarando seriamente. –Papai achou sangue em suas peças íntimas. – O mais velho falou com seriedade. Aquilo era grave demais, uma verdadeira tragédia.
O trançado ficou mudo. Até tentou externar alguma coisa, mas a voz lhe entalou na garganta, numa sensação de extremo desconforto. A boca seca e o estômago embrulhado. Aquilo não podia estar acontecendo.
-Heero. Pelo amor de Deus. Isso não pode acontecer. – Ele finalmente conseguiu falar algo. Mas sua voz saía em pleno descontrole. Seus olhos marejados.
-Infelizmente, aconteceu, Duo. – Yui o olhou com pena. Sabia o que o jovem teria que passar, e tudo por causa de um maldito anjo. – Ele estava só esperando que voltasse. Disse-me que vai vir fazer uma vistoria em seu corpo. – Heero informou.
-Não! – Duo andou para trás em defesa de seu corpo. –Ele não pode. Eu não quero. Meu Deus. Que vergonha! – Estava perdido. – Heero, ele não pode me tocar. Ele não pode saber. – Os olhos violetas imploravam por ajuda, Yui precisava fazer algo.
-Duo. Eu nada posso fazer. Não dessa vez. Papai viu o sangue e você sabe o que isso significa. – Yui se aproximou vendo que Duo estava perdendo a cor e seus movimentos ficavam lentos e mecânicos. Heero foi rápido o suficiente para segurar o irmão antes que esse fosse ao encontro do chão. Com facilidade levou o corpo amolecido até a cama o deitando. –Duo, como você pode deixar isso acontecer? – Heero perguntou com pena. – Esse sangue só pode significar que você engravidou e de um maldito anjo. Papai nunca vai te perdoar, meu irmão. – Ele completou com o coração apertado beijando a testa do mais jovem.
Em poucos minutos Beel Zebu e Heeriana estavam ali no quarto de Duo.
Heero quando viu seus pais entrarem abraçou o menino de forma protetora, porém sabia que nada poderia fazer, seu pai ia até o fim.
-Largue-o Heero. – Sua mãe ordenou. –Seu pai vai ficar sozinho com ele, precisamos ter certeza que nossa casa ainda tem alguma honra. – A mulher agora falou com pesar, ela era experiente, sabia que sangue nas roupas íntimas de um demônio fêmea significava que esta estava grávida, e Duo sendo um hermafrodita, podia ter o mesmo significado.
Heero não viu outra opção senão obedecer.
Duo acabara de despertar. Abrindo os olhos viu o cenário que estava. Seu pai e sua mão com rostos sérios e pálidos, Heero ao seu lado com rosto tenso. Não haveria escapatória.
-Papai. Não. – Ele choramingou implorando ao pai que não o humilhasse daquela forma.
Para Zebu não seria fácil. Seu coração estava se partindo ao meio.
-Duo. Meu bebê. É necessário. – Ele se aproximou abraçando o filho de forma tão carinhosa. Era um demônio forte e impiedoso às vezes, mas em se tratando de fazer seu filho mais novo sofrer ele se tornava o mais frágil dos seres.
Wufei acabara de chegar no quarto e viu a cena. Seu pai, um demônio sempre tão rigoroso quase chorando ao abraçar o filho menor.
-Não papai. Deixe... Deixe que o Heero veja. Eu... Sinto-me melhor com ele. – Duo implorou com o rosto escondido no peito do pai enquanto o abraçava forte.
-Mas... – Zebu olhou para o filho do meio e voltou seu olhar vermelho para o menino em seus braços. Ele sabia que Duo tinha uma forte ligação com aquele irmão, se fosse para alguém o tocar, de certeza ele ia preferir que fosse Yui. –Ele é jovem demais... O que a pessoa vai fazer nesse quarto, criança, é ver se está tudo bem com sua honra e depois reportar a mim. Isso é uma responsabilidade muito grande...- O pai explicou olhando os olhos feridos e magoados de Duo.
-Eu... Fico com Heero. – Wufei se intrometeu. –Isso mesmo que ouviram. Eu assumo essa responsabilidade como mais velho. – Ele completou de forma segura.
Zebu o olhou diretamente nos olhos e o que viu foi uma segurança e determinação tão grandes que não teve como recusar, principalmente porque se sentia grato de Chang assumir essa responsabilidade. Afinal como pai zeloso e estimado que era, não seria fácil ver seu filho amado nu e ainda mais ter que tocá-lo de uma forma tão íntima.
-Eu posso confiar, nos meus dos filhos. – Zebu sorriu para Wufei. Tomando sua esposa ele se voltou para os filhos. – Chang, estaremos ansiosos por explicações. E... Obrigado. – Ele sorriu como pode deixando o quarto.
Uma vez sozinhos no quarto se deu um constrangedor silêncio.
Wufei foi o primeiro a tomar uma decisão. Aproximando-se de Duo ele acariciou o cabelo marrom que sempre achara tão sedoso, descendo os dedos pelo rosto de pele macia. Era tão lindo e delicado deu irmão.
-Não quero mais te ver assim, com esse rostinho triste. Logo você que de nós três sempre foi o mais sapeca. O mais risonho. – Wufei falou dócil de uma forma que não estava acostumado a fazer.
-Fei. – Duo o olhou com carência.
-Duo. – Wufei o tocou delicadamente entre as pernas sentindo um líquido quente e úmido molhar sua mão. Imediatamente afastou o toque, não precisava mais nada para saber que seu pai estava certo sobre os sangramentos.
-Me perdoa. – Duo apenas se largou num pranto. Estava desabafando fortemente em soluços que sacolejavam seu corpo. Tinha tanta vergonha. Todos que mais o amara e o respeitaram agora saberia que ele se oferecera de forma imunda. Como se sentia sujo, humilhado.
-Eii... – Wufei olhou para os dedos sujos com fluido vermelho do irmão. – Vem cá. – Ele o abraçou com carinho o beijando no topo da cabeça. – Já vai passar.
Assim o irmão mais velho acalentou o mais novo com paciência. Heero apenas olhava incapaz de acreditar que seu estranho e calado irmão, que sempre se mostrava alienada aos acontecimentos da família, estava mesmo consolando Duo. Ele estava surpreso.
Seu coração se encheu de um orgulho genuíno do irmão. Wufei no fundo se incomodava como cada um deles, apenas não demonstrava isso com palavras e sim com atos. Quando mais se precisava dele ele estava sempre lá, como uma rocha, quieto, mas forte e presente.
-Vem Yui. – Wufei sorriu para Heero lhe abrindo os braços e ele prontamente aceitou. Assim ficaram os três irmãos abraçados e emocionando. Nenhum falou palavras, apenas ficaram deixando os calores de seus corpos falarem e aquecerem tanta dor.
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-Heero quem foi? – Wufei o interpelou depois que Duo adormecera.
-Eu... Não... – Ele ia dizer.
-Você sabe. – Chang afirmou o fitando.
Heero viu um brilho certo nos olhos negros do irmão mais velho. Wufei lhe expirava confiança. E ficar calado não ajudaria em nada seu doce Duo. Respirando Heero ia falar tudo que sabia.
Wufei saiu do quarto deixando Duo dormindo com Heero velando seu sono. Agora era sabia de tudo e de forma alguma ia deixar barato. Encontraria o anjo de qualquer forma e o forçaria a assumir Duo e aquele bebê, caso contrário o tal anjo pagaria com sangue pela honra da família Zebu.
Ele deixou Heero com o mais novo e foi falar com o pai. Não poderia dizer que estava calmo, pois seu corpo tremia abalado.
Duo era a graça da casa, qualquer coisa que o ferisse feria cada um dos membros daquela família de forma terrível.
Ele encarou o pai que o esperava na sala. O semblante sério de ambos denunciava a gravidade da situação.
-Quem foi? – Zebu perguntou com sua voz fria.
-Pai... Eu não sei. – Wufei não mentiu, afinal nem o próprio Duo sabia quem era o tal anjo.
-Deus. Uma coisa dessas não acontece e ninguém fica sabendo. – Ele estava nervoso. –Eu vou lá no quarto, Wufei eu juro pela honra de meus antepassados que faço Duo falar o nome do desgraçado. E eu varro esse inferno todo atrás desse maldito. – Beel socou a mesa de madeira deixando uma rachadura no centro do móvel. – Eu vou surrá-lo até ele dizer um nome.
-Pai... – Chang o chamou pesaroso.
-Vou surrar o Duo de um jeito que ele vai botar esse filho pela boca! – Zebu berrou. Nunca havia se descontrolado dessa forma, principalmente diante de um filho. Ele estava vencido.
Zebu esquecera sua pose e se lançara numa cadeira. A fronte baixa em vergonha. Ele chorou sua amargura. –Meu Deus. Lúcifer! Todos os anjos e demônios! Como? Como foi acontecer uma desgraça dessas com minha criança? – Ele chorou.
-Pai. – Wufei se abaixou próximo do pai. Para Zebu Duo ainda era sua criança linda, Chang sabia disso. –Eu sei seu desespero. Eu também estou ferido por dentro, mas posso te pedir uma coisa? – Ele sustentou o olhar. – Não faça nada ao Duo e não tome nenhuma atitude sobre isso. Deixe-me cuidar disso, eu imploro. – Chang estava ajoelhado ao lado do pai, seus olhos negros estavam úmidos.
Zebu sorriu. Era a primeira vez que ele chorava na frente de seu filho e era a primeira vez que via seu filho chorar na sua frente. –Eu... Não sei. – Ele falou com o coração partido.
-Eu imploro. Eu amo meu irmão. Eu juro para o senhor que eu e Heero vamos acertar tudo. Nós vamos encontrar essa criatura que tocou nosso irmão... – Ele falou com tanta força de convicção.
-Vocês sabem que foi. – Zebu afirmou.
-Por tudo que existe de sagrado, confia em mim e no Heero.
-Duas semanas. Vou lhes dar duas semanas. Dou minha palavra que Duo nada vai sofrer nesse meio tempo, mas passado esse tempo, se nenhuma solução surgir, vou tomar minhas resoluções. Eu não vou ter um filho que era uma promessa de ser a lenda de nosso povo virar a nossa vergonha maior. – Lhe custava dizer tal coisa, mas teria que tomar uma decisão muito dura em relação a Duo.
-Não vai precisar o ferir, eu lhe prometo. – Wufei sorriu. Tinham um pacto.
-Eu conto com você filho. Agora eu vou me deitar. Estou como se estivesse doente por dentro. Vou acalmar sua mãe, eu achei melhor ela ficar no quarto.
-Eu sei. Sla ia querer matar o Duo. – Wufei sorriu. A mãe era a pessoa mais temperamental da casa.
-Wufei. – O pai lhe chamou. – Estou orgulhoso de você, por estar se mostrando um verdadeiro homem, com coragem e valentia para defender seu irmão.
-Ele é minha família. Vou morrer pela honra dele se for necessário. – Chang afirmou com verdade.
Soninho gotosooo..
Hina (fora de casa... a trabalho.. P)
