Arrumou o, sobretudo nas costas novamente, olhou para todos os lados. O terraço estava em ordem, à adega com todos os vinhos em ótimas condições, o bar e o restaurante estavam limpos e bem organizados. Suspirou aliviado.
Estava encaminhando-se para fora da Toca do Baco quando a voz ofegante do irmão chamou-lhe a atenção vinda do dec.
-Onde pensa que vai Apolo? –Dionísio perguntou, correndo em direção ao irmão, como que para impedi-lo.
-Embora; Apolo respondeu, como a coisa mais normal do mundo. –Não era esse o trato? Eu só ficaria até você voltar. Então, você está aqui e eu vou indo; ele falou gesticulando casualmente.
-Não mesmo; Dionísio falou, indo até ele e o arrastando até o bar.
-Dionísio o que esta tramando? –Apolo perguntou rolando os olhos, para o irmão agir daquela forma ou é porque havia feito algo muito errado e precisava de alguém para lhe ajudar a concertar ou ele queria saber de algo que misteriosamente chegara a seus ouvidos e queria saber se era verdade.
-Não posso simplesmente convidar meu querido irmãozinho para uma bebida? –o Deus do Vinho perguntou com um sorriso infantil, destacando o brilho intenso dos orbes.
-Não é por nada, mas essa não colou; Apolo respondeu balançando a cabeça.
-Bem...; Dionísio começou com um sorriso sem graça, passando a mão nervosamente pelos cabelos vermelhos. –Queria lhe perguntar algo;
-Sabia;
-É sério, preciso saber de uma coisa; ele insistiu.
-Vamos logo, pergunte, sei que não vai me deixar sair daqui enquanto não souber o que quer; Apolo falou, dando-se por vencido.
-Quero que me conte a historia que contou a Dama 9; ele pediu, com os olhos iguais ao de uma criança em frente a uma loja de doce.
-Então é isso; Apolo falou, entendo o que ele queria realmente. –Sinto muito, mas não posso;
-Porque? –Dionísio perguntou decepcionado.
-Porque não é algo que diz respeito a mim; Apolo falou seriamente. –Da mesma forma que não saio por ai falando de você e Ariadne, não vou te contar sobre aquilo; ele falou de forma paciente.
-Mas...; Dionísio falou, batendo a pontinha dos dedos umas nas outras. –Por favor, posso apostar que daria uma crônica interessante, vai Apolo, me conta; ele pediu suplicante.
-Pelos deuses; ele falou passando a mão nas melenas azuladas. Ainda se perguntava como ele soubera sobre aquela historia que andara conversando com a produtora das crônicas.
Nesse momento o pequeno sininho que estava pendurado na porta de entrada emitiu um baixo barulho. Os dois voltaram-se em direção a porta quando uma garota de mais ou menos um e oitenta e seis de altura, dezoito anos, cabelos cacheados e castanhos entrou. Vestia-se comumente, calça e camisa preta, nos pés um par de botas e um, sobretudo de mesma cor nas costas.
-Acho que cheguei numa hora boa;
-Jéssy? –os dois falaram engolindo em seco.
-It´s my; a autora falou com um largo sorriso, por pegá-los de surpresa, aparecendo do nada na Toca do Baco.
-Ahn! Algum problema? –Dionísio perguntou hesitante.
-Não, vim apenas fazer uma visitinha. Como estou de férias, resolvi vir dar uma voltinha por aqui;
-Bem, me desculpe, mas eu já estava de saída; Apolo falou com um sorriso nervoso, levando-se.
-Mas...; Dionísio foi rapidamente cortado.
-Não se preocupe Apolo, você já pode contar; Jéssy falou, impedindo que ele fosse embora.
-O que? –o Deus do Sol perguntou curiosamente.
-Andei conversando com ele, e bem, temos autorização para contar essa crônica; ela respondeu.
-Hei! Quando vocês vão me contar aquilo? –Dionísio perguntou impaciente, por ser o único a não saber sobre aquilo.
-Jéssy, ele deixou mesmo? –Apolo perguntou cauteloso.
-Fique a vontade; ela respondeu calmamente. –Ahn! Dionísio espero que não se importe de usarmos a Toca do Baco para essa crônica especial;
-De maneira alguma; ele respondeu prontamente.
-É sério, se quiser, podemos ir pra Balada das Musas; a autora falou, apontando para a porta de forma casual.
-NÃO; Dionísio quase gritou. –Quero dizer, não se incomode, lá fora ta muito frio pra você arriscar pegar outra gripe, então, fique a vontade, irmãozinho desce lá na adega e pega vinho pra gente; ele falou praticamente empurrando Apolo para a adega e voltando rapidamente.
Sem outra alternativa o Deus do Sol desceu até lá procurar o vinho adequado para tomarem enquanto conversavam, seria uma noite longa, onde lembrariam sobre coisas das quais, muitos desconheciam.
-Dama 9, me conta vai; Dionísio perguntou olhando para a entrada da adega, esperando Apolo voltar a qualquer momento.
-Dionísio; Jéssy falou em tom de aviso. –Você não perguntou para o Apolo? Deixe que ele conte; ela respondeu calmamente. –Você sabe que todos os leitores te adoram, não precisa ficar inseguro com a presença dele aqui, de uma chance a
Apolo;
-Mas...;
-Uhn! Tem um tinto suave ótimo aqui; Apolo falou com um largo sorriso, aparecendo com uma garrafa de Lambrusco.
-Ótimo, vamos sentar que temos muito ainda o que falar; Jéssy falou, voltando-se para o salão e encontrando uma mesa com cinco lugares. –Acho que ali vai dar;
-Mas estamos só em três; Apolo falou confuso, vendo que Dionísio já estava atrás do balcão do bar colocando sobre uma badeja de prata cinco taças de vinho.
Novamente o sininho da porta soou, uma jovem de cabelos castanho escuro e orbes de mesma cor entrou acompanhada de uma outra também de cabelos castanhos que caiam até a cintura de orbes acinzentados.
-Finalmente, pensei que não viessem mais; Jéssy falou tomando seu lugar na mesa.
-Desculpe a demora, tive um pequeno contra-tempo ao sair de casa; Margarida se justificou com um sorriso sem graça, lembrando-se de um visitante inesperado que chegara a sua casa, pegando-a de surpresa, e enfim, sendo a causa de seu atraso.
-Eu estava na porta de casa quando meu irmão ligou, por isso acabei demorando; Silvana falou, mas notou que o jovem de melenas azuladas olhava para as três curiosamente. –Ele ta passando bem? –ela perguntou, voltando-se para as outras duas ficwriters.
-Ahn! Acho que esqueci de avisar que vocês viriam; a autora falou com um sorriso sem graça. –Apolo, esqueci de apresentar, Silvana autora de 'Desejos' e a Margarida autora de 'Inocência'.
-Margarida, há quanto tempo? –Dionísio perguntou, aproximando-se com as taças de vinho, enquanto a ficha de Apolo ainda não tinha caído.
-Como vai Dionísio? –ela perguntou sorrindo.
-...; Ele assentiu. –Apolo, você ta bem? –Dionísio perguntou com a sobrancelha arqueada.
-Ahn! Estou; ele respondeu, balançando a cabeça de forma imperceptível. – "Nota mental, perguntar pra Dama 9 depois como elas conseguiram chegar tão rápido a Grécia"; ele pensou, enquanto pegava o saca-rolha para abrir o vinho. Lembrando-se que falara com a autora pela manhã e ela ainda estava no Brasil, saindo de casa para ir ao curso de inglês.
-Bem, acho que podemos começar, não? –Silvana perguntou ansiosa, muito curiosa para saber qual seria a historia da noite.
-Se todos concordarem? –Apolo perguntou, entregando a Dionísio a garrafa para que ele os servisse.
-Por mim, de qualquer forma a noite é uma criança; Margarida falou empolgada.
-E nós também; Jéssy completou com um largo sorriso.
As taças ergueram-se na altura dos olhos, um breve tilintar do cristal.
-Um brinde as coisas boas da vida e aos prazeres que a elas acompanham; todos repetiram. Afinal, não poderia esquecer-se da velha tradição, o primeiro brinde era sempre de Dionísio e o segundo de Afrodite.
-Vamos começar; Apolo falou, retirando o, sobretudo e colocando nas costas da cadeira. –Crônicas de Amor e Confusão chegam finalmente em sua sexta edição, com um especial inédito, espero que estejam preparados, pois vou lhes contar uma parte da historia que nem mortais ou até mesmo algumas divindades chegaram a conhecer esse episódio na vida de duas pessoas cujo destino por vezes foi irônico, causando encontros turbulentos entre eles.
-E como se chama essa crônica? –Margarida perguntou curiosa.
-Deus ou Cavaleiro; Apolo respondeu. –Se passa numa época que Saga ainda sofria de dupla personalidade influenciada pelo cosmo de Ares, que começava a dar sinais de que se manifestaria nessa Era, com suas ambições e desejos de dominar o mundo.
-Isso foi antes da batalha no santuário, não é? –Silvana perguntou.
-...; Apolo assentiu. –Foi, alguns anos antes da batalha contra Cronos;
O silencio era total na Toca do Baco, as três ficwriters esperavam pacientes que ele começasse a contar. Até mesmo Dionísio sentara-se de maneira confortável para ouvir, esquecendo momentaneamente a rivalidade com o irmão, que agora era o único que poderia lhe contar aquela parte da historia que desconhecia.
Crônicas de Amor e Confusão VII: Especial.
Deus ou Cavaleiro.
I – Ares X Saga.
Retirou a longa túnica branca, deixando-a cair pelo corpo até os pés. Despindo-se completamente. Os longos cabelos azuis caíram pelas costas como uma cascata volumosa de fios. A pele era tão clara quanto seda.
Embora a Grécia fosse quente o ano todo, foram poucos os anos que ficara exposto ao sol escaldante. O que dava a si um ar mais jovem e a face serena, pouco castigada pelo tempo, ainda mantinha a imagem inocente da época em que era um verdadeiro cavaleiro.
Caminhou com calma, os pés descalços tocavam o chão de mármore, até descerem por três degraus tocando a superfície da água. Continuou andando, até ver-se no meio daquela piscina de banho onde um banco de mármore estava, próximo a um pilar.
Sentou-se, ficando com água, batendo até sua cintura.
Deixou a cabeça recostar-se sobre o pilar de mármore atrás de si. Às vezes pensava que ali era o único lugar que poderia ficar em paz sem que ele lhe atormentasse.
-Deveria saber que não pode se livrar facilmente de mim, garoto; uma voz ecoou por toda a sala de banho, porém Saga sabia que aquela voz vinha apenas de sua mente.
-Me deixe em paz; o cavaleiro mandou.
-Não ainda criança; a voz de Ares soou debochada. –Temos um mesmo propósito a cumprir, é melhor que se acostume logo e não nos cause problemas; ele falou irritado.
-Propósito, acha que matar Athena vai lhe conferir algum poder sobre essa terra? –o geminiano perguntou ferino.
-Mortal atrevido; a intensidade da voz soou mais forte na mente de Saga, que fê-lo colocar as mãos sobre a cabeça, emitindo um gemido de dor.
-Cale-se; Saga mandou.
Já era tarde, os cabelos Royal tornaram-se prateados, os orbes verdes tão gentis passaram a um carmesim carregado de malicia.
-Deveria aprender a não me desafiar criança tola e inconseqüente; ele falou tão seguro de si.
Recostou-se novamente com a cabeça sob o pilar, fechando os olhos, seu cosmo acendeu-se parcialmente, nada que chamasse a atenção, era apenas para impedir que o cavaleiro voltasse a lhe atormentar. Mantendo sua consciência num sono profundo, onde não teria poder para manifestar-se novamente até que fosse sua vontade isso.
De olhos fechados Ares não viu a tênue nevoa que se formou em cima da superfície da água, mas sentiu uma delicada mão acariciar-lhe a face com carinhos.
O doce cheiro de orvalho da manhã chegou a suas narinas, sentiu o corpo todo entorpecido, como se fosse arrastado para um sono profundo.
-Deixe essa pobre criança em paz Ares; uma melodiosa voz chegou a seus ouvidos como um sussurro.
-O que?-ele perguntou sonolento, sentindo-se cada vez mais entorpecido por aquela doce essência, que embora sua mente quisesse tê-la esquecido sabia ser impossível.
-As guerras nunca nos levam a lugar algum, deixe-o em paz e volte para a casa; a voz continuou, como se tentasse convencê-lo.
-Não; ele respondeu, dando-se conta do que estava acontecendo, abriu rapidamente os olhos.
Os orbes carmesins brilharam mais intensos, não encontrou ninguém à sua frente. Muito menos sentiu a presença de mais alguém ali. O que fê-lo soltar um suspiro frustrado.
-Aurora; Ares falou num sussurro. –Poderia jurar que era você;
-Quem? –Saga perguntou, manifestando-se em sua mente.
-Pensei que houvesse te posto pra dormir; Ares falou irritado, não queria o cavaleiro invadindo sua mente, enquanto suas memórias mais recentes estavam em aberto e que ele facilmente poderia vê-las.
-HÁ! HÁ! HÁ! Agora sou eu que tenho de lembrá-lo que você não vai se livrar de mim tão facilmente; Saga falou, debochado.
-Ainda acabo com você; Ares falou num rosnado.
-Fique a vontade, ao contrario de você não tenho nada a perder; ele provocou.
- "Maldito"; Ares pensou irritado.
-Eu ouvi isso; Saga provocou, em meio a uma risada.
Ares serrou os punhos nervosamente, o cavaleiro estava certo, era ele a precisar de um corpo mortal para conter seu cosmo, não Saga, que pelos mortais era considerado quase um Deus, devido sua bondade e compaixão pelos pouco afortunados. Ainda se perguntava porque o escolhera, quando se lembrou que os fatores que influenciaram sua decisão foram bem mais do que ele nascer sob o signo de Gêmeos e ser um Santo Guerreiro.
-Então, quem é ela? –o geminiano perguntou curioso.
-Aurora; Ares resolveu por fim responder, não faria diferença ou não lhe contar aquilo, já acontecera mesmo e não poderia mudar.
-...; Intimamente Saga assentiu, esperando-o continuar.
-Aurora é o raio de sol capaz de aquecer o mais gelado dos corações, é o doce orvalho da manhã que se deita sobre os vales, tão belos quanto Afrodite, mas me arrisco a dizer que é bem mais; ele falou com o olhar perdido.
-Aurora, não é-...;
-Sim; Ares o cortou. –A deusa do Alvorecer;
Um silêncio instaurou-se na sala de banho, por mais que quisesse evitar, algumas lembranças surgiram novamente em sua mente, fazendo com que até mesmo o cavaleiro pudesse vê-las como se as vivenciasse junto à divindade.
II – Aurora e Ares.
Sentou-se preguiçosamente na grama fofa do chão, observou com o olhar perdido a superfície de águas claras. No céu a lua brilhava intensa, refletindo-se no lago e por conseqüência iluminando-lhe com um brilho prateado.
Os orbes rosados tinham um brilho triste, os longos cabelos dourados caiam sobre suas costas numa cascata volumosa de fios. A pele tão clara quanto o amanhecer em um dia de inverno.
- "Logo as guerras vão começar"; ela pensou, abaixando os olhos para a beira do lago, pegando uma pequena pedrinha e lançando-a na superfície, fazendo com que seu reflexo ficasse disforme. –"Como eu queria que dessa vez Harmonia estivesse errada"; ela pensou.
Em meio a sobras que guardavam aquela entrada do bosque, uma imagem surgiu. Porte imponente, ar frio. Aproximou-se ficando oculto, temendo intimamente aproximar-se e destruir aquela imagem divina na beira do lago, que certamente nem o melhor dos artistas conseguira reproduzi-la fielmente.
-Saia daí Ares, eu posso sentir sua presença; Aurora falou com a voz séria.
O Deus da Guerra dificilmente hesitava, porém ao ouvir o tom sério da voz da jovem estremeceu. Estava tão habituado a ouvir a melodiosa de Aurora, que sempre fora doce e carismática, que se surpreendera ao ouvi-la assim.
Ele aproximou-se, ficando ainda em pé ao lado dela.
Aurora ficou observando aos poucos a água parar de movimentar-se e voltar a refletir a imagem de ambos.
Os cabelos negros de Ares, que caiam até os ombros esvoaçaram com o vento, embora tentasse se manter impassível, os orbes dourados lhe traia para o que sentia.
-O que quer aqui? –Aurora perguntou, tentando manter-se indiferente.
-Vim me despedir; ele falou, fitando-lhe pelo reflexo da água.
-Então, adeus; ela falou de forma fria, levantando-se do chão e dando-lhe as costas.
-Aurora; Ares falou exasperado, segurando-lhe pelo pulso, impedindo-a de se afastar;
-...; A jovem ficou em silencio, evitando lhe encarar.
A muito já haviam discutido sobre aquilo, o que a fizera reafirmar que não concordava com os planos de Ares sobre reencarnar como mortal como uma das personalidades de um cavaleiro de Athena.
Sabia que ele faria de tudo para começar uma nova guerra contra Athena e seus cavaleiros. Suas pretensões eram deveras ousadas, escolhendo por fim reencarnar em um santo guerreiro, que as próprias Deusas do Destino já haviam avisado que ele seria um possível candidato a ser o Grande Mestre. Cavaleiro escolhido por Athena para estar acima das oitenta e oito estrelas guardiãs.
-Fica comigo; ele pediu, deixando a mascara de indiferença de lado.
-O que? –Aurora perguntou confusa, voltando-se para ele.
-Venha comigo, juntos vamos governar o mundo dos mortais, temos o poder para acabar essas tragédias, esteja ao meu lado e reine comigo entre esses seres inferiores; ele pediu, num ultimo fio, querendo convencê-la a seguir consigo.
-Harmonia deveria envergonhar-se do pai que tem; ela falou ferina, puxando o braço e afastando-se dele. –Porque eu tenho de você;
-Aurora; o nome da jovem soou como um sussurro levado por Zéfiro entre as arvores. Logo a manhã chegaria e a lua aos poucos ia perdendo-se no céu.
-Eu esperava que depois de um tempo você viesse a entender que a Era dos deuses acabou, esse mundo agora pertence aos mortais, não importa quantas vezes você reencarne, ou em quem quer que seja, você sempre vai perder para Athena; Aurora falou confiante.
-Nunca; Ares falou alterando o tom de voz. –Aqueles cavaleiros não são capazes de enfrentar um ser superior como eu;
-Tão superior que nem mesmo o mais baixo dos mortais compara-se a você em petulância; ela rebateu, estava magoada, não conseguiria convencê-lo a mudar de idéia, apenas queria que ele partisse, se era para encerrarem aquela historia que fosse sem magoas, porém ele parecia querer fazer diferente.
-Dessa vez vai ser diferente, por isso quero você a meu lado; ele falou tentando aproximar-se, mas ela se afastou.
-Não vai Ares, você sabe que não; Aurora falou, voltando-se para ele triste. –Por isso estou lhe dizendo adeus;
-Mas...;
-Espero que se um dia possamos voltar a nos encontrar em uma Era de paz e possamos ser amigos; ela continuou, ignorando o olhar chocado dele. –Mas se isso acontecer antes, serei obrigada a matá-lo;
-Não se pode matar um deus; Ares argumentou, tentando entender o que ela queria dizer com encontrarem-se como amigos.
-Posso, quando ele se transformar em mortal; ela rebateu, um brilho esverdeado passou pelos orbes da jovem.
-...; Ares abriu a boca para fechá-la em seguida. Contra aquilo não havia argumentos.
-Amo demais essa Terra para permitir que você a destrua. Não vou permitir que isso aconteça, por isso lhe digo adeus, pois a partir de agora não estaremos mais do mesmo lado e se nos encontrarmos em meio às guerras, certamente que estaremos em lados opostos; ela falou, lançando-lhe um último olhar e se afastando.
-E eu a você; ele falou num sussurro.
Aurora parou, como se mesmo ele falando tão baixo, ela tivesse sido capaz de ouvir o que ele falara. Balançou a cabeça, deixando que uma lagrima solitária rolasse de seus olhos, passou a mão nervosamente pela face limpando-a e tornou a caminhar, afastando-se em seguida.
-Uma vez amei demais uma pessoa Ares, essa foi a minha perdição, por isso agora, prometi a mim mesma que só amaria essa Terra e por ela vou lutar e proteger até o meu fim; a voz da deusa soou na mente dele, marcando para sempre suas lembranças.
Uma nevoa prateada surgiu na superfície do lago e as folhas das arvores aos poucos foram adquirindo delicadas gotas de orvalho e o sol já começara a despontar, avisando que dele a Aurora se afastava, porém para o mundo ela só estava chegando.
-Você realmente preferiu destruir o mundo a ficar ao lado dela; Saga falou, espantado. Presenciando aquela viagem ao passado como se ele mesmo estivesse ao lado da divindade quando tudo aconteceu.
-Isso não é da sua conta; Ares falou, balançando a cabeça. Não devia se deixar levar por tais pensamentos que só o enfraqueciam.
-Pelo menos em algo concordo com você; Saga falou, chamando-lhe a atenção.
-Ah é, e o que seria? –Ares perguntou debochado.
-Não conheço Afrodite, mas certamente Aurora deve ser mais bela do que ela; ele respondeu.
Ares abriu a boca para replicar, mas sabia que ele estava certo. O que um dia sentira por Afrodite, agora não se comparava em um ínfimo o que sentia por ela. Se ela lhe pedisse lhe daria o mundo, ou apenas uma estrela do céu infinito, por ela desistiria disso tudo, mas sabia que ela nunca lhe tal coisa.
Algo que detestava tanto na filha quanto em Aurora era o orgulho. Orgulho que por vezes manifestava-se em demasia. Tão perspicazes e determinadas que não admitiam serem contrariadas quando lutavam pelo que desejavam conquistar.
-Ela disse que Harmonia se envergonharia de você, quem é ela? –Saga perguntou, curioso.
-Minha filha; Ares respondeu vagamente. –Você gostaria de conhecê-la, ela é tão teimosa quanto você;
Saga ficou em silencio tentando entender o que ele queria dizer com aquilo. Lembrava-se vagamente de ter ouvido alguma menção ao nome Harmonia, como sendo filha do Deus da Guerra com Afrodite, mas nada alem.
Irritando-se com as indagações do cavaleiro, cujo pensamento lhe chegava aos ouvidos com clareza, Ares elevou seu cosmo com um pouco mais de intensidade, afastando os pensamentos do cavaleiro dos seus.
III – Adeus.
Ares levantou-se do banco de mármore que havia se sentado e caminhou pela água em direção aos pequenos degraus. A água escorria livremente por seu corpo, sem se importar com isso, ele saiu da piscina. Caminhando até um banco a dois passos de onde estava, inclinou-se para baixo para pegar a toalha de linho.
Mal ergueu a cabeça sentiu uma lamina bem fina e possivelmente afiada tocar-lhe a curva do pescoço. Fechou os olhos pedindo que não fosse aquilo que pensava estar realmente acontecendo, mas sentiu novamente aquele cheiro de orvalho, o mesmo que sentia quando se deitava na grama e assistia o amanhecer com ela.
-Deveria ter me ouvido; uma melodiosa voz soou em seus ouvidos de forma perigosa.
Ares não respondeu, o movimento que fez em seguida fora tão rápido que ela não pudera prever. Em um momento era ela o caçador, agora se via acuada pelo olhar dele.
Aurora sentiu as costas chocarem-se contra um pilar de mármore e a mão de Ares segurar-lhe pelo pescoço. Tentou se soltar, porém ele agora parecia tão mais forte do que si. Com a mão livre, Ares tocou-lhe a mão que segurava a adaga, pressionando-lhe fortemente o pulso, obrigando-a a soltá-la. Um fraco gemido escapou dos lábios da jovem ao sentir a pressão tanto em seu pescoço como em seu pulso.
Os orbes carmesim que brilhavam intensamente mudaram de cor, adquirindo a cor dourada. Os cabelos prateados transformaram-se em negros, tão negros quanto uma noite sem estrelas. Ares soltou-a e deu um passo para trás.
Ofegante, Aurora caiu de joelhos no chão, respirando com dificuldade, colocando a mão sobre o pescoço onde ele apertara há pouco.
-Não deveria ter vindo aqui Aurora; Ares falou numa leve reprimenda, nunca admitiria que sentira sua falta, mas mesmo sendo indiferente e por vezes frio, seu coração sentia-se feliz como a muito não estava, por vê-la ali, tão perto.
Afastou-se indo até o banco que deixara a toalha e sua túnica, nem um pouco incomodado com sua nudez diante da jovem.
-Se não for eu, será Harmonia, Nike ou até mesmo Athena; ela falou de forma magoada, levantando-se do chão. –Preferia que fosse eu;
-A matar-me? –Ares perguntou, mantendo-se de costas para ela. Sentia seu olhar em suas costas, era como se eles fossem capazes de tocá-lo.
Era por isso que a amava tanto, Aurora poderia parecer frágil, por vezes dócil, mas isso era apenas a mascara de uma mulher determinada a vencer e conquistar as coisas que desejava, tão diferente de Afrodite que em sua futilidade, nada fizera ao longo da eternidade para ser lembrada que não fosse por suas vinganças patéticas e sem sentido.
-...; Aurora não respondeu, ele já sabia a resposta, mas mesmo assim adorava lhe provocar ao perguntar.
-Você sabe que não pode; ele falou-lhe num sussurro atrevido ao pé do ouvido.
Aurora assustou-se, fora muito rápido, num piscar de olhos ele estava na sua frente, agora atrás de si.
-Você poderia matar qualquer um Aurora; Ares falou de forma sedutora, enlaçando-lhe pela cintura e apoiando o queixo em seu ombro. Aspirou fundo, sentindo o cheiro de orvalho invadir-lhe as narinas, a mesma essência que sentira a pouco, sabia que era ela. –Menos a mim, sabe disso; ele falou, sentindo a pele aveludada da jovem em contato com sua face.
Ela como sempre usava um leve vestido branco, com alças finas. Destacando a pele alva e aveludada, sempre a comparara ao nascer do sol em um dia de inverno; ele pensou.
-Você está errado; Aurora falou com a voz tremula, tentando se afastar, porém ele estreitou mais os braços em torno de sua cintura.
-Não e você sabe disso; ele falou confiante, virando-a de frente para si.
Era tão estranho vê-lo daquela forma, a muito esperava a oportunidade de poder acabar com aquilo de uma vez. Pensou que se o matasse antes que a reencarnação de Athena tivesse idade e seu cosmo estivesse suficientemente forte para ela mesma matá-lo, não poderia se perdoar, por isso resolvera adiantar aquele reencontro e fazer o que tinha de fazer.
Não suportaria vê-lo ser lacrado novamente por Athena, mesmo que ela estivesse certa, por mais difícil que tenha sido aquela decisão, era o mais certo a se fazer.
-Aurora. Aurora. Porque não admite que nunca conseguiria me matar; Ares falou, com um olhar enigmático, porém um meio sorriso confiante brotou em seus lábios.
-Você me subestima demais Ares; ela falou dando um paço para trás, querendo se afastar, porém encontrou um pilar como impedimento.
-Não. Não a subestimo; ele falou balançando a cabeça, numa negativa que a confundiu. –Mas sei que da mesma forma que você não conseguiria me matar, sei também que nunca conseguiria lhe esquecer; ele completou, apoiando na parede uma das mãos, próximo ao braço esquerdo da jovem, enquanto a outra, tocava-lhe a face carinhosamente.
-Ares, não; Aurora falou, num tom de suplica, retendo-lhe a mão. Não agüentava olhar para aqueles olhos dourados e saber o que deveria fazer.
-Porque? –ele perguntou num sussurro, aproximando a face da jovem, até quase seus lábios se tocarem.
A jovem virou o rosto, querendo evitar o possível contato entre eles. A mão de Ares que jazia apoiada sobre a parede, prendeu-se de forma possessiva entre as madeixas da jovem, instintivamente fazendo-a voltar-se em sua direção.
Qualquer protesto ou hesitação morreu no momento que sentiu os lábios do Deus da Guerra tocarem os seus de maneira avassaladora e apaixonante. A mão que tentava afastá-lo, foi parar apoiada sobre o ombro desnudo. Enlaçou-a pela cintura, puxando-a para mais perto de si.
Afastaram-se parcialmente, ofegando.
-Uma vez amei demais uma mulher e essa foi minha perdição; ele falou com a voz enrouquecida, com os labios perigosamente próximos aos dela. Os orbes dourados aos poucos começavam a querer voltar ao carmesim. –Mas não me importo mais de me perder nisso; ele completou.
Aurora o fitou por um momento, não esperava que ele lhe dissesse tal coisa, esperava qualquer coisa vinda dele, menos que sua missão agora houvesse se tornado um fardo muito pesado para ser levado a diante.
De maneira suave, as mãos o geminiano apoiaram-se no ombro da jovem, não encontrando resistência por parte dela.
-Fica comigo; ele pediu, erguendo-lhe a face delicadamente pela ponta dos dedos.
A jovem fechou os olhos, negando-se a continuar a lutar contra aquilo. Sentiu as alças do fino vestido que usava serem afastadas e caírem levemente por seu corpo até atingirem ao chão.
Sentiu os lábios serem tocados pelos dele novamente, porém de forma mais lenta, sem pressa. Sabiam que aquela era uma despedida, o verdadeiro adeus que sempre temeram que chegasse, por isso queriam aproveitar a presença um do outro o Maximo que pudessem.
Envolveu-lhe o pescoço com os braços, puxando-o para mais perto de si. O ar em volta de ambos parecia ficar rarefeito. E uma nevoa prateada parecia erguer-se em meio à superfície de água. Com passos hesitantes, eles foram caminhando, descendo os degraus, até verem-se em meio à água.
Os beijos tornaram-se mais intensos e possessivos. Os corpos colados pareciam se incendiar. As mãos do geminiano corriam pelas costas esguias deixando um rastro de braças. Agora queriam simplesmente obliterar de suas mentes tudo aquilo que até agora só os separavam.
-o-o-o-o-
Ares abriu os olhos rapidamente, levantando-se da água. Respirava com dificuldade, olhou para todos os lados não encontrando ninguém ou até mesmo um cosmo que pudesse lhe indicar alguma presença, mas não havia nada.
Olhou para as próprias mãos, a pele macia jazia levemente enrugada devido ao tempo em que ficara com elas mergulhadas em baixo da água. Correu os orbes carmesim por toda a sala de banho, a sua frente à pequena escada de mármore e o banco onde deixara a túnica branca e uma toalha de linho. Passou as mãos pelos cabelos nervosamente, notando que eles haviam voltado ao prateado.
-Aurora; ele sussurrou, deixando o nome perder-se em meio a leve brisa que invadia o local. Fechou os olhos, serrando os punhos e suspirando pesadamente. –Adeus; Ares falou, saindo da água e caminhando ate o banco. Rapidamente vestiu a túnica branca, tentando obliterar de sua mente aquele último encontro, sabia que as coisas seriam bem diferentes dali pra frente, mas já havia escolhido seu caminho.
Um caminho tão incerto quanto o próprio destino tecido pelas Moiras;
-o-o-o-o-
Saiu de cabeça baixa do décimo terceiro templo, nenhum mortal era capaz de ver-lhe, porém, mesmo que pudessem conseguiriam ver o quanto seu olhar transmitia dor.
O dia começava a amanhecer com um céu acinzentado e triste. Tão triste quanto a si mesma, responsável por aquele fenômeno da natureza.
-Eu lhe disse para não insistir nisso Aurora; uma jovem de longas asas brancas falou, mantendo-se sentada no alpendre do terraço. Pernas cruzadas e as mãos delicadamente pousadas no colo.
-Eu sei; Aurora respondeu, caminhando até ela. –Mas tinha esperança ainda de ser capaz de evitar isso;
-Deixe que ele aprenda com o tempo; Harmonia falou paciente. –Há coisas que só ele pode ensinar;
-...; Aurora assentiu, deixando uma ultima lagrima cair de seus olhos. –Mais uma guerra vai começar, mas agora tenho certeza de que estamos realmente em lados opostos;
-Espero que um dia vocês possam se encontrar numa Era de paz, onde essas guerras não mais existam; a deusa do equilíbrio falou de forma enigmática.
-Mesmo que isso acontecesse, as coisas não seriam mais as mesmas; ela falou.
-Talvez;
Aurora voltou-se para a jovem intrigada, mas nada disse. Harmonia por vezes falava coisas das quais ela nunca entendia de forma imediata, mas que no fim sempre se cumpriam.
Continua...
