—CAPITULO QUATRO: A jóia do Saara.

Já fazia um bom tempo que os quatro haviam ido para a cozinha. As vozes soavam altas e alegres. Pedro notou, após algum tempo, que só podia escutar vozes masculinas. Por que Akila estava calada?

Viu que o entardecer não demoraria e caminhou lentamente até seu quarto. Abriu as janelas e debruçou-se sobre ela, observando o vai-e-vem nas ruas. Lembrava muito o beco diagonal, nos tempos em que não havia ameaça alguma sobre o mundo bruxo. Olhou o horizonte por de trás das casas pobres. O sol acomodava-se nas dunas do deserto, lentamente, dando um tom alaranjado ao céu.

Pensava constantemente em como retornaria a Hogwarts. Nunca poderia usar a rede de Flu, já que seria impossível achar uma lareira no meio do Saara. Aparatar estava fora de questão. Além de não saber onde estava, a Inglaterra estava a quilômetros de distancia e seria muito arriscado.

Afastou-se e atirou-se na cama. Não foi uma idéia muito boa, já que fez a dor nas costelas piorarem. Apoiou o queixo no travesseiro e ficou olhando a parede logo a diante. Não demorou muito para adormecer, mergulhando novamente em pesadelos.


Estava encolhido na parede, segurando com mais força a capa de invisibilidade. Escutou a porta sendo arrombada e dois vultos negros adentrarem no aposento. Derrubando tudo, aproximaram-se dos adultos que lhe protegiam.

—Diego...—Uma voz feminina soou, com um tom de riso.—há quanto tempo...você não mudou nada desde a escola. Continua lindo como sempre. Pena que você tinha uma queda por sangues-ruins e traidoras do sangue.

—Lave sua boca para falar de Selene.—Rosnou Diego, levando a mão até o bolso da calça.

—Não, não, não...—A voz feminina soou zombeteira, enquanto puxava a varinha de dentro da capa e desarmava Diego.—não vamos fazer confusão...

Um clima de tensão pairou no ar. Encolhia-se mais e mais na parede, quase entrando nela.

—Por...por favor...—A voz de Diego soou falha, tremida.—me mate...mas não mate minha esposa. Eu suplico.

—Oh...que comovente...—depois soltou uma gargalhada malvada e ergueu a varinha.—só por isso não vou separar os pombinhos...se encontrem no inferno...Avada kedrava!

Virou-se bruscamente e caiu de costas no chão. Abriu os olhos e mirou a escuridão do quarto. Do lado de fora havia um falatório animado e o som de musicas. Levantou-se lentamente, sentindo as costelas pressionadas. Arrastando-se, caminhou até a sala, onde as vozes estavam mais altas.

Havia muitas pessoas ali. Mulheres com véus sedosos sobre a cabeça. Homens de todos os portes, trajando elegantes túnicas brancas caras. Criados e criadas servindo comidas e um grupo de músicos que tocava uma musica animada.

Arrastou os pés até uma pilastra onde apoiou-se e observou. Estava a poucos metrôs das pessoas. Agora via claramente um grupo de mulheres, vestindo uma roupa que mais parecia um biquíni muito enfeitado, com moedinhas de ouro. Usavam véus, dançando alegres numa coreografia sensual.

Via os homens ao redor delas, os mais velhos batendo palmas e os mais jovens babando. Correu o olhar pela sala e viu, num extremo, o homem gordo e o "bai", sentados sobre grandes almofadas com as pernas cruzadas. Conversavam absortos, lançando olhares furtivos ao garoto arrogante, que olhava cobiçoso as odaliscas.

Tornou a correr o olhar mas não o deteve dessa vez. Não via Akila em quanto nenhuma. Coçou o queixo e voltou a observar as moças em sua dança sensual, parecendo querer seduzir a quem visse.

A musica parou, sobre as palmas alegres(exceto dos garotos que queriam continuar a admirar-las). As dançarinas fizeram reverencias e retiraram-se. As palmas foram silenciando e um burburinho correu pelo local.

Cortinas abriram-se logo atrás, onde as moças dançavam. Uma espécie de embrulho branco estava colocado lá. Quando a musica recomeçou, de modo intenso, o embrulho revelou ser uma garota, envolvida por um véu.

Livrou-se do véu, graciosamente. Revelou um corpo moreno, muito bonito. Vestia os mesmos trajes das outras garotas, porém branco, com véus presos a parte de baixo. Os cabelos eram extremamente negros, brilhantes e aparentavam ser macios.

Mas o que encantava naquela menina não era sua beleza incomensurável. Eram seus movimentos delicados e leves. Apesar de serem sensuais, transbordavam a pureza daquela garota.

Então ela virou-se na direção onde Pedro estava. Ergueu o olhar e fixou ao dele. Aqueles olhos negros, profundos, cheios de mistério. A jovem atrapalhou-se e errou o passo, quase caindo. Alguns riram, mas três pessoas olharam diretamente para Pedro, que parecia hipnotizado.

Seu estado de estupor só foi quebrado, quando uma voz áspera e autoritária soou pelo salão.

Shou ismak?—Pedro ergueu o olhar e direcionou-o ao jovem presunçoso, que apontava-lhe o dedo.—Shou ismak!

—Se tiver me xingando vai levar uns cascudos, cara...—Disse Pedro, não gostando do tom com que o jovem falou.

Alguns no recinto riram. Pedro deduziu que sabiam inglês, ou um pouco pelo menos. Desviou o olhar para Akila, que procurava recobrir-se com o véu agora. O rapaz presunçoso, o homem gordo e o "bai" de Akila lhe encaravam sérios.

Shou...is...mak?—Falou lentamente, como se Pedro fosse algum débil mental.

—Por Merlin! Alguém poderia fazer o favor de traduzir o que esse engomadinho está falando?—Falou Pedro, irritado.

Assustados, os que falavam inglês retraíram-se. Pedro correu o olhar pelas pessoas, esperando a tradução, que veio de onde ele menos esperava.

—Ele está perguntando...seu nome...

Virou o olhar rapidamente e encarou Akila. Ela retraiu-se ainda mais no véu e afastou-se. Pedro observou-a com uma certa pena, antes de voltar a olhar o presunçoso.

—Alguém traduza para ele...—Olhou firme, sério, sem mostrar sentimentos.—meu nome é Pedro Ravenclaw.

Deu as costas à multidão em silencio e caminhou de volta ao quarto, no mesmo passo arrastado por causa das dores. Escutou gritos à suas costas, mas ignorou-os.

Atirou-se na cama e tentou dormir, sem sucesso. Havia acabado de acordar e não estava com o menor sono. Ficou mirando o teto irregular à cima, onde uma aranha cercava o gordo besouro que estava na sala.


Levantou-se da cama, nos primeiros raios de sol. Não dormiu nem um pouco. Rastejou até a sala e viu que estava completamente vazia. Não havia nem um sinal da festa que havia acontecido.

Não sentia-se confortável naquela casa. E depois da noite anterior, sentiu-se menos ainda. Era um estrangeiro que havia sido encontrado no meio do deserto, sem ter para onde ir.

Parou no meio da sala, observando cada detalhe que a tênue luz da aurora lhe permitia.

Soltou um suspiro e olhou para um redemoinho de poeira que descia por uma fresta no teto. Costumava brincar com esses redemoinhos, usando sua varinha, quando estavaentediado em Hogwarts. Mashavia perdido a varinha no combate e não poderia usar nenhum tipo de magia no meio dos trouxas. Sentia-se isolado, perdido no meio do deserto.

Virou a cabeça rapidamente ao escutar o som de passos. Eram arrastados e vinham do andar de cima. Olhou para a escada e viu que alguém descia.

Desceu a escada lentamente até o primeiro patamar. Os cabelos negros, caindo despenteados por sobre os ombros e o rosto moreno, bonito, enfadonho. Abriu os olhos semi-cerrados, lentamente, e encarou Pedro.

—Ah...oi...Akila...bom dia...

Akila encarou-o, perdida, até dar-se conta que ele estava ali. Sobressaltou-se, soltando um gritinho fino e precipitou-se contra a escada, subindo aos tropeços, a longa túnica branca enrolando em seus pés.

—Ah...não...—Mas já era tarde, a imagem da garota já havia sumido na escada. Soltou um muxoxo e virou-se, caminhando até a saída da casa.

Vendo-se novamente sozinho, Pedro nada pode fazer a não ser deitar-se na almofada próxima a parede, olhando o teto, esperando que alguém gritasse uma solução em seus ouvidos.


Já passava das sete da manhã quando o movimento da casa aumentou. As mesmas mulheres que corriam pela casa no dia anterior, agora estavam menos agitadas, conversando rapidamente em sua estranha língua.

Pedro não se importunou com a movimentação na casa. Permaneceu olhando distraído para o teto amarelado. Desejava estar olhando para o dossel de sua cama no dormitório da Corvinal. Ou com seus amigos, disputando uma batalha de bolas de neve nos jardins.

Escutou o som de conversa vindo da escada e virou o olhar até lá. Os dois homens, o garoto e Akila vinham descendo. A garota agora usava um véu envolto a cabeça e fazia de tudo para não olhar para os lados, como se houvesse algo impuro por perto.

Desinteressado, ignorou o olhar de desprezo do jovem presunçoso e tornou a olhar o teto, esperando uma solução ser escrita no topo.

E foi quase isso que aconteceu. De um pulo, sentindo a familiar pontada nas costelas, pôs-se de pé, correndo o mais rápido que pode até a cozinha.

Nenhum dos quatro haviam acomodado-se quando o jovem chegou esbaforido. Ignorando todos os olhares intrigados e repressores, segurou o braço de Akila, causando um assomo de fúria nos homens do local, que só não espancaram Ravenclaw, ali mesmo, porque o jovem já havia precipitado-se para a saída, arrastando Akila junto.

—O...o que esta fazendo!—Perguntou Akila, tentando soltar o braço da mão do garoto.—Sabe que meu bai pode te matar por isso?

—Vai ser legal.—Dizia Pedro, distraído, caminhando o mais longe possível da cozinha.—Mas preciso de sua ajuda.

—Minha ajuda?—Perguntou Akila, assustada.

—Sim...você é a única pessoa aqui que fala inglês...—Parou num canto e soltou o braço dela, respirando em arquejos.—preciso que me ajude em algo.

—No...no que?—Akila ainda parecia assustada, os olhos arregalados.

—Mapas...preciso que me dê alguns mapas...—Ia controlando a respiração, enquanto Akila parecia digerir a pergunta.

—Ma...mapas?

—É!—Falava exasperado, fazendo um gesto com a mão.—Uma coisa grande, de papel!

—Eu sei o que é um mapa!—Respondeu Akila, zangada.—Mas por que você quer um?

—Eu quero voltar pra casa...e acho que sei como...—Murmurou Pedro, olhando para os lados.

Akila olhou-o desconfiada, por um tempo. Não entendia como aquele garoto de aparência doentia e com machucados sérios poderia chegar em algum lugar.

—Onde você mora?—Questionou Akila.

—Inglaterra...—Encarou-a novamente. Fixou o olhar, por alguns segundos, nos olhos negros dela, antes de desviar.—preciso desses mapas logo. Por favor!

—Hum...—Akila mordeu o lábio inferior, hesitante.—tu...tudo bem...vamos...

E saiu correndo até as escadas. Pedro foi logo atrás. Cada passada mais rápida, suas costelas ressentiam-se e desatavam a doer. A cada novo assumo de dor, o garoto parava para apoiar-se no corrimão da escada, buscando o ar, mas até respirar parecia doer.

—Droga! Eu juro que vou no inferno pra matar aquele comensal de novo!—Resmungava, com os dentes trincados, quando suas costelas começaram a doer novamente.

Não teve tempo de reparar no aposento que se seguia após a escada. Akila já precipitava-se por outro corredor. Revirou os olhos e apertou o passo, tentando não perde-la de vista.

Akila só parou quando chegaram a um aposento de tamanho médio, cheio de estantes de livros de lombada desgastada.

—Aqui é a biblioteca do meu bai...—Disse Akila, caminhando até uma estante.—não tenho permissão para estar aqui. Meu pai acha que mulheres não devem saber de mais. Mas eu sempre venho aqui quando ele está ocupado. Sempre tive...curiosidades sobre o mundo.

—Então é por isso que você sabe falar inglês...—Concluiu Pedro, indo até um livro e abrindo-o.—esse livro é em inglês. Tem mais algum?

—Diversos...—Akila pegou um livro desgastado, com uma gravura infantil na capa.—muitos são presentes...outros são partes de negócios que meu bai realiza. Mas acho que ele nunca leu, se quer, um desses. Pra ele, apenas o alcorão deve ser lido.

Pedro riu, guardando o livro novamente na estante.

—Acredite...existem muitos católicos que agem igual.

—Existem católicos que lêem o alcorão?—Espantou-se Akila, olhando surpresa para o garoto.

—Não, não...quer dizer...devem existir alguns curiosos...mas me refiro a leitura da bíblia...—Corrigiu Pedro, passando o dedo pela lombada dos outros livros.—Mas...onde ficam os mapas?

—Ahm...acho que numa estante mais aos fundos...—Akila pareceu um tanto desanimada, encolhendo os ombros.—nunca me entusiasmei muito por mapas...sei que nunca vou sair daqui.

—E por que não?—Perguntou Pedro, afastando-se da estante, olhando agora para a garota.

—Meu pai não quer...e creio que meu marido também não vá aprovar...—Suspirou de modo triste e abaixou o olhar, encarando os próprios pés.

—Marido?—Ergueu as sobrancelhas.

—É...meu marido...aquele garoto que...que gritou na festa...—Disse Akila, parecendo constrangida.

Pedro observou-a por um instante, suspeitando que o constrangimento da garota não se resumia à grosseria do futuro marido. Virou novamente o olhar para os livros, passando o dedo indicador pela lombada de cada um.

—Eu sempre pensei que nunca voltaria aqui.—Disse Pedro, de supetão, assustando Akila.—Mas, cá estou eu...perdido no meio do deserto.

—Vo...você já esteve a...qui?—balbuciou a garota, parecendo tremula.

—Uma vez...para resolver alguns assuntos...—Pedro parecia vagamente interessado na conversa, analisando a prateleira de cima.—nada de mais...—virou-se para ela, o olhar baço, distante.—então? Vai me mostrar onde estão os mapas ou não?

Akila sobressaltou-se e pôs-se a caminhar por um corredor mais a direita. Pedro seguiu-a, lentamente. Observava as estantes, não totalmente cheias, com livros em diversas línguas. Demorou o olhar sobre um livro que lhe pareceu vagamente familiar, mas apressou o passo, ao ver que começava a perder Akila de vista.

—É aqui...—Murmurou Akila, quando chegaram a um lugar desprovido de estantes.

Era numa das esquinas da sala. Haviam dois balcões presos as paredes e uma mesa quadrada, próxima.

—Aqui?—Pedro pareceu levemente desapontado. Foi até um dos balcões e abaixou-se de frente para as portas de madeira. Abriu uma e rolos e mais rolos caíram no chão, batendo no pé da mesa.

—Meu pai é um importante mercador...—Disse Akila, abaixando-se e pegando um rolo, abrindo-o.—sempre está viajando...

—Por isso tantos mapas...—Completou Pedro, distraído, revirando os rolos de mapas, procurando algo.—Não tem nenhum mapa do país?

—Do Egito? Na'am!—Disse Akila, abaixando-se também, revirando os mapas.

Reviravam rolos de mapas, sem se darem conta de que alguém espreitava por entre as estantes.