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Segunda Parte – Um Monstro na Coleira

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Willow subiu as escadas e bateu levemente na porta de seu antigo quarto, que agora era o quarto de Buffy. "Buffy, posso entrar?" ela disse e ficou esperando do lado de fora.

"Entra, a porta está aberta," foi a resposta.

Willow entrou e sentou-se na borda da cama de casal, ao lado da amiga. Um silêncio desconfortável se seguiu. Willow foi a primeira a quebrá-lo. "Buffy, você não está pensando mesmo em torturá-lo para conseguir informações, certo?"

"Eu farei o que precisar, Will," Buffy respondeu, bastante calma, mas decidida.

"Mas você não pode e sabe disso. Existe a justiça para os humanos e eu sei que você ainda se lembra disso."

"Eu não estou dizendo que vou matá-lo, só disse aquilo para impressionar. Mas, isso não quer dizer que eu vou cometer o mesmo erro duas vezes."

"Do que você está falando, Buff?"

"Estou falando do que aconteceu da última vez. Estou falando do jeito que eu os deixei ir longe demais, simplesmente porque eram humanos e, por isso, não eram problema meu. E, então, eles mataram a Katrina. E depois a Tara."

"Buffy! Ninguém culpa você pelo que aconteceu! De onde tirou essa idéia?" Willow protestou, assustada.

"Eu sei que vocês não me culpariam. Mas eu sim. Todos os dias," Buffy balançou a cabeça tristemente.

"Oh, Buffy. Mas você não deveria. Eu sei que você fez tudo o que podia," a ruiva alcançou a mão da amiga e a apertou.

"E eu sei que não fiz. Quando descobri que eles mataram Katrina, eu deveria tê-los entregado para a polícia imediatamente. Mas eu não fiz isso, estava muito concentrada nos meus próprios problemas. Mas se eu tivesse..." ela fez uma pequena pausa. "Se eu tivesse, Tara ainda estaria viva."

"Você não sabe disso. Você não tem como saber disso," Willow tentou protestar. Porém, ela também se culpava pela mesma coisa. Quando Buffy lhes contara que Warren era o culpado pela morte de Katrina e tentara incriminá-la, Willow também nada fizera para entregá-lo às autoridades. Ela também estava muito centrada em suas próprias aflições para perceber que ele era uma séria ameaça. Que ele era um monstro tanto quanto os demônios e vampiros que eles exterminavam todas as noites.

"Sim, eu tenho. É óbvio que eu falhei e a vida de Tara foi o preço. E, agora, Andrew matou Jonathan. Eu acho que eles voltaram juntos e então Andrew o matou. Eu sinto isso nas minhas entranhas, sabe? Se eu conseguir uma confissão dele, ele vai voltar para a cadeia."

Willow decidiu deixar o assunto Tara de lado. Era doloroso para ela discutir a forma como a namorada morrera e tudo o que se seguira a isso. Pelo que estava vendo, também era doloroso para a amiga. "O que você pretende fazer, então?"

"Eu vou fazê-lo cantar como um passarinho. É isso o que eu vou fazer," Buffy respondeu e levantou-se. Abriu a gaveta do criado-mudo e retirou uma estaca de lá dentro. "Agora, vamos."

Quando as duas desceram, Anya e Xander já haviam voltado para o trabalho, mas Dawn estava junto ao prisioneiro, provocando-o. "Oh, Andrew, você está tão ferrado, que nem é engraçado. Minha irmã vai arrebentar você.", ela disse rindo.

"Sua irmã não pode me fazer nada. Eu sou humano," o rapaz disse, tentando mostrar confiança.

"Ah, isso não está exatamente correto. Eu posso fazer um monte de coisas para você e, francamente, é muito mais divertido se você estiver vivo e consciente para ver," disse Buffy, descendo a escada, com Willow apenas alguns degraus atrás.

"Ha! Eu te disse, não foi?" a adolescente disse cruzando os braços e mostrou a língua para ele. "E ,quando ela terminar com você, vai ser a minha vez."

"Não, não vai. É hora de ir para a cama, mocinha."

"Mas, Buffy! Ainda é cedo!", Dawn protestou surpresa.

"Não, não é. É quase meia noite e você tem aula amanhã."

"Não, eu não tenho. Hoje é sexta-feira e amanhã eu não tenho aula. Toda essa loucura de calendário escolar, que não tem aulas no sábado. Além disso, eu pensei que você ia me treinar. Você prometeu que iria..." ela ainda tentou.

"Não esse tipo de tipo de treinamento. Agora, diga boa noite."

"Humph! Isso é simplesmente tão injusto!" ela começou a reclamar, mas, percebendo o olhar de Buffy, cedeu. "Está bem... Boa noite. Boa noite, Xander, boa noite, Willow," Dawn disse, indo para a escada batendo os pés como uma criancinha.

"Hey, você está esquecendo o meu beijo!" Buffy a chamou de volta.

"E o meu também!" Willow disse.

"OK!", ela disse, voltando para abraçar e beijar a irmã no rosto e depois fazendo o mesmo com Willow. "Mas prometam que vão me contar tudo amanhã cedo, está bem?"

"Eu prometo. Boa noite."

"Com todos os detalhezinhos sangrentos..." ela disse colocando um olhar exageradamente malvado sobre Andrew.

"Pode deixar," Willow confirmou.

Buffy ficou observando a irmã subir a escada. Quando ouviu a porta do quarto dela sendo fechada, voltou-se para o refém: "Agora, Andrew, comece a falar," ela disse e colocou a estaca em cima da mesa, certificando-se que ele vira seu gesto.

"Isso é para matar vampiros."

"É sim," ela confirmou. "Mas, em minha experiência, isso faz um bocado de estrago em humanos também..." disse pegando o objeto e aproximando-o do peito de Andrew, de forma ameaçadora.

"Está bem, está bem! Eu conto o que eu sei. Mas ele vai ficar tão bravo comigo..." disse ele, caindo no blefe da Caça-Vampiros.

Warren – ou o que Andrew acreditava ser Warren – poderia tê-lo impedido de confessar, mas ele não podia estar em dois lugares ao mesmo tempo e, por isso, Buffy ficou sabendo de tudo. Bem, apenas de tudo o que Andrew sabia, na verdade.

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"Eu sou impura, eu sou impura. Impura, impura..." Adelle gemeu balançando-se para a frente e para trás, sentada num canto do quarto e vestida apenas com suas roupas de baixo.

"Sim, você é, docinho..." Glory concordou e afagou-lhe os cabelos de forma paternalista, mas sem realmente estar prestando muita atenção nos balbucios incoerentes da jovem enfermeira. Ela terminou de vestir o uniforme branco e puxou o zíper da saia. Fora realmente muito engraçado quando a moça entrara para verificar porque os aparelhos haviam parado de marcar os sinais de Giles e a encontrara no lugar dele.

"Isso foi realmente necessário, Glory?" soou uma voz irritada dentro da cabeça da deusa infernal.

"Bem, você quer sair daqui, não quer?" ela respondeu, alisando a blusa e olhando-se no espelho do armário. "Você não acha mesmo que caberia nessa roupa, não é? Agora me diga honestamente: Essa saia me deixa gorda? Eu sempre odiei branco!" ela completou, se queixando.

"Para com esse nonsense. Nós temos que sair daqui o mais rápido possível, antes que alguém venha checar essa enfermeira. Pobrezinha," ele disse, contrito.

"Eu estava com fome. Você sabe disso!" Glory defendeu-se em voz alta.

"Nós temos que avisar o Conselho sobre o que aconteceu e reunir todas as Caça-Vampiros em treinamento. Nós vamos para Sunnydale."

"Maravilha!", ela respondeu batendo palmas, absolutamente extasiada.

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Foi uma noite longa. Especialmente para Andrew que, em determinas partes, chorou como um bebezinho, mas não omitiu nada. Por fim, quando as ameaças de Buffy não estavam mais surtindo efeito, ela teve que fazer uso de uns bons sopapos para incentivá-lo a continuar.

Horas mais tarde, quando a Caça-Vampiros viu que a manhã estava se aproximando, decidiu interromper o interrogatório. Apenas ela e Willow ainda estavam acordadas; Xander dormia no sofá e Anya cochilava na poltrona.

Verificando se as cordas do prisioneiro estavam bem firmes, Buffy apagou a luz e as duas se dirigiram à cozinha. Andrew protestou: "Hey, vocês não vão me deixar aqui, não é?"

Buffy voltou um passo e olhou por sobre o ombro. "Bem, o porão tem bastante espaço...", ela disse, como se estivesse pensando seriamente no assunto. "Willow, você acha que o Spike se importaria de dividir com o Andrew?"

"Eu acho que não, Buffy..." Willow gritou do fogão.

"Então, o que acha?" ela disse, sorrindo maldosamente para ele.

"E-eu... Eu estou bem aqui, não precisa se preocupar," ele gaguejou acuado.

"Ótimo. Boa noitinha...", ela comentou e o deixou sozinho na sala e foi se sentar numa banqueta no balcão da cozinha. Willow estava de costas, fazendo café.

As duas ficaram em silêncio, tentando ainda apreender tudo o que haviam ouvido naquela noite. Era, realmente, muita informação.

"Dá pra acreditar que o Jonathan iria voltar apenas para avisar a gente?"

"Esse foi o erro dele. E o de confiar em Andrew... que sangue frio, assassinar o melhor amigo!"

"É. E, um selo no porão do colégio, hein? Exatamente onde Spike estava antes... Por que eu nem posso fingir que estou surpresa?", a Caçadora disse ironicamente.

"Selo de Danzathar. Me parece vagamente familiar. Eu vou pesquisar sobre isso mais tarde, na Internet."

"E eu vou dar uma olhada lá..."

"Você não pode. É sábado, lembra? Escola fechada e tudo..."

"Droga, você está certa. Você acha que o Xander tem as chaves?"

"Provavelmente. Então, Buffy, você acredita de verdade no que ele falou?" Willow perguntou, trazendo a jarra de café para o balcão e sentando-se também.

"Que Warren rompeu as barreiras da morte apenas para voltar para ele, porque a ligação dos dois era muito especial e que, juntos, eles iam dominar o mundo? Em cada palavra..." Buffy disse sardonicamente.

"Você sabe o que eu quero dizer...", a bruxa disse seriamente, derramando o café nas xícaras. "Açúcar?", ofereceu.

"Sim, por favor," ela aceitou. "Sim, eu sei o que você quer dizer," concordou, tomando um gole do café. "O problema é que isso muda tudo. Eu não sei... eu não sei..." ela disse, apoiando a testa na borda do balcão e olhando para os próprios pés.

"Você quer acreditar no que ele disse?"

"Mas faz sentido, sabe? Um dia antes, ele me disse que nunca me machucaria, que ele me amava. É claro que, naquele mesmo dia, ele transou com a Anya. Eu estava tão furiosa!", ela revirou os olhos para si mesma. "Eu tentei, é claro, me convencer que era apenas porque ele havia estragado qualquer chance do Xander e ela se reconciliarem, mas falhei, porque sabia que não era bem aquilo. Eu sabia que era porque ele havia sido infiel. No dia seguinte, ele veio. E tentou me violentar."

"Eu sinto muito, Buffy."

"Eu sei, obrigada," ela tentou sorrir. "E quando eu finalmente consegui chutá-lo para longe, ele parecia tão horrorizado, como se estivesse acordando naquela hora e descoberto naquele minuto o que havia feito. Então, numa palavra, sim. Sim, eu quero acreditar que ele foi obrigado àquilo, eu só não sei se eu deveria ousar ter qualquer esperança. Vampiro idiota, ir direto para o Trio para descobrir o que havia de errado com o chip... Eu poderia chutar a bunda dele por causa disso, bem agora."

"Você já ouviu falar em agentes adormecidos, Buffy?"

"Não. O que é isso?"

"Durante a Guerra Fria, muitos dos nossos soldados foram capturados. Especialmente no Vietnã e na Coréia. Depois de algum tempo, eles eram libertados. Alguns deles, sem que o governo soubesse, haviam sido redoutrinados. Mais como se tivessem sido reprogramados, na verdade. E, então, começaram a matar, sabe quem?" Willow perguntou. Buffy balançou a cabeça para os lados, não sabia. "Congressistas pacifistas, que eram contra a guerra. A indústria de armamento era quem estava atrás disso o tempo todo..." a ruiva completou.

"Fizeram um filme sobre isso," Xander disse, pegando somente o final da conversa, ao entrar na cozinha.

"Verdade?"

"Sim. Exceto que eram os russos e os chineses os que estavam por trás das mortes."

"Yeah. E sabe o que mais? Quando a polícia matou um desses ex-soldados, encontrou um dispositivo na cabeça dele durante a autópsia," Willow complementou.

"Como um chip?" Buffy perguntou.

"Bem, não exatamente. Eles não possuíam ainda uma tecnologia tão avançada como a da Iniciativa, para produzir algo assim tão sofisticado. Nós poderíamos chamar esses artefatos de pré-chips, um avô do chip que o Spike tem na cabeça dele agora. Assim, com esse pré-chip e uma senha pré-determinada, era possível fazer o soldado não só matar alguém, como também não ter nenhuma lembrança do que havia feito. Sem lembrança, sem remorso," Willow terminou de explicar.

"Isso é fascinante, Will. Mas o chip do Spike apenas funciona para prevenir que ele consiga machucar seres humanos. Todos nós sabemos disso", Xander objetou, ainda não totalmente convencido.

"Sim, mas apenas porque foi programado para fazer isso. Poderia ser qualquer coisa. Com um conhecimento profundo sobre esse assunto, alguém poderia fazê-lo disparar, por exemplo, se ele tomasse sorvete. Ou, mesmo, um tipo discriminado de sorvete, como baunilha. Ou, exatamente o oposto, poderia forçá-lo a matar e depois não se lembrar de tê-lo feito. Alguém com conhecimento de robótica. Como o Warren..."

"...Que o Andrew disse que voltou da morte para se juntar a ele," Buffy concluiu para ela. "Uma coisa é certa: nós temos que tirar o chip da cabeça do Spike."

"Hey, calma lá. Você não acha que está se precipitando um pouco, Buffy-Buff?" o rapaz se sobressaltou.

"Xander, o chip é o que o está fazendo matar! É o único jeito."

"Seria, se ele nunca tivesse matado antes. Mas ele matou. Muitas vezes, de muitas maneiras diferentes. Você conseguiria me dizer honestamente que confia que ele nunca mais vai matar alguém, se tirarmos o chip da cabeça dele?"

"Confio. Ele tem uma alma agora e..."

"Eu sei, eu sei... Tudo está diferente agora, você já disse isso antes. Milhares de vezes," ele a interrompeu, condescendente. "O problema é que eu não vejo a diferença aqui. Antes, ele matava conscientemente. Agora, ele mata e não se lembra. Não há diferença nenhuma, exceto que, se tirarmos o chip, ele vai matar e se lembrar."

"Eu sei que não é desse jeito. Você deveria ter visto a expressão dele quando ele provou o meu sangue e..." ela parou abruptamente e arregalou os olhos. "Meu sangue! Eu. É isso!"

"Ele provou o seu sangue!" Xander repetiu o que Buffy disse, consternado com a revelação. "Quando isso aconteceu?"

"Sim, ele provou," Buffy confirmou. "Anteontem à noite, quando nós lutamos, dois vampiros recém-transformados me seguraram. Então, ele veio para me morder, mas não mordeu, ele apenas provou o sangue que saiu da ferida no meu braço", ela apontou para o próprio ombro, agora devidamente enfaixando. "Mas isso não é o importante. O importante é que ele não consegue se lembrar de nada, mesmo quando morde alguém. Eu pensei que era simplesmente sangue humano que o faria se lembrar, mas não poderia, porque ele também não se lembrou de nada hoje e eu o fiz engolir uma caneca cheia e ele apenas voltou a si, mas sem lembrar do que havia dito. Mas quando ele provou meu sangue ontem, ele se lembrou do que havia feito, das pessoas que havia matado e transformado, tudo," ela tagarelou, muito excitada pela descoberta.

"Então, você está dizendo que a canção é o gatilho, mas o seu sangue é o contra-gatilho?" Willow refletiu sobre as palavras da amiga. "Mas por que alguém faria isso? Por que alguém iria querer que ele se lembrasse que te atacou, se simplesmente queria você morta?"

"Porque não querem que ele a mate, apenas que fiquem separados, não está na cara?" disse Anya, entrando na cozinha também e bocejando alto.

"Por que você está acordada?" Xander perguntou espantado, olhando para a ex-noiva.

"Andrew ronca," ela explicou, bocejando novamente e alongou o corpo como um gato, para afugentar o sono.

"Eu ronco também... Você já me disse isso," Xander contrapôs.

"Eu sei, mas eu já estou acostumada com o seu ronco. Com o dele, não," ela esclareceu.

"Você sabe o quê? Isso faz um bocado de sentido... Se não quisessem que ele te matasse, apenas que ele a atacasse e, depois, se lembrasse disso, isso definitivamente iria separar vocês dois, certo?" Willow disse, ainda pensativa, ignorando a conversa paralela dos outros dois. "Eu não estou dizendo que é isso o que aconteceu, apenas que faz sentido..." ela defendeu-se timidamente, ao ver o olhar de Xander em sua direção.

"Como quando ele me atacou no banheiro. E, depois, ontem. Nos dois, ele parou antes de fazer qualquer coisa, mas ficou apavorado pelo que havia feito...", ela olhou para a amiga: "Willow, você ainda tem o e-mail que a Sam te deixou? Talvez algum dos médicos da Iniciativa ainda esteja na área..."

"Sim, eu ainda tenho no meu computador. Eu vou mandar uma mensagem para ela agora mesmo."

"Obrigada," Buffy sorriu cheia de gratidão, olhando a amiga deixar a cozinha.

"Então... nós vamos mesmo tirar o chip da cabeça do vampiro louco?"

"Xander..." Buffy suspirou.

"Está bem, está bem!", ele ergueu as mãos como para se defender. "Eu não estou dizendo que esse é o melhor plano do universo, mas eu vou ajudar você com essa maluquice..."

"Obrigada, Xander," Buffy gritou e o abraçou fortemente.

"Yeah, yeah, yeah... Para que são feitos os amigos, afinal? Mas, por favor, me solte. A falta de ar está começando a se tornar um problema aqui..." ele disse com a voz estrangulada.

"Oh," ela disse, soltando-o imediatamente. "Oops, desculpe..."

"Então, quando você vai contar para o Spike?" Anya perguntou curiosa.

"Logo. Eu vou contar logo para ele," Buffy respondeu, sorrindo luminosamente.

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"Você sabe o que eles estão conversando lá em cima agora, William? Vou lhe dizer o que: eles estão discutindo o melhor método de fazer você pagar pelos seus crimes," Angel disse, saindo das sombras.

"Você está mentindo! É isso o que você é, um mentiroso! Me deixe em paz..." Spike sussurrou. A tortura mental havia durado a noite toda, desde a hora que Buffy o deixara sozinho, até o raiar do sol. Spike estava exausto, tanto física quanto psiquicamente.

"Você sabe o que? Você deve estar certo... mas só que eles não sabem disso. E você não vai contar a eles, não é? Esse vai ser o nosso segredinho... mas, mesmo se contar, quem vai acreditar?"

"Você nem mesmo está aqui. Você não é real. Você está em Los Angeles, com sua vidinha. E com Darla."

"Ah... eu sou sim. Muito mais real do que você jamais chegará a ser. E o amor dela por mim," ele disse, referindo-se a Buffy. "É algo que você nunca sequer vai imaginar. Mas, Darla? Darla está morta. Pena... ela morreu dando a luz ao nosso filho. Mas, vamos encarar, ela não passava de uma cadela."

"Filho?" Spike não sabia daquilo.

"Ah, sim... um filho," Angel disse como se só se lembrasse naquele momento. "E essa é uma outra coisa que você jamais chegará a ter. O amor da Caça-Vampiros e um filho, o que mais um homem poderia desejar? Você pode ter trepado com ela... E você trepou. Mas você sabe bem em quem ela estava pensando, todas as vezes, não é? Em mim," ele completou rindo, deliciado.

Spike abaixou a cabeça, humilhado. Angel provavelmente estava certo. Buffy nunca o amaria. Ele nunca passaria de um monstro. Tentara se tornar alguém melhor, alguém verdadeiramente digno dela, mas falhara. Angel sempre teria tudo. Ele, nada.

"Oh, Spoike... você vê, ela não te ama. Nunca vai amar. Mas eu amo. Por favor, volte comigo para o nosso porão. Lá, nós poderemos cantar lindas canções, meu amor," desta vez, era Drusilla falando.

"Isso não é real, não é real, não é real..." o vampiro começou a repetir fervorosamente para si mesmo.

"Sim, é real. É sempre real," agora era Buffy quem estava ali para atormentá-lo.

"Você não é ela! Ela me beijou, ela acredita em mim. Você... você não é ela, é apenas uma imitação. Não é real," ele disse, baixinho para si mesmo.

"Sim, eu te beijei, Spike," ela suspirou revirando os olhos. "Mas foi apenas para que você parasse de chorar como um bebezinho. 'Oh, Buffy, por que você não me ama? Eu consegui uma alma para mim. Para que você me ame... Por que você não me ama?' Ha! Eu nunca vou amar uma coisa como você," a aparição fez pouco caso dos esforços dele em se tornar um homem correto.

"Por favor... por favor, pare... pare," ele suplicou, suas lágrimas escorrendo dos olhos.

"Você vê? É exatamente disso que eu estou falando," ela apontou para ele satisfeita, como se fosse um ponto que precisasse ser deixado bem claro. "O único modo que eu poderia sequer gostar de você, seria se você coubesse num cinzeiro. Você já deveria saber disso..." ela completou, condescendente.

"Não é real, não é real..." Spike recomeçou baixinho, para tentar não ouvir mais as provocações. Ele tinha que ficar são de novo, tinha que resistir. Por ela. Para ser digno da confiança dela.

Quando Buffy desceu as escadas, o espectro finalmente recolheu-se às sombras mais uma vez, mas continuou vigiando. A Caçadora se aproximou, mas o vampiro lhe virou o rosto. "Já é manhã?" ele perguntou, sem conseguir olhar para ela.

Buffy se abaixou e depositou a caneca com sangue de porco no chão e levantou-se novamente. "Quase," ela respondeu, pegando-o pelo queixo e examinando-o atentamente. Os olhos dele estavam vermelhos e o rosto manchado pelas lágrimas. "Você esteve chorando. O que aconteceu?" perguntou, genuinamente preocupada e secou-lhe o rosto com as costas da mão.

"Você não veio. Assim, eles ficaram aqui comigo. Eles vieram para me fazer companhia, não é engraçado?" ele disse e completou com uma gargalhada estrangulada.

"Sinto muito, Spike. Eu realmente sinto. Mas algo aconteceu e nós tivemos que ficar pesquisando," ela contou a meia-verdade. Não podia contar a ele tudo que ficaram sabendo durante a noite. No estado em que o vampiro se encontrava, ele certamente tentaria matar Andrew por causa daquilo. Buffy sabia que não poderia culpá-lo, mas também não poderia correr o risco. "E eu acho que encontramos a sua cura."

"Eu estou só louco. Não existe cura para isso, Buffy..."

"Nós vamos tirar o chip de você. É isso que está deixando você louco, Spike."

Como ela poderia saber daquilo, o espectro se perguntou surpreso. Os únicos que sabiam daquilo eram seus acólitos e Andrew, o garoto imbecil. "Andrew!" ele rugiu, mas decidiu ficar ali e descobrir o que mais a Caçadora sabia.

"Eu o tenho há três anos agora, Buffy, e ele nunca falhou. Por que agora?"

"Eu não sei," ela mentiu de novo. "Mas está falhando agora. Na verdade, Willow está, nesse mesmo momento, entrando em contato com Riley e Sam. Nós precisamos encontrar um dos médicos da Iniciativa para ele abrir sua cabeça e tirar o chip fora. Você vai ficar bem."

"Tem certeza?"

"Sim, eu tenho absoluta certeza," ela lhe assegurou. "Agora, venha tomar seu café da manhã. Mas, desta vez, você vai fazer isso com suas próprias mãos," ela disse, alcançando a chave no bolso da calça e o libertando das algemas.

Vendo-se livre, Spike massageou os pulsos doloridos e alcançou a caneca, virando-a de uma vez. Depois, disse, intrigado: "Está certa que essa é a melhor coisa a se fazer?"

"É sim. Nós também já entendemos como funciona essa parte também. Quer ver? Cante aquela música de novo."

"Não, eu não vou fazer isso."

"Então eu faço isso. Bem cedo uma manhã, na hora em que o sol se ergue..."

"Por favor, Buffy, pare. Pare!" ele gritou, tentando tampar os ouvidos com as mãos, mas ela o impediu.

"Tudo vai ficar bem, acredite em mim. Apenas ouça," ela prometeu e continuou a melodia: "Lá embaixo no vale, ouvi uma jovem a cantar. Oh, não me engane. Oh, nunca me deixe. Como você pôde, uma pobre donzela enganar?", ela finalizou.

Ele olhou para ela e a atacou, já com o rosto em forma da máscara do vampiro. Desta vez, no entanto, ela já estava preparada para isso. Desviou dele e retirou a pequena lâmina que também carregava consigo, sorrindo confiante: "Agora venha, garotão. Vamos dançar."

"Não faça isso, Spoike, não faça isso!" Drusilla apareceu por trás da Caça-Vampiros gritando em agonia. "Ela vai descobrir o nosso segredinho."

O vampiro, no entanto, estava furioso demais para lhe prestar qualquer atenção.

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Ainda na forma de Glory, Giles voltou para seu apartamento e descobriu que suas coisas haviam sido inteiramente reviradas, provavelmente pelos mesmos visitantes que encontrara no apartamento de Robson e sua Caça-Vampiros.

Ele ordenou que Glory lhe desse passagem e, quando ela assim o fez, quase caiu desmaiado ao chão por causa da dor de suas costelas que voltou a toda força, agora esmagadas na blusa feminina que Glory estava usando anteriormente, quando seu corpo retomara sua forma verdadeira. Giles podia senti-las soldando-se sozinhas, mas a dor não era menos excruciante por causa disso.

Assim, usando de toda sua força de vontade, ele arrastou-se ao banheiro e examinou-se ao espelho. Tinha um corte na testa na testa, mas este estava se curando muito rápido também, provavelmente devido à energia que a deusa infernal havia roubado daquela pobre enfermeira no hospital.

Finalmente, ele conseguiu ir até seu próprio quarto e colocar roupas limpas. Com o esforço, quase desmaiou novamente.

Giles sabia quem eram os demônios que o haviam atacado no apartamento de Robson, eles eram os alto sacerdotes do Primeiro Mal. O Sentinela ainda se lembrava da última visita do Primeiro Mal, quando ele tentara fazer Angel matar a Caça-Vampiros. Mas agora que Angel trocara Sunnydale por Los Angeles, Giles não conseguia ver a conexão ali.

Estaria ele atrás de Buffy novamente? Primeiro matando as Caça-Vampiros em potencial para se certificar de que não haveria uma linha sucessória, para depois eliminar a própria Caça-Vampiros? Saberia ele que a linha não passava mais por Buffy, mas sim pela enclausurada Faith agora? Giles não sabia disso, mas precisava fazer algo. E rápido.

Incerto do que fazer a seguir, por fim se decidiu a pagar uma visita a Quentin Travers e seus comandados. Se existia alguém que poderia lhe ajudar a descobrir o intento do Primeiro Mal, este certamente seria Quentin.

Deixou seu prédio e tomou um táxi, dando a direção do prédio do Conselho ao motorista. O homem, muito polido, não fez nenhum comentário, mas ficou examinando-o curioso pelo espelho do carro. Por fim chegaram, Giles desceu e pagou o motorista, dando-lhe uma gorjeta generosa. Da calçada, olhou para cima.

"Jesus Cristo," ele murmurou consternado para si mesmo, sem conseguir acreditar nos próprios olhos. Diante de si, o prédio que havia abrigado o Conselho dos Sentinelas reduzido a ferro retorcido e madeira queimada.

Sem os registros que anteriormente estavam arquivados ali, Rupert Giles estava desnorteado, sem idéia do que fazer. Ele não sabia como faria para localizar as Caça-Vampiros em Treinamento que o Conselho abrigava em localizações estratégicas. Sem alternativa, decidiu voltar para seu próprio apartamento e ligar para Sunnydale.

Ele não estava muito certo se conseguiria alcançar a pessoa com quem precisava falar, mas discou o número assim mesmo e ficou aguardando. "Secretaria do Sunnydale High. Carrie Stevens falando," atendeu uma voz feminina pouco amigável.

"Bom dia, senhora Stevens. Meu nome é Rupert Giles. Eu não acredito que se lembre de mim, mas eu costumava trabalhar na biblioteca do colégio antes da... hu... explosão," ele explicou o melhor que pôde.

"Mas é claro que eu me lembro do senhor, senhor Giles! Em que posso ajudá-lo?" ela disse, sua voz se tornando um pouco mais amigável.

"Você pode, na verdade, fazer algo por mim. Eu preciso falar com uma pessoa que trabalha aí. O nome é..." ele começou, mas o telefone começou a crepitar e a linha caiu. Por uns momentos, ele ficou olhando para o aparelho, meditando no que fazer.

Logo, uma outra voz masculina soou atrás dele: "Olá, Rupert. Não é, afinal de contas, uma maravilhosa tarde de sábado? Para os padrões de Londres, é claro."

Giles olhou para trás e, pela segunda vez naquele mesmo dia, não acreditou em seus olhos. Sentado em seu sofá estava nada menos que...

"Quentin? Mas eu acabei de voltar da sede do Conselho. Eu pensei que todos vocês..." ele começou, aproximando-se cautelosamente.

Quentin fez um gesto enfastiado, interrompendo o Sentinela: "Mortos, é claro. Todos mortos."

"Mas você está..." Giles disse franzindo a testa, percebendo imediatamente que estava falando com um fantasma.

"Aqui.", o falecido presidente do Conselho dos Sentinelas completou para ele e sorriu. "Estou aqui para lhe entregar uma mensagem. Ouça. Ouça com atenção..."

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Com os lábios no pulso ensangüentado dela, Spike sorveu ansiosamente, enquanto olhava curioso para ela. A razão da Caça-Vampiros ter cedido a ele seu líquido da vida, era uma coisa que escapava ao vampiro. Não apenas isso. Ela o dominara e o forçara a beber dela. Ele, é claro, obedecera.

O sangue dela era quente, rico. A melhor coisa que ele já provara em toda sua existência. Ele sentia o líquido precioso preenchê-lo e, com isso, sua memória dos acontecimentos também voltou.

"Como está se sentindo agora?" Buffy perguntou e estendeu a mão livre, afagando-lhe os cabelos ao perceber os profundos olhos azuis dele clarearem.

Quando a lembrança do que fizera finalmente o atingiu, Spike arregalou os olhos e afastou os lábios do braço dela. Horrorizado, levou a mão à boca e a examinou, para se certificar de que tudo não passara de uma alucinação. Não conseguia entender porque ela não havia enfiado a estaca no coração dele quando tivera a oportunidade. Afinal, ele havia lutado contra ela. Tentara matá-la. De novo.

"Eu... eu me lembro agora. Eu acho que me lembro de tudo..." ele murmurou.

Buffy sorriu para assegurar a ele que tudo estava bem e rasgou um pedaço da camiseta que estava vestindo. "Sabia que lembraria," ela respondeu desviando o olhar por uns instantes, enquanto atava a ferida com o trapo. "E eu quero que você saiba..." ela o encarou séria e continuou: "Eu quero que você saiba que eu descobri que o meu sangue, por algum motivo que ainda não sei qual é, é parte da sua cura para o que está acontecendo. Você vai precisar disto e toda vez precisar, você vai tê-lo. E você não tem que sentir culpado sobre isto. Você entende isto, não é?"

"Eu acho que sim. Mas por que essa ligação entre nós, Buffy?"

"O pessoal está pesquisando lá em cima. Logo nós vamos ter respostas para tudo isso. Logo você vai estar melhor."

"Buffy, eu... obrigado por estar me ajudando..." Spike desviou o olhar, ligeiramente encabulado.

"Só agradeça quando terminar, está bem? Mas, olha, eu não quero pressionar, só que, agora que você se lembra, você podia me contar..." Buffy sorriu pra ele.

"Eles querem que eu mate você," ele disse, indo direto ao ponto.

"Eles, hein? Hmm... interessante", ela mordeu o lábio inferior. "Eles quem?"

"Eu não sei quem são eles, não suas formas verdadeiros. Não poderia nem mesmo dizer se são muitos, ou se é apenas um. Eles se fundem e se transformam. Mesmo em mim e em você. Eu nem mesmo sei se é um ele ou um ela, mas quer você morta. Quer me ver matando você."

"Desde quando você sabe disso?" ela o olhou atentamente.

"Desde sempre. Desde que eu voltei, eu acho..."

"Esses seres o alcançaram em sua cripta? Eles o forçaram a ir para a escola? Por que a escola, Spike?"

"Não exatamente, pet. Eu estava tão furioso. Com você, comigo. Com o jeito que as coisas haviam acontecido, sabe? Eu voltei para a minha cripta, mas tudo nela me lembrava de você, então eu decidi ir até o Willy's e encher a cara."

"Entendo..."

"Peguei minha cerveja e fui para os fundos. Os outros demônios sabiam que o colégio ia ser re-inaugurado, que era bem em cima da Boca do Inferno. Eles estavam muito agitados porque sabiam que vinha coisa da grande junto com isso. Então eu decidi dar uma checada lá e foi assim que essa coisa me encontrou. Todos eles."

"Os mesmos eles que me querem morta."

"Isso. Cada homem, mulher e criança em quem eu tive a oportunidade de meter meus caninos estavam lá. Eles me fizeram reviver as coisas que eu havia feito com eles, as vidas que eu havia interrompido. A dor que eu havia causado. Eles me prenderam lá. Mas não apenas eles. Também você e Joyce. Drusilla, Darla, Angelus, as duas Caçadoras que eu matei, aquele perdedor que tentou matar você, Glory, Adam... Eu não sei, todo mundo dizendo que aquele era o meu lugar e que eu nunca iria sair de lá. Eu acho que perdi a noção do tempo."

"Mas então eu te encontrei."

"Sim, encontrou. Algum tempo depois disso, mas agora eu sei que se havia passado meses. Mas você me encontrou, mas a outra você me achou bem antes que isso. Eu sei que você acha que eu estou louco. Eu acho isso também, mas eu não conseguia dizer com certeza que era você mesmo ou a outra você. Era mesmo você, certo?" ele perguntou, ainda um pouco inseguro se aquele primeiro encontro depois de todos aqueles meses realmente acontecera. Quando ela o deixara tocar seu rosto.

"Era eu. Eles não podiam tocar você, podiam?", Buffy sorriu e alcançou a mão dele, apoiando sua face nela, mas sem soltá-la inteiramente.

"Não, não podiam," ele sorriu de volta, entrelaçando seus dedos nos dedos dela. "Só podiam me atirar coisas. Me fazer lembrar o que eu havia feito com você, com eles."

"Eu sinto muito. Eu deveria ter te tirado de lá antes, no momento em que eu o encontrei," ela respondeu e balançou a cabeça pesarosa.

"Não importa, luv. Eu sei que eu mereço tudo isso."

"Não. O que eu acho que você merece agora é um recomeço limpo. Deixar o passado para trás e seguir em frente."

"Você não deveria estar me ajudando. O que eu fiz a você, eu... eu acho que só fui entender completamente depois de ter minha alma de volta."

"Olha, não importa mais. Tudo o que aconteceu antes, vamos esquecer por hora, está bem? O que precisamos agora é tirar o chip e te colocar em pé novamente. Depois disso, nós podemos conversar sobre tudo o que aconteceu. E eu também tenho a minha quota de desculpas a pedir."

"Buffy, será que você pode subir aqui um pouco? Xander trouxe as chaves," Willow chamou da porta do porão.

"Claro, Will, estou indo dentro de um minuto.", ela respondeu à amiga. Depois voltou-se para Spike: "Olha, eu tenho que subir, está bem? Mas preciso te prender antes. Eu tenho que checar uma coisa no colégio no colégio hoje. "Você não se importa, não é? E estará... estará está esperando por mim até eu voltar?"

"Minha vida toda se for preciso, pet," Spike respondeu e estendeu os pulsos. Buffy os beijou e depois os envolveu novamente nas algemas, que terminavam em correntes presas à parede.

Então a Caça-Vampiros subiu as escadas do porão feliz da vida, tentando controlar seu coração, que teimava em bater acelerado.

(continua...)