Lembranças
VII. Heero Yui: O centurião da floresta
O cair da noite fez o céu parecer com encantador véu negro com milhares de pontos brilhantes. Muitos diziam com certeza que a noite naquele lugar era extremamente perigosa, porém tinham que admitir que era um espetáculo lindo da natureza mágica que regia aquele mundo de sonhos.
O centauro havia corrido durante toda à tarde sem parar para pensar aonde ia, ou o que faria. Ele apenas tentava levar o precioso humano para muito longe das garras de Sombras.
Quando finalmente escureceu o ele se dera conta de quão cansado estava e tinha que parar um pouco, pelo menos suas pernas não estavam mais querendo lhe obedecer.
-Maldita condição humana. – ele se queixou finalmente parando bruscamente.
Talvez não tivesse sido de propósito, mas o fato era que após a frenagem com um barulho fofo o corpo do humano foi ao chão. Ele havia se mantido em silêncio por algum tempo enquanto era carregado pelo centauro, mas sua curiosidade era imensa, e uma vez que não tinha sido alimentada por seu dom, ele passara a falar de forma rápida e agitada querendo desvendar os mistérios da alma daquele ser que lhe salvara a vida. Mas vendo que suas perguntas eram solenemente ignoradas ele se calara, e finalmente adormecera jogado ao lombo macio do ligeiro centauro.
-Aiihhh! – Duo gritou quando sentiu o impacto com o chão, talvez mais de susto do que de dor. – Se era para me matar de tanto susto porque não me deixou com Sombras? – ele gemeu chateado.
-Vocês humanos têm dois defeitos que eu abomino. – o centauro gemeu baixo com uma voz extremamente gélida.
-Ótimo. Quais são? – Duo se levantou acariciando a nádega dolorida.
-São muito escandalosos e muito frescos. – ele respondeu batendo com a pata ao chão. – Bem... – o centauro era orgulhoso demais. Ele olhou o humano do alto. – Eu não gosto de nada que se equilibre em duas pernas, principalmente se isso for um humano. – ele completou frio. Havia uma nota de rancor.
Duo olhou levantando uma sobrancelha daquela forma curiosa que ele sempre fazia. Ele havia sentido as emoções do centauro quando o tocara, mas as lembranças mais íntimas, os sentimentos mais profundos, isso Duo não havia conseguido ver. Era como se uma grande barreira fechasse os segredos dentro daquele ser magnífico.
-É como se tivesse alguma coisa fechada dentro de você e quer sair. – o humano observou lembrando que quando sonhara com aqueles olhos azul turquesa ele sentira a sensação bárbara de que alguma coisa clamava por liberdade. – Existe dor, medo, e rancor... Isso tudo é tão humano... – ele se aproximou muito impressionado.
-Cale essa boca estúpida. Humano. – O centauro recuou fugindo do toque. –Você não é o senhor da verdade, garoto.
- Eu posso tentar te ajudar. – Duo falou apressado. – Deixe-me saber mais sobre você. – ele completou.
-Olhe pra mim! – a pata chispou na terra e ele falou frio. –Veja que sou um centauro. Sou um ser mágico, cercado graça e fantasia, sou chamado por muitos de centurião da floresta, acha mesmo que eu vou me curvar a um humano? – ele perguntou imponente.
-Eu apenas acho que você precisa de ajuda. – Duo falou humilde.
-Dispenso sua opinião inútil de humano. – o centauro gemeu frio.
-Olha... Eu te senti desde o dia que cheguei lugar maluco. Eu vi seus olhos e ouvi os gritos de alguma coisa dentro de você... Eu posso tentar te ajudar... – o humano manteve seus belos e sinceros olhos pregados naquele ser a sua frente.
-Chega, humano. – a conversa estava encerrada.
-Ahh... – o menino abriu a boca para revidar, mas ele simplesmente não sabia o que dizer. Seus olhos grandes piscaram confusos até que seus lábios se abrissem num sorriso meigo. – Você é engraçado quando perde a calma e perde essa frieza que tenta fingir que tem. – o menino sorriu.
-Humano. Vocês são os únicos que conseguem sorrir da própria desgraça. – ele revirou os olhos. – E não tente me dizer como eu penso. Eu sou um centauro.
-E você sabe muito sobre humanos, né? Eu acho que para um centauro você sabe muito sobre nós. – Duo levantou uma sobrancelha.
-Cale a boca. – as patas grandes dele atacaram a terra com fúria.
-Você podia ao menos me dizer quem é você. – Duo falou curioso.
-Porque não tenta adivinhar? – o centauro falou seco se movendo de forma graciosa.
-Eu não consegui. Ainda não entendo o motivo... – Duo o olhou.
-Magia. – ele explicou simples o motivo pela qual Duo não havia conseguido sentir a alma dele. –Não devia. Não somos amigos, parceiros, conhecidos, minha estadia ao seu lado, espero que seja breve. – o centauro falou simples. –Mas... Sou Heero. Heero Yui. – informou caminhando lentamente, girando o corpo. – Sou quem guarda essa parte da floresta.
-Olá, Heero. Bem é um nome bonito. Até parece coisa de humano. – o menino provocou.
-Não sou humano. – ele se apressou.
-Bem, eu sei... Mas é que é divertido te chatear. – ele sorriu. – E sabe que te olhando assim você é muito mais bonito que os humanos. – brincou como sempre divertido.
-Existem mais coisas que as aparências. – Heero falou se voltando para Duo com os olhos ameaçadores. –Somente idiotas olham aparência. – essas palavras quase foram cuspidas.
Duo não respondeu. Ele jamais julgava as pessoas pela visão externa, ele sabia muito bem que havia mais coisas dentro das pessoas do que fora. –Eu sei disso. – ele falou um pouco chateado com a forma dura com qual Heero lhe tratava.
Heero andou pela clareira onde estavam. Tudo parecia bem calmo por ali.
Duo se calou olhando o movimento gracioso do centauro. O peito de eqüino forte e musculoso e o busto de homem atraente. Aquilo devia ser um sonho, afinal aquele ser era cercado de uma mágica, estar ao lado de Heero significa poder sentir a natureza crua, sem ser mexida. Sentir o vigor dessa pureza...
A noite vinha firme quando Duo se deixou deitar na grama. Estava tremendo. Um vento frio soprava o fazendo se encolher e suspirar de forma penosa. A noite escura repleta de ruídos e movimentos nas matas, a fome, o frio e o abandono faziam aquele menino sentir falta do seu mundo.
-Se eu estivesse no meu mundo agora, estava vendo televisão, tomando um chocolate quente. – o garoto falou olhando para o céu.
-Humanos. – Heero comentou impaciente. –O que é televisão? – o centauro se aproximou se deitando de forma graciosa um pouco perto do humano.
O menino sorriu. –É uma espécie de caixa onde agente consegue ver as pessoas... – Duo falou tentando fazer Heero ter uma distante noção do que era uma televisão.
-Os humanos não têm a magia, mas tem inteligência. – Yui falou pela primeira vez com um tom de respeito. –Então essa tal televisão é uma espécie de caixa mágica. – ele falou sério.
-É... É mais ou menos isso. – o humano consentiu se encolhendo de frio.
-Está frio. – Heero falou baixo. Ele estava deitado ao chão. Suas patas dobradas com graça e sensualidade. O peito nu era um conjunto de músculos morenos. Em cada patas havia uma espécie de fitas. Presa do lado esquerdo do corpo eqüino estava uma espécie de bastão de aço pesado terminando numa esfera com picos afiados.
-Usa isso contra os inimigos? – Duo apontou para a peça.
-Isso? – Heero trouxe o bastão para perto do humano. – Para me defender. – ele informou entregando a Duo. O que queria afinal?
O garoto tocou o cabo da arma. Seu estomago saltou embrulhado na mesma hora, bem como o ar pareceu rarefeito e a visão nublou. Duo sentiu a cabeça girar e uma rajada de imagens e vozes passarem rasgando em sua mente. Uma manada de centauros fugia assustada, perseguidas pelas sombras. O som das patas contra a terra fofa, os gritos.
Havia sangue e uma criança centauro fugindo solitária pela floresta, deixando para trás a manada morta... Ele estava assustado, os olhos azul turquesa marcados por lágrimas.
-Chega! – Duo gritou conseguindo largar o cabo da arma. Ele olhou para Heero. Seus olhos violetas úmidos e esbulhados, os lábios tentando sorver ar. –Pelo amor de Deu! Que foi isso? – Duo tremia violentamente.
-Isso? Era apenas minha história. Usei esse tacape para crescer nessa floresta, lutando contra todo tipo de sorte. – Heero falou frio.
-Não... Não... – como havia sido forte aquela sensação. Pela primeira vez ele havia sabido da história de Heero e como era violenta e triste. Ele segurou a cabeça, seu estomago girava enjoado e ele golfou tentando por para fora algum líquido vomitando dolorosamente.
Vencido pelo esgotamento o humano praticamente desmaiara.
-Esse humano conseguiu me sentir. O único que se importou com minha maldita história de sofrimento. – ele comentou olhando Duo que agora dormia encolhido. –Essa criança humana tem o grande fardo de sentir as dores do mundo. – Heero olhou para o céu quase completamente oculto pelas folhas da floresta fechada. – Esse garoto... A pequena ametista é a chave para trazer-nos o salvador dos mundos. Diz à lenda que esse ser pode fazer milagres, talvez ele possa me ajudar a encontrar um sentido. – o centauro falou.
Fora daquela floresta, mais ao norte havia uma vila pequenina. Era lá que Wufei vivia. Fora o mesmo lugar que Duo acordou.
Quando Wufei chegou em casa escancarando a porta da cabana havia algumas velas acesas iluminando o pequeno ambiente.
-Fei! Deuses! Onde esteve? Cheguei ontem da caçada e não te encontrei. – um animado rapaz loiro se aproximou dele. Era alto, um cabelo loiro e liso lhe caia pelas costas. Os olhos azuis piscaram confusos. Wufei estava diferente. –O que houve com você? – ele perguntou.
-Humano! – Wufei falou com a mesma voz arrastada de Sombras. Seus olhos sem vida avaliaram com cuidado o rapaz a sua frente.
-Fei. Sou eu. Zechs! Fala comigo! – o loiro insistiu se aproximando. –Eu fiz alguma coisa? Não, porque antes de eu sair para caçar, estávamos muito bem, não lembra? Tivemos uma noite perfeita... – ele falava.
-Então quer dizer que eu e você? – aquilo que falava agora era ninguém que Sombras... –Somos amantes? – ele sorriu deformando o rosto de Wufei daquela forma estranha que seus lábios se abriam.
-Está brincando comigo de novo... – o loiro falou sorrindo também.
-Quem fica por baixo quando agente passa a noite juntos? – ele se aproximou encurralando o loiro.
-Wufei... – Zechs corou forte.
-Não importa... – Chang falou agarrando o loiro com força. – Que gracinha de amante. – Comentou o esmurrando com estrema força no estômago.
Zechs foi pego tão de surpresa que desmaiou na hora. Talvez tivesse sido melhor, porque Sombras o ia possuir naquela noite de uma forma agressiva demais.
O nascer do dia tinha um encantador tom de vida. Os animais matinais acordavam aos poucos agitando a floresta, bem como os noturnos se recolhiam para um descanso.
Os restos da fogueira que Heero havia feito quando Duo dormiu estava fumaçava.
Num canto estava o centauro deitado e agarrado a ele estava Duo num gostoso ressonar. Sua cabeça estava apoiada sobre o dorso de Yui.
Quando acordou Duo se viu largado de forma abusada sobre o centauro, que parecia dormir ainda. O humano se levantou devagar e com cuidado. Ele já havia reparado como aquele estranho ser fazia questão de se manter distante com aquela frieza. Se ele acordasse e o visse ali alojado sobre seu corpo não ia gostar.
-Não precisa te medo, eu não ia te machucar. – Heero se moveu finalmente.
-Desculpe... Eu... – Duo corou ligeiro sem encarar os olhos azuis do centauro.
-Minhas patas estão dormentes, mas fiquei com medo de você acordar se eu mudasse de posição... – Heero falou. –Afinal você precisava de um descanso depois de ter passado mal por minha causa ontem. – Ele se apressou a explicar.
-Obrigado. – Duo finalmente conseguiu agradecer. Desde que sua vida havia sido salva ainda não havia o feito. –Por tudo, Heero. – ele sorriu.
-Deixa pra lá. – Yui comentou. Ele desde que Duo havia conseguido lhe entender que estava sendo mais ameno com o garoto.
-Se você não tivesse chegado na hora eu estaria morto agora. – o humano falou desgostoso.
-Ele não teria te matado. – o centauro falou certo.
-Porque não? – o humano ergueu a sobrancelha.
-Porque sem você essa pedra em seu pescoço não passaria de um caco de vidro bonito. Por isso Sombras não acabou com você de uma vez por todas. Ele, assim como nós precisamos de você. – Heero informou.
-Mas...
-Sombras é bem mais forte do que pensa, criança. Se ele quisesse mesmo te matar teria feito quando mandou a mulher se fingir de esfinge, ou quando mandou o pássaro, ou o monstro de lama, ele em todas as chances pegou bem leve, porque ele precisa de você vivo.
-Heero. Eu não entendo.
-Deuses, não acredito nisso. Eles mandam um completo idiota como a ametista. – Yui girou os olhos de forma entediada.
-Heero... – Duo falou vencido. –Eu... Não faço parte de nada disso. Tente me entender. Eu estou mais confuso que tudo nesse fogo cruzado, estou tão perdido e assustado... Uma pessoa morreu por minha causa... – Duo falou humilde.
-Humanos. – Heero o olhou imaginando que teria que ser mais ameno com aquele doce garoto. –Eu sei o que é estar longe de casa. – ele falou mais solicito. – Desculpe-me. – o centauro pediu sincero.
Os olhos violeta de Duo se abriram num misto de satisfação e surpresa. Heero havia pedido desculpas.
- Sombras não te matou porque precisa de você vivo. Por isso ele precisava de um corpo físico para... – Heero olhou o menino. – Para te... Possuir, para te fazer dele. – explicou.
-Como? – o humano quase gritou. Era mesmo o que estava ouvindo? Aqueles monstros de fumaça queria transar com ele?
-Sombras quer copular com você, Duo. Quando ele estiver fisicamente dentro de você o seu dom vai conseguir sentir tudo que ele é... Quando ele ejacular dentro de você os poderes da ametista vão estar manchados pela marca do mal.
-Meu Deus. – Duo gemera corando furiosamente.
-A pedra é a chave que pode libertar o salvador desse mundo. Se a chave for corrompida pelo mal não tem salvador e a chave é você, meu caro. – Heero explicou.
-Heero. – Duo se aproximou. Apenas o fato de ser ver novamente tocado por Sombras lhe embrulhava o estômago. –Promete uma coisa? – ele lançou ao centauro um olhar meigo e desprotegido.
-Centauros não fazem promessas. – Yui falou, mas amenizou sua expressão. –Mas sendo para você, ametista, eu faço uma exceção. – terminou olhando para Duo esperando que o garoto lhe pedisse.
-Por favor. Eu imploro. Promete que não deixa ele me tocar? – Duo pediu. – Eu quero me entregar à pessoa que eu escolher... Quando chegar a hora certa. – os olhos violetas estavam agora úmidos.
-Humano... – o tom de Yui foi agora delicado. Ele pode notar que o jovem estava chorando.
-Desculpe... Eu não devia chorar. Mas... Meu Deus. Onde eu estou? Perdido aqui sozinho, com seres estranhos, com assassinos que tentam me matar e agora me violar... Droga... Estou ficando desesperado... – As lágrimas escorreram por seu rosto.
-Você não estar mais sozinho. – Heero não soube porque fez aquilo. Mas alguma coisa em Duo alimentava uma sensação de proteção. – Eu estou aqui com você agora... – ele falou tocando o rosto do menino secando uma lágrima e levando o dedo úmido à boca. – Suas lágrimas deviam ser como o mel... – o centauro falou simples.
-São salgadas, Heero. – o menino segurou as mãos do centauro o olhando profundamente nos olhos. –Todas as vezes que eu chorei eram apenas porque sentia muita dor. – Ele falou trazendo aquela mão grande até seu peito esquerdo, sobre o coração. – Aqui. – ele falou fechando os olhos de cílios longos ao sentir o toque daquela palma grande. Seus lábios afrouxaram docemente se abrindo, bem como sua expressão se tornou delicada.
-Duo... – Yui falou abaixando o tronco para aproximar o seu rosto, aproximar suas respirações. Uma confusão de sentimos voaram como borboletas dentro de Heero. Ele era um centauro, havia sempre um toque de orgulho por isso, mas agora diante do humano belo ele era só um coração sentindo vontade de provar o gosto da boca de alguém. Sem mais resistência Heero fechou os olhos também se aproximando, deixando que seus lábios se abrissem na medida certa para receber os menores de Duo.
Não aconteceu o beijo.
Um tigre branco passou correndo bem próximo a eles sumindo nas árvores. Isso fez Heero puxar Duo pela trança o jogando atrás de seu corpo maior e se mantendo em riste na sua postura de defesa, esperando que alguma coisa surgisse da direção que veio o tigre.
Duo automaticamente segurara a calda macia de Yui esperando apreensivo o que lhe atacaria dessa vez.
Heero engoliu em seco quando uma gota de suor escorreu de sua testa. Ele apertou com força o cabo de seu tacape. Ele era o centurião da floresta, seus sentidos apurados conseguiam saber quando havia um ser diferente no seu território, e tudo indicava que havia intrusos ali.
O clima tenso se manteve, até que de onde veio o tigre às folhas largas se movera. Yui se preparou, fosse lá o que fosse teria que se sair rápido demais. Não deixaria que levassem Duo.
Capítulo curtooo... Alguns errinhos, mas a revisão foi meio furada de novo... alguns probleminhas com vinho.. hehehehe, mas tudo sobre controle.
Bem, agradeço aos que estão acompanhando,
Bjs
Hina.
