Lembranças
V. A última chama escarlate
Finalmente veio a luz do dia que naquele local gélido não significava muita coisa.
Um atento Ávila foi o primeiro a acordar, ele se moveu lento tendo seus movimentos retardados pelo frio daquela noite tensa. Duo estava agarrado ao corpo do mulato completamente adormecido. Era aceitável, afinal nenhum deles tinha experimentado tantas emoções quanto àquele jovem humano.
Após voltarem para junto dos outros o trançado havia ainda vomitado e finalmente pegara num profundo sono.
Ávila sabia o quanto estava sendo difícil para Duo tudo aquilo. Ele afinal era apenas uma criança humana, não estava acostumado com o país mágico deles.
Quando naquela manhã eles começaram a caminhar na neve estavam todos muito cansados. Duo se arrastava como podia sem querer admitir que seu corpo já não conseguia mais lhe obedecer, estava arrasado, sujo e doente. O estômago agora passara a roncar de forma vergonhosa e seus passos ficavam lentos a cada momento. Sua vista escureceu em certa parte do percurso e ele não viu mais nada.
Trowa o havia amparado evitando que ele caísse no chão. –As nossas condições são desumanas. – ele falou olhando para o mulato.
-Imagino que sim. Estamos todos esgotados. – o guerreiro admitiu parando e fechando os olhos. –O que posso usar dessa vez? O que? – ele resmungou tentando achar algum ser que pudesse encantar para servir de condução. Sua mente vasculhou num raio próximo, havia uma criatura que podia servir, parecia ágil e muito forte. –Um cavalo, nessas regiões? – Ávila se admirou erguendo sua lança pedindo em suas palavras sagradas que o animal se mostrasse completamente em sua mente, porém algo estranho aconteceu. A criatura parecia imune a sua magia, nenhuma das palavras sagradas surtiram efeito contra aquele estranho animal e finalmente Ávila desistira.
-Ele está tentando encantar algum animal. – Quatre explicou para Trowa.
-É? Eu percebi. – o caçador respondeu jogando o humano que jazia desfalecido em seus braços para o loiro. – Porque ele não encanta alguma coisa e a obriga a se jogar em uma fogueira? Estou morto de fome. – ele completou.
-Não seja tolo. Ávila tem poderes mágicos que vem de nossa terra. Ele simplesmente não pode mexer na natureza dessa forma.
-Eu sei bem sobre isso, loiro. Sei daquela conversinha de mago, sobre não mexer com a natureza para não alavancar alguma reação. – ele fez uma cara de desgosto. –Mas tenta explicar isso ao meu estômago. – o caçador completou quando um ronco se fez ouvir vindo dele.
Quatre apenas sorriu do jeito espontâneo daquele caçador e ele teve a impressão de que não queria que aquele homem fosse embora nunca mais.
Um barulho de neve sendo mexida e do meio das árvores surgiu uma estranha aranha gigante. Era um espécime comum naquele clima. Seu corpo era extremamente peludo e suas patas grossas, bem como seus milhares de olhos mantinham uma aparência medonha.
-Deuses! Eu não vou subir nessa coisa. – Trowa girou os olhos sentindo um asco tomar seu estômago afastando de vez a fome.
-Não seja bobo. É só uma inofensiva aranha do frio... E ainda vamos nos esquentar nesses pêlos dela. –Quatre se divertiu com o caçador.
Sem outra opção todos subiram a bordo da aranha gigante que Ávila havia encantando. Talvez Trowa tivesse razão em reclamar, afinal a viagem sobre o dorso da aranha não era lá muito confortável. Ela se movia rápida demais e de forma desengonçada fazendo com que eles se segurassem com firmeza aos pelos grossos e irritantes dela.
Mas de fato aquela carona havia servido. Em menos de duas horas estavam em uma paisagem entre a neve e a floresta tropical.
Era hora de abandonar a ajuda da aranha, uma vez que ela era um animal dos pólos e não conseguira sobreviver muito longe.
Ávila erguera sua lança quando eles já estavam no chão e dizendo algumas palavras a aranha voltou a seu tamanho normal sumindo numa corrida assustada de volta à neve.
-Bom... Acho que é isso. A carona até que não foi tão ruim assim. – Trowa se esticou. – Foi um prazer, mas eu devo ir agora. – ele anunciou.
Nesse momento Ávila que carregava Duo e Escarlate foi ao chão.
-Ávila? – Quatre se assustou indo verificar as condições do amigo. –Exausto demais para continuar. – o loiro informou.
Trowa girou os olhos com impaciência, mas simplesmente não podia deixar aquele menino sozinho numa situação dessas.
-Estamos perto de um lugar que eu conheço. Ao menos estaremos seguros por um tempo. – ele falou pondo Ávila nas costas com certa dificuldade.
Quatre sorriu satisfeito por saber que o rapaz não os havia abandonado e sorriu mais satisfeito ainda quando Duo acordou tão confuso, mas ao menos acordado ele podia caminhar, uma vez que o loiro não ia conseguir levar Escarlate e o trançado nas costas.
Eles caminharam por quase uma hora, onde Quatre contou a Duo que Ávila havia desmaiado por usar sua magia tantas vezes e que havia a esgotado quando encantara uma aranha para levá-lo até ali.
Sem que percebessem a paisagem estava mudando para uma sem cores, sem vida. Aquilo era quase um deserto.
Quando finalmente chegaram a seu destino Quatre olhou em volta esperando encontrar alguma coisa que pudesse distinguir do extremo nada que era aquele lugar.
Estavam em uma ampla planície onde a única coisa que se podia enxergar era um céu cinzento e um terreno seco e rachado.
Era realmente um imenso deserto sem vida e sem cor. Trowa nascera ali, porém a passagem do Senhor Sombras em certo momento havia acabado com tudo que um dia foi um bonito e alegre lar.
-Ele esteve aqui no passado. Havia tanta vida, tanta alegria. – Trowa comentou quando um vento quente mexeu seus cabelos.
Quatre se deixara ficar olhando para o nada total e imaginando se seria daquela mesma forma com o jardim universal, se dali há anos as únicas coisas que restariam seria apenas a seca e a fome.
-Então é esse o destino do jardim Universal? – Quatre se perguntou finalmente.
-Pelo visto não restou quase nada por aqui. – Duo comentou olhando espantado. –Pensei em um riozinho simples, apenas um banho para tirar essa lama fedorenta, uma rede para um descanso e sei lá, alguma coisa para comer... Às vezes é bom. – ele terminou sorridente.
-O que você quer que eu faça? – Trowa gritara assustando os dois. – Olha isso aqui. Acha que tem alguma coisa que eu possa fazer? Acha que eu tenho como te dar comida? – o caçador agora encarava Duo muito sério. –Não seria você a salvar essa droga de mundo? – ele cuspiu essas últimas palavras de forma acusadora. –Quando vai começar a agir?
Talvez a brincadeira de Duo não tivesse sido numa boa hora. Trowa crescera naquele lugar quando a vida ainda caminhava por ali, de repente voltar e ver que não havia restado muito era duro demais para ele.
Duo viu o caçador pisar duro o deixando com aquela sensação de revide, com aquela vontade de se defender ao menos. Mas as palavras ficaram atravessadas como facas afiadas em sua garganta enquanto o caçador se distanciava.
-Você precisa ser tão insensível assim? – Quatre o olhou feio saindo atrás de Trowa.
-Agora eu sou o insensível? Eu caio nessa droga de mundo louco, meu pescoço fica em risco por várias vezes, e passo fome e febre, sou atacado por um monstro de lama que queria colocar aqueles tentáculos sujos Deus sabe aonde, e só porque falei que estou com fome e quero um banho eu sou insensível? – Duo falou consigo mesmo numa expressão quase de revolta. Ele olhou para Ávila e Escarlate, os dois desacordados e viu que os amigos também estavam tão debilitados quanto ele.
Suspirando ele viu que devia talvez parar de pensar só em si. Talvez todos estivessem fazendo suas cotas de sacrifícios.
Quatre seguiu o caçador. Trowa não parou até chegar em um terreno baldio e seco. O loiro parou a seu lado.
-Atualmente estamos no deserto do mar Seco, o nome é porque ali já teve um imenso rio de águas doces que mais parecia um oceano, exageros à parte. – Trowa comentou apontando para o terreno a sua frente. –Nada pode trazer a vida de volta a esse lugar. Por isso eu insisto agora com você que desista dessa loucura de seguir esse humano idiota. Ou você acha que ele pode fazer alguma coisa contra o Senhor Sombras? Ele é um completo pateta. – o caçador desabafou.
Quatre não soube o que dizer. Era mesmo difícil tentar acreditar que alguém como Duo, apenas um garoto humano completamente perdido em um mundo louco, poderia lutar contra tais poderes.
-Realmente Duo não tem poderes para vencer tanta dificuldade. É impressionante o dom dele, mas isso não o habilita a vencer ninguém. – Quatre falou deixando que seus olhos se perdessem naquela vista cinza e sem vida. –Se até Natal se foi tentando nos defender... – ele não disse mais nada. Aquele assunto ainda lhe feria demais.
-Eu sei. Ele era seu pai. Sinto muito. – eles ficaram em um silêncio estranho.
-Natal morreu porque acreditava em Duo. Eu acho que vou tentar dar mais um voto de confiança a ele. – Quatre sorriu. – E no mais seria ótimo ter alguma coisa para comer. – ele tentou não fazer daquilo uma acusação e sim um comentário leve.
-Infelizmente nada pode brotar nessa terra. – Trowa abaixou os olhos. –Nada nunca mais vai nascer aqui. – ele reforçou.
-Trowa. – Quatre o chamou o olhando firmemente. –Sei que nem é o melhor momento para dizer tal coisa, mas essa sua conversa. Acho que não vai seguir viagem conosco. – o loiro falou.
-Não vou. Meu caminho é diferente. Eu quero apenas me vingar do assassino da minha irmã e depois sumir no mundo. Eu não quero saber qual será o destino desse lugar todo. Muito menos o que vai acontecer com esse humano ou com o suposto salvador. – Trowa confessou.
-Eu sei, mas queria te dizer que sentirei sua falta. – Quatre corou, mas não parou de falar o que estava sentindo. –E que nunca me senti assim com ninguém, mas por você eu acho que eu seria capaz de morrer... – talvez fosse uma declaração muito arraigada, mas estava dito. Quatre era mesmo assim, bem atirado nas suas decisões.
Trowa não respondeu de imediato. Naquela peregrinação por achar aquele assassino havia se negado há viver, há tempo não sabia o que era tocar alguém com mais sentimentos. Teve o quase beijo com Duo, mas o rapaz humano apesar de ser muito bonito não havia lhe inspirado os mesmos desejos que Quatre.
-Bom... – ele nem soube como começar. –Se toda essa confusão não estivesse acontecendo. Se você não estivesse tentando se suicidar junto com aqueles outros loucos e se eu não tivesse atrás de um assassino eu jamais deixaria passar em branco uma declaração dessas. – o caçador falou finalmente e um novo silêncio perdurou entre eles. –Não é mesmo o momento para isso. – ele concluiu.
-Trowa. – Quatre o chamou novamente. De fato era um péssimo momento para sentirem algo como o que estavam sentindo agora. O loiro protelou entre um pedido de desculpas e sair correndo dali, porém não fez nenhum dos dois. Sem mais querer se refrear o loiro tocou o rosto do caçador se aproximando dele.
O mais certo seria não permitir que acontecesse, mas, os dois queriam muito. Quatre fechou os olhos lentamente tocando seus lábios úmidos nos de Trowa, sentiram as respirações quentes e aceleradas, o hálito de um contra o outro, tão gostoso e confortável.
-Dane-se. –Trowa se deu por vencido finalmente tomando o loiro pela cintura numa pegada forte e o beijando de uma vez por todas, fazendo sua língua percorrer a boca do outro sentindo o gosto quente daquele rapaz. Suas línguas se tocaram num movimento tão gostoso e seus corpos se imprensaram um contra o outro.
Duo se sentara junto a tronco seco, ele havia arrastado com algum custo seus dois amigos até ali e agora estava compenetrado olhando aquela paisagem dura imaginando que aquele era o tipo de lição que Sombras dava a quem se metia em seu caminho.
-Deus, como fui me meter nisso? – ele perguntou baixo imaginando como era absurda toda aquela situação. Tanta coisa inexplicável havia acontecido desde que caira naquele pesadelo. –Porque essa loucura toda? – o trançado se perguntava frustrado. –Porque eu? – desamparado ali sozinho ele deixou que as lágrimas finalmente caíssem.
Estava assustado, seu corpo não mais suportava o desgaste físico, a fome batendo aguçava o desespero. Esgotado Duo ficou chorando baixinho.
Quando havia desabafado grande parte daquela sensação que lhe trancava o peito ele sentiu como se as forças fossem sugadas de seu corpo se deixando cair no justo sono. Um sono confuso marcado por visões apavorantes:
O ambiente era escuro e cheio de ecos. Duo caminhava lentamente sentindo seu corpo todo se arrepiar. O chão era úmido e frio, bem como o cheiro de mofo tomava aquele estranho lugar. Seus pés estavam nus tocando o chão de pedra irregular.
Ele não sabia aonde ir, como sempre estava perdido demais, um vento passou a balançar sua trança, e ele pode sentir-se sendo observado.
A sensação era a mesma de antes, havia mais alguém naquele lugar, alguém que apenas observava, alguém que tinha alguma coisa presa dentro de si e essa alguma coisa era tão angustiante que parecia tentar se libertar a todo o momento.
Aquele lugar escuro que Duo se encontrava mais soava como um labirinto para o jovem, ele passou a ouvir novamente aqueles choros infantis, os gemidos e gritos de dor, tantos pedidos por ajuda, tanto sofrimento. Duo agora podia sentir como se aquele sofrimento estivesse sendo talhando em sua pele a fogo
Aquilo tinha que parar... Mas não havia como fugir daquelas paredes cruas.
Ele passou a correr, cada vez mais rápido. Assustado, apavorado tentava fugir daquela perturbação dentro de sua cabeça, mas era inútil, quanto mais se apressava mais a sensação de angustia possuía seu corpo e sua mente, o mesmo enjôo forte de sempre, a tontura. Ele ia desmaiar a qualquer momento, tudo girava ficando confuso e misturado, ia vomitar... Mas era apenas um sonho, não? Devia acordar e fugir daquela dor toda.
-Nãooo... – ele gritou tocando com a ponta dos dedos na pedra ametista que trazia presa ao pescoço. Ficando reto, finalmente acordado. –Foi só um sonho. – comentou quase aliviado por ter conseguido fugir daquele pesadelo, mas havia cometido um erro e só se dera conta agora que sentira a dura superfície da pedra contra seus dedos. – Não!
-Não... – ele ainda gemeu antes de ser tragado pelo já conhecido tufão de luzes confusas, imagens distorcidas, sons indecifráveis, cheiros, odores, etc.
O tufão entrou em ação, as cores diversas se misturando, os gritos e gemidos também. Duo, mas uma vez experimentou as sensações se unificando confusas enquanto atravessava o tufão colorido sendo levado para outro local.
Tudo girava quando ele notou que havia trazido consigo, seus amigos, Ávila e Escarlate. Não sabia aonde aquilo ia parar. Seguia sua viagem por aquele túnel brilhante quando a velocidade diminuiu e um grande espelho oval se formara diante de seus olhos violetas. O tempo parecia ter sido parado por um breve momento.
Duo estava cada vez mais confuso, ele tocou o espelho no exato momento que o objeto se tornara uma espécie de buraco-negro sugando para si tudo que havia pela frente, assim a energia liberada pela ametista, o tufão colorido, fora completamente chupado por aquele estranho espelho oval.
Quando Duo finalmente acordou estava exatamente no mesmo local escuro e frio de seus sonhos. O fedor de mofo o enjoou fortemente, bem como o frio fez seu corpo tremer. O ambiente era silencioso e tenso. Duo podia sentir que a atmosfera ali era bem carregada.
-O labirinto sombrio. – Escarlate falou assustando Duo.
-Deus. Não faça mais isso. – ele levou a mão ao peito simulando o quanto havia se assustado. –Não havia percebido você acordada. – o humano completou. –Estive nesse mesmo lugar em meus sonhos. Mas isso agora, também é um sonho, não? – ele realmente estava muito confuso. Para Duo estava ficando bem difícil separar realidade de fantasia.
-Infelizmente isso aqui é real. Nós fomos transportados para cá quando você tocou a pedra. – Ávila comunicou.
-Eu... Não tive essa intenção. Estava tão angustiante aquele sonho... Eu só quis sair dele. – Duo falou.
-Essa pedra é a chave do mundo mágico, Duo. Se você souber controlar o poder dela pode viajar pelo nosso mundo, mas se ainda não sabe controlá-la devia tomar mais cuidado. – A ruiva falou séria.
-Eu não tive culpa.
-Tente tomar mais cuidado da próxima vez. Uma dessas pode valer nossas vidas e eu não quero morrer antes de encontrar nosso salvador. – ela falou. – Agora vamos. Temos que sair daqui. – a moça deu por encerrada a conversa.
-Eu posso tentar nos tirar daqui com a pedra já que ela... – Duo tentou argumentar, talvez pudesse usar o poder da pedra para levá-los de volta.
-Deuses, você é idiota? – Escarlate gritou sem paciência. – Estamos na casa do Senhor Sombras, você nos trouxe aqui. Acha que pode mesmo nos tirar daqui? Você não sabe controlar a força da pedra de ametista. – ela foi dura.
-Eu... odeio... que... gritem... na... minha... casa... – Uma voz rouca e arrastada se pronunciou os deixando em estado de alerta.
-Q-quem está ai? – Duo não via ninguém.
-A sombra está em toda parte. – finalmente diante deles se materializava mais uma vez aquele corpo estranho de névoas oscilantes. –Eu quero a pedra. – ele falou por fim quando estava formada a réstia sombria.
-Nunca. – Duo respondeu com olhando feio. Não ia se intimidar.
-Garoto, burro. Mas confesso que sua coragem me impressiona. – Sombras falou. – Eu entrei em seu sonho idiota, e te trouxe para passear aqui enquanto você dormia como um bebê frágil e apetitoso... – aquele monstro se aproximou. – Adorei sentir seu medo...
-O que é você afinal? – Duo estava ficando assustado. Aquilo não era humano.
-Você fez Duo ficar tão impressionado a ponto de fazê-lo tocar na pedra... – Escarlate tomou a frente do humano o protegendo.
-E quando ele foi tragado pelo tufão eu abri meu espelho e aqui estão vocês. – Sombras se moveu daquela forma fantasmagórica. – Na verdade eu queria uma visita íntima, com esse menino, mas já que vocês vieram também, teremos uma pequena orgia. – a criatura debochou.
-Seu verme. Não se aproxime. – Ávila conhecia bem as intenções do perverso Senhor Sombras. Em posição de defesa ele se pusera contra o demônio sombrio segurando com força sua lança, mas a verdade era que naquele lugar Sombras era invencível.
Ávila deu alguns passos atrás empurrando Duo e Escarlate no processo, seus olhos vasculharam em vão o ambiente, ali não havia nada que pudesse usar como arma, simplesmente não havia vida naquele local, assim ele, o guerreiro negro, não tinha nenhuma serventia mágica.
-Ávila, eu teria me divertido muito com o corpinho do seu amantezinho, mas já o havia comido tantas vezes que não me animei, sabe como é, acabei enjoando. – Sombras se aproximou ainda mais. Uma tática sua era destruir seu adversário psicologicamente para depois poder dominá-lo, afinal ele era um ser das trevas... Foi assim que conseguiu dominar os sonhos de Duo, se aproveitara de um momento que o humano estava desamparado e amedrontado.
-O que você... – Ávila estava trêmulo de ódio, jamais ia permitir que humilhasse Natal daquela forma.
-Você não sabia? Ahhh. Ávila como eu fiz seu amantezinho gemer... Que vadio ele era. – Sombras se divertiu.
-Miserável. – Finalmente Ávila caía no truque sujo. Sem pensar ele partiu para cima de Sombras, mas como venceria algo que não era físico?
A composição daquele corpo era apenas uma fumaça, que se dissipara deixando que Ávila a atravessasse.
-Ávila, não! – a ruiva gritou sabendo que era a vontade do Senhor Sombras que eles todos perdessem o controle e assim morreriam ali. Ela bateu palmas fazendo clarões de fogo acender de suas mãos iluminando o local.
-Ávila! – Duo também gritou para o amigo quando esse se virou para ele sem poder falar apenas fazendo gestos com as mãos espalmadas pedindo que o garoto não se aproximassem. -Meu Deus. – Duo gemeu vendo que o mulato estava sofrendo com os olhos esbugalhados e sua expressão vidrada em agonia.
O guerreiro abriu a boca deixando que a fumaça saísse de dentro de si. Ele trincou os dentes se vendo envolto na fumaça que brincava covardemente entrando e saindo de seu corpo por sua boca, pelas narinas, ouvidos, etc. Era terrível a expressão de dor que ele trazia.
-Ele vai matá-lo. Está apenas se divertindo. Vai queimá-lo por dentro lentamente. – a ruiva explicou fria.
-Isso não. – Duo ia tocar a pedra, mas Escarlate tocara sua mão impedindo que ele seguissem em frente. –Mas, porque? Eu posso tentar nos tirar daqui. – o humano falou sentido demais, se não fizesse algo Ávila morreria na frente deles.
-Você é muito tolo, Duo. A única razão para o Senhor Sombras estar torturando Ávila é te fazer agir sem pensar.. É o jogo dele. Uma vez que você toque a pedra aqui dentro, transtornado dessa forma, o tufão vai te levar diretamente para o inferno. – a moça explicou.
-Isso mesmo. Eu vou me encarregar de você cair no pior dos infernos. – Enigma surgira sorrindo. – Ahhh... Garoto. Como você me deu trabalho. – Mulher calva de pele cinza se aproximou estralando os dedos. – Teria sido menos doloroso para você se tivesse se deixado ir para o inferno pela minha esfinge. – sorriu dramaticamente fazendo seu rosto se tornar uma carranca enrugada.
Estavam cercados. Ávila preste a sucumbir vítima da tortura de Sombras, Duo sem poder usar a ametista, e Escarlate ameaçada por Enigma.
-Antes de tocar nele, terá que se entender comigo. – a ruiva falou erguendo as mãos em garras, fazendo que faíscas de fogo soltassem.
-Sempre quis quebrar sua cara, sua cadela. – Enigma encarou a ruiva por um tempo para depois partir para cima dela. As duas mediram forças com as mãos entrelaçadas, testa com testa.
-Vejo que anda aprendendo a xingar. Viver nas sombras tem suas vantagens, afinal você pode observar os humanos e se alimentar dos restos deles. Eu tenho pena de você, escolheu viver nas sombras aproveitando apenas a parte podre das pessoas e das coisas. – Escarlate gemeu entre os dentes.
-Você nem pode imaginar como os humanos são divertidos... E eróticos. Fazem cada coisa... – Enigma sorriu. Sua pele cinzenta se esticando para mostrar os dentes pontiagudos.
-Você me dá nojo. – a mulher de cabelos vermelhos falou fazendo a temperatura esquentar naquele lugar. Seus olhos vidrados nos de Enigma se tornaram um vermelho vivo e violento.
-Você gosta disso. Ficaria bem excitante você gemendo... – Enigma tal qual Sombras gostava de apelar na hora da luta, assim era mais fácil vencer.
-Já chega. – Escarlate era considerada uma quase deusa e como tal não seria humilhada por um ser tão vulgar. Ela se livrara da outra mulher lhe atingindo uma bola de fogo nos peitos.
-Ahhhh... – Enigma rodopiou no ar, queimando.
-Você mereceu... – a ruiva falou agora voltando à atenção a Duo, se descuidara dele.
Ávila já estava caído ao chão praticamente morto com fumaça saindo de seu corpo, e Sombras agora investia contra o pobre humano.
Duo estava caindo ao chão. O Senhor Sombras não ia apenas tomar-lhe a pedra, antes o ia fazer pagar pela ousadia de escapar da morte tantas vezes. Ia humilhá-lo, como sempre gostava de fazer a seus inimigos.
-Você vai sofrer muito hoje, criança. – ele anunciou quando seu corpo se materializou sobre o de Duo.
-Nãooo... – o pequeno garoto gritou sentindo como aquilo era pesado, era apenas fumaça, mas Duo sabia que era pura mágica.
-Eu sou magia, Duo. – Sombras explicou divertido. –Logo vou entrar dentro de você... E por um lugar nada agradável. – Sorriu.
O humano tentara se debater e se livrar daquele tormento. Ele podia sentir em seu corpo todos os toques nojentos daquele ser. Era como se tivesse um corpo material sobre si, o subjugando àqueles terríveis toques.
Ao passo que seu corpo era apalpado ele se desesperava.
-Por favor, não. – Um Duo vencido gemeu quando seu paletó e sua blusa branca foram abertos violentamente como por mágica. O jovem agora estava exposto.
-Antes de ter a pedra eu vou ter você, pequena ametista. – Sombras falou, mas não chegou tocar a pele do humano. Uma bola de fogo o fez se desmaterializar.
-Terá que passar por cima de mim, antes de tocá-lo. – A moça ruiva jamais ia deixar que Duo, a esperança viva de seu país, fosse tocado por aquele monstro.
-Será um prazer. – Sombras falou enquanto se materializava novamente. Ele ergueu os braços fazendo uma fumaça negra e fétida tomar todo o ambiente.
-Duo. Para trás. – a mulher gritou fazendo um círculo de fogo ao redor deles. –Não vou conseguir manter as sombras longe de nós por muito tempo. – ela gemeu com as mãos erguidas controlando aquele muro de chamas.
-O que vamos fazer? – Um Duo muito assustado estava agarrado a Ávila.
-Mulher tola, quanto mais claridade mais sombras... – ele sorriu.
Escarlate olhou Duo que defendia o amigo desacordado com o corpo. Aquele menino era muito corajoso, ela sabia disso. As sombras fecharam todo o ambiente e agora estava avançando sobre a parede de fogo, não havia mais tempo.
Vasculhando o local iluminado apenas por suas chamas a mulher carmesim viu o espelho oval em um canto, seria a única chance.
-Pequena ametista, eu confio em você. – Ela sorriu abaixando os braços lentamente.
-Escarlate, não! – Duo gritou sabendo que ela ia se sacrificar.
Aconteceu tudo tão rápido. Quando o fogo amainou em volta deles as sombras não avançaram. Por um instante o Senhor Sombras pareceu protelar, uma vez que o poder da mulher de fogo estava ganhando altas proporções. Ela deixou cair o vestido bege ficando completamente nua, deixando a mostra um belo corpo, que em seguida foi sendo consumido pelas chamas até se transformar numa bola de fogo que se lançou contra Sombras.
Como num estopim de explosões as faíscas de fogo dançaram pelo ar atrás da fumaça que se dissipara. Ela havia ganhado o tempo que queria distraindo o Senhor Sombras, em seguida um pequena rajada de fogo acertou o espelho o fazendo se transformar naquele buraco negro que os tragara até ali.
Duo soube que Escarlate jamais retornaria quando uma imensa parede de fogo surgiu impedindo que o Senhor Sombra passasse pelo buraco negro.
O humano agarrou firme a cintura de seu amigo Ávila quando foi tragado pelo buraco negro. A última imagem que o jovem viu foi o vestido bege brilhante da moça o seguindo pela passagem do espelho que ia se fechando lentamente deixando para trás as chamas de Escarlate. Para sempre encerrada do outro lado do espelho.
Fechando seus olhos com força ele tocou sua ametista implorando para todos os deuses e santos que conhecia lhe trouxessem de volta para junto de Quatre e Trowa.
Mais uma vez eu agradeço a força...
puts... estou mesmo bem surpresa com tanta demostração de carinho... eu acho que não mereço nada disso. Eu conversei com todos em particular e vcs sabem o que eu achei de todos os comentarios... Vcs são muito generosos...
Zilhoes de Beijos,
Hina
