Lembranças


XI - O eclipse do amor
Parte III


Havia uma decisão a ser tomada e todos naquela sala esperavam ansiosos por isso.

Quatre olhou para cada um ali, em seguida moveu a cabeça num menear. Ele ia a ensinar a custo da vida de Trowa.

Duo quis protestar, mas Ávila o segurou delicadamente pelo braço. Não era hora de agir humanamente com emoção. Aquele pode era de Quatre e ele tinha que decidir, bem como o que ele sentia pelo caçador era só dele e somente a ele cabia o que fazer.

-Lembre-se. – Ávila falou junto ao ouvido de Duo. – Natal disse que muitos não terminariam essa missão? –

-Ele... Vai ficar? – o menino falou débil, quase infantil. Sem querer acreditar que perderia o amigo.

-Vem comigo, Duo. – Heero estava mesmo diferente. O desamparo do jovem humano tocou seu coração de uma forma dolorosa. O garoto estava preste a chorar quando Yui o abraçou de forma protetora o trazendo para se aquecer em seu peito nu. –Tudo bem. Ele vai ficar bem. – o centauro falou mexendo na franja do menino enquanto o levava para fora do palácio de pedra. Estava escuro lá fora, ainda sob o efeito do eclipse.

-Você fica, Ávila. Será minha testemunha. – Drácona pediu ao guerreiro.

Numa cena teatral ela pôs as mãos no peito de Trowa, seus olhos saíram de órbita como se viajassem por algum outro mundo. Ela tremeu levemente pronunciando algumas palavras que nem Quatre nem Ávila souberam dizer ao certo. De instantâneo ela parou abrindo os olhos agora sem córneas, apenas dois orbes brancos como um gigante holofote. Seus lábios rígidos e os dentes trincados passaram a deixar escorrer uma fina espuma como numa cólera assustadora.

Era como ela estivesse fazendo uma grande força. Quem era aquela bruxa afinal? Quem era aquela mulher que conseguia parar o rumo de uma alma ao inferno, quem era ela?

Passado algum tempo Drácona caiu de joelhos muito cansada. –Está feito. – ela falou num sopro. Trowa ganhara cor e vida novamente.


Lá fora Heero e Duo caminharam. Estaca escuro ainda, um dia sem luz.
Não trocaram palavras. Pelos jardins de pedra eles passaram mudos. Mais adiante havia uma tímida fonte onde uma estátua de busto feminino se banhava nas águas cristalinas. Ali os passos fortes do centauro pararam e Duo o olhou.

-Heero. – ele se voltou para o centauro. –Será que um dia vou voltar para casa? – estava triste e cansado.

-Não sei, Duo. – Yui falou simples olhando as águas da fonte. –Sinceramente? – ele arriscou um olhar para o humano, mas voltou a encarar as águas.

-Sim. Sinceramente. – o trançado o encorajou.

-Eu não queria que você voltasse. – falou como se fosse simples. E como faria para retornar sua vida de solitário se aquela criança humana fosse embora? Queria muito que a alegria de Duo perdurasse para sempre em sua vida, porém sabia que o jovem teria que voltar para casa um dia, isso se conseguisse sobreviver a toda aquela perseguição.

-Heero... – Duo o olhou agora com seus olhos violetas escancarados. O que o seu amigo queria dizer com aquilo?

-Esqueça isso. – Yui falou em um tom de censura e vergonha ao mesmo tempo. Não devia ter sido tolo a dizer tal coisa àquele humano, cuja única função era proteger a vida até que ele lhe mostrasse quem era o escolhido.

-Espera. – Duo o segurou pelo braço decidido. –Que está havendo entre nós? Desde quando nós somos assim um com o outro? De onde nos conhecemos? – eram perguntas para as quais não havia repostas, ao menos por hora.

-Vamos voltar para o palácio. – Heero o empurrou delicadamente saindo.

Duo o vou se afastar trotando de forma elegante com sua calda felpuda balançando de forma displicente. O trançado suspirou o seguindo de volta ao palácio pela penumbra do dia.


Lá dentro Heero recebeu um abraço de Quatre assim que chegou. Um abraço demorado, como se simulasse uma despedida. O centauro se separou dele momentos depois e seus olhos se encontraram.

-O que foi isso? – Heero perguntou.

-Um abraço amigo. É um pedido de desculpas por alguma coisa. É também um adeus e um pedido mais íntimo: cuide muito bem do Duo. – o loiro sorriu.

-Mas, porque? – Yui o olhou. Depois viu Trowa respirando de forma mais forte e a cor lhe voltando para o rosto, então entendera que o milagre havia sido realizado.

-De hoje em diante eu não sigo mais com vocês. Vou ficar e ajudar Drácona a melhorar esse lugar. – ele sorriu agora se dirigindo aos demais. –Vocês nem notaram que eu comecei a despertar os poderes que meu pai me deu. – Quatre sorriu divertido até seus olhos encontrarem os violeta de Duo.

Parado a um canto, triste.

-Quatre. – Duo finalmente falou. –Eu não quero que você fique. – ele pediu bem triste.

-Oh, Duo. – Quatre sorriu docemente se aproximando com delicadeza tocando o rosto do amigo. –Eu queria que você ficasse comigo, mas não pode ser assim. – ele sorriu. –Você segue e avisa ao Trowa que eu o amo, tá? E quando acabar isso tudo você pede pra ele vir me visitar de vez em quando? – os olhos azuis e grandes do loiro estavam marejados de lágrimas.

-Deus. Eu queria tanto ficar com você. – o humano fez uma cara triste de quem estava segurando o choro e o loiro achou lindo e infantil.

-Duo. A pequena ametista do nosso povo. – ele falou tocando o rosto do amigo com orgulho. – Sei que é uma responsabilidade muito grande, mas você deve seguir com os demais e encontrar o nosso salvador. – o loiro o beijou na testa com carinho. – Os deuses ficarão com você. – Quatre falou triste. Seus olhos se despediram do amigo, encerrando sua participação naquela jornada e na vida de Duo.

O humano nada falou. Os olhos disseram mais que as palavras poderiam fazer. A situação de agora era a mesma de que acordar muito bem e imaginar o desenrolar de um mundo pela frente de repente perder algo importante. A saída de Quatre ia abalar a ametista, uma vez que aquele loiro lhe dera o ombro amigo quando só restava o vazio.

Quando finalmente deixaram para trás o palácio de pedras Ávila levara consigo Trowa, que aos poucos ia se recuperando, e Duo seguia em silêncio muito abatido sob o olhar tenso e preocupado de Heero.

Drácona os olhou ir embora ao lado de Quatre, acompanhando eles se perderem de vista na formação rochosa.


Caminharam ainda naquele cenário por algum tempo onde nenhum deles trocou palavras. A equipe havia sentido a perda do loiro. Heero caminhava agora à frente sendo o mais perseverante, ele era o que estava os mantendo firmes, mas até quando? Quando Duo começaria a desmoronar? Estava com fome e cansado, com medo, sendo ameaçado em um mundo estranho longe de seu lar e deus amigos... Agora perdera Quatre. De fato era algo bem duro para um garoto que não passava de uma criança.

-Heero. Estamos todos cansados. – Ávila emparelhou com o centauro.

-Hn. – Yui olhou por sobre o ombro para Duo que vinha abatido demais. –Tem razão. – ele concordou.

-Certo. Paramos um pouco. E vê se fica com o Duo. Ele confia em você, tente animá-lo. – o guerreiro falou.

Assim foi feito e em pouco tempo eles estavam parando junto a algumas pedras altas. Estavam deixando o vale de pedras, mas ainda se escondia por ali muito perigo que exigia uma atenção impar de todos eles.

Yui se se se encostou a uma das pedras sem tirar os olhos frios e pensativos do rapaz cabisbaixo a sua frente. Ele teve a vontade de tomar Duo com suas mãos grandes e o sacolejar com força. Chamá-lo à razão... Ainda havia uma luta.

Foi isso que o centauro fez em seguida. –Duo. – ele chamou se aproximando.

O humano estava de ombros baixos. Tão vencido e perdido.

-Duo! – Yui chamou novamente bem mais energético.

-Que foi agora, Heero? Que mais vocês querem de mim? – aqueles olhos de um violeta úmido encararam o centauro.

Heero entendeu engolindo um bolo incômodo na garganta. Duo tinha razão. Ele havia sido lançado naquele lugar estranho e sido de um dia para o outro obrigado a assumir uma responsabilidade que não fazia parte de suas crenças. Era exigir demais dele, mas não podia deixar que ele se abatesse daquele jeito.

-Escute. Lá fora! – agora Heero estava tão perto, falava com um vigor. –Olhe pra mim, Duo. Eu disse que lá fora! – ele apontou para as montanhas longes dali. –Tem gente querendo sua cabeça. Metade desse lugar pagaria para ter sua cabeça e eles não vão querer saber se você parou para descansar ou chorar a perda de alguém... – Yui falou tomando uma arfada de ar com força.

-Eu... – as lágrimas começaram a brotar daqueles olhos humanos, puros e ingênuos. –É fácil para você falar. Não teve que sentir o mesmo que eu. Não sabe o que é sentir uma pessoa que você ama morrer, sentir a dor e o desespero dessa pessoa na hora da morte, Yui! Você sabe que é isso? – Duo gritou com as lágrimas escorrendo de seus olhos agora deliberadamente.

-Pessoas morrem, Duo. – ele respondeu muito frio.

-Que seja! Mas já teve que estar de terceira pessoa da morte de alguém que você ama? Tem noção do que é sentir a vida dessa pessoa escorrer por seus dedos como água que vai pelo ralo e você nada poder fazer? – o menino chorou, falava de sua mãe. Duo havia perdido coisa demais e não queria mais. –Acaso já amou alguém de verdade? – o humano perguntou imaginado que Heero era frio demais para alguém que havia perdido toda a família de forma brutal.

-Droga! Eu sei que foi duro, mas deixe para trás. Seu dom te possibilitou a salvar tantas outras pessoas. Porque tem que ficar pensando nas que você não conseguiu? – Heero também alterou a voz. Não era típico seu, mas Duo precisava entender que muitas vezes um dom pode ser um fardo pesado demais. É necessário estar preparado para saber usá-lo da melhor forma possível.

-Eu nunca salvei ninguém. – o humano gemeu baixo e ferido, engasgado por uma culpa que lhe roia por dentro. Nunca havia conseguido usar aquilo para trazer de volta alguém que amava. Até o exato momento aquele dom havia sido apenas um fardo.

-Duo... – Heero falou abaixando a voz para um sussurro agora. – A resposta é sim. – o centauro falou manso. Seus olhos estavam serenos, gostosos de se mergulhar e se deixar perder em paz e calma. Os dedos longos tocaram o queixo do jovem fazendo que seus olhos se encontrassem.

Os olhos podiam ser o ponto mais forte de uma pessoa, seja ele humano ou não. Heero acreditava nisso como um centauro, os olhos eram o espelho da alma. Eles tinham a funcionalidade de mostrar tudo que alguém podia sentir.

Foi o que fez. Não era bom com palavras humanas por isso deixou que seus olhos azuis passassem a Duo uma força e calma.

-Heero... – Duo gemeu sem nunca quebrar o contato. O que Heero lhe deu com esse olhar valeu mais que muitas frases humanas... E ele não precisaria ter aquele dom de sentir para saber que naquele momento o centauro estava lhe mostrando o que era amar de fato.

Duo naquele momento curto experimentou a sensação mais maravilhosa do mundo. Talvez para ele aquele breve instante valesse mais que toda a eternidade. Era para viver aquele momento que o ser humano lutava tanto, para olhar nos olhos de uma pessoa e saber, e sentir e entender, que seja como for, aquela pessoa vai estar sempre ali. Isso era amor, o mais bruto e puro amo.

Os olhos se fecharam lentos. Agora sim, aquele beijo ia acontecer. As mãos de Yui tocaram com carinho o rosto de Duo o trazendo para aquele beijo. Uma breve espera onde eles experimentaram uma sensação excitante de borbulhar no estômago, um calor subindo pelas entranhas... Ia acontecer o beijo.

Mas não aconteceu. Ao contrário Duo sentiu um gancho o afastando brutamente de Heero e ele foi jogado com força ao chão. Quando abriu seus olhos viu com pavor uma estranha e desajeitada criatura lutar com Heero. Mas aquilo fosse o que fosse era mais forte.

As patas grossas terminadas em garras chisparam no chão. As asas grandes lembravam morcegos acertaram o centauro com muita força o fazendo cair. Os movimentos da criatura era desengonçados, mas fortes, os músculos sobressaiam sua pele escura.

Havia sangue. Sangue de Heero.

-Não... – Duo se levantou, mas que chance teria?

O monstro o olhou por um breve momento. Os olhos grandes e amarelos tomavam seu rosto feio e negro de narinas largas. Ele bufou enfurecido mostrando os dentes pontiagudos para o humano.

Duo nem soube o que lhe acertou. Talvez a asa, apenas se viu ser arremessado contra a rocha caindo vencido e machucado. Em seguida viu aquela coisa grande e desajeitada colher Heero nos braços e voar pelos céus.

Nesse momento Ávila chegou erguendo sua lança e pedindo aos seus deuses o poder de usar uma criatura de seu mundo para o bem. Assim do céu cresceu um pássaro cinza.

-Meu amigo! Traga Heero! – Ávila pediu ao pássaro, mas temia não ser capaz, afinal uma ave não conseguiria lutar contra aquele monstro.

Duo e o guerreiro foram espectadores de uma breve luta no céu. O pássaro de Ávila se debateu contra aquela coisa, mas não durou muito, com uma das pastas o estranho monstro a atirou pelos céus a fazendo cair em queda livre.

-Não! – Ávila caiu de joelhos sentindo que sua magia fora desfeita. O passaro foi perdendo o tamanho até sumir em uma mancha vermelha no chão. –Não! – ele gritou pedindo perdão aos deuses por arriscar a vida de uma criatura inocente. –falhei com minha obrigação de proteger essas criaturas. Mais uma vez falhei. –se culpou prostrado ao chão.

-Heero! – Duo olhou desesperado o pequeno ponto que se tornara o monstro alado levando Yui. Sem pensar o trançado tocou sua ametista. Lágrimas desesperadas voaram de seus olhos quando ele os fechou com força esperando ser sugado pelo tufão, mas um momento depois notara que continuava deitado ao chão ferido. E Heero havia sumido de vez no horizonte. –A ametista? – Duo gemeu sem entende o motivo de não conseguir controlá-la.

Por um tempo eles não trocaram palavras. Ávila ficou ao chão de joelhos e Duo ai caído sentindo as costelas arderem em dor a cada sugada de ar, ele olhou para o local onde esteve com Yui, quase se beijaram, havia tanto sangue ali agora. O sangue que Heero Yui derramara para proteger Duo daquela coisa. Uma raiva apalpou o estomago de Duo, quase querendo sair por suas entranhas. Ele queria proteger Heero.

-Para onde aquela coisa o levou? – Duo se levantou enxugando as lágrimas com raiva.

-Duo? – Ávila o olhou sem entender. –Não quer ir atrás daquilo?

-Eu vou. Heero arriscou a vida por mim... – o humano encarou seu amigo.

-Aquilo era uma gárgula. Essas criaturas habitam os picos antigos. Dizem que tem um ninho delas lá. Fica muito acima de onde estamos, escalando as últimas montanhas do vale de pedra... Mas Duo. – o guerreiro se levantou olhando o humano. –Ninguém nunca voltou de lá. – anunciou

-Que vão fazer com ele? – o jovem perguntou fazendo uma careta ao sentir a dor aguda quando respirava.

-Não sei. Não se sabe muito sobre essas criaturas... Seus costumes. Parece que às vezes eles pegam algum ser para se alimentarem, mas não sei se vão fazer isso ao Heero... – o guerreio falou pensativo.

-Podem querer qualquer coisa... – Duo comentou.

-Talvez estejam querendo atrair a ametista. E se você for até lá... – Ávila talvez fosse pedir que Duo desistisse da idéia de ir atrás de Heero, mas o olhar do humano dizia que ele ia atrás do centauro onde quer que fosse. E Ávila sabia que Duo e Heero haviam despertado laços diferentes de amizade e respeitava isso. –Se você acha que vale apena arriscar sua vida por isso... – deu de ombros.

-Eu tenho certeza que vale apena. – Duo falou seguro. –Mostre-me onde encontro essas criatura. – ele pediu.

-Vou com você... – falou sorrindo. Voltando para as rochas pôs Trowa nas costas. –Vamos? – sorriu confiante para Duo.

Assim saíram. O humano estava ferido, mas ia atrás de Heero. Pelo que ele falou, pelo que ele lhe mostrara tinha que ir atrás dele. Pelo amor que sentiu naqueles olhos.

Ávila com Trowa nas costas apenas observou Duo. Tinha que admirar aquela atitude. Talvez se tivesse tido certeza do que sentia por Natal, estivessem juntos numa hora dessas. Por isso ia fazer o que pudesse para ajudar Duo a encontrar Heero.

Duo seguia trôpego com as mãos sobre as costelas. Havia tanta dor ali, mas Heero era mais importante. Afinal o centauro estava ferido e desmaiado nas garras daquela criatura. O humano sabia que Yui era forte demais, porem sentia uma vontade de protegê-lo, de cuidar dele. Tinha que fazer alguma coisa, embora ainda não soubesse o que faria quando chegasse lá no ninho.

Era apenas estranho que a pedra não tivesse reagido ao toque de Duo. O que isso significava? Eles não sabiam ainda. Seguiram na subida até os picos antigos onde o perigo os esperava.


O amor enaltesse as pessoas de uma forma mágica. Duo aprendeu issohoje.
Pena que tantas pessoas vivam um avida interira e nunca saibam dessa propriedade do amor.

Agradecendo a todos os comentários... Eu relmente estou feliz com as palavras de todos. Muito obrigada com coração.

Vamos levar nosso Yaoi para o mundo!

Hina