Lembranças


X - O eclipse do amor
Parte II


Heero se deixou cair de joelhos. Era como se alguém, talvez uma mão tivesse arrebentado seu peito e removido seu coração e o jogado no abismo escuro sem fim. Ao menos era assim que sentia. Duo havia sido uma tímida luz no mundo negro dele, um fio de alegria onde só havia silêncio e frio.

-Nãaoo! – Heero gritou.

Ávila compartilhava aquele sentimento. Ele ficou olhando para o nada, como se esperando por uma resposta.

-Eu... Eu falhei? – finalmente o guerreiro se perguntou olhando para as próprias mãos. –Por minha culpa foi derramado o sangue puro da jóia ametista.

Quatre chorava baixo agora tendo um Trowa ferido em seus braços. Nenhum deles podia acreditar que Duo tivesse morrido. Era um tanto quando revoltante, sem ao menos achar o salvador.

Heero olhou para cima, na rocha, a mesma que Ávila havia estado. Seus olhos úmidos piscaram confusos, era Duo ali em cima.

-Duo! – ele gritou sem entender. O garoto havia caído no abismo, como era possível que estivesse ali?

-Graças a Deus! – Quatre se emocionou.

-Heero! – Duo desceu das pedras se jogando naqueles braços fortes de Yui na qual ele já adorava estar. –Eu consegui usar o poder da ametista. – ele anunciou.

-Mas...

-Eu consegui... Ávila! – Duo sorriu feliz. –Quando ela me acertou e eu caí acabei despertando o poder da ametista. Fiz tudo consciente e a pedra me transportou com segurança. – ele falou.

-Duo... Graças aos Deuses. Pelo salvador! – Ávila sorriu emocionado. O humano estava bem.

-Mas você está ferido... Ela te acertou. – Heero notou que Duo tinha um grosso filete de sangue escorrendo pela testa.

-Não se preocupe... Todos estamos muito feridos. – ele respondeu olhando para Quatre com um Trowa desacordado nos braços.

-Trowa... Não vai resistir. – o loiro sustentou o olhar ametista do amigo.

De fato. De todos, o que pior estado era o do caçador. Ele gemia em dor expelindo sangue pela boca. O golpe recebido fora tão violento que esmagara suas costelas e na seqüência os órgãos protegidos por ela. O jovem era muito resistente, essa era a única razão de ainda continuar vivo, porém seu sofrimento era muito grande.

-Pelo amor de Deus, faça alguma coisa! – Quatre estava agarrado a Trowa chorando muito. Ele olhava para Duo e para Heero e implorava que eles salvassem seu amado.

-Quatre... – Duo falou triste se abaixando e beijando o topo da cabeça loira do amigo... –Heero. – em seguida ele olhou para o centauro pedindo que ele ajudasse.

-Hn... Humanos. – Heero resmungou vendo que com aquele olhar de Duo conseguia dele qualquer coisa. –Existe uma bruxa no alto dessas colinas. Ávila deve saber disso. – ele pediu confirmação com os olhos para o guerreiro e seguiu depois que esse lhe olhou desconfiado. – Dizem que ela pode conceder um desejo.

-De jeito nenhum. – Ávila interrompera Yui. –Ir até a Drácona seria alterar nossa rota, estamos quase saindo do mar de pedras, não, definitivamente não. – o guerreiro falou feroz.

Drácona era uma bruxa que viva no alto daquele mar de pedra, segundo as lendas ela havia sido deixada para trás no alto daquela colina para vigiar a chegada do mal maior... Por isso estava lá. Mas ela aceitava usar sua magia em troca de pequenos favores, ou agrados, assim ficara conhecida por fornecer desejos em troca de um favor.

Heero sabia que o guerreiro tinha razão. As pessoas temiam aquela região. Ele olhou para Duo, mas esse mantinha aquele olhar determinado a dar a vida para salta o caçador, se fosse preciso.

-Heero, por favor. – Duo pediu sem retirar seus olhos dos do centauro.

-Certo. Nós vamos! – Yui confirmou.

Ávila tentara os impedir a todo custo, mas Duo e Quatre estavam dispostos a levar aquilo até as últimas conseqüências e uma coisa que o guerreiro ia aprender era que aquela dupla nunca desistia de uma idéia, por mais estúpida que essa fosse.

Assim eles seguiram em silêncio no escuro do dia pelo caminho de pedras.

Passaram um mau bocado para cruzar um estreito caminho de subida entre um abismo e uma chapada de rocha.

Heero teve séria dificuldade para se equilibrar ali, ele podia ser um exímio guerreiro e ter mil qualidades, mas aquela região não era propícia para sua locomoção, ainda mais trazia Trowa desacordado nas costas.

Em certo ponto o centauro escorregou na pata dianteira, conseguindo se equilibrar em seguida. Respirando fundo seguiu em frente. Duo vinha logo atrás dele e evitava olhar para baixo no abismo, se algum deles caísse o rapaz não sabia se conseguiria pensar rápido o suficiente e usar a pedra.

As coisas não estavam favoráveis, um vento forte soprava. Eles seguiram naquele caminho durante um tempo até Ávila que ia à frente avistar um terreno plano. Ele sorriu secando o suor do rosto. Suspirou aliviado quando pôs os pés em terra firme e em seguida tomou Trowa da montaria de Heero.

Duo já estava sendo ajudado por Heero que lhe dera a mão o guiando com cuidado, quando Quatre, que vinha logo atrás do humano se desequilibrou. Na ânsia de se salvar o loiro agarrou a única coisa que estava a seu alcance: a trança de Duo.

Heero sentiu as mãos de Duo escorregarem por entre seus dedos grossos. Mas uma vez o jovem humano estava em problemas e nada o centauro podia fazer.

O humano sentiu a cabeça pender em dor para trás quando Quatre o puxara. Estavam caindo.

-Duo! Use a pedra! – Ávila gritou.

Agora o jovem humano contava com o poder da ametista e sabia como usá-lo, mas conseguiria usar numa situação como essa? Ele tocou a pedra sumindo junto com o loiro no já conhecido tufão.

Ressurgiram na clareira mais adiante com segurança.

-Acho que ele aprendeu. –Ávila sorriu para Heero.

-Acho que sim. – O centauro comentou aliviado.

-Nunca mais puxe a minha trança! – Duo gritou com o loiro assim que estavam seguros em terra firme.

-Mas, eu ia cair... Desculpe. – Quatre falou triste. Ele sentia como se o tempo todo estivesse atrapalhando. Duo sim conseguia usar seus poderes de forma brilhante e salvar o dia mais uma vez. Quando ele tudo que havia conseguido fazer era transformar pedras em frutas. E ainda assim ninguém havia reparado nisso.

-Mas isso dói. – Duo amenizou a expressão vendo que seu amigo estava chateado.

-Desculpe... – Quatre voltou a insistir.

-Viu como é ruim puxar a calda dos outros? – Heero implicou baixinho quando passou pelo humano. –Vamos voltar a andar. A morada de Drácona está muito próxima. – ele comandou.

Era verdade. O palácio na qual vivia a famosa bruxa estava perto a julgar pelas notórias torres surgindo por trás das montanhas de pedra.

Quando finalmente chegaram à uma rampa Duo abriu a boca surpreso. Havia ali no amplo terreno um jardim de pedra. Era exatamente isso.

Havia estátuas de seres que Duo nunca havia visto na vida, as mais ousadas e diferentes formas, as plantas e flores, e pássaros e vida, uma vida linda, mas morta num cinza frio.

-Que gosto mais excêntrico. – Duo gemeu olhando uma espécie de planta que se ramificava com flores grandes, tudo feito em pedra.

-Garanto que ela não gosta nada dos jardins, nem da casa... – Heero comentou se antecipando até a entrada. A porta se abriu magicamente para o espanto do humano que passou logo após o centauro sem conseguir fechar a boca. De todos os lugares que o jovem havia ido naquele mundo, era esse talvez o mais impressionante. A riqueza e cuidado como tudo era feito. Era impossível que fossem apenas estátuas. Havia detalhes como os cabelos das criadas de pedra ao corredor que talvez nenhum artista no mundo conseguisse fazer.

-É a mais pura magia. – Duo pensou. –Nesse mundo tudo é possível...

Quando finalmente entraram na saleta uma mulher muito bonita os esperava parada ao centro. Ela sorriu jovial se aproximando. O corpo mantinha curvas perfeitas, os olhos grandes e expressivos eram verdes escuros, como a cor de musgo do uniforme de Duo.

-Soube que vinham. – ela falou sorrindo. –Mas temo nada poder fazer por vocês, pois o preço desse desejo é caro demais. – a bruxa falou sugestiva.

-Nosso amigo. – Ávila finalmente depositou Trowa numa pedra que simulava um altar.

A moça o olhou com cuidado e após suspirar os olhou em retorno.

-Seu amigo já está no caminho da passagem... Trazê-lo de volta não depende só de mim, mas de outras pessoas aqui nessa sala e principalmente da vontade desse homem de voltar. – ela falou.

-A passagem que ela diz... – Duo ergueu a sobrancelha, mas Ávila pediu que ele fizesse silêncio com um gesto do dedo indicador sobre os lábios. Afinal o humano já conhecia aquilo, ele já havia caminhado por ali, logo no início enquanto esteve sonhando com aquele cemitério, aquela era a passagem. –A passagem para um outro mundo desconhecido. – Duo gemeu sabendo que Trowa deveria estar sofrendo muito.

-Então... – Drácona ia falando quando Duo a interrompeu num quase susto.

-Por favor, o tire daquele lugar horrível. – o humano gritou a olhando com súplica.

-Drácona, perdão. Ele não faz por mal. – Ávila se antecipou.

-Não. Deixe-o vir até mim. – a bruxa falou. –Esse é o humano? A criança que vem nos mostrar o salvador? – Drácona o avaliou com cuidado. –Sua beleza me impressiona, sua pureza também.

Por um tempo ela avaliou os rostos naquela sala. Gostara de Duo, os olhos dele lhe mostravam uma verdade e simplicidade fora do normal. Podia pedi-lo como pagamento pela salvação do caçador.

-Acha que seria muito pedir a pequena ametista como pagamento? – Drácona sorriu se dirigindo a Heero.

Ele não soube o que dizer. Porque ela lhe dirigiu essa pergunta? Ele olhou para todos terminando nos olhos de Duo e teve a certeza que jamais o ofereceria a ninguém.

-Se esse for preço... Eu não pago. – o centauro falou frio.

-Eu já esperava por isso. – a bruxa sorriu fitando Heero com tanta intensidade que parecia conhecer algo que ninguém mais sabia. Seus olhos verdes vasculharam o recinto parando sobre Quatre. –E você? Daria qualquer coisa por esse homem, não? – ela falou em tom de desafio.

-Minha própria vida. – Quatre não pestanejou.

Heero o ia impedir. Sabia o que ela estava fazendo. A bruxa sabia que Quatre amava Trowa, podia ler nos olhos dele, não era justo pedir algo absurdo sabendo que ele daria. Ávila o tocou no ombro.

-Quatre deve decidir. – o guerreiro falou para o centauro que concordou. –Lembra-se! Só podemos oferecer aquilo que é nosso, por isso Quatre não pode por em risco a vida de Duo. – ele informou deixando Heero desconfiado.

Porque então Drácona lhe pedira Duo? Acaso o humano lhe pertencia?

-Eu posso tentar trazê-lo de volta... Trazê-lo do caminho, mas está disposto a pagar meu preço? – a bruxa insistiu com o Quatre.

-Já disse que sim. – o loiro sustentou o olhar.

-Ensine-me o segredo da vida, Quatre. – ela pediu. – Ensine-me a fazer brotar das mãos a vida, tornar pedra em vida. – os olhos cor de musgo brilharam e Quatre achou que era justo.

-Somente assim eu poderei trazer de volta a vida que se tornou pedra em meu palácio.

Ávila não se meteu, mas a lenda não contava assim. Segundo os antigos uma deusa fora amaldiçoada. E a um toque seu tudo se tornava pedra. A moça gostava de se lavar nas águas do mar de pedras o que secara o mar o tornando aquele vale pelo qual passaram, assim ela também havia transformado o palácio de Drácona em uma passagem por ali, e segundo a lenda, somente quando essa deusa morresse o encanto se quebrava. Mas ele não se meteu. Quatre devia tomar sua decisão.


-Desculpem os erros
-O capítulo ficou curtinho, porque a depressão puxou meu pé... nossa, eu acho que me descuidei. Estava indo tão bem que ganhei confiança e descuidei dela, me pegou de jeito, mas já vai passar.

Beijos,

Hina