PARTE 7
Era tarde da noite, e Lois se arrumava para o encontro com Bruce. Ainda estava atordoada com os últimos acontecimentos. Enquanto tentava colocar os pensamentos em ordem, descobria que não estava muito certa do que pretendia fazer. E na medida em que tentava se convencer que precisava ser forte e inabalável, como sempre precisou ser na vida, descobria que nada mais era do que uma mulher capaz de, tanto como outra qualquer, sofrer por amor. Pensativa, Lois refletia sobre a verdade diante de si, a de que havia finalmente encontrado o homem da sua vida, e que ele se tratava de ninguém mais, ninguém menos, do que Clark Kent, que nada mais era um super-homem vindo de um lugar há vários anos luz de distância da Terra, o último de sua espécie. E Lois já não acreditava estar mais tão certa do que queria.
FLASHBACK
"Lois!" alguém a chamava ao longe.
Mas ela não podia gritar dizendo onde estava, pois havido sido imobilizada instantes antes por Geoff Johns, o zagueiro dos Sharks, e estava prestes a morrer afogada na medida em que o nível da água do porão do estádio subia e cobria todo o seu rosto.
"Lois!" chamou novamente a voz ao longe.
Mas Lois estava perdendo a consciência lentamente, enquanto tentava resistir.
De repente, ela sentiu alguém tirá-la da água:
"Lois! Lois!" exclamava Clark segurando-a firme contra ele. "Pode me ouvir?"
E na medida em que ela recobrava os sentidos, ouviu novamente:
"Lois?"
Ao abrir os olhos, viu Clark, e ele a segurava com zelo próximo a si, como se também tentasse aquecê-la com o calor do seu corpo.
"Clark" sussurrou ela, quase sem forças.
"Tudo bem. Você vai ficar bem" disse ele.
FIM DO FLASHBACK
"Gostaria que você estivesse certo" disse ela, em resposta ao Clark no seu flashback do dia em que ele a salvou pela primeira vez, com o olhar perdido e os pensamentos distantes, sentada em frente ao espelho do seu quarto.
E Lois também lembrava que nunca se sentiu tão segura como naquele dia, em que ele a tomou nos braços e a protegeu da morte certa. Suspirou, e sorriu ao pensar que super-heróis realmente existiam, e que eram tão capazes de amar quanto outra pessoa qualquer. E finalmente se dando conta do seu reflexo diante do espelho, Lois tentou apenas imaginar quantas outras vidas Clark Kent já havia salvo e quantas outras ainda salvaria com suas habilidades especiais, e sorriu, orgulhosa, quando ouviu a campainha da porta tocar pela terceira vez.
"Já vai!" gritou ela do quarto, como se a pessoa pudesse ouvir.
Lois se olhou mais uma vez no espelho. Usava um vestido longo preto, sem alças e discreto, e estava com os cabelos presos ao alto por uma fivela de brilhantes que um dia pertenceu à sua mãe. Sorriu, mas o sorriso simplesmente se apagou ao lembrar que a pessoa com quem estava prestes a sair não era aquela que realmente esperava que fosse, e pegou sua bolsa e caminhou apressada para atender a porta.
"Calma, Bruce! Não tínhamos combinamos às nove horas?" indagou ela, abrindo a porta.
No entanto, assim que se deu conta, viu que se tratava de Clark.
"Clark?"
"Lois--" disse ele. "Você está tão... linda!"
Surpresa, ela conseguiu apenas sorrir.
"Clark" repetiu, tentando se controlar.
"Podemos conversar?" perguntou ele, enquanto analisavam-se mutuamente.
Lois respirou fundo, aproximou-se dele e virou a cabeça para ver o corredor, imaginando se Bruce estaria vindo, enquanto Clark podia sentir bem de perto o perfume de sua pele e de seus cabelos.
"Claro" disse ela, afastando-se e convidando-o a entrar.
Estranhamente, agora era como se ela estivesse diante de uma pessoa completamente diferente, mas que ao mesmo tempo não era. Não era como se se tratasse mais do Clark Kent com quem ela sempre implicava. Ou talvez ainda o fosse? Seria então ela que estava diferente?
Lois então atravessou a sala e procurou ficar do outro lado do sofá, o mais longe possível que pudesse estar dele, para que tivessem uma conversa bem definida, enquanto Clark a observava, com os olhos cheios de brilho.
"Você está tão--" disse ele.
"É. Você já disse" interrompeu ela.
"Radiante" continuou ele.
Ela sorriu, constrangida ao perceber que os adjetivos mudavam na medida em que ele a analisava como se a estivesse vendo completamente despida, e cruzou as mãos à frente, olhando para o chão da sala, lembrando de algo que ele havia dito na noite anterior:
"Não está usando aquela sua visão de raio-x, não é mesmo?"
Clark sorriu, somente Lois para lembrar de um detalhe como aquele num momento tão decisivo.
"Não, Lois" disse ele.
Lois também sorriu, mas um sorriso discreto.
"Tudo bem. Eu apenas precisava perguntar! Não que eu fosse ficar envergonhada ou coisa do gênero"
Clark suspirou e enfiando as mãos nos bolsos da calça, voltando a fitá-la nos olhos, perguntou:
"Como está?"
"Bem" respondeu ela. "Ótima. Quero dizer, melhor não poderia estar, afinal, acabei de descobrir que subestimei você esse tempo todo. Então, tente imaginar como devo estar me sentindo péssima por todos os comentários sarcásticos que fiz a seu respeito. Some isso tudo a todas as vezes que impliquei por você ser tão discreto e reservado--"
"Lois"
"Claro, na maioria das vezes eu estava certa. Não, pra dizer a verdade, eu sempre estive certa. Bem, pelo menos, acho que estava certa. Então, a expressão exata é 'eu acreditava que estava certa?'. Mas isso não importa mais. Eu ainda me sinto estranha. Aliás, é muito estranho termos essa conversa depois de tudo o que passamos e, puxa vida, está quente aqui, ou é impressão minha?--"
"Lois"
"Quer tomar alguma coisa?" perguntou ela, indo até a cozinha.
Confuso, Clark foi atrás dela.
"Não, Lois--" disse ele, enquanto ela estava agitada, como usualmente ficava quando estava nervosa.
"Tenho água, e suco, apenas. Tem umas uma ou duas cervejas" disse ela, analisando a geladeira, ignorando a resposta dele. "Mas você não bebe, não é mesmo? Hum. Tem esse suco de caixinha aqui, mas não é muito bom" continuou, pegando a embalagem e tentando ler o composto. "Aliás, esquece. Está vencido! Então, o quê vai ser? Água mesmo?"
"Lois!" exclamou ele, finalmente chamando sua atenção.
Ela fechou a geladeira com a garrafa de água na mão, e ficou olhando para ele. Estava tão alto e bonito. Era o mesmo Clark de antes. Mas havia algo mais.
"Preciso saber. Pensou a respeito do que conversamos ontem?" completou.
Não podia ser uma pergunta pior, pensou ela.
"Bom, na verdade, pensei sim, Clark" respondeu, aflita. Seu coração estava acelerado, e sua barriga formigava.
Nisso, o coração de Clark também acelerou ao ouvir que Lois finalmente havia tomado uma decisão que poderia mudar o seu destino para sempre.
E enquanto ele esperava que ela dissesse alguma coisa, Lois tomou um grande gole de água, como se quisesse com aquilo, adiar um pouco mais o que tinha a dizer, o que o deixava ainda mais apreensivo.
E quando Lois finalmente parecia pronta a falar, Clark respirou fundo.
"Você me confiou algo muito importante, Clark. Respeito isso. E muito. Criamos um elo aqui. E a partir de agora você sempre vai poder contar comigo, para o que der e vier. E vou guardar seu segredo com minha vida se for preciso" disse ela.
E não era bem aquilo que Clark queria ouvir, quando então, ela evitou encará-lo nos olhos, pois aquilo que diria agora iria feri-la tanto quanto a ele:
"Mas não posso lhe dar o que me pede"
Arrasado, Clark suspirou.
"Quero que saiba que serei sempre sua amiga" repetiu ela, com dor no coração.
"Não entendo, Lois" disse ele, desconcertado. "Achei que aquele dia significasse alguma coisa para você. Pois foi o que eu senti"
Lois fechou os olhos. O que ele sentiu estava certo. A memória daquele dia era muito mais vívida para ela do que ele poderia imaginar. E ela sorriu, na tentativa de apenas mostrar que jamais esqueceria.
"Significou" disse ela. "E muito"
"Qual o problema então, Lois?" indagou, aproximando-se dela.
"As coisas mudaram um pouco por aqui... depois daquele dia" murmurou ela, respirando cada vez mais fundo na medida em que ele se aproximava. "O tempo passou... sabe?"
Clark suspirou.
"Claro" disse ele, lembrando do sujeito com quem viu Lois no dia anterior. E um pequeno sorriso surgiu no canto dos seus lábios, mas seus olhos denunciavam a tristeza que se abatia sobre ele. "Eu nunca questionei seus sentimentos, ou mesmo disse com quem deveria ficar"
Lois enrugou a testa, confusa.
"Então, por que me contou seu segredo?" perguntou.
Clark a fitou bem nos olhos, e disse:
"Porque eu precisava"
Ela então moveu os lábios, mas nada disse. Ele realmente a amava, pensou. E para provar seus sentimentos, tomou a mais nobre das atitudes. Contou toda a verdade. E houve um silêncio constrangedor. Lois não sabia o que dizer.
"Bom, então é isso" disse ele, então, preparando-se para ir embora. Afinal, nada mais havia a ser dito ou feito.
"Espere!" pediu Lois.
E Clark se virou para vê-la.
"Preciso dizer uma coisa. E quero que preste muita atenção"
Nisso, ele ficou imóvel no meio da cozinha de Lois, enquanto a ouvia atentamente.
"Você tem um dom incrível, Clark" disse ela e, constrangido, ele apenas virou a cabeça para o lado. Não queria ouvir aquilo de Lois. Não precisava. Não naquele momento.
"Lois"
"Isso não é um discurso, nem nada parecido, mesmo porque, sabemos bem que eu não sou muito boa nessas coisas, uh, mas, enfim, quero que saiba, que muitas pessoas um dia vão depender de você, Clark Kent" continuou ela. "Talvez, o mundo todo. Você vai salvar tantas vidas... assim como já salvou várias outras, tantas e tantas vezes. Mas ainda falta muito. Há tanto o que fazermos. Há tanto a amadurecermos antes desse dia chegar. Tanto aprendizado. E, bem, é complicado dizer isso, mas não acho que eu possa fazer parte disso tudo. Pelo menos, agora. É grande demais... Mesmo para alguém como eu. Puxa, isso soou meio prepotente, não acha?"
"Lois" disse ele, aproximando-se novamente dela. "Não precisa ser tão complicado. Podemos ter uma vida normal juntos"
Mas Lois se afastou.
"Fico lisonjeada com isso, Clark, mas não pode desperdiçar todos esses seus talentos especiais assim--" completou, encarando-o.
"Não sabe o que está dizendo" disse ele.
"Na verdade, eu sei bem o que estou dizendo" sorriu ela, nervosa.
Clark enrugou a testa, e ela explicou:
"Você pertence ao mundo, Clark. Você veio aqui para um motivo bem maior. Smallville é apenas o começo. Você ainda vai fazer parte da vida de muitos, e não quero, não posso ser um entrave--"
"Lois, você jamais seria" interrompeu ele. "Muito pelo contrário. Você me dá força. Eu vim aqui para encontrar você!"
E ela o encarou nos olhos, comovida, enquanto ele continuava:
"Talvez eu possa mesmo salvar várias pessoas como você mesma disse. Eu realmente quero isso. Mas existe apenas uma pessoa que pode me salvar. E essa pessoa é você, Lois!"
Ela então sorriu, com os olhos lacrimejantes, e quando uma lágrima correu por sua face, Clark se aproximou, e gentilmente passou o dedo por seu rosto.
Ambos sorriram, mas estavam contidos.
"Eu nunca procurei, mas esperei minha vida toda por alguém como você" disse ela, finalmente.
"Podemos fazer isso juntos, Lois" disse ele, gentilmente.
Clark sorriu, e enfiou a mão no bolso do casaco, quando então tirou algo, e mostrou para Lois, que, surpresa, estendeu a mão para tocar. Era o bracelete turquesa com inscrições kryptonianas.
"Ah meu Deus!" exclamou ela, lembrando do artefato do sonho. "Foi você que o fez?"
"Não" respondeu ele, sorrindo. "Na verdade, suspeito que seja de Krypton. Mas não sei como veio parar aqui. Foi-me dado de presente pelo chefe da tribo dos índios Kawatche"
Impressionada, Lois tocou o bracelete e o examinou. Depois, colocou-o no pulso, tentando entender como era possível aquilo. Era praticamente idêntico ao do sonho. E Clark a observava, admirado com sua fascinação pelo objeto, como se entendesse seu real significado.
"Quero que fique com ele" disse.
Lois sorriu. Mas suspirou, e o tirou, entregando-o de volta a Clark.
"Não posso" disse, dando-lhe as costas e voltando para a sala.
Arrasado, Clark suspirou, e ficou olhando o bracelete entre suas mãos.
Foi então que a campainha tocou.
Lois se virou para ver Clark na cozinha. Nada mais havia a ser dito. Ambos ficaram se olhando por um bom tempo, até que a campainha tocou novamente, e ela simplesmente se virou e caminhou lentamente em direção à porta:
"Lois!" exclamou Bruce, ao vê-la. "Você está tão--"
Ela sorriu e o convidou a entrar. Nisso, Clark emergiu da cozinha, chamando a atenção de Bruce, que estava elegante em seu smoking, e com um discreto sobretudo.
"Uh, Bruce, este é Clark Kent" disse Lois, e virando-se para Clark, sem, porém, conseguir encará-lo, disse: "Clark, quero que conheça Bruce Wayne"
"Você tem um aperto de mão e tanto, Kent!" exclamou Bruce, enquanto trocavam cumprimentos.
Clark sorriu.
"E você é um homem de muita sorte" disse Clark, arrasado, olhando para Lois.
Bruce olhou para ambos, e notou o constrangimento da namorada, mas reservou-se de qualquer comentário ao perceber que Clark estava de saída.
"Bom, cuide-se, Lois" disse ele, parando ao lado da porta ainda aberta. E virando-se para Wayne, apenas disse: "Bruce"
E o namorado de Lois apenas balançou a cabeça, enquanto voltava a atenção para ela.
Houve um silêncio, quando, finalmente, Bruce perguntou:
"Interrompi alguma coisa?"
Lois suspirou, como se tentasse reunir forças para prosseguir, e disse:
"Não. Está tudo bem"
Continua...
