Chegando ao Fundo do Poço
A sorte estava desde o início ao seu lado, mas era difícil enxergá-la. Ele preferia pensar que a vida estava contra seus sentimentos e se martirizar, suspirando de paixão pelos cantos da casa e passando suas horas livres agarrado àquele caderno.
Afrodite era o único 'chato' que o tirava de seu mundinho fechado e o fazia se arrumar impecavelmente para sair com o francês. Perfume, uma calça que marcava suas nádegas, sapatos pretos e blusa social... Dois botões abertos.
Mas de longe, Kamus arrasava na noite com a blusa marcando os músculos definidos, três botões abertos e o cabelo impecavelmente preso em uma trança. Nem Shaka barraria a elegância a sensualidade daquele francês.
Para Milo isso era tentador, mas também ruim, pois teria concorrência de sobra na noite de Athenas.
Assim que chegaram eles se separaram, isto é, os casais foram namorar em cantos diferentes e Shaka foi dançar com um rapaz, deixando Milo e Kamus sozinhos no bar.
Dois drinques foram servidos para os amigos. Alguns pretendentes foram afastados pela conversa calorosa ao pé do ouvido que rolava entre os amigos, e que deixava o grego arrepiado.
-Eu vi... Ele estava olhando para você... – Gritou Kamus.
-Não... Era você que ele estava secando... – "Seu idiota! Eu só tenho olhos para você!" Pensava Milo.
-Eu não o quero... – Kamus riu e terminou a bebida, lambendo os lábios.
-Ahn... Mas até que ele é bonito. – Milo não deveria dizer isso, devia dar força para o francês não ficar com o cara.
-É mesmo? Fique você com ele, então...
-Eu? Ah não, ele não faz meu tipo.
A boate lotada estava deixando Milo sufocado, ele deveria dizer quem ele queria, mas isto estava simplesmente difícil.
-É por isso que não fica com ele?
-É. – Não! Era mentira... Ele não ficava porque queria Kamus.
-Achei que houvesse alguém por trás...
-Como assim?
-Alguém que você quisesse. – O francês repetiu.
-Eu? Não... O que te faz pensar isso?
Estúpido. Por que agia dessa forma quando era simplesmente mais fácil agarrar ele e arriscar a sorte? Kamus se afastaria ainda mais se não conseguisse falar o que sentia.
-Bom, eu vou ao banheiro e já volto.
Milo concordou com a cabeça e viu o ruivo se afastar na multidão de gente. O rapaz que estivera o secando fora atrás dele, deixando Milo curioso e enciumado, mas ele permaneceu grudado ao bar.
-E aí, Milo? Cadê o Kamus? – Shaka estava de volta, abraçado com aquele outro rapaz.
-Ele foi ao banheiro...
-Se eu fosse você ia atrás, não deixe esse francês solto aqui dentro.
O grego ergueu uma sobrancelha, fixando o olhar nas luzes que giravam no teto. Shaka estava certo, não devia deixar Kamus sozinho ali dentro, mas não tinha o direito de impedi-lo de nada.
Assim sendo o escorpiano seguiu o caminho de Kamus e passando por entre a multidão, procurou a porta do banheiro, mas seu amigo não se encontrava lá dentro.
"Ele deve ter se perdido." Pensou. Mas foi só virar o rosto e notou os cabelos ruivos do aquariano nas mãos daquele rapaz que estivera o secando pouco tempo antes.
O francês o beijava, mas não o abraçava, parecia agir mecanicamente. Mesmo assim Milo ficou horrorizado com a cena que se desenrolava e correu de volta ao bar, onde Afrodite e Máscara da Morte conversavam com Shaka e seu acompanhante.
O escorpiano tinha lágrimas nos olhos, mas engoliu o choro e pegou as chaves do carro com Afrodite, murmurando uma desculpa qualquer.
Ficar sem Kamus era uma coisa, mas vê-lo com outro era muito diferente. Doía muito mais.
oOoOo
Às vezes quando a gente quer muito uma coisa acaba se precipitando e a afugentando. Em outras, quando queremos e damos espaço, acabamos perdendo a paixão por simplesmente não ter dado a ela seu devido valor.
Mas o que é certo nessa vida então? Devemos afugentar nossos amores ou lhes dar espaço, até que ele decida por si só se merecemos ou não sua presença?
Certamente a segunda opção não se encaixaria ao meu problema. Eu não deveria ter guardado pra mim o sentimento que me corroia. Mesmo que ele me rejeitasse no fim.
E apesar da dor eu não o odeio. Ele não fazia idéia do meu amor tempestuoso e ainda era gentil comigo... Mas a resolução do problema deveria partir de mim.
Só que agora é tarde demais... Eu o perdi para sempre.
oOoOo
Assim que Kamus se dirigiu ao banheiro teve seu braço quase arrancado por um sujeito. Ao virar-se recebeu um beijo que chegou a deixá-lo tonto.
Como Milo preferia beber, resolveu ficar com o cara, mas por pouco tempo... Ele estava desmanchando seu penteado. Então o francês voltou a bar.
Afrodite estava lá com Máscara e Shaka, mas nada de Milo. Perguntou o que tinha acontecido e o sueco lhe dissera que o amigo voltara cedo para casa, pois estava indisposto. Algo incomum a Milo, mas Kamus aceitou.
Algum tempo depois, porém, Shaka resolveu lhe chamar para uma conversa particular em algum canto menos barulhento. Kamus aceitou o convite e eles foram ao andar superior da boate.
-O que está dizendo?
-Isso mesmo, Kamus. Ele é apaixonado por você desde sempre e eu acho que ele estava abalado com alguma coisa quando saiu daqui.
-Droga... Ele deve ter me visto ficando com um cara...
-Sim... Deve ter sido isso. Olha, o Milo é assim meio...
-Tempestuoso? Eu o conheço Shaka, mas não sabia que ele estava apaixonado.
-E o que vai fazer com isso?
-Não sei.
As palavras do francês foram acompanhadas por um sorriso melancólico. Ele se despediu de Shaka e saiu da boate. Havia muito que pensar e conversar com Milo.
oOoOo
A casa estava toda apagada, apenas uma fraca luz permanecia iluminando o corredor dos quartos. A porta estava entreaberta e o quarto silencioso.
A cama bagunçada indicava que o rapaz deitado dormia profundamente, sonhando em algum lugar distante. Os cachos loiros cobriam o travesseiro, espalhando-se em cascatas douradas que refletiam a luz fraca do abajur.
Milo estava só de cueca, parecia tranqüilo em seu sono, apesar de estar segurando firmemente um caderno com capa de couro. Algumas folhas, porém, estavam espalhadas na cama, como se tivessem sido arrancadas.
Kamus se aproximou vagarosamente, pretendendo não despertar o amigo. Recolheu as folhas e apagou as luzes, saindo do quarto em direção à sala.
Não gostava do que iria fazer, mas precisava entender o que se passava na cabeça daquele escorpiano antes de dar o próximo passo.
Então o francês sentou-se no sofá da sala, acendeu um abajur e retirou os sapatos. As páginas em seu colo estavam manchadas de lágrimas e melancolia, algo tão incomum a Milo.
Ele começou a ler. Havia memórias desde o dia em que chegara, até aquela noite, em que Milo havia chorado tanto, que molhara cada palavra com sua tristeza.
O francês segurava o peito como se o coração fosse pular para fora de tão agitado. Ele agora entendia porque Milo estava tão distante, tentando evitá-lo.
Depois de terminar a leitura ele achou uma folha velha e amassada com uma caligrafia mais infantil e errante, junto das folhas do diário. Naquela página ele viu uma letra de música, algo que lembrava seus tempos de infância. Algo que o fizera sorrir.
oOoOo
Milo acordou com uma dor de cabeça fenomenal. Seus olhos ardiam e seu corpo parecia pesar uns cem quilos. Mas o que mais doía era o seu coração.
Naquele dia faria exatos cinco anos que Kamus partira para a França e ele vivenciara seus piores meses. Mas dessa vez estava se sentindo muito pior.
E por algum motivo, que nem Zeus sabia, Afrodite, Shaka e Shura sorriam de orelha a orelha.
Era o dia do show, eles deviam estar empolgados, mas ficar assobiando pela casa já era ridículo. "Vou chamar o manicômio." Pensou Milo enquanto sentava-se na mesa da cozinha.
O dia estava irritantemente bonito, ou melhor, a tarde estava. Aqueles dorminhocos passaram do meio-dia, já que haviam chegado tarde em casa depois da noitada.
Mas para Milo, a vida não fazia mais sentido... Estava totalmente arruinado sem o francês. Deveria acabar com aquela piada antes da noite cair.
-Mi, melhore o seu humor. – Afrodite o sacudiu, tentando animá-lo nem que fosse um pouco.
-Não estou com vontade.
-Ah, mas que isso! Achei que você fosse acordar feliz. – Achou errado. O sueco não fazia idéia da noite que passara.
-Depois de ontem?
-Ué... Estranho. – Milo ergueu uma sobrancelha, encarando Afrodite e Shaka que estavam realmente estranhos. – O Kamus passou a noite aqui, achamos que vocês tinham feito as pazes.
-Pazes! Que pazes, Shaka! Do que você ta sabendo?
-Calma, Milo! Eu sei que você viu Kamus com outro ontem, mas ele não queria ficar com o cara... Além do mais ele veio correndo pra cá depois que eu disse que você estava esquisito.
-Isso mesmo, Mi. Aparentemente ele ficou muito tempo aqui, quando chegamos pela madrugada ele estava dormindo na poltrona do seu quarto.
Milo olhou de Shaka para Afrodite e teve a impressão que sua cabeça doía ainda mais agora. O mundo estava girando...
-Ele...
-Ele foi embora quando chegamos, estava com uma cara péssima, mas disse que nos encontraria no show.
-Hum. – Milo soltou um gemido contrariado e levantou-se da mesa.
-Milo, você vai a esse show nem que a gente tenha que te levar amarrado. – Disse Afrodite, repentinamente sério.
O grego concordou com a cabeça e dirigiu-se ao seu quarto, encontrando as folhas de seu caderno jogadas na poltrona. Não se lembrava de tê-las deixado ali, mas lembrava-se de tê-las arrancado durante o ataque de raiva.
Cada uma manchada com suas lágrimas. Mas o que diabos elas faziam naquele lugar?
oOoOo
Droga... A noite está chegando e eu aqui me torturando psicologicamente, porque com certeza terei que encontrar Kamus.
Agora me sinto mal por ter arrancado as páginas do diário. Eram minhas memórias, podem não ter terminado bem, mas ainda eram meus pensamentos e reflexões.
De qualquer forma vou colar tudo de volta no lugar e um dia, quem sabe, eu deixe alguém ler...
Agora eu só queria sumir. Não precisava ser para sempre. Queria apenas chorar e esquecer que eu amo aquele francês idiota.
Não quero mais essa tatuagem, ela me faz lembrar dele. Seu perfume ainda está em mim, desde a noite passada e eu quero que ele saia! Não quero me lembrar de Kamus, nem ver o seu rosto.
Mas não vai ser possível. Meus amigos gostam dele e eu acho que ele não vai entender que eu simplesmente não queira vê-lo nunca mais. Isso não é algo normal entre amigos.
Dói muito. Sinto meu coração se apertar e meu estômago revirar de ansiedade e dor. Eu só queria ficar com ele... É pedir demais?
Queria... Mas não posso ter.
Antigamente ele riria da minha cara, mas e agora? Qual seria a reação de Kamus se eu chegasse para ele e lhe dissesse que há alguns anos estou apaixonado?
Eu até gostaria de saber. O máximo que poderia me acontecer é eu levar um tapa ou ele nunca mais falar comigo... Ou as duas coisas.
Agora não importa mais. Eu deveria largar esse maldito caderno, tomar um banho para melhor minha cara amassada e curtir o show dos meus amigos.
Shaka ficaria louco se eu os atrasasse. Por isso eu paro por aqui. Não sei no que essa maldita noite vai dar e sinceramente... Gostaria de não fazer parte dela.
oOoOo
N/A: Primeiramente minhas sinceras desculpas. Eu estou tendo um período de 'cão' na faculdade e não estou tendo folga. Hoje me bateu saudade desse casal gostoso e eu vim postar. Espero que não tenha ninguém fazendo macumba pra mim! XD
Mas sério, gente! Valeu por acompanharem a fic, apesar de ter demorado a sair. Eu entrarei de férias em duas semanas e vocês terão o capítulo 5 mais cedo do que imaginam.
Uns comentários rápidos:
Kamus não tem tatoo, infelizmente, mas tem muitos pircings! A cena deles se 'pegando' está próxima, não desanimem!
As reviews serão respondidas por e-mail, graças à chatice do nosso querido site!
Bjus a todas vocês!
