PARTE 4

Não podia ser verdade. Agora que finalmente sabia que Lois Lane era a mulher da sua vida, Clark descobria que era tarde demais.

"Por quê?" indagava ele a si mesmo, olhando para a superfície da mesa na qual estava sentado no Talon, enquanto sua mãe, preocupada, observava-o de longe, atendendo a clientes.

Clark não podia conceber. A vida era injusta demais com ele. Por vários anos acreditou que o grande amor da sua vida era a garota do outro lado da rua, e sempre sofreu a dor de ter que saber lidar com seus sentimentos e o medo de enfrentar uma vida normal. Agora que sabia que Lois Lane era a mulher que supriria seus anseios por um relacionamento verdadeiro, porque ao lado dela era feliz, embora não o soubesse antes, já não podia mais ter o seu coração. E aquela era uma dor inefável. Uma dor maior do que qualquer outra que já experimentou, mesmo nas poucas vezes em que ficou desprovido de seus poderes.

"Você está bem, querido?" perguntou Martha, aproximando-se, quando o movimento no balcão havia diminuído.

Clark levantou os olhos para encará-la, com muito pesar, e sem nada dizer.

Preocupada, ela se sentou à sua frente, e colocou sua mão sobre a dele.

"É sobre Lois?" indagou, ainda pensando na conversa que tiveram naquela manhã.

"Descobri porque ela está em Metropolis" disse ele, que até há poucos instantes ouvira de sua mãe que Lois fora a Metrópolis para resolver uns assuntos de família.

Confusa, Martha inclinou a cabeça.

"Como assim? Ela me disse que precisava de uns dias de folga para resolver umas coisas, mas--"

"Ela está saindo com alguém" interrompeu Clark.

Martha apenas lhe lançou um olhar triste e solidário, e na sua tentativa de mãe zelosa e otimista, tentou reanimá-lo.

"Talvez seja apenas um amigo"

Clark balançou a cabeça negativamente, lembrando da cena em frente a cafeteria em Metropolis, e sua mãe viu seus olhos brilharem novamente, como naquela manhã quando ele lhe revelara seu sonho com Lois.

Martha suspirou. Conhecia-o melhor do que ninguém. Sabia que ele sofria. E sofria por amor, como jamais o viu sofrer antes. E lamentou.

"Você devia falar com ela" disse, finalmente. "Se está tão certo que ela sentiu o mesmo que sente por ela naquele dia, e algo assim simplesmente não desaparece de uma hora para outra, devia falar com ela"

Mas Clark não via esperança.

"Já se passaram vários meses" disse Clark. "Muita coisa aconteceu. E é bem provável que ela tenha esquecido"

"Não, Clark. Uma coisa tão bonita assim não se esquece. Além do mais--"

"Sra. Kent!" chamou a garçonete no balcão, que estava novamente tumultuado.

Martha se virou para vê-la, e depois de voltou para ele.

"Fale com ela, filho" insistiu, antes que ele apenas sorrisse mais um sorriso amargo, e balançasse a cabeça positivamente, apenas na tentativa de demonstrar que tudo ficaria bem. Ela então sorriu em retorno, levantou-se e o beijou carinhosamente na face, como fazia quando ele ainda era uma criança.

"Vai dar tudo certo" disse com um pequeno e singelo sorriso, e depois se afastou.

Vai dar tudo certo. A frase ecoava na cabeça de Clark. Como tudo daria certo, se ele já não podia mais estar com a mulher amada?

Enquanto Clark observava sua mãe se afastar, percebeu uma presença que se aproximava ao seu lado. Virou-se para ver quem era, e notou que se tratava de seu professor de faculdade, Milton Fine, que carregava alguns livros e provavelmente se preparava para sentar numa das mesas dos fundos do Talon, porém, ao ver Clark, resolveu se juntar a ele:

"Kent!" exclamou, gentil.

Clark passou a mão pelas faces, na tentativa de não demonstrar que estava tristonho e abriu um sorriso, enquanto se levantava para cumprimentá-lo.

"Professor Fine!"

"Posso?" perguntou ele, convidando-se a sentar.

"Claro!" exclamou Clark, sentando-se junto com ele. "Nunca o vejo fora do campus... Nem sabia que gostava de circular pela cidade"

Fine sorria, enigmático, enquanto o observava.

"Não. Na verdade, não gosto muito. Mas resolvi dar uma volta" explicou. "Alguns alunos comentaram que aqui tem o melhor cappuccino da cidade. Resolvi então conferir"

Clark sorriu, e se levantou para ir até o balcão para fazer o pedido de Fine à garçonete que ajudava sua mãe, e também pediu uma limonada para si.

"Quem é?" perguntou Martha, ao ver que o filho estava agora acompanhado.

"Um professor da faculdade" respondeu ele, voltando à mesa.

Martha sorriu, certa de que Clark ficaria bem, mesmo que por alguns instantes, e voltou à atenção aos clientes.

"Lugar agradável" comentou Fine.

Clark concordou com um sorriso, ainda tentando se recuperar da tristeza que o abatia.

"Algum problema?" perguntou Fine, curioso, percebendo que algo se passava com o jovem Kent.

"Estou apenas preocupado com a prova da semana que vêm" mentiu.

Fine sorriu.

"Claro!" debochou.

Clark enrugou a testa, e Fine explicou:

"Não devia. Foi ótimo naquele trabalho sobre a Renascença"

Clark sorriu, mas ainda estava distante. Nisso, a garçonete trouxe o pedido de Fine, que agradeceu, polidamente.

Enquanto tomava a bebida, observava Clark, cujo olhar estava totalmente perdido.

"Muito bem" disse Fine, cruzando as mãos sobre a mesa. "Quem é essa garota que está tirando o chão sob os pés do meu melhor aluno?"

Clark encarou seu professor, confuso. Jamais imaginava que Fine desconfiasse.

"Não sei do que está falando, professor" disse, ainda perplexo, disfarçando com um sorriso forçado.

"Não seja tímido, Kent" insistiu Fine, sorrindo com o canto dos lábios. "Talvez eu possa ajudar"

De fato, ele não poderia, pensava Clark. Ninguém poderia ajudá-lo. Somente Lois. Se ela pelo menos não estivesse envolvida com outra pessoa... E Clark desejou ter forças suficientes, como naquele dia em que ficou desmemoriado, ou mesmo naquela manhã, de simplesmente ir encontrá-la, dizer tudo o que sentia, para, após, tomá-la nos braços e beijá-la. Sim, ele realmente queria isso. E talvez o faria. Talvez. Se Lois não estivesse namorando outra pessoa. Suas chances eram poucas. Valeria mesmo a pena tentar? E talvez perder sua amizade? Nunca mais vê-la? O quanto ela amava aquele sujeito que a fazia sorrir como naquela vez ele a fez no loft?

Quando Clark levantou os olhos para Fine, notou que ele o examinava com denotado interesse, como se lesse seus pensamentos. Clark não sabia, mas ele realmente os lia. Sorriu, constrangido por não tê-lo respondido a tempo, e disse:

"Eu tenho que ir--" e virou-se para chamar a garçonete para que trouxesse a conta. Nisso, sem que Clark percebesse, Fine despejou um líquido vermelho da ponta de seu dedo na bebida dele. "Tenho um trabalho a fazer" completou, virando-se novamente para o professor, e pegando o copo com limonada, tomando-a toda de uma vez, enquanto Fine o observava, sorrindo.

De repente, os olhos de Clark mudaram, e um pequeno sorriso cheio de malícia surgiu no canto de seus lábios.

"São quatro três as duas bebidas" disse a garçonete, aproximando-se da mesa.

Clark se levantou e olhou para Fine:

"O professor paga a conta" disse num tom diferente na voz, muito mais firme, e sorrindo. "Certo?"

Fine retribuiu o sorriso.

"Claro--" e quando Clark se afastou, completamente indiferente, Fine sussurrou: "--Kal-El"


Pouco depois, em Metrópolis...

Chloe e Lois saíam do Planeta Diário após o expediente. Excepcionalmente, aquela seria uma noite em que Chloe se deixava influenciar pela prima e, decididamente, não ficaria fazendo hora-extra. Ambas tinham planos de ir ao cinema e, após, beberem até cair. Pelo menos, esses eram os planos de Lois, que estava animadíssima naqueles últimos dias, enquanto Chloe apenas acreditava que após o filme, chegaria em casa e cairia na cama.

"Ainda não consigo acreditar que 'dispensou' o bonitão de Gotham essa noite" disse Chloe, enquanto atravessavam a rua.

"Ah, isso foi um problema nas nossas agendas" explicou Lois. "Marcamos de sair ontem, mas eu precisava ir ao Forte encontrar com o General, e remarcamos para hoje. Só que no começo da tarde, ele apareceu com flores e bombons no meu apartamento, todo tristonho dizendo que teria que encontrar uns investidores em Nova York"

"Nossa... Nesse nível, Lo?"

"Pois é. É o que dá namorar um mega-empresário" justificou.

"Não. Eu quis dizer que vocês se vêem praticamente todos os dias!" exclamou Chloe, surpresa. "Coisa que eu jamais imaginava da sua parte!"

Lois apenas sorriu.

"Pelo visto as coisas estão evoluindo... Aposto que ele nunca veio tanto a Metrópolis como nesses últimos meses. Quais os planos para o próximo encontro?"

"Amanhã ele vai me levar à ópera" disse Lois.

"Puxa vida!" riu Chloe, lembrando da única vez em que Lois foi a uma. "Você odeia ópera!"

"Bom, mas ele não precisa ficar sabendo, não é mesmo, priminha?" riu Lois, enganchada no braço de Chloe, quando, de repente, ambas pararam ao chegar à esquina quando o telefone celular de Chloe tocava ao fundo da sua bolsa.

"Lana?" atendeu, após ver no display quem era.

Lois a observava, com os braços cruzados.

"Hum. Que coisa!" disse Chloe, com a testa enrugada, olhando para Lois, que, curiosa, tentava entender o que era. "Bom, pode deixar. Eu chego ai em poucos minutos"

Nisso, Lois rolou os olhos, e Chloe desligou o celular.

"Lana perdeu a chave do dormitório e não tem consegue entrar" explicou.

"Por que ela simplesmente não chama um chaveiro 24 horas?" indagou Lois, perplexa.

"Que tal porque ela não encontrou nenhum?"

"Ah, qual é, Chlo!" exclamou Lois, indignada. "Ela que chame o Mister Perfeição, então!"

Chloe riu.

"Para seu conhecimento, os dois não andam lá a mil maravilhas" comentou, tirando o sorriso da face.

Lois enrugou a testa.

"É mesmo?" indagou, curiosa. "O quê houve dessa vez?"

Chloe cruzou os braços e deu de ombros.

"Não sei. Acho que talvez Clark tenha descoberto que Lana não é a mulher da vida dele, ou algo parecido" respondeu, dedutivamente, já que o amigo não lhe confidenciava tanto quanto antes, não mencionava mais a namorada e também pelo fato de que ela não via Lana falando com ele nos últimos meses.

Com o olhar perdido, Lois ficou pensativa.

"Que coisa--" comentou. "Achei que aqueles dois seriam para sempre!"

"Engraçado. Eu nunca pensei isso" comentou Chloe.

E Lois a encarou, curiosa.

"Gosto muito da Lana. Ela é uma ótima pessoa. Mas Clark Kent precisa de uma mulher mais forte, mais determinada e com muita personalidade!" explicou.

Lois suspirou, com os pensamentos perdidos, e olhou para a prima, quando então virou as palmas das mãos para Chloe, como se ela fosse essa pessoa.

"Sem chance!" protestou Chloe. "Clark precisaria de duas de mim, porque eu me conheço e sei que jamais teria força o suficiente para um relacionamento com alguém como ele!"

E como se tivesse se dado conta do que havia dito, Chloe deu as costas para a prima, caminhando pela calçada.

"Espere um pouco, Chlo!" exclamou Lois, enrugando a testa, e puxando-a pelo braço. "Que estória é essa?"

Chloe sorriu, nervosa.

"Nós não íamos sair?" indagou.

Lois sorriu, confusa. Sabia que Chloe jamais voltaria àquele assunto.

"Não tem que ir àquela droga de campus?" lembrou Lois.

"Sim. Eu quase me esqueci. Vou até lá, abro o dormitório para Lana, e aproveito para trocar de sapatos. Porque esses estão me matando!"

"Vamos perder o horário!" protestou a prima, voltando à realidade.

"Pegamos a última sessão!" retrucou Chloe.

"E daí, não podemos beber até cair!"

"Lois, eu disse que não vou a bar algum depois do filme! Tenho que trabalhar amanhã!" exclamou Chloe, que não até então desconhecia as intenções para noite adentro da prima.

Indignada, Lois cruzou os braços.

"Tudo bem. Então vamos logo" disse, dando-se por vencida.

"Espere um pouco... Por quê não vai para o seu apartamento e depois nos encontramos lá? É caminho mesmo!" sugeriu Chloe.

E Lois riu, dando-lhe de dedo:

"Conheço esse golpe!"

"Como assim?" indagou Chloe, confusa.

"É o golpe 'dando-o-bolo-na-prima'! Você chega lá, vê a sua cama macia e quentinha e rende-se aos prazeres do sono, deixando a coitada da prima esperando horas a fio, para somente no dia seguinte ligar e dizer: 'Ah, não resisti!'!"

Chloe riu.

"Lois, quem faz isso é você. Lembra? Eu só vou trocar os sapatos" disse.

E Lois a encarou, com um sorriso.

"Hum. Tudo bem"

As duas então riram, engancharam novamente os braços uma na outra, e caminharam apressadas até o estacionamento que ficava na próxima quadra.


Pouco depois, no apartamento de Lois...

Enquanto Lois abria a porta e atravessava a sala para ir ao quarto, levantando os cabelos ao alto para prendê-los, um vulto emergia pela porta da varanda, e entrava a casa, sem que ela percebesse. Quando ela voltou, tomou um grande susto ao ver alguém parado bem no meio da sala:

"Clark!" exclamou ela, com a mão no peito.

E ele sorriu ao vê-la. Estava mais linda do que nunca.

"Assim você me mata de susto!" disse ela, tentando pensar no que dizer.

Lois ficou imóvel, olhando para ele por algum instante, tentando imaginar como ele havia entrado. Inclinou a cabeça para ver a porta de entrada atrás dele, e estava trancada, exatamente como ela deixou tão logo entrou, e olhou para a porta da cozinha, imaginando se ele já estava no apartamento, e depois para a varanda, único lugar por onde ele poderia entrar, o que, logicamente, para ela, era inviável.

"Como chegou aqui?"

Clark deu a volta no sofá, sem tirar os olhos dela, sentou-se despojadamente sobre uma almofada, cruzando os pés sobre a mesa de centro, e disse:

"Pela janela"

Lois o observava, principalmente sua atitude de colocar os pés sobre a mesa, e riu.

"Tá bom! E vai dizer que subiu voando?"

"Isso mesmo" respondeu ele, de forma cínica, encarando-a.

Lois enrugou a testa, confusa. Ele estava diferente.

"Agora, fica quieta e senta aqui" pediu ele, batendo com a mão para o seu lado no sofá.

Mas Lois não se moveu. Ela cruzou os braços, ficou observando-o por um instante, e depois riu, com as sobrancelhas arqueadas, tentando imaginar o que estava acontecendo, até que decidiu arriscar e perguntar:

"Algum problema, Smallville?"

E ele sorriu, balançando a cabeça.

"Vários" disse, levantando-se, ao perceber que ela não se sentaria ao seu lado.

Clark então se aproximou de Lois, que deu um passo para trás, cada vez mais confusa. Era como se ele fosse uma pessoa completamente diferente.

"A começar... isso!" disse, puxando-a para si, pelos braços. E antes que Lois resistisse, Clark selou seus lábios com um beijo intenso e cheio de paixão. E Lois, que tentou relutar, porque simplesmente o desconhecia, começava a se entregar lentamente, abraçando-o, sentindo seu corpo quente e musculoso contra o dela, entrelaçando sua perna contra ele, desejando-o apaixonadamente, na medida em que retribuía a paixão contida. Há muitos meses desejou aquilo novamente. Acreditava que jamais voltaria a senti-lo. E seu coração estava agora acelerado e suas pernas cambaleantes.

De repente, Clark a desvencilhou, segurando-a ainda firmemente pelos braços. E Lois ainda estava com os olhos fechados, e os lábios úmidos e semi-abertos, como se ainda sentisse os lábios dele pressionados aos dela.

"Mais... algum... problema... Smallville?" murmurou ela, quase sem forças.

E ele sorriu:

"Pode me chamar de Kal" disse, e antes que Lois abrisse completamente os olhos e reagisse àquela assertiva, ele novamente a puxou para um beijo caloroso.

E quando ambos estavam quase sem fôlego, e Lois tentava arrancar desesperadamente a camiseta de Clark, e ele rasgava a camisa dela apenas com um passar de mão, algo aconteceu. Clark a afastou abruptamente, enquanto começava a engasgar. Apavorada, ao ver que a coisa parecia séria, Lois subiu no sofá e tentou bater às suas costas, mas Clark pediu que ela se afastasse.

"Não posso... Não posso fazer isso!" gritava ele.

Clark lutava internamente contra aquilo. Sabia que vivia seu melhor momento na vida, e não podia ser como Kal-El. Não podia fazer isso tanto por Lois, quanto por ele mesmo.

"Eu sei como ajudar!" dizia ela, tentando se aproximar, e pronta para usar uma técnica de primeiros socorros.

Mas Clark a repeliu gentilmente com a mão, quando então virou o rosto para o lado, e espirrou, expelindo algo que quase atravessou o chão da sala. Lois e Clark se levantaram para ver por trás do sofá o que era, e viram que o chão onde ele havia acertado o espirro estava todo congelado. E quando Clark percebeu o que o havia engasgado, ou seja, uma pedra vermelha agora congelada, soube que aquele não apenas foi mais uma manifestação de um de seus poderes que se revelava, como também, a prova de que ele estava contaminado pela kryptonita vermelha.

"Uau!" exclamou Lois, olhando para Clark, que se virou para também vê-la.

"Lois... tem algo que precisa saber..."

Continua...