Umbral do Inferno
VI -A dama de ferro
Zechs estava sentado à mesa para o café da manhã, porém não tinha a mínima fome, na verdade tinha vontade de derrubar todos os bolos e frutas e sucos e tantas outras coisas que compunham a farta refeição.
Ele havia ficado com Treize até quase o Sol chegar procurando pela fugitiva prisioneira e também por Trowa e o serviçal, sem sucesso. Era estranho, mas seu noivo tinha toda razão quando dizia que as pessoas naquele palácio sumiam no ar como fumaça. Também havia Duo que Zechs havia perdido e que muito dava a falta.
"Maldição!" – ele gritou socando a mesa derrubando uma jarra de suco de laranja no processo. Meio que de forma automática um serviçal se atirou aos pés do soberano para limpar a sujeira. "Seus imprestáveis!" – Zechs estava furioso gritou chutando a costela do rapaz, e novamente e novamente com toda força possível.
Zechs somente parou quando viu que havia praticamente matado o pobre empregado. Estava farto de ser cercado por tantas pessoas que ele sabia bem que conspiravam contra ele e sua irmã.
"Reúnam no pátio os cozinheiros e roupeiros... Eu vou fazer uma fogueira!" – ele sorriu.
Não estava brincando quando falou sobre a fogueira. Uma vez que Relena estava acamada Zechs dava as ordens e uma vez que esse estava completamente alucinado qualquer coisa era possível. Talvez totalizasse, umas 50 pessoas foram reunidas no pátio principal do palácio. Uma imensa fogueira estava sendo construída.
"Ficou louco? Quem vai nos servir se matar nossos serviçais!" – Treize o puxou firme pelo braço.
"Você não mora aqui. Eu nem sei o que está fazendo aqui. Não temos mais nada..." – Zechs estava com um estranho olhar, talvez a frustração de perder seu belo Duo e ser passado para trás pela pessoa que libertara a mulher que lhe traria informações do escravo o tivesse perturbado bastante, ao menos seu olhar não estava normal. Estava vidrado demais.
"Parem a construção dessa maldita fogueira!" – Treize passou a dar as ordens já que via seu noivo completamente alucinado. "Enquanto a vocês, idiotas! Voltem ao trabalho!" – ele gritou para que os serviçais voltassem a seus afazeres.
"Não! Que pensa que está fazendo, seu bastardo?" – Zechs estava mesmo fora de si.
"Vamos." – Treize o arrastou para dentro, pelos corredores sem se importar com os muitos serviçais que estavam os observando. No quarto Treize jogou o noivo na cama trancando a pesada porta de uma trabalhada madeira de lei. "Que diabo está fazendo?" – finalmente olhou para um Zechs abatido.
"Eu quero meu escravo de volta." – o loiro falou imediato. "Você não entende? Eu preciso dele aqui. Sem ele eu não consigo... Eu preciso dele." – Zechs começou a repetir como um insano.
"Santo Deus." – Treize estava assustado com tudo aquilo. Zechs estava completamente descontrolado. E tudo por causa de Duo, que o rapaz loiro parecia não conseguir esquecer. "Esse escravo deve ser mesmo bom" – ele falou para si.
Os raios de Sol já haviam chegado e se tornando bem fortes às margens do riacho onde Trowa e Quatre passaram a noite, porém era hora de seguir viagem.
"Quatre. Temos que ir." – Trowa falou se aproximando do rapaz loiro que estava de pé nas pedras, era como se vigiasse o caminho. Talvez na espera de alguém. "Temos que ir." – Trowa se aproximou delicado.
"Ahhh..." – o loiro apurou a vista na trilha, porém nem sinal de vida por ali. Triste ele se levantou segurando na mão de seu forte amante. Então era assim que terminava sua amizade com Wufei. Sem nem mesmo um olhar de despedida.
"Vamos logo." – o falso soldado o puxou com delicadeza.
"Acaso vai a algum lugar sem mim?" – Wufei perguntou vindo da trilha.
"Fei!" – Quatre se livrou da mão de seu namorado e correu para se pendurar no pescoço do velho amigo com extrema felicidade. "Achei que ia me deixar nessa sozinho." – o loiro o beijou no rosto.
"Quatre." – Trowa não pode acreditar que ele estivesse ali. Era seu rival pelo amor do loiro.
"Ele vai conosco?" – o soldado falso olhou para o rapaz vestido com largas calças de bobo da corte. "Ótimo o idiota real vai conosco." –Trowa o desafiou com os olhos.
"Quatre. Eu posso quebrar a cara desse soldadinho?" – Wufei falou com raiva segurando o cabo da espada.
Não era o momento para brigas. Tinham que fugir o quanto antes. "Eu apenas não o farei porque temos que conseguir chegar a L1 com vida e sem sermos seguidos." – o bobo da corte da corte falou ainda olhando feio para o namorado do amigo.
"Então... somos aliados, mas depois que chegarmos lá o concito a um duelo pela posse do Quatre." – Trowa sugeriu.
"Olha, soldado. Eu aceito o duelo, mas pode ficar com o loirinho que eu vou preferir a moça... A moça! Eu esqueci dela." – Wufei coçou a cabeça lembrando que a mulher estava em grave estado no chão. Quatre correu até ela, vendo que havia muito sangue ali.
"Ela está mal, Wufei. Temos que levá-la." – o loiro mediu a temperatura da moça vendo que a febre a consumia.
"Eu posso levá-la nas costas. Não será problema." – Wufei se antecipou completamente penalizado.
"Hn. Certo, mas se você nos atrasar fica pelo meio do caminho, bobo da corte." – Trowa falou em um tom de ameaça que em nada agradou o outro, porém o soldado não era uma má pessoa apenas contava com uma carga de ciúme excessiva do amigo de Quatre.
"Não se preocupe, soldado." – Chang falou pondo Pô sobre suas costas e iniciando a caminhada.
Em L1 Heero havia ganhado um amigo para todas as horas. Era estranho, mas os dois haviam se completado. Yui fazia a vez do amigo calado e frio, e Duo era o divertido e falante.
Era uma combinação pouco provável, afinal Heero Yui não tinha amigos, porém Duo o fez mudar essa conduta, o rapaz lhe expirava ares de proteção e cuidado, embora se mostrasse forte o suficiente para se virar sozinho.
Duo estava com ele em uma das torres de segurança. O menino não podia fazer muito para ajudar, mas não conseguia tirar seus olhos curiosos dos painéis brilhosos.
A chegada de Trowa, Quatre, Wufei e Sally pegou Heero e todos os outros de surpresa, é claro que os estava esperando para uma conversa sobre suas futuras ações, mas realmente não os espera ali e muito menos naquele estado. Como fugitivos.
Yui havia sido avisado da chegada dos quatro e os esperava em sua sala de decisão. Logo entravam pela porta sob os olhos frios de Heero.
"A fuga foi inevitável." – Trowa informou antes de qualquer coisa.
"O que houve? Sally... ela está ferida?" – Yui mantinha um tom frio, mas a situação não deixava de ser preocupante.
"Ferida... parece que Zechs quer recuperar o escravinho fugitivo e souberam que Sally deu fuga a ele." – Wufei deu de ombros. Estava preocupado com o estado da moça, a qual já tinha certo sentimento.
"Suponho que Chang a tenha ajudado a fugir das garras de Zechs, mas enquanto a vocês?" – Heero se dirigiu a Trowa e Quatre.
"É minha culpa..." – Trowa se lamentou. "Eu agredi Relena." – ele admitiu.
"Não Heero. Eu me meti em confusão com a rainha e Trowa me ajudou... a culpa é toda minha." – O loiro falou chateado.
Yui estava bastante preocupado. Agora havia ficado sem seus olhos e ouvidos dentro do palácio real dos Peacecraft. Teria que agir rápido, porém não sabia como. Ele olhou para as mãos as fechando com raiva, estava sem ação nesse momento, tinha que deter aquele reinado, porem não tinha como. Precisava de uma solução que economizasse o desgaste de uma guerra, que certamente perderia. Tinha que ter outra opção.
"Agora que serventia você têm?" – finalmente o líder falou. Seus olhos de um azul turquesa vivo varreram o semblante de cada um de seus aliados com frieza.
Duo os olhou com pena. Yui estava sendo muito duro. O escravo se aproximou os encarando de forma simpática.
"Tudo bem..." – Yui gemeu para os outros. "Este é Duo... o escravinho fugitivo, Wufei." – Heero apresentou com certa irônica, afinal Duo já lhe tinha uma importância tão grandes que não se sentiu bem de vê-lo sendo tratado daquela forma.
"Ah... Olá. Eu sou o Duo." – ele sorriu um tanto quanto tímido.
Quatre sorriu em retorno, já Trowa meneou com a cabeça e Wufei apenas o olhou de forma desconfiada. Era por causa daquele idiota que Sally havia sido torturada.
"Ele vai ficar aqui até que possa voltar para casa." – Heero explicou aos outros.
Quando finalmente ouvira tudo que podia de seus aliados Yui pediu que o deixassem sozinho. E quando a porta se fechou atrás de si ele socou a mesa de painéis brilhosos com força e agonia. O que faria dessa vez? O que faria contra Relena, agora que estava sem informantes?
Dois dias se passaram desde a chegada dos rebeldes em L1.
Sally agora bem cuidada se recuperava. As coisas pareciam muito caladas em Sanc nos últimos dias. E Heero não sabia o que a rainha andava aprontando agora que não tinha mais contatos no palácio.
Ele estava analisando alguns planos com Trowa quando Wufei avisou sobre o próximo passo da família Peacecraft. Eles haviam dizimado uma vila de pessoas humildes em L2.
Duo acabara de entrar na sala quando ouviu sobre a mais recente ação de Zechs e sua trupe. Ele de alguma forma sabia exatamente a vila que havia sido destruída, mas sabia de alguma forma que sua fuga cominaria nisso. Sua vila natal seria o primeiro lugar aonde o nobre o ia procurar.
Ouvir aquilo foi como um baque forte demais para tão jovem escravo. Desde quando havia sido separado de sua família alimentara uma mágoa do pai por tê-lo vendido, mas o amava, amava a todos, e sentia muito por eles serem tão pobres, por terem sido condenados a uma vida de privações imposta pelos caros tributos que deviam pagar a rainha Relena.
Heero notou que Duo estava na sala. Não pode deixar de se preocupar com ele. Podia ver estampada no rosto do rapaz a dor que ele sentia, uma dor aguda e que parecia o consumir por dentro como uma torrente violenta.
A cor havia fugido de seu semblante e seus olhos estavam opacos. Pálido e trêmulo ele olhou para o outro rapaz, suplicante.
"Duo..." – Heero o chamou. "Vamos cuidar de você." – o líder completou. Talvez fosse algo idiota a se dizer naquele momento, afinal jamais conseguiriam substituir a família morta de forma cruel. Porém qualquer coisa que dissessem ao rapaz naquele momento lhe soaria idiota ou sem razão.
"Pelo amor de Deus, Heero. Porque ele tinha que fazer algo assim? Eles não tinham culpa..." – Duo finalmente chorou vencido por uma dor que latejava dentro de si. Ele sentiu como seu mundo pudesse acabar naquela dor quando buscou o abraço de Yui.
Os presentes na sala se olharam. A cena era um tanto quanto incomum. Afinal Heero já havia passado por tantas mortes, ele era frio ao extremo, mas Duo parecia contrariar isso, esse jovem escravo parecia arrancar de dentro de Heero alguma parte humana, se é que existia.
Todos se olharam espantados, Yui estava protegendo aquela criança? Porque? Certo que o jovem era bem jeitoso, mas era algo novo vê-lo se derretendo dessa forma só causa de um rosto bonito.
"Eu-Eu vou levá-lo para meu quarto para descansar um pouco." – Heero falou sem jeito finalmente desgrudando o garoto de si vendo que ambos estavam sendo observados pelos demais.
Longe dos olhos curiosos, Duo chorou tudo que tinha para chorar e por fim adormeceu exausto na cama de Heero.
"Como esses desgraçados podem ser tão cruéis?" – Heero estava sentado na beira da cama, seus olhos fitavam o chão vendo que era impossível deter aquela família dos nobres. Ele sabia exatamente o que Duo estava sentindo embora essa dor ele tivesse enterrado dentro de si e por muito tempo ignorado que existia. Yui também era um órfão. Não havia conhecido seus pais, mortos em um extermínio, apenas ele havia vivido.
"Ninguém devia ter esse direito... separar pai de filhos." – Quatre falou entrando no quarto. Ele era outro que tinha história de vida similar. "Isso devia ser proibido. As pessoas que agente ama deviam ficar para sempre com agente." – ele completou desolado.
"E-elas... ficam." – Duo havia acordado.
"Duo!" – Heero e Quatre o olharam não sabendo quando ele havia despertado.
"Meus pais e meus irmãos vão ficar comigo para sempre. Os ensinamentos do meu pai e todo o carinho que me deu. Vou carregar o orgulho de tê-lo amado a vida inteira." – eram bonitas palavras, tristes, mas ainda assim bonitas.
"Tem toda razão." – Heero o olhou com certo tom de admiração. Duo era mais forte do que sua aparência mostrava, ali dentro tinha um nobre espírito guerreiro.
"É sim, Duo. Esse sentimento forte que cada um trazemos dentro de nós, nos diferencia de Zechs e Relena. Fomos amados... fomos amados e amamos com intensidade. Isso deixa marcas numa pessoa. Esse amor nos faz fortes." – Quatre falou segurando a mão de Duo de uma forma excitada. Seus olhos brilhavam com ares de esperança sempre que lembrava do carinho que sentia quando estava próximo de seus pais.
"Hn... todos, menos eu." – Heero levantou-se indo para a janela. Nunca se importava muito com isso, mas talvez não fosse o líder que gostaria de ser, talvez lhe faltasse um toque de vida e amor que nunca tivera de seus pais, afinal não os conhecera, havia sido criado para ser um soldado e isso não envolvia muitos sentimentos ou cuidados.
"Eiii... eu sinto como você tem amor dentro de si. Apenas o deixe sair." – Duo sorriu.
Por um instante ninguém nada falou. Heero o olhara com carinho, Duo era alguém que estava entrando em seu coração de uma forma como ninguém nunca esteve antes.
"O garoto está aqui?" – J acabara de entrar no quarto. "Disseram-me que havia alguém no seu quarto." – ele explicou a Heero o motivo de ter praticamente invadido o aposento. "Alguém que interessa a Zechs..." – ele estreitou os olhos.
"Esse é J, Duo. Ele faz às vezes de inventor, médico e sei lá mais o que ele faz aqui." – Heero disse olhando o velho que estava parado à porta, afinal qual seria seu interesse em Duo?
"Oi." – o rapaz sorriu.
"Oi, Duo. Duo Maxwell? De L2?" – ele sorriu impressionado.
"Como sabe tudo isso?" – Duo olhou desconfiado.
"Ohhh... nada demais. A sua história como escravo de Zechs está bem famosa... vendido ao nobre pelo próprio pai, isso é muito interessante." – ele fez uma pausa, nem Heero nem Quatre entendiam o motivo daquelas palavras de J. "Também soube da trágica morte de G. Ele também era infiltrado no palácio. Soube que ficaram amigos. Acaso, ele lhe disse alguma coisa relevante?" – o doutor J falou.
"Não. Ele morreu para salvar minha vida. Foi assim, com ajuda dele e de Sally que consegui fugir. Mas ele... não me disse muita coisa que pudesse..." – Duo não estava entendendo aonde o velho queria chegar. "Mas o que ele podia me dizer?" – quis saber um tanto quanto desconfiado.
"Nada... nada. Eu preciso ir." – ele saiu deixando para trás três rapazes sem nada entender.
"O que deu nele?" – Quatre comentou.
"Ele é mesmo... estranho." – Heero completou. "Mas... Quatre. Fique com Duo. Eu tenho umas coisas a fazer." – o líder sorriu para o escravo e saiu do quarto.
Nesse momento no domínio Peacecraft Zechs acabara de chegar ao palácio. Desmontara o cavalo que logo foi levado para os estábulos. O príncipe caminhou pelo pátio, estava cansado e suas vestes não pareciam tão impecáveis como sempre, ao contrário havia manchas de sangue seco na farda real que indicavam o massacre que sucedera na vila onde Duo viveu com a família.
Entrando em seu aposento ele viu que Relena o esperava sentada sem sua cama. Zechs estranhou, a irmão era sempre tão ocupada, já fazia algum tempo que eles não conversavam.
Os olhos azuis de mesma tonalidade de Relena baixaram sobre a figura do irmão. Ela não estranhou o fato das vestes terem marcas de sangue. A mulher sabia que Zechs havia saído para dizimar os miseráveis de uma vila em L2, não era importante para ela. Afinal os tributos daquela gente, quando eram pagos eram bem insignificantes. A única coisa que intrigava Relena era o verdadeiro motivo que levava um homem como Zechs correr atrás de um pirralho escravo.
"Treize me falou de seu interesse pelo escravo." – ela iniciou. Zechs nada respondeu, apenas a olhou de forma chateada e ela continuou. "O que está havendo afinal com você e esse maldito escravo? Quem é ele afinal, Zechs?" – Relena o olhou.
"Hn. É um garoto chamado Duo, ele me foi vendido em L2. Por isso fiz questão de dizimá-los hoje. Mas ele não deu sinal de vida." – o loiro se jogou na cama macia.
"Assusta-me saber que você estava gostando de um escravo. Isso nunca havia acontecido. É terrível." – a rainha comentou. "Está mesmo apaixonado... por um vermezinho." – ela sorriu. "Ahhh... irmão. Você me apronta cada uma. Apenas ache o pirralho e eu vejo o que faço por ele. Só não quero te ver assim, tão chateado." – ela se sorriu.
"Relena! Fala sério? Você o aceitaria?" – Zechs olhou desconfiado. Agora que ele não era mais noivo de Treize. Mas desde que iniciou essa obsessão pelo garoto de trança ele não esperava que as coisas fossem tomar essa direção, agora já era capaz de se admitir gostando de Duo de uma forma estranha, talvez estivesse mesmo apaixonado, mas como chegara a essa situação? Como se deixara apaixonar por um escravo? "Irmã, eu quero ficar sozinho." – falou cansado.
"Certo. Achando seu escravo encantado me avise, vou cuidar para que tenha uma boa estadia aqui em nossa casa." – a loira sorriu saindo do quarto.
Zechs ficou para trás pensativo, sua irmão havia lhe dito algo que tornava possível seu sonho de conquistar um escravo. Ele suspirou cansado, sabia que Duo jamais o perdoaria por matar sua família.
Relena Peacecraft era rainha mais jovem a usar aquela coroa. Era perversa e temida pro sua falsidade e ambição. Quando ela saiu do quarto do irmão fechando as pesadas portas atrás de si seus olhos azuis agudos bateram na imagem de Treize, que em silêncio estava esperando na penumbra do corredor.
"Falou com ele?" – ele se moveu lentamente na direção da rainha.
"Lá dentro." – ela apontou para uma sala de reunião, umas das muitas que havia em seu palácio.
"Como foi a conversa?" – Treize perguntou fechando a porta assim que entraram
"Nem queira saber. Meu maninho deve estar doente, ou então deve ter sido enfeitiçado pelo escravo. Zechs esta gostando dele pra valer." – ela falou descontente.
"Não pode ser..." – Treize caiu vencido sobre uma poltrona. Ele e Zechs estavam separados, porém ele ainda acreditava que poderia reverter aquela situação.
"Finja-se de morto por hora. Zechs é esperto e insistente, ele vai encontrar o pirralho e com o que eu disse hoje vai trazer o escravo aqui para o palácio... e quando isso acontecer, quando Zechs trouxer o tal de Duo pra cá eu o mato, vai parecer um acidente." – ela sorriu, nunca permitiria que um maldito escravo estragasse seus planos.
"Relena. Você disse Duo. O nome do escravo é Duo Maxwell?" – Treize estreitou os olhos. Achava que já havia ouvido aquele nome antes, mas talvez Zechs tivesse comentado sobre o menino em outro momento, mas aquele nome não era estranho.
Em L1 J estava verificando alguns papeis em sua sala quando Heero entrou depois de bater à porta. O rapaz o olhou vendo os papeis que lia, eram manuscritos, estranhou quando J os protegeu de forma que não se aproximasse do conteúdo.
"Jovem Yui." – ele disfarçou bem.
"J. Eu quero saber o que te intrigou em Duo. Conte-me o que você sabe dele." – Yui exigiu. Ele sabia que o cientista tinha algo importante sobre o rapaz.
"Não comente com ninguém, mas tenho umas suspeitas sobre esse menino. O nome e as origens dele... G havia me enviado essas cartas antes de morrer. Ele tinha suspeitas fortíssimas sobre Duo." – J falou em tom de confidência.
"O que quer dizer?" – Heero se aproximou. Os papeis, havia fotos da rainha de Sanc. Ela morrera há quase 15 anos.
Yui tomou a fotografia nas mãos, a imagem não tinha muita nitidez, porém a imagem da mulher naquele papel lembrava em ricos detalhes os traços de Duo. – "Parece o Duo..."
"Essa é a suspeita. G já estava no palácio dos Peacecraft muito antes de iniciarmos essa revolta... ele praticamente criou a rainha Mira, mãe de Zechs e Relena. Quando o rei, pai de Mira morreu o marido dela passou a dominar o reino, daí em diante se iniciaram todas as maldades que conhecemos hoje. G sabia de algo que mais ninguém sabia..." – ele falava baixo.
"Sim..." – Heero assentiu com a cabeça sabendo que seria confidente de uma revelação.
"G cuidou da Rainha Mira. Ela deu a luz a um filho. Um outro filho mais jovem que Relena há quase 15 anos. Quando Mira teve esse bebê ela estava numa masmorra, o bebê foi dado como morto, mas G o levara para fora do palácio. Na fuga jogara a criança num rio, e esse rio era o córrego Dhamus que desemboca em L2." – ele conclui. "G sempre acreditou que essa criança podia ter sobrevivido, mas nunca teve como procurá-la, afinal quando o rei soube que o nenê nasceu morto quis ver o corpo, como não tinham um... mandou prender G." – Ele terminou.
"Mas... você acha que Duo..." – Heero estava confuso.
"Sim... ele é idêntico à rainha. Quem a conheceu repara a grande semelhança. E tinha mais uma coisa. O bebê que G jogou no rio... ele tinha um objeto, um amuleto. É o mesmo que Duo trás no pescoço." – J falou.
"Sei... mais não temos provas. As únicas pessoas que podiam nos dizer isso estão mortas... Mas é... Zechs tinha quase onze anos quando a mãe morreu... ele teria que notar a semelhança..." – Heero ponderou.
"Não... Mira foi confinada durante anos na masmorra, quando essa criança nasceu fazia quase 5 anos que ela vivia longe de todos, apenas o rei a visitava... por isso Zechs não lembra da fisionomia dela. E nem poderia... a rainha Mira morreu vítima de uma... uma dama de ferro, todo o seu corpo estava destruído quando a removeram de lá." – era terrível o destino da rainha.
"Essa coisa toda é ilusória. Porque a rainha vivia confinada numa dama de ferro? Deus, esse instrumento de tortura é terrível." – Yui vacilou por um momento. Ele já havia visto cadáveres sendo removidos de dentro daquelas catacumbas com detalhes femininos, e a pessoa morria no mais terrível sofrimento. A dama de Ferro é uma espécie de sarcófago com espinhos metálicos na face interna das portas. Estes espinhos não atingiam os órgãos vitais da vítima, mas feriam gravemente. Mesmo sendo um método de tortura, era comum que as vítimas fossem deixadas lá por vários dias, até que morressem. Também era comum se colocar cobras, insetos, objetos cortantes, tudo que pudesse tornar aquela morte lenta, angustiada e sofrida. Foi assim que Mira morrera. Em desespero.
"Jovem, Yui. Mira não concordava com os feitos do marido e quando ficou impossível controlar a revolta dela, o rei a lançara numa masmorra selada nesse inferno de dor. Assim, sob essa tortura toda, veio essa terceira criança." – J explicou.
"Porque, G mentiu sobre a criança? Porque disse que estava morta?" – Heero se olhou à imagem da mulher que em muito lembrava Duo.
"Mira quis assim. Ela achava que se o bebê fosse criado longe do palácio podia um dia ser um homem de bem e lutar contra essa tirania." – ele falou.
Heero olhou mais uma vez a foto. Ela sorria de forma jovial da mesma forma que Duo fazia. Era difícil imaginar que um bebê recém-nascido tivesse sobrevivido. Mas as evidências.
De volta ao palácio Peacecraft Treize caminhou pela extensa varanda principal até parar na sacada olhando para o nada. O nome do escravo de Zechs não lhe saia da cabeça. Ele havia conhecido Mira e sabia da existência de uma criança que a rainha nomeara de Duo. Na ocasião ficaram sabendo que a criança, havia nascido morta, mas o rei queria ver o corpo.
Fazia tanto tempo. Treize estava na sacada apoiando com as mãos na borda trabalhada em mármore. Seus olhos vagaram pelo imenso céu escuro e ele lembrou algo que lhe era importante.
Quando o bebê saiu do quarto nos braços de G, enrolado em panos sujos de sangue, ele pode ver o lampejo prateado ao lado do pequeno corpo. Sim. Mira usava um pêndulo em forma de cruz que havia dado ao filho morto.
"Naquela época o velho disse que havia jogado o corpo no mar. Como o nosso costume quando morria um pagão." – Treize falou para si tentando reavivar sua memória. "O rei quis ver o corpo, mas ele já tinha jogado o bebê no mar, nunca houve um corpo."
Durante quinze anos os fatos estiveram bem diante de seus olhos. Nunca acharam o corpo da criança, Mira morrera louca chamado pelo filho que dera o nome de Duo e agora, Treize se lembrava de algo que não deu muita importância na hora, mas o bebê que G passou levando tinha os olhos abertos.
"Maldição! Ele não estava morto!" – Treize gritou socando a sacada. "Como fui tão descuidado e idiota? Como não fui notar uma coisa tão importante? Os olhos de uma cor estranha... quase roxo como um céu carregado."
Em L1 Yui também andava preocupado com a suspeita que o velho cientista levantara. Segundo J, G havia percebido a semelhança entre Duo e Mira, quando o escravo, vindo de L2 chegou ao palácio para ser escravo de Zechs. Mas não seria apenas coincidência? Ele não conseguiu relaxar, não enquanto não descobrisse a verdade sobre o garoto.
"Olá, posso?" – Duo apareceu à porta do quarto. "Você anda preocupado, eu posso ajudar?" – ele falou sentando na cama e sorrindo, entre eles já havia uma certa intimidade, embora Yui continuasse com seu modo calado de ser.
"Sente-se melhor?" – Yui o observou por um longo tempo.
"Estou bem agora." – o trançado gemeu. "Eu... quero ir a L2" – Duo o olhou sincero. "Sei que é perigoso, mas eu tenho que ver se sobrou alguma coisa."
"Duo, eles vão está lá a sua espera." – Heero ainda tentou.
"Eu quero ir." – mas o jovem estava com os olhos roxos carregados de lágrimas que começavam a escorrer pelo cantos deslizando sobre a pele lisa e macia.
"Certo. Tudo vai ficar bem." – o líder de L1 sorriu abraçando o mais jovem o trazendo para junto de seu corpo com proteção e carinho. Não era típico dessas demonstrações de afeto, mas estando com Duo e sozinhos Heero não via problema em liberar o que estava sentindo e para ele não era mais novidade que gostava de trazer o lindo rapaz protegido e acarinhado.
-Cometários
-A dama de ferro é um instrumento de tortura usado na idade média, talvez um dos mais medonhos e impressionantes de todos os tempos. Um enorme sarcófago, geralmente em forma de mulher, com estacas de ferros posicionados de forma a ferirem o corpo da vitima quando a tampa frontal se fechasse, mas sem atingir as partes letais para prolongar o sofrimento. Uma vez encerrada dentro da caixa de horror a vitima era deixada para uma morte lenta e agoniada.
-Foi usada pela primeira vez data de 14 de Agosto de 1515.
-O grupo Iron Maden se inspirou no instrumento para o nome da banda.
Impressionate como o homem pode ser inteligente, e mais impressionante ainda como usa de forma errada tamanha inteligência. Mas ainda vale mais o amor, ainda existe e é forte, bem mais que a maldade.
Lutemos, guerreiros!
Beijos,
Hina
