CAPITULO TRÊS: Akila.

Sentiu-se repentinamente envolto por aquela brisa de verão. Era tão gostoso. O sol se pondo no horizonte, lançando sua luz alaranjada sobre a vila. Os pássaros cantando, voltando para seus ninhos. Os moradores que entravam em suas casas para saborear pratos deliciosos, cujos odores eram lançados pelas janelas, seduzindo quem passasse ao lado.

Era mais um fim de tarde na vila Raven. Tudo estava em perfeita harmonia. Mesmo os mais rabugentos encantavam-se por aquela visão de paz.

Porém, algo negro recortando o pôr-do-sol, quebrava aquela harmonia. Quatro figuras altas, encapuzadas, aproximavam-se a passos lentos do vilarejo. Logo estavam na entrada, chamando a atenção de muitas pessoas assombradas.

Sentiu-se envolto por um abraço maternal e logo um aperto paterno em seu ombro. Estava protegido. Discretamente foi levado até uma casa, onde um homem trancava as portas e verificava as janelas.

Logo, a noite levou a paz da vila Raven. Labaredas ergueram-se no ar, misturando-se com lampejos verdes, recortando o negro do céu. Gritos de pânico, desespero e dor mesclavam-se ao estalo da madeira queimando. O caos. Um verdadeiro caos.

A terceira sensação foi de estar sendo encoberto por algo sedoso e macio. Viu o rosto do homem de olhos azuis logo a sua frente, antes de ser empurrado para um canto.

Não demorou, a porta da casa foi derrubada, fazendo os sons aterrorizantes do lado de fora, entrarem com mais agressividade. Apertou-se mais à capa que lhe envolvia e observava duas figuras encapuzadas entrarem na casa. As pessoas que lhe protegiam falavam algo, o homem parecia suplicar. Então, um forte lampejo verde, uma risada maligna e o baque surdo do corpo...

—NÃÃÃÃÃÃÃÃO!—Gritou, sentando-se na cama bruscamente.

Estava suado e ofegava. Os longos cabelos negros grudavam do lado do rosto e na testa. Sentiu uma forte pontada nas costelas e tornou a deitar-se. Encarou o teto de palha, no escuro, por algum tempo.

"Esse maldito sonho de novo". Continuou olhando o teto, distraído.

Então, um pensamento invadiu-lhe a cabeça. Onde estava?

Tornou a sentar-se, a dor nas costelas novamente aflorando. Escutou uma voz agitada falando em um dialeto estranho e logo um vulto correr a alguns metros. Buscou a varinha no fundo da calça, mas não estava lá.

Então, uma luz fraca e bruxuleante ascendeu-se, iluminando o local. Não era muito grande. Tinha o tamanho exato par abrigar uma cama velha, uma pequena mesa de centro, de madeira lascada e ainda sobrava espaço para andar.

Uma mulher gorda, vestindo um camisolão largo e grosso, que cobria-lhe o corpo todo, e um véu sobre a cabeça, veio aproximando-se, falando naquele dialeto estranho. Pelo jeito com que falava, parecia estar fazendo perguntas que Pedro não compreendeu.

—Ahm...desculpe, eu...não falo sua língua...—Disse Pedro, ainda atordoado com tudo o que acontecia.

A mulher soltou uma exclamação e afastou-se. Saiu falando alto e gritando "Akila!". Logo entrou por um corredor, deixando-o novamente sozinho.

Estava mais uma vez no escuro. Gostaria de ter sua varinha em mãos para poder utilizar o lumus. O som de passos mais uma vez atraiu-lhe a atenção. A luz tênue e bruxuleante aproximava-se até banhar todo o aposento.

A mulher gorda dessa vez vinha acompanhada. Uma garota. Uma garota de estatura mediana, trajando vestes mais delicadas do que a gorda, porém, igualmente largas, cobrindo-lhe o corpo por completo. O véu mal colocado deixava a mostra parte de seus cabelos negros.

Agachou-se de frente para ele, mantendo contado visual. A única parte que podia ver de seu rosto, que não estava encoberta pelo véu, eram os olhos negros e misteriosos. Falou algo no dialeto da senhora gorda e, como o jovem não respondeu, falou em inglês, quase perfeito.

—Você está bem?—Perguntou a garota, a voz meio abafada pelo véu sobre a boca.

—Ahm...—Surpreso pelo inglês da garota e hipnotizado por seu olhar, demorou um pouco para sair do estado de estupor e responder.—sim...ahm...não sei...onde estou?

—Na casa de meu pai...encontramos você enterrado na areia...—Dizia a garota, afastando-se, pegando a vela das mãos da gorda e colocando num local que pudesse iluminar todo o quarto.—estava muito ferido...ficou quase uma semana desacordado.

—UMA SEMANA?—Bradou Pedro, arregalando os olhos.

—Sim...quase...por que?—Perguntou a jovem, com um ar ligeiramente intrigado.

Mas não respondeu. Sentiu-se mais atordoado. Estava desacordado há uma semana. Encarou os próprios pés por um instante até olhar perdido para a garota, que lhe encarava de modo curioso.

—Que horas são?—Perguntou de supetão, olhando para uma janela suja, logo a frente.

—Horas?—Perguntou a garota, parecendo um tanto surpresa.

—Sim, sim! Horas...do relógio!—Disse, um tanto exasperado.

Um medo súbito apossou-se dele. A possibilidade de estarem em outra dimensão, onde o tempo fosse inexistente. Tornaria seu retornou a Hogwarts muito mais complicado.

—Deve passar um pouco da meia-noite.—Pedro sentiu um forte alivio ao escutar a resposta da garota.—Volte a dormir, amanhã terá suas respostas.

Sem forças para discutir, Pedro apenas concordou com um aceno da cabeça e tornou a encostar a cabeça no travesseiro. Observou a garota afastar-se até a vela e apagar-la. Fechou os olhos virou-se para a parede, adormecendo meia hora depois.


Escutava berros. Ordens. Tudo naquele estranho dialeto. Abriu os olhos de modo lento, até focar o quarto. Apoiou-se nos cotovelos e sentou-se na cama, bocejando alto. Tentou mover as pernas e sentiu uma forte pontada nas costelas.

—Merda...—Exclamou baixinho, tirando os lençóis de cima. Todo seu tórax estava revestido por ataduras.

Com algum esforço, levantou-se. Sentiu que não seria capaz de andar. Então, arrastou-se até o vão. Olhou para o fim do corredor e viu uma correria. Os sons das ordens aumentavam cada vez mais.

—Por Merlin...o que está acontecendo?—Encostou-se na parede e foi arrastando os pés, com imensurável dor.

Chegou ao outro extremo do corredor, com o rosto já molhado de suor. Avistou uma grande sala, com varias almofadas, sofás e mesas. Mulheres corriam de um lado para o outro, vez ou outra levando as mãos aos céus e falando algo que Pedro não entendeu. Correu o olhar pela sala e reconheceu a garota que fora ao seu quarto de madrugada.

—Hey! Garota!—Bradou, erguendo a mão com dificuldade. A voz saiu falha, arrastada.

A garota, que trajava uma túnica marrom clara, indo até seus pés e um véu púrpura, virou a cabeça e acenou para Ravenclaw, dirigindo-se a ele, afobada.

—Senhor! Que bom que acordou! Vamos logo tomar café!—Segurou-lhe a mão avidamente e puxou-o pela sala.—Também precisamos encontrar vestes adequadas para o senhor! As suas estavam sujas. Não pode andar nu pela casa!

Nu não era bem a palavra que Pedro usaria para descrever seu estado. Ainda usava a calça de linho do colégio e seu corpo estava quase que totalmente coberto por ataduras, deixando a mostra, apenas os ombros.

Atravessaram a sala e entraram por uma porta. Chegaram a uma cozinha ampla, onde as mulheres que corriam pela sala, agitavam-se intensamente, falando alto, correndo de um lado para o outro, mexendo em panelas que lançavam repolhudas nuvens de fumaça branca.

Havia também homem de aparência velha e cansada, vestindo uma bata longa, branca, parecendo empoeirada. Era quase careca, exceto por alguns fios de cabelo branco que caia para trás. Usava sobre a cabeça quase careca, um barrete vermelho. Ele gritava ordens naquele estranho dialeto.

—Não fique espantado...meu bai está agitado...temos uma visita importante nos próximos dias...—Riu baixo quando o homem ralhou com uma das mulheres que andavam de um lado para o outro.—alias...qual seu nome?

—Ahm?—Pedro olhou-a, demorando a digerir a pergunta. Balançou a cabeça negativamente e respirou fundo antes de responder.—Me chamo Pedro...Pedro Ravenclaw...

—Pedro...—A garota pareceu sorrir por de baixo do véu.—Petrus em latim. ..pedra, rocha...Hájar em nossa língua...—E fez uma reverencia, deixando Pedro pouco confortável com a situação.— Ismi Akila...Akila Abdullah.

Ela ergueu-se novamente, fixando os olhos aos dele. Aquele olhar negro, profundo e misterioso. Pedro novamente ficou hipnotizado por eles, até balançar a cabeça negativamente.

—Ahm...—Ergueu o braço, na tentativa de coçar a nuca, mas sentiu uma forte pontada nas costelas e desistiu.—onde estamos? Digo...em que país?

—Estamos no Egito...—Disse Akila, calmamente, dirigindo-se a mesa.—como foi parar no meio do deserto?

—Acredite...nem eu sei...—O jovem encostou-se na parede e ficou olhando, pouco interessado, as mulheres cobertas por véus, andando como baratas tontas.—é uma longa história...deixe para lá.


A manhã rapidamente passou, o alvoroço crescente na casa. Vestindo uma camisa muito larga, feita de algodão, Pedro estava deitado, com a cabeça apoiada numa das almofadas, olhando por buracos na parede. Do lado de fora, o alvoroço não era muito diferente. Comerciantes e fregueses gritavam freneticamente, procurando fazer negócios.

Pensou que não voltaria ao Egito nem tão cedo, depois de ter ido salvar Gaia, sacerdotisa da natureza. Na ocasião, estava com seus amigos. Mas agora estava sozinho, sem um meio de comunicar-se com o mundo bruxo.

Escutou alguns gritinhos excitados e um grupo de garotas, usando véus, passou correndo, subindo a escada para o segundo andar. Observou curioso a agitação até escutar o som de passos.

Olhou para o outro lado e viu o "bai" de Akila e a própria garota, seguirem até a porta da frente. Tratou de sentar-se e observar, com maior curiosidade, os dois.

Escutou exclamações alegres e saudações. Os passos recomeçaram, dessa vez voltando para a sala. Junto com Akila e o "bai", vinham mais duas pessoas. Um homem alto, corpulento, também usando um barrete, porém, com vestes mais ostentosas que o outro homem. O outro era um garoto, pouco mais velho que Pedro, porém mais baixo, de pele morena, olhos castanhos e sobrancelhas negras e grossas. O cabelo estava penteado para trás. A expressão de desdém e superioridade do garoto, lembrou-lhe alguém, mas no momento não se recordou.

Viu o grupo passar pela sala, sem notar-lo. Os dois homens seguiam na frente, conversando animadamente enquanto Akila e o garoto com ar presunçoso iam mais atrás, sem falar nada. Quando desapareceram pelo portal, Pedro deitou-se novamente na almofada, olhando o teto onde um gordo mosquito preto voava.