N.A.1: é com grande pesar que afirmo que a franquia Harry Potter e seus personagens pertencem exclusivamente a J.K. Rowling... que ela morra afogada na montanha de dinheiro que ganha com os direitos autorais.

N.A.2: Voltei. Demorei, eu sei (desviando de pedras e tomates), mas foi preciso... terminei o $# do TCC. Como disse à minha beta, queria ter com o TCC o mesmo interesse para escrever minhas fics (deixa o meu velho ver isso).

N.A.3: Mas é com grande prazer que afirmo ser esse o último capítulo que escrevo em forma de diário. Desculpe se alguém gosta de fics em forma de diário ou só escreve assim... achei um saco. É um "eu" para cá, é "eu" para lá... me dá a impressão de ser repetitivo.

N.A.4: outro dia, eu li o "Código Da Vinci" do Dan Brown... é bom sim. Eu até pesquisei as obras do Da Vinci enquanto lia, faz a gente pensar besteira mesmo... se é verdade? Depende... se quem ler for facilmente influenciável... vai bater boca com a vó carola e as tias ratas de igreja. Não, não fiz isso. Eu consegui ainda o "Anjos e Demônios" em formato pdf, quem quiser é só pedir... agora se esse é bom, ainda não sei... ainda estou lendo.

N.A.5: Muita gente não gosta de filmes asiáticos (chineses e japoneses, na maioria), porque (geralmente) os personagens principais morrem no final. Eu acho legal... porque quando isso acontece, morrem defendendo os ideais e jurando amor eterno ao parceiro. Não vamos esquecer o lance da religião deles, que, provavelmente, prega que no futuro eles se encontrarão novamente, pelo menos é o que acho. Ou seja, assistam: "O Tigre e o Dragão"; "Herói"; "O Clã das Adagas Voadoras". As cenas de arte marciais são ótimas e as histórias são envolventes. Sinceramente, acho que estamos tão acostumados com filmes (geralmente americanos) com finais felizes, que estranhamos quando um filme tem um final que não queremos ou, pelo menos, mais triste do que imaginamos.

N.A.6: ah, antes que eu esqueça... assisti "Blade Trinity"... e para falar a verdade, esperava mais. É um bom filme e "talz", mas esperava mais da estória. Assisti, também, o "Jogos Mortais"... esse sim teve um final surpreendente, apesar de achar o desenvolvimento meio sem noção. O novo filme do Keanu "Neo" Reeves, o "Constantine"; na minha opinião, é um filme que procura surfar na onda de sucesso do "Neo". Ainda assim, estória é interessante. Ainda prefiro "O Advogado do Diabo", o Pacino como vilão do filme é demais... aliás, qual filme que o Al Pacino participa não é bom? Se bem que "O Informante" é bem fraquinho, salvo apenas pelo Al.

N.A.7: por falar em surfar na onda de sucesso, alguém já assistiu "Equilibrium"? O filme parece gritar: "Quero ser Matrix!"... chegando a ser hilário, principalmente na arte marcial baseada em pistolas automáticas, eu caí da cama de tanto rir. O filme é de 2002 e tem como ator principal o Christian Bale, o novo Batman. Alguém já deve ter visto o cara e nem se lembrar dele. O filme mais famoso dele foi o "Império do Sol", ele era o garoto apaixonado pelos P-51, o "Cadillac do Céu"; também fez "Adoráveis Mulheres" (um filme muito bom, o livro é melhor); e "Shaft"; fez mais alguns filmes que não fizeram tanto sucesso, o pior (na minha opinião) foi "Psicopata Americano", quem gosta de filme sem pé nem cabeça, pode procurar na locadora de sua preferência... perfeito para mandar visitas chatas que adoram aparecer nas tardes de domingo, é dez minutos de filme e vem aquela famosa frase "o filme está bom, mas eu tenho que ir.". É batata, como diria Nelson Rodrigues.

Pronto... já falei minhas besteiras... curtam o show!


Capítulo Sete – Um Mundo a Descobrir... e Uma Aliada Tagarela.

09/02/XI

A vida de vampiro é conturbada demais... é tanta coisa acontecendo ao mesmo tempo que se esquece de coisas simples, como escrever um diário. Essa porra parece um filho, que necessita todo o tempo de atenção e carinho... uma pena que não tive um bom exemplo de paternidade. Yhn fica me enchendo o tempo todo para escrever, escrever, escrever e escrever. Se fosse só ele me atazanando a paciência... mas há outra pessoa agora, Erin Alexandreina Codruta. Se houver um demônio falador, com certeza, ela é protegida dele.

Bom... para essa merda fazer um pouco de sentido, é melhor retomar de onde parei... a seis meses atrás.

Os dias que passamos naquela pensão foram ótimos, serviram o seu propósito: descanso e tempo para arrumar as idéias. A cada noite, sentávamos no escuro da sala para ler e conversar. Eu sorvia uma delicada taça de sangue, quem diria que acharia taças de cristal tão bonitas naquela casa... ainda há esperança para os trouxas ingleses, espero que esses pobres velhos não tenham sido os últimos de sua espécie... se tivesse visto o jogo de taças antes de matá-los, teria sido um pouco mais delicado ao sugar o sangue deles. As taças tinham pequenas flores entalhadas em sua superfície e emitiam um som afinado quando eu passava o dedo na borda, apenas as de cristal genuíno fazem isso. Yhn tinha tanto medo de quebrá-las quando bebia nelas, que as segurava com as duas mãos.

O assunto de nossas conversas sempre girava em torno da mesma coisa: o que fazer? Para onde iríamos?

Se me dissessem, há dois ou três anos atrás, que estaria numa sala de uma pensão em Whitehaven, bebendo sangue e trocando idéias com um elfo doméstico... louco desvairado seria um bom começo para o leque de ofensas que eu diria. Porém, aconteceu... e pensando bem, eu comecei a encarar o elfo não mais como um empregado meu ou um companheiro de viagem, mas como família... é... família. Acho muito engraçado pensar assim, eu pensei que nunca iria encontrar outro significado para família, além da foto que tenho em minha mente de minha mãe e eu. Yhn conseguiu entrar na foto nesses últimos meses.

Nós ficamos enfurnados naquela casa até o meu estoque de sangue terminar, o que aconteceu em duas semanas após a invasão. A merda foi que ainda não tínhamos determinado o que fazer. Afinal, como viajar sem despertar suspeitas? E mais, tendo que viajar apenas de noite? São apenas dez horas de escuridão segura... o mais perto de um plano de sair daquela merda de país era viajar para o extremo dele e ir para o continente, isso me custaria duas noites. Lúcio poderia estar voltando da missão que seu "Lorde" lhe deu, todas as vezes que ele se ausentava de casa era por causa delas. Ele vai me caçar como louco por todo o mundo, mas ele não irá me achar... não até eu estar pronto para enfrentá-lo.

Eu esperei dois dias ainda na casa antes de decidir, definitivamente, para onde ir: Whitby; de lá iria para a Amsterdã, onde há a maior biblioteca sobre as artes das trevas de todo mundo, a Basilius Duister Tooverachtig Boekwinkel. Essa biblioteca secreta, localizada abaixo do Bijbels Museum (um museu bíblico que fica em dois edifícios históricos, construídos no séc. XVII, no canal de Herengracht em Amsterdã), esse museu tinha sido construído para os trouxas com o intuito de (além de disfarçar a biblioteca) dar-lhes um lugar onde poderiam encontrar como os diferentes povos trouxas encaravam um livro importante para a maioria deles: a Bíbila. A biblioteca tinha sido construída antes, lá pelo séc. XII, e escondida quando o Ministério da Magia holandês criou o museu para os trouxas. Ela tem mais de setecentos mil títulos, de todas as nacionalidades, sobre a arte das trevas... e é, provavelmente, um dos prédios mais bem vigiados de todo o mundo mágico. Os funcionários têm o mais duro treinamento de aurores existente. Apesar disso, não é um lugar impenetrável, já que humanos cuidam da segurança e a última tentativa de roubo foi há quinhentos anos, pelo "Devorador de Mantícuras"... o sistema de segurança pode ter se tornado desleixado em alguns pontos... eu ainda não descobri, porque não consegui chegar lá.

O que me impediu foi uma merda sem tamanho... aliás, merdas sem tamanho estão se tornando uma constante em meu caminho.

A noite em que deixamos a casa estava um pouco nublada, a Lua estava em quarto minguante e bastante bonita com as nuvens a envolvendo. Eu e Yhn (invisível) caminhamos até a estação ferroviária que fica, relativamente, perto da casa. Nós passamos por ela e seguimos a linha do trem até chegarmos às encostas da praia, que estaria deserta se não fosse por um casal de adolescentes namorando, aproveitando o cenário romântico. Eu os matei rapidamente, ouvindo as queixas de Yhn... azar deles aparecerem na minha frente durante a fuga. Os corpos, sem os olhos, joguei com todas as minhas forças para o mar... sumindo no horizonte negro.

Eu peguei o carro e o devolvi para o seu tamanho original. Nós entramos e sumimos na noite, em direção a Whitby. Acho que voamos por uma meia hora sem problemas. Enquanto passávamos por sobre uma floresta, foi que aconteceu. O carro deu um solavanco violento e começou a cair... alguma coisa havia nos atingido e eu tinha perdido o controle. Não estávamos voando tão alto, mas seria um impacto e tanto quando alcançássemos o chão. O que eu pensava na hora era como alguém conseguiria acertar um carro voador invisível numa noite pouco iluminada. Yhn, com certeza, pensava que era o nosso fim e fazia questão de gritar como um louco.

A velocidade com que caíamos era tão grande, que achei melhor arrancar a minha porta com um soco que tentar abri-la da maneira convencional. Eu agarrei Yhn e me joguei para fora do carro, torcendo para não ser empalado numa árvore. Yhn me abraçava tão forte quanto um pelúcio abraçaria uma arca cheia de galeões.

O vento rugia como um trovão quando estávamos dentro do carro... mas quando caíamos sozinhos na noite, ele parecia alguém assobiando uma nota aguda bem perto dos nossos ouvidos. Um mar negro de folhas ia se aproximando cada vez mais... e logo descobriríamos quem nos atingiu e o porquê.

A aterrisagem não foi das melhores, mas pelo menos, não fui empalado. Os galhos arranharam como se estivéssemos caindo numa roseira e foi um alívio quando meus pés alcançaram o chão com um baque surdo, eles afundaram na terra fofa até um pouco acima do tornozelo. Um pouco mais distante de nós, escutei o impacto do carro contra algumas árvores, as derrubando. Pelo barulho, não deve ter sobrado nada dele. As minhas roupas estavam praticamente destruídas. Eu tinha transformado outras vestes minhas em roupas trouxas, seguindo o padrão dos jovens de Whitehaven: um grande casaco cinza escuro, que mais parecia uma colcha de retalhos naquele momento; uma calça de tecido grosso azul escuro, toda rasgada pelos galhos; Um sapato de couro de amarrar, com um símbolo estranho que parecia uma onda, destruído na aterrisagem; e uma camisa branca bem grossa, manchada com o meu sangue; o cachecol branco ficou preso num dos galhos. Pelo menos, eu não estava nu como Yhn estava, o projeto de vestimenta dele teve o mesmo destino que o meu cachecol.

O pobre do Yhn tremia como nunca quando o coloquei no chão. Apesar dos arranhões, estávamos vivos... mas em perigo.

- Esconda-se, Yhn. – eu sussurrei para ele, o envolvendo com meu casaco – Quem quer que tenha nos atacado, pode estar vindo para cá.

- Mas... e quanto ao mestre? – a criaturinha me olhou preocupada, eu pensei: "malditos elfos e sua lealdade.".

- Vá logo embora, merda! Eu me viro. – eu grunhi para ele, me transformando enquanto isso. Yhn me olhou com pavor e sumiu na floresta.

Eu peguei os punhais dentro dos bolsos da calça, a espada estava encolhida no bolso traseiro esquerdo, e procurei me concentrar. Alguma coisa me dizia que enfrentaria um inimigo mais perigoso que o Arlequim, só esperava que não fossem mais dracomorphos... o pior é que não era.

Sempre me disseram que às vezes, o silêncio é ensurdecedor... e é mesmo. Pois, num dado momento, cessaram todos os sons da floresta, apenas o barulho das folhas balançando ao vento... e de minha respiração. Tinha alguém lá, eu conseguia sentir, como da vez em Churchtown. De repente, escutei um zunido e senti uma coisa pontuda atravessar meu ombro esquerdo com violência. O punhal que eu estava segurando com minha mão esquerda caiu no chão, olhei para o meu ombro atingido e uma flecha, toda de metal, o estava atravessando. A flecha escureceu depois de alguns segundos.

Eu tentei tirar a flecha com a minha mão direita e me inclinei para isso, bem na hora que outra flecha zuniu, raspando minha cabeça e rasgando a minha orelha direita. Quando voltei a olhar para frente, um indivíduo todo de negro avançava rapidamente em minha direção, com um enorme machado brilhante. Por alguns segundos, eu pensei como alguém conseguiria carregar um machado daquele tamanho... a arma parecia ter sido feita para um gigante.

Quando ele se aproximou e levantou o machado para me golpear, eu me levantei, larguei o outro punhal e agarrei o cabo do machado, tão longo quanto um cabo de uma foice. Nós nos olhamos por alguns instantes, então o brilho do machado começou a desaparecer onde eu tinha tocado. Os olhos de um cavaleiro de asas, esculpido na enorme parte metálica da lâmina, brilharam roxos assim que a "escuridão" alcançou aquela parte. O indivíduo soltou o cabo como se aquilo o tivesse queimado... ele tentou fugir, correndo na mesma velocidade que tinha atacado, mas achei melhor devolver aquele machado tão bonito para ele, então o joguei com toda minha força em sua direção. Eu apenas ouvi um monte de carne ser dilacerada e mais um som, indicando que o machado fincou-se numa árvore.

Uma outra flecha zuniu no ar e atravessou minha coxa direita. O desgraçado estava perto de mim, isso era óbvio, pois o emaranhado de árvores impedia qualquer chance dele me alvejar de longe, mas eu não conseguia enxergá-lo... aquelas roupas negras se confundiam com a paisagem negra embaixo das copas das árvores, mesmo enxergando melhor no escuro era difícil distinguir e quando eu tentava achá-lo, uma nova flecha aparecia do nada.

Eu caí ajoelhado e isso me salvou de outra flecha direcionada para minha cabeça. Eu tinha que achar o desgraçado e fiquei furioso por estar servindo de alvo fácil para o filho da puta... e foi isso que me salvou. Meu corpo começou a brilhar com força devido à minha fúria e assim o vi, se preparando para atirar mais um flecha com uma besta, encarrapitado como uma coruja, num galho em uma árvore a uns dez metros de mim. Eu me levantei e saltei em sua direção com a minha perna boa. Ele ainda conseguiu me atingir, fincando mais uma de suas malditas flechas bem no meu ombro direito. Mas tal foi a força que coloquei no salto, que ao ser atingido, minha trajetória continuou a mesma. Quando eu o alcancei, caímos juntos da árvore, ele embaixo de mim. O fato do chão estar cheio de folhas secas e da grama, suavizou a nossa aterrisagem. Sentei encima dele e, rapidamente, enfiei minha mão esquerda bem fundo na barriga dele, até sentir a terra do outro lado. O desgraçado gritou como nunca, enquanto isso, eu tirei com minha outra mão a flecha negra do meu ombro esquerdo e, com um sorriso sarcástico, a cravei bem no meio de sua testa. O corpo dele deu alguns espasmos e parou. Antes de me levantar, finquei as outras duas que ainda estavam em mim no cadáver, o fazendo parecer uma almofada de alfinete.

A minha perna direita estava um pouco vacilante e eu sentia uma tontura estranha, as flechas deviam estar embebidas com algum veneno ou alguma coisa que estava fazendo minha cabeça girar. Pelo menos, eu ainda conseguia ficar em pé e pude perceber o outro indivíduo se aproximando, não que ele tenha se preocupado em se ocultar ao fazer isso, nem tinha seu rosto escondido e usava uma longa capa negra escondendo o corpo, que abria um pouco a cada passada que dava, revelando apenas suas botas pretas.

Ele era enorme, tanto em altura quanto em largura, quase me obrigando a olhar para cima para encarar seu rosto, que era cortado por uma feia e enorme cicatriz, que cortava toda a parte esquerda de seu rosto; começando um pouco acima de sua sobrancelha, atravessando o olho (substituído por um mágico) até o meio de sua bochecha esquerda. O seu olho mágico era um espetáculo macabro à parte: branco como leite e brilhando mais do que todos os fantasmas de Hogwarts juntos, só a vista daquele olho faria um cara como o Longbottom borrar nas calças. O outro olho, apesar de não ser mágico, brilhava tanto quanto o outro, mas seu brilho castanho era do extremo ódio. Sua boca, estava torcida em um sorriso sarcástico; e toda aquela figura me fazia lembrar um professor maníaco com quem eu já tinha tido aulas uma vez. A única coisa que diferenciava os dois, além da cor do olho, é claro, eram os cabelos cortados a escovinha. Ao chegar mais perto de mim, duas luvas pretas do que parecia ser couro de dragão surgiram e desabotoaram o fecho da capa preta, fazendo-a deslizar até o chão. Quando eu vi o que ele vestia, meu queixo caiu: ele parecia um cavaleiro daquelas histórias trouxas ridículas, vestindo uma armadura de couro com detalhes dourados nos ombros e até um H dourado inscrito em seu peito. Eu estava a ponto de começar a rir da figura bizarra que ele era, quando ele desembainhou uma espada que extravasava todas as minhas fantasias sobre o tamanho que uma espada poderia ter; com mais dentes do que o Weasley diante de um banquete, brilhando mais do que eu brilhava, e até mais que o olho mágico de seu portador, a espada era realmente longa, e seu punho, como que para condizer com a espada, era tão largo que até aquele bobalhão do Hagrid poderia segurá-la, e ainda sobrar algum espaço.

Eu peguei, cambaleante, a minha espada no bolso. Ela cresceu na minha mão esquerda e a segurei da forma mais ameaçadora que eu conseguia no momento. Ele riu abertamente da minha tentativa.

- Ousa levantar a espada de meu filho contra mim? – a voz dele era gutural e o sorriso sarcástico ainda estava em seu rosto.

- Seu filho?

- É, aberração. – dava para sentir o orgulho ferido em sua voz – Eu a reconheço, mesmo depois do que fez a ela, pois a fiz para ele, assim como os punhais de minha filha... e assim como meu pai fez Húorgorn para mim.

- Sua espada se chama Húorgorn? – eu ri – Uma espada tão apavorante... com um nome patético como esse... quando a tomar de você, darei um nome melhor a ela. Como se chamava essa espada antes do idiota do seu filho morrer? Lungbúr? Sarguild? – ele fez careta de fúria, que piorava a cada nome jocoso.

- Dobre a língua antes de falar de meu filho, aberração. – ele arreganhava os dentes – Você não deve valer metade do que ele valia.

- Bem... pode ser que sim, mas quem está vivo e quem está morto?

Eu sempre tive esse talento de dizer a coisa certa, na hora certa, para fazer qualquer um perder a cabeça. Sempre. Isso às vezes é divertido, às vezes não... e aquela vez, definitivamente, não foi divertido.

Pois, logo depois daquela frase, o olho mágico faiscou e ele atacou numa velocidade incrível, seu corpo virou uma sombra e o brilho da espada deixou uma cauda luminosa no ar de tão rápida que foi a investida. Eu consegui defender o golpe, faíscas brancas e vermelhas surgiram no contato das espadas... e um grito de dor metálico surgiu na minha mente, olhei para a minha espada rapidamente e pisquei ao constatar que a espada dele feriu a minha... Húorgorn entrou um pouco além do fio da lâmina da minha espada. Eu pensei: "Perfeito, a espada dele é superior a você."; a espada negra respondeu vacilante em minha mente: "Húorgorn é poderosa, mestre... não deve ser subestimada e nem meu criador.".

- E só agora você me diz isso? – eu murmurei e o meu oponente riu.

- Vejo que a alma de Tuorfarn ainda permanece na espada, mesmo corrompida do jeito que está. Ela será de pouca serventia para você, aberração, pois Húorgorn é imbatível.

- Assim como seu filho deveria ser? – eu coloquei minha outra mão no punho de minha espada e o afastei empurrando com força Tuorfarn contra Húorgorn.

A partir daquele momento, em vários pontos da floresta, pequenos clarões de energia apareciam devido ao encontros das lâminas. O velho era bom... puta merda, o velho era ótimo. Eu quase não acompanhava os movimentos dele, outro motivo pelo qual lutamos por quase toda a floresta, eu apenas defendia os ataques... o pior era suportar as risadas dele quando eu fugia, me lembrava de Lúcio nos duelos que travávamos nas férias.

Acho que foi na sexta ou sétima vez que nos encontramos, que a coisa piorou de vez. A cada encontro, ia caindo lascas da minha espada, até que o inevitável aconteceu: a lâmina se partiu em duas. Eu pisquei duas vezes, sem acreditar, e então o filho da puta cortou meu braço esquerdo, entre o cotovelo e o ombro. Eu pisquei mais duas vezes; ele deu um giro, ficando de costas para mim e fincou a sua espada no meu estômago... antes mesmo do meu braço cortado cair no chão, com o que restava de minha espada ainda segura na minha mão.

Ele me chutou, ainda de costas, quando tirou sua espada de mim. Eu bati contra uma árvore e só Merlin sabe porque não caí, de imediato, no chão. O lado esquerdo do meu corpo ficou completamente encharcado com o meu sangue, eu precisava agir rápido ou morreria em poucos segundos... então, depois de deslizar até o chão, transfigurei uma folha seca em uma longa tira de pano branco e, com a mesma mão que utilizara para o feitiço (era a minha única, no momento), peguei a tira, tendo o cuidado de pegar um pouco de terra junto, coloquei na ferida. Os meus olhos reviraram e um gemido de dor escapou de mim quanto pressionei a terra na ferida. Quando voltei a atenção para o meu oponente, o desgraçado já estava virado em minha direção, com aquele odioso sorriso no rosto.

- Está doendo, aberração? – ele girou sua espada em minha direção, jogando respingos do meu próprio sangue em meu rosto – Talvez seja parecido com o que senti quando minha filha retornou sem a mão direita, chorando e gritando que o irmão tinha sido morto por uma aberração. Não imagina o quanto eu o cacei para vingar meus herdeiros... e não satisfeito, você ainda assassina meu irmão e meu sobrinho... sabe-se lá quantas outras almas tem na sua costa... uma dívida muito grande que deve ser paga agora. – ele caminhou bem devagar até mim... quando chegou bem perto, levantou a espada com as duas mãos e preparou o golpe final – Aqui termina sua jornada de terror, criatura imunda.

Eu fechei os olhos e esperei a morte vir me abraçar, finalmente.

Mas, ao invés de ouvir a espada cortando o ar para dividir o meu corpo ao meio, uma leve explosão pegajosa aconteceu e pedaços grudentos de carne, junto com vários respingos de sangue, caíram em cima de minha cabeça; para depois escutar o som de alguma coisa pesada fincar no chão e um berro de dor.

Eu abri os olhos e vi uma coisa surpreendente: o caçador todo curvado olhando para dois tocos sangrentos, cujos fluxos melavam minhas pernas do joelho para baixo; sua espada, toda cheia de sangue, fincada no chão atrás dele; e mais atrás... Yhn, com as duas mãos brilhando uma luz verde, os olhos violetas da pequena criatura estavam semicerrados e sua voz, que se eu não tivesse escutado não acreditaria, ribombou na floresta.

- FIQUE LONGE DO MESTRE DE YHN! – ele pegou dois punhais de um dos bolsos do meu casaco, deve tê-los achado onde a batalha começou, e avançou em direção ao caçador – YHN VAI PROTEGER O MESTRE A QUALQUER CUSTO!

O ataque foi inútil, Yhn tropeçou na barra do casaco no meio caminho e se estatelou no chão. De qualquer maneira, essa trapalhada dele me deu a motivação que eu precisava. Então, utilizando o resto das forças que me restavam, apliquei um chute poderoso, com a minha perna esquerda, no meio da canela direita do caçador, que apesar de protegida pelo grosso cano da bota, consegui parti-la em duas. Ele deu mais um berro de dor e seu pesado corpo veio abaixo, resvalando na espada e, também, a derrubando no chão. Eu rastejei até a espada dele, parecendo um patético cachorro aleijado, e agarrei o punho de Húorgorn... e observei ajoelhado a transformação da enorme arma: o brilho claro da espada tornou-se numa aura negra; as marcas que haviam no centro da lâmina, antes negras, brilharam púrpuras. A voz metálica de Húorgorn surgiu em minha mente: "caligatio... caligatio...".

Eu ergui a espada e, sem olhar para o desgraçado gemedor no meu lado, desferi o golpe com toda força em sua direção, desenhando um arco negro na trajetória. Logo depois de uma pequena resistência e de sentir minha mão e o punho da espada afundar na terra, o lado direito do meu corpo foi atingido por uma grande quantidade de sangue, como se alguém tivesse jogado um balde cheio desse líquido delicioso. Eu virei minha cabeça levemente para a direita e vi a ridícula armadura dividida em duas... fiquei focalizando apenas o meio do corpo, com as tripas saindo lentamente e ouvi um estertor da parte de cima. Eu olhei para o rosto dele, o olho mágico ainda brilhava... e, cambaleante, ergui a espada novamente e a desferi contra a cabeça do cadáver, a cortando diagonalmente bem no centro... nem me importava com o outro olho, eu queria o mágico. Larguei a espada, com a lâmina toda enterrada na terra, e me estiquei para pegar a parte separada da cabeça, a coloquei no meu colo e arranquei o olho sem qualquer preocupação de destruí-lo.

Eu coloquei o olho brilhante no bolso dianteiro da calça e, finalmente, tombei de costas no colchão de folhas secas. Eu estava perdendo muito sangue, estava a ponto de perder a consciência quando ouvi a voz esganiçada do Yhn, até me pareceu estranha depois de ouvi-lo falar daquele jeito imponente.

- MESTRE! Me-mes-mestre Draco... – o rosto feio de Yhn apareceu no meu raio de visão, estava sujo de terra e grossas lágrimas caiam no meu rosto – Perdoe Yhn, mestre... Yhn desobedeceu mestre mas foi para proteger mestre... perdoe Yhn...

- Está perdoado, seu tolo... – eu tentei esboçar um sorriso, mas só o fato de continuar acordado estava drenando o pingo de energia que ainda tinha – e antes que me esqueça ou morra... – o elfo agitou a cabeça muito rápido negativamente, tentando conter com as mãos o sangramento do meu braço esquerdo – está livre... você está livre...

- Não, mestre... – ele começou a soluçar – Yhn não... quer ser... livre... Yhn quer... ficar com... mestre Draco... Yhn não se... importa mais... de correr... com mestre... mestre não pode... abandonar... Yhn! NÃO PODE!... oh, perdoe Yhn...

- Yhn... – minha voz começou a falhar – eu... adoraria ficar... e escutar você... confessando... seu amor eterno... a mim... mas... tenho... que... morrer... agora...

- NÃO! YHN VAI BUSCAR AJUDA! – eu ainda pude ouvir antes da minha consciência apagar – MESTRE? TEM ALGUÉM SE APROXIMANDO!

Mas eu já tinha apagado.

Eu não vi corredor escuro e não vi luz porra nenhuma. Apenas o rosto de minhas vítimas, muitas sem os olhos, girando ao meu redor... cada uma delas me dizendo para morrer, que o mundo ficaria muito melhor sem mim, que eu não era pior do que meus inimigos e que minha vingança nada mais era do que um motivo para matar. Mas, então, ela apareceu: minha mãe... me dizendo para acordar... "acorde, Draconius... acorde, Draconius... sua missão está apenas começando... acorde, Nicolae... Treziţi, Nicolae... Treziţi vampir, noi avem mult la studia de la tu" (acorde vampiro, nós temos muito que aprender com você). e seu lindo rosto desapareceu e uma dor tremenda tomou conta de todo meu corpo.

Acho que mais estranho do fato de ainda estar vivo, foi constatar que eu não estava mais estirado no meio da floresta com Yhn chorando em cima de mim. Estava numa cama macia e sentia que tudo balançava, como se estivesse flutuando no ar ou sobre a água. Eu abri meus olhos com dificuldade, ainda escutando aquela voz macia me incitando a despertar... mas minha vista estava fraca, só vendo um borrão branco em cima de mim. Havia alguém sentado perto da cama.

- Fale com ele em inglês, Erin. – uma voz surgiu, masculina e bem forte, sem uma sombra de sotaque – Ele não deve estar entendo o que você fala, fată. (garota ou menina)

- Eu já falei que odeio que me chame assim, vechi (velho) – a voz macia de novo, estava do lado direito da cama – Além do mais, qualquer vampiro gosta de ouvir a língua-mãe.

- Ele não nasceu na Romênia, fată. O elfo disse que ele é inglês, então fale em inglês... e o nome dele é Draconius.

- Ansgar, não tem nada para você fazer? Por quê não vai ver se algum desses seus marinheiros não nos desviou do curso?

- Escute aqui, garota, não é porque a rainha lhe favorece que eu farei o mesmo. – a voz do homem, Asngar, parecia aborrecida – Eu exijo respeito, sou o capitão da guarda e general supremo do Vladeskost. Você está à bordo do Fawko contra a minha vontade.

- Pois que eu saiba, vechi, – a dona da voz macia, Erin, saiu do meu lado – nem mesmo essa missão era da sua vontade.

- E não era mesmo. – ele começou a levantar a voz – Estamos arriscando mais de dois mil anos de segredo por causa desse garoto.

- Ousa dizer que Valerica está errada? – Erin não deixou por menos, levantou a voz também.

- A rainha Valerica está dando muita importância a esse garoto. Eu só não entendo o porquê.

- Pois foi para isso que Valerica me mandou nessa missão. Alguém com cérebro para guiar os músculos.

Pode uma coisa dessa? Eu, fodido, de cama... e dois patetas, que nem conhecia, discutindo. Isso me lembrou das discussões que a Granger sempre tem com o Weasley. E que raio de conversa era aquela? Uma rainha chamada Valerica? Vladekost? Fawko? Eu precisava tirar aquilo a limpo. Por isso, tentei me ajeitar na cama para perguntar que diabos estava acontecendo, mas não consegui. O esforço foi demais para mim e tudo que consegui foi gemer pateticamente na cama. Não que isso tenha chamado a atenção dos patetas... fechei os olhos, não tava vendo nada mesmo, e torci para que eles parassem logo de discutir e me deixassem descansar.

- Como ousa? Antes mesmo que você soubesse o que eram vampiros, eu já cruzava os mares a serviço de Vladeska. – ele esbravejou.

- E foi você que evitou nossa participação na Krieg des Bluthimmels... – a voz dela pingava desprezo, Ansgar a interrompeu, ainda esbravejando.

- Pelo mesmo motivo que acho essa missão arriscada, Erin. Ainda não é a hora de revelarmos ao mundo nossa existência.

- Se dependermos de você, essa hora nunca chegará. – ela deu um suspiro, com certeza cansada de discutir – Esse garoto pode ser a resposta. Você viu as armas dos caçadores, viu o que ele fez a Balen... não negue a importância dele... você sabe muito bem quem os Hawthorne são na verdade...

- Como não saberia? – Ansgar pareceu ceder, sua voz denotava tristeza naquele momento – Eu assisti o assassinato escondido na floresta, Vladska previu a queda dele por aquela odiosa família... um ataque covarde. Ela tinha me enviado para ajudá-lo, mas cheguei no exato momento em que cortavam sua cabeça. Os malditos mudaram o nome da família para nos despistar, adotando Hawthorne como sobrenome.

- Então você sabe como eles são perigosos... quando foi que tivemos uma morte confirmada de um deles por um vampiro?

- Nunca. – Ansgar pareceu tão disposto a responder essa pergunta quanto eu admitir que o Weasley era um bruxo.

- Então, não vamos mais discutir, vechi. O garoto precisa descansar... ainda temos vários dias pela frente antes de chegar a nossa terra... e ele precisa estar recuperado o bastante para ser recebido por Valerica.

- Se depender de vocês dois... eu não vou me... recuperar nunca. – eu sussurrei fracamente, desta vez me ouviram pois ficaram calados depois do que Erin disse.

- Perdoe-nos, Nicolae. – ouvi passos apressados, a voz macia de Erin ficou mais perto – Como você está?

- Meu braço esquerdo... – eu estava prestes a apagar novamente – ele dói...

- Você não tem mais um braço esquerdo, copil (criança)... – Angar respondeu – sua ferida apodreceu e não teve jeito, tivemos que cortar o que sobrou dele...

- Ansgar! – Erin gritou.

- Por quê mentir? – mesmo sem ver, pude sentir ele dar de ombros – Ele descobriria, mais cedo ou mais tarde.

- Mas... eu sinto ele ainda... – e apaguei.

Eu sonhei novamente. Desta vez, sem qualquer rostos de vítimas, um sonho tranqüilo. Eu era uma águia voando sobre um campo florido de girassóis, as flores prediletas de minha mãe. Em cada rasante, as enormes flores batiam no meu rosto, em minhas asas... e eu via abelhas furiosas tentando me alcançar. O céu era claro, sem nuvens e o Sol... o Sol brilhava como da última vez que o vi, quando meu quarto ano em Hogwarts terminara e eu rumava para as carruagens que levaria os estudantes para a estação.

Meus olhos estavam melhores quando acordei novamente, eu conseguia enxergar alguns borrões pastéis no mar branco. Desta vez, me senti forte o bastante para sentar na cama, mas foi difícil... eu só tinha um braço. Assim que consegui me ajeitar, a porta se abriu e um borrão azul com preto encima entrou no quarto.

- Pensei que só acordaria quando chegássemos, Nicolae. – era Erin – Você dormiu por uma semana.

- Onde está meu elfo? – eu perguntei – O que fizeram com ele?

- Está dormindo... são quatro horas da manhã. – ela deu uma risadinha – Ele é bem estranho... mas parece gostar muito de você.

- Quero vê-lo agora. – como se eu fosse confiar nela... depois de me certificar que Yhn ainda estava vivo, eu começaria a perguntar em que tipo de merda eu tinha me enfiado.

- Eu já lhe disse, está dormindo. – ela tinha se aproximado e parecia me olhar atentamente, o borrão ficou mais definido com isso... eu podia ver um leve traço claro borrado em cima do azul e um outro pálido levemente oval, entre o azul e o preto, que era o rosto dela – Ele ficou do seu lado a semana toda sem dormir, esperando que despertasse... é a segunda vez que ele perde essa oportunidade, pelo mesmo motivo.

- Segunda vez?

- Sim... você ficou desacordado uma semana depois que encontramos vocês, quando você despertou, ele estava dormindo. Agora, novamente, ele está dormindo de tão cansado de esperar você despertar novamente. Precisava ver a cara de desolado dele quando disse que você acordou enquanto ele descansava da vigília.

- Que ele durma depois, quero vê-lo.

- Você, por acaso, pensa que matamos o seu elfo?

- Não vejo nada que me prove do contrário... aliás, minha visão ainda não retornou totalmente.

- Então como saberia? Eu poderia trazer outro elfo aqui e você nem poderia dizer a diferença.

- Ah, meu caralho. – eu suspirei aborrecido – Eu não estou pedindo muita coisa... nem pergunto que porra seu grupo quer comigo, só quero saber como está o meu elfo e você fica se fazendo de espertinha. Se estivesse melhor, arrancaria essa resposta junto com sua garganta, mortal.

- Mortal? – ela deu uma risada infame – Mortal? Meu caro Nicolae, não me diga que pensa que é imortal? – e riu mais um pouco – Apenas os nosferatu são imortais. Nós, vampiros, envelhecemos muito mais devagar que os mortais... mas ainda podemos morrer por velhice. Claro que isso pode levar milênios, por isso os mortais se confundem e é tão raro que até mesmo os vampiros se confundem...

- Você é uma vampira? – perguntei embasbacado.

- Eu não diria "nós, vampiros" se não fosse uma vampira, diria?

- Certo... – procurei engolir o insulto que subiu na minha garganta, finalmente me lembrando da conversa deles – onde eu estou?

- Numa caravela, Fawko, rumando para Vladeska, a cidadela secreta dos vampiros. Vladska quer conhecê-lo.

- Vladska?

- É como chamamos nossa rainha, Valerica. Ela fundou Vladeska há mais de dois mil anos atrás... para ser um porto seguro para todos nós.

- De quem?

- Do mundo, Nicolae. Ninguém sabe de sua existência... e você pode contar nos dedos quem desconfia. Acho que você é o primeiro forasteiro, em quinhentos anos, a ter a honra de ser chamado à cidadela.

- Chamado? Para mim mais parece seqüestrado... ninguém me perguntou se queria fazer turismo nessa "Vladeska". – fiz questão de pronunciar o nome com desprezo – E nem se queria conhecer essa "Valerica". Por mim, – agitei minha mão direita num gesto de desdém – poderiam todos explodirem. Não me importa quem são e nem o que querem, agradeço por me ajudarem... mas é só. – e direcionei meu rosto ao dela com uma expressão dura e gelada – Agora, quero meu elfo aqui, por gentileza.

Ela ficou parada por alguns instantes, me observando. Talvez imaginando como alguém poderia negar tal honra... e com um rosnado, parecido com o de uma pantera, saiu do quarto batendo os pés. O que não dei a mínima, estava cansado, queria pegar meu elfo e me mandar dali, custe o que custasse. Eu tinha coisas mais importantes para pensar como: que chances eu tinha com apenas um braço? Por quê aquilo tudo estava acontecendo comigo? Que foi que eu fiz na minha vida passada? Devo ter trepado com um bode e dançado em cima do túmulo de Merlin... minha linha de pensamento foi interrompida pelo grito estridente, já conhecido, de Yhn.

- MESTRE! – ele correu e segurou minha mão direita com força, até mesmo vendo tudo borrado, pude ver duas bolas violentas brilharem por causa de lágrimas – O senhor... o senhor... Yhn pensou que estavam brincando com ele quando disseram que mestre de Yhn tinha acordado...

- Eu já não lhe disse, elfo, que está livre? – não pude deixar de sorrir – Você não deve me chamar de mestre.

- Nunca, mestre. – ele disse enxugando o rosto – Yhn seguirá mestre até o final, seja ele qual for.

- Eu mesmo não diria coisa melhor, elfo.

- Satisfeito agora, Nicolae? – a voz de Erin surgiu no quarto, num tom aborrecido – Seu elfo está vivo e bem... ninguém sugou o sangue dele e nem torceu o pescocinho dele.

- Então, tenho mais uma coisa a lhe agradecer, Erin. – tirei minha mão da de Yhn e esfreguei os meus olhos, sem me voltar para encará-la – Se não me engano, um cara chamado Ansgar está no comando dessa embarcação. Gostaria de falar com ele o mais rápido possível.

- Para quê?

- Eu tenho que pedir para alguém que me deixe no porto mais próximo, não é? E melhor seria se fosse com o capitão dessa merda.

- Escuta aqui, eu não sou uma garota de recados e nem sua empregadinha. Se quiser falar com ele, vá você mesmo, seu estúpido.

- Estúpido? – eu a encarei – Engraçado, não foi isso que você falou da última vez que eu estava acordado... se bem me lembro, eu era a resposta para alguma coisa... decepcionada?

- E como! Pena que Balen não arrancou sua língua junto com seu braço.

Yhn sufocou um gemido. Eu simplesmente deixei de encará-la e me ajeitei na cama para deitar. Se pudesse, saltaria da cama e a faria em pedaços... mas ainda estava fraco demais para sequer levantar.

- Retire-se. – eu falei com a voz embargada de ódio e amargura.

- Nicolae... – a voz dela hesitou – eu... eu não queria...

- Qual parte de "retire-se" você não entendeu? – eu rosnei – Você não era o "cérebro" enviado para guiar os "músculos"? Retire-se... AGORA!

- Me perdoe... eu acho que fui rápida demais... não queria confundi-lo. Apenas imagino como deve estar sua cabeça agora. – ela apenas encontrou meu silêncio – Eu chamarei Ansgar... mas duvido muito que ele concorde em deixar vocês em algum porto. – ela caminhou até porta e a abriu – Ele tem ordens expressas de levá-los até Vladeska. – e saiu.

- Mestre? – Yhn falou, depois que a porta fechou – O que faremos?

- Eu não sei, elfo. – suspirei cansado – Eu não consigo enxergar direito ainda, estou sem meu braço esquerdo e... – uma súbita lembrança apareceu em minha mente – o anel... – fiquei pior do que eu estava... eu não podia acreditar... – o anel de minha mãe... estava na minha mão esquerda... eu perdi...

- Perdeu não, mestre. – eu olhei surpreso para o elfo – Yhn guardou o anel... Yhn sabia que mestre ficaria triste se perdesse o anel, então Yhn guardou. Ele está no quarto de Yhn.

- Você tem um quarto?

- Tenho, mestre. Bem ao lado do quarto do mestre. Yhn suplicou para que colocassem Yhn ao lado do mestre. O senhor quer que Yhn vá buscar o anel?

- Não... – mais uma vez o elfo conseguiu me fazer sorrir – guarde-o... seria uma pena não poder vê-lo direito.

Eu fiquei ali, deitado, suspirando levemente... pensando em minha mãe e em como cumpriria minha vingança. Apesar de não ter perdido o anel de minha mãe, estava muito deprimido... para falar a verdade, estava quase chorando de tanta pena que sentia de mim mesmo, me sentia de volta a aquele maldito calabouço. Impossível, para mim, pensar naquele calabouço e não rever seu olhar de pavor quando me encontrou, e logo depois, sua morte... foi preciso apenas isso para que algumas lágrimas se formassem em meus olhos.

- Você quer um lenço, copil? – uma voz grossa surgiu no quarto, me assustando – Eu posso voltar depois, se quiser.

- Não... não... eu estou bem. – não me sentei na cama, levaria uma eternidade para isso e me sentiria mais cansado do que estava, além de encarar, mais uma vez, a falta do meu braço esquerdo – Você é o general Ansgar, não é?

- Na última vez que chequei, sim, eu sou Ansgar, capitão da guarda e general...

- ... supremo do Vladekost. – eu o interrompi – Eu sei quem você é ou o que diz ser. – eu ouvi um rugido aborrecido – Antes de fazer meu pedido, gostaria de agradecer por ter salvado a mim e ao meu elfo...

- Eu só cumpri minhas ordens, copil. – foi a vez dele me interromper – Por mim, enterrava você naquela floresta, junto com seu elfo, e colocava uma lápide contando seu grande feito: "Aqui jaz um vampiro desconhecido, responsável pela morte de Balen Northbridge Hawthorne. Os vampiros do mundo agradecem.".

- ANSGAR! – Erin gritou. Era muita petulância dela voltar ao meu quarto... de qualquer modo, a ignorei.

- Você se parece com alguém que conheço, general Ansgar... um professor meu, da época em que eu era humano. – eu suspirei cansado e esfreguei meus olhos mais uma vez – Eu gostaria de pedir a você que me deixasse em algum porto mais próximo, não é meu desejo...

- E nem o meu, copil. – ele me interrompeu... mais uma vez... se não estivesse fraco, eu o ensinaria boas maneiras – Mas, tenho minhas ordens. Elas dizem claramente: "ache Nicolae e o traga para Vladeska.", ponto final.

- Antes que comecemos a discutir sobre esse assunto. – eu olhei para os borrões dos visitantes. O borrão conhecido de Erin estava ao lado de um enorme, negro com o topo (onde ficava a cabeça) numa mistura de um branco pálido e cinza – Por quê diabos me chamam de "Nicolae"? Meu nome é Draconius.

- Nicolae foi como Valerica lhe chamou. – Erin falou – É um nome ligado à vitória, uma pessoa vitoriosa, uma pessoa que faz parte de um povo vitorioso. Ela previu sua chegada e nos delegou com a missão de garanti-la até Vladeska. – ela suspirou – Valerica tem o poder único de vislumbrar o futuro, por causa dela antevimos muitos perigos que poderiam destruir nossa cidade e toda nossa raça. Ela previu que se você não for a Valerica, uma era negra alcançará não só aos humanos, bruxos e trouxas, mas todo o nosso mundo... nem mesmo Vladeska permanecerá escondida por muito tempo se essa era chegar.

- Só falta você me dizer que essa Valerica "profetizou" que eu sou o salvador do mundo. – eu dei um sorriso sarcástico – Então vocês se enganaram, não é a mim que procuram, é o famoso Harry James Potter.

- Infelizmente, copil. – Ansgar parecia tão disposto a me levar quanto eu de ir – Não nos enganamos, Vladska nos descreveu sua aparência e, com a ajuda da fată aqui, – eu ouvi o rosnado de pantera – desenvolveu um artefato para encontrá-lo. Muito parecido com o que os caçadores usam para encontrar vampiros. – ele suspirou pesaroso – Como vê, para nossa infelicidade, não nos enganamos. Não sei de nada sobre a chegada de uma "era negra", minhas ordens foram apenas de o achar e o levar, em segurança, para Vladeska... e é o que farei, quer você e eu queiramos ou não. Não há nada a discutir aqui. – ele se virou e saiu do quarto, batendo a porta.

- Nós temos o prazer de ter um general tão doce... – Erin murmurou.

O silêncio imperou no quarto a partir daquele momento. Eu estava sendo levado para um lugar que não queria e não podia fazer nada a respeito, não sabia quantas pessoas haviam na caravela, estava desarmado, estava fraco demais para abrir meu caminho à força... resumindo: estava na mais profunda merda... aliás, eu me sentia um merda... a única diferença entre eu e um balde de merda, era o balde. Acho que essa parte do diário já parece uma latrina de tanta merda. Bem, continuando...

Eu acho que depois de vinte minutos, Erin tentou falar alguma coisa mas eu apenas a ignorei e me dirigi a Yhn.

- Yhn, traga suas suas coisas para cá. Quero que você cuide de mim e não certas vampiras – dei bastante ênfase nessas palavras – que acham que eu deveria ter perdido minha língua junto com meu braço. Creio que deve ter observado bastante nessas duas semanas para isso, não é?

- Mas, mestre... – o pequeno borrão verde escuro se agitou – Yhn acha melhor que... – eu levantei minha sobrancelha direita e olhei friamente para o borrãozinho – Yhn fará como mestre pediu.

- Bom... – me ajeitei melhor na cama – faça isso o mais rápido possível, por favor, quero dormir. Peça a essa senhorita que o ajude e depois agradeça todo o esforço dela, com você aqui cuidando de mim, não precisaremos mais dela. – eu olhei para Erin e falei com asco – Não apareça mais aqui, a não ser que eu ache necessário e Yhn não possa me ajudar.

Eu vi o borrão abaixar a cabeça, e desse mesmo jeito, saiu com Yhn para ajudá-lo. Eu fechei os olhos e procurei dormir, ouvindo eles arrumarem o quarto para receber Yhn. Quando houve um silêncio, pude sentir que ela ainda estava no meu quarto, mas não abri os olhos. Finalmente, ela falou.

- Eu só queria pedir desculpas pelo que eu disse. Eu fui com muita sede ao pote, como dizem os trouxas. – ela falava rapidamente, como que para não dar oportunidade de a expulsar – Eu não nego que fui rude, mas você também não ajudou muito. Só quero entender como um vampiro tem o mesmo poder que o mais poderoso dos nosferatu tinha: o de corromper as Atrumas Evertas. Quero dizer, tirando isso, você até parece frágil... frágil demais para possuí-lo. – ela começou a levantar a voz – Mas, eu quero ajudá-lo e vou ajudá-lo, mesmo que tente rasgar minha garganta quando tiver forças para isso... e vou avisá-lo logo, Draconius, – ela disse meu nome com raiva – meu poder é de se transformar em qualquer coisa que desejo... e agora sinto o desejo de me tornar num enorme urso negro e rasgar você todinho, seu estúpido mal-agradecido. Eu não naveguei por um mês, trocando farpas com Ansgar, para encontrar um idiota que nem você. Quero dizer, que se passa nessa sua cabeça? Não pensou que lá você poderá encontrar meios de se recuperar dessa sua mutilação e encontrar pessoas que o homenagearão até dizer chega? Já passou pela sua cabeça?

- Pois eu não quero nada! – falei com raiva – Eu não quero homenagens, não quero reconhecimento, não quero porra nenhuma! – fechei meu punho com força e senti minhas unhas enterrarem na palma de minha mão – Eu nem deveria ser um vampiro! – olhei para o borrão dela – Mas terei minha vingança... nem que passe mil anos e o caralho do mundo seja a latrina mais pútrida do inferno... terei minha vingança... Lúcio e Sanguis pagarão por terem feito isso a mim... pagarão pela minha mãe...

- O que você disse? – Erim falou hesitante – Sanguis? Lorde Sanguis?

- Sim... Viktor Engel Von Metzger, foi ele que me transformou nessa coisa. Lúcio pediu que fizesse isso comigo. – eu fechei os olhos quando disse isso, me lembrando da horrível noite de minha transformação.

- Lorde Sanguis... – ela ainda hesitava – e quem é este Lúcio?

- Meu pai. – falei com rancor.

- Seu pai?

- Infelizmente. – desviei meu olhar para o teto, cansado de conversar... queria dormir para, quem sabe, acordar e me encontrar de novo em meu quarto, descobrindo que tudo isso é um pesadelo... que eu ainda era humano... que ela ainda estava viva e esperando a oportunidade de fugirmos.

- Nicolae... – Erin falou depois de alguns minutos, sua voz estava mais calma e tinha aquela maciez de novo – eu sinto muito. Descanse agora... e não tema. Cuidarei para que não seja mais incomodado... apenas eu terei acesso ao seu quarto... voltarei mais tarde com sangue e com boas notícias. – ela se levantou e saiu antes que eu pudesse dizer mais alguma coisa.

Eu não demorei a dormir... acho que passou alguns segundos depois que Erin fechou a porta para deslizar para um sono tranqüilo, sem sonhos desta vez. Quando acordei, minha visão estava melhor, muito melhor. Abri os olhos devagar e vi o teto branco com um estranho símbolo (um pentagrama e uma espada na frente dele, a espada tinha um crânio de demônio entre o punho e a lâmina, que havia pequenos buracos ao longo dela) desenhado em um tom pastel.

- Esse é o símbolo de Vladeska. – era a voz de Erin – É o Ochi de Tepes... o Olho de Tepes, a espada de Drácula.

Eu virei minha cabeça lentamente para a direção dela e pisquei várias vezes para me certificar que não estava me enganando ou sonhando. Ela é linda... seu rosto é parecido com o de uma mulher esculpida em um mural de uma universidade antiga em Zurique; seus cabelos, em uma enorme trança sobre seu ombro esquerdo, são opacos e negros; mas as íris negras dela parecem brilhar com vivacidade, como duas pérolas negras; a pele dela é pálida, como convém aos vampiros, parecendo uma boneca japonesa; o vestido que ela usava nessa ocasião era de um azul profundo.

- Erin? É você? – eu perguntei à mulher em pé com uma bandeja nas mãos, uma grande jarra de suco (cheio até a boca de um líquido vermelho) estava sobre a bandeja.

- Eu não disse que seria a única que teria acesso ao seu quarto? – ela entregou a bandeja para Yhn e pegou a jarra com a mão esquerda – Por acaso não reconheceu minha voz?

- Bom... – eu me ajeitei na cama, sentando com mais facilidade que antes – reconhecer, eu reconheci... é que só agora estou enxergando normalmente.

- Bom saber... espero que isso signifique que está de bom humor. – ela estalou os dedos da mão direita e uma delicada taça apareceu no ar, pegando-a com a mesma mão direita.

- Mais conformado com essa situação posso dizer. Eu me esqueci como é estar de bom humor.

- Pelo menos está mais educado. – ela sorriu enquanto enchia a taça – E torço que esteja com disposição para conversar.

- Isso depende do rumo da nossa conversa, minha cara. – eu olhei para ela, sorrindo também – É sangue?

- Não, é uma nova mistura de suco de groselha. – ela me deu a taça, rindo da piada ridícula. – É claro que é sangue, meu caro, sangue humano.

Ela parece uma mistura de mim com a Granger, grande capacidade de falar e uma língua ácida... péssima mistura, ainda mais quando se é outra pessoa senão nós mesmos.

Sempre pensei que uma conversa fosse composta de um diálogo: uma pessoa falava, a outra escutava e esperava sua vez de falar. O que aconteceu realmente naquela ocasião foi uma palestra, dela, sobre a grande cidade secreta dos vampiros. Eu teria dormido se não fosse pelo sangue, aquecido magicalmente pela taça. A palestra teria sido interessante, se o assunto fosse do meu interesse e se, além disso, ela desse tempo de eu processar as informações. Erin me lembra muito a Granger durante as aulas, fala como se fosse uma metralhadora.

Resumindo o que ela me disse, Vladeska tem mais de dois mil anos de existência (na verdade, beirando os três mil anos). Fundada por Valerica Atanasia Fiică de Marius, que liderou uma fuga em massa dos maiores clãs de nosferatu da Europa e de seu próprio clã, Zaharia, além de mais alguns vampiros que ela julgou dignos de pertencerem à essa "nação". Claro que foi aos poucos que os atuais habitantes de Vladeska foram ocupando seus lugares na cidadela, cada clã recebeu uma miniatura do símbolo de Vladeska em bronze; quando o chefe do clã segurava a miniatura, aparecia o nome de um porto (em seu próprio país ou de um país próximo) e o dia e hora em que o clã deveria estar lá. Do que eles fugiam? A maioria, dos conflitos assolavam a Europa, eram tantos que começava até a atingí-los; outros, da crescente aparição dos caçadores... estavam acostumados com o medo dos humanos, essa "rebelião" os amedrontou. No geral, a idéia de uma Shangrilá vampírica os seduziu. Segundo ela, os nosferatu e os vampiros vivem em relativa paz. O Vladekost, exército da cidade, tem o dever de proteger Vladeska e manter suas leis.

A alimentação é curiosa (e odiosa, ao mesmo tempo); cada clã tem um largo porão, em suas moradas, onde humanos e animais são alimentados e cuidados para que seu sangue seja coletado sem matá-los; os vampiros devem usar o gazdorg, algo parecido com uma fazenda comunitária, também com humanos e animais. O desperdício (morte de humanos ou animais) é punido com morte ou expulsão de Vladeska (o que significa a mesma coisa, segundo Erin). Há, ainda, uma caverna escondida em uma montanha da ilha onde estão as "provisões de guerra", milhões de litros de sangue e losbosjas (o que eu entendi como gado, mais animais e humanos, acho) congelados. A população e a própria fauna da ilha serviram para a manutenção de Vladeska... e os conhecidos acidentes e desaparecimentos da área, com o passar dos anos, ajudou bastante. Vladeska fica localizada numa das ilhas que formam o famoso "Triângulo das Bermudas"; muitas daquelas ilhas são escondidas magicalmente por se tratarem de reservas ambientais mágicas. Por exemplo: numa delas está tudo que resta dos nantukos, uma nação de insetos inteligentes (um nantuko parece um Louva-Deus gigante, podendo variar entre dois a três metros). É expressamente proibida a presença humana nessas reservas, para proteger as criaturas ameaçadas de extinção e proteger seus estilos de vida.

Ela ainda falou outras coisas sobre os costumes de Vladeska, mas eu não dei importância.

Eu acho que dois dias depois, meu ferimento no braço resolveu fechar. Uma semana depois criei coragem para olhar para o que restava do meu braço esquerdo... ou seja, olhei para nada. Erin me explicou que deve ter sido a terra ou a arma de Balen que deve ter dificultado a cicatrização (assim como pode ter sido a combinação deles que evitou meu braço de crescer de novo). Ela desconversou e recomeçou a palestra sobre sua cidade. Os dias foram passando desse jeito, ela falando e eu escutando (ou fingindo que escutava). Uma vez ou outra escutava Ansgar perguntando como eu estava quando ela saía do meu quarto. E com duas semanas, depois que acordei restabelecido, chegamos a ilha.

Bem, pelo menos chegamos de noite. Quando Erin disse que estávamos chegando, fiz questão de me levantar e ir para o convés. Ela não queria deixar mas não pôde comigo, eu estava dentro daquele quarto por tempo demais e queria respirar um ar novo (além do que, queria ver o céu). Erin ia na frente e Yhn atrás de mim enquanto percorríamos o corredor. Assim que ela abriu a porta no fim deste, a brisa marinha deu uma bofetada gelada no meu rosto e fechei os olhos em prazer. Eu os abri e olhei para cima assim que atravessei a porta. Estrelas... milhares delas... era como se eu nunca as tivesse visto, tal foi meu sentimento de alegria... droga, até sorri ao vê-las.

Pena que meu momento de alegria durou pouco, pois logo senti vários olhares sobre mim. Eu abaixei minha vista e toda a tripulação olhava para mim, como se eu fosse uma espécie rara... bem, acho que sou mesmo. Mas odiei cada um daqueles olhos em minha direção.

Quem diria... Draconius Antonyas Malfoy odiando ser o centro das atenções? Se fosse trouxa eu estaria falando coisas idiotas como porcos voadores ou vacas dançantes... se bem que ainda não vi uma vaca dançante, mas porcos voadores sim. Eu já fiz um voar. O importante é que eu nunca pensei que odiaria ser o centro das atenções... será que é assim que o Potter se sente? Pronto... daqui a pouco estarei colocando um pôster do cicatriz panaca na parede, andando com uma foto dele no bolso da calça e suspirando quando cruzar com ele na rua.

Mas voltando ao assunto de nossa chegada, nós caminhamos até a ponta do navio e avistamos a enorme ilha. Uma tênue névoa estava sobre a água, como um cobertor levemente transparente feito de seda, seguindo o subir e o descer da água. Fui tirado do meu torpor pelo meu amiguinho Yhn.

- Mestre, olhe! – a criaturinha puxava a manga solta, que deveria estar sendo ocupada pelo meu braço esquerdo, sem qualquer delicadeza... ô elfozinho mais impertinente e indelicado que fui arranjar.

- O que foi, Yhn? – eu murmurei fazendo uma careta enfezada.

- Mestre, – eu segui a direção que o dedinho nodoso dele apontava – parece um bocão de monstro, mestre. Yhn Não quer ir para lá, mestre. Temos que ir para lá, mestre?

Realmente, ao nos aproximar da ilha, pude observar que estávamos indo em direção a uma enorme gruta, grande o bastante para que a caravela (ou deveria dizer nau?) passasse ilesa. Quando estávamos mais próximos, a entrada da gruta realmente parecia com a bocarra de um monstro marinho (um leviatã, para ser mais preciso), pois havia várias estalactites brotando do teto da gruta. Logo, o entediante gotejar delas nos envolveu, absorvendo o som da embarcação cortando a água. Assim que entramos na gruta, Yhn agarrou minha perna com força... e eu deixei ele fazer isso. Se tivesse meu braço esquerdo, colocaria minha mão na careca dele.

Ainda demorou uns minutos antes de nos aproximar do porto que receberia o Fawko, minutos esses que aproveitei para pensar no que Erin me disse na primeira vez que conversamos. Sobre aproveitar oportunidades e que, talvez, eu encontrasse nessa cidadela meios que me ajudariam na minha vingança. Eu pensei: "Será? Será que encontrarei aqui o que não consegui com o Arlequim? Seria muita burrice negar uma chance que me é apresentada sem conhecê-la por inteiro. O que eu tinha a perder? Minha vida? Eu a perdi antes mesmo de minha mãe morrer ou de me transformarem em vampiro... Lúcio cuidou disso muito bem. Eu não tenho nada além do desejo de me vingar, nenhum objetivo além de ver os olhos de Lúcio e de Lorde Sanguis nas minhas mãos, ainda quentes e frescos e ter o prazer de senti-los esfriando e secando em contato com minha pele. Vou aproveitar essa oportunidade. Se não me interessar, apenas dou as costas a eles e foda-se. Pelo que Erin disse, eu sou importante nessa cidadela, quer dizer, para a rainha. Isso não é algo que deva ser jogado fora sem antes você dar uma boa olhada, Draconius. Uma rainha quer conhecê-lo, pense nas possibilidades.". Acho que não preciso dizer que assim que meu pensamento se concluiu, um sorriso maligno surgiu em meu rosto.

Depois que aportamos, demorou uma hora para retirar tudo do navio e começarmos a nos dirigir para a cidadela. Uma caminhada longa no interior da gruta nos foi reservada, e como foi longa e complicada. A gruta é bastante tortuosa e cheia de caminhos, como um labirinto sombrio, onde eu escutava apenas nossos passos e breves conversas que a tripulação travava entre si. Ansgar ia na frente, guiando a comitiva pela escuridão (que para Yhn era terrível). Essa caminhada me lembrou um livro trouxa, que estava numa mochila de um grifinório (roubada por Crabble e Goyle, como "sinal de boas-vindas" a Hogwarts), e falava sobre uma comitiva ridícula envolvida numa missão mais ridícula ainda: destruir a porra de um anel. De qualquer maneira, tem uma parte nele que fala quando essa comitiva (liderada por um mago, que pela descrição só podia ser o pinel do Dumbledore) entrou numa antiga mina de anões, como não podia deixar de ser, infestada de monstros. Um livro tipicamente grifinório, na minha opinião. Pois as pessoas que tiveram a idéia brilhante de utilizar a porra do anel (já que era tão poderoso) contra o inimigo, ou morriam ou perdiam tudo. O livro ainda fala sobre lealdade (um toque Lufa-lufa, que decepção!)... e lá estou eu me desviando do assunto. O importante é relatar que foi uma jornada no escuro e ponto final.

Finalmente, chegamos ao que serão (com certeza) as maiores porta que já vi na minha vida. Sério. Acho que qualquer um que cruzasse com um portão de trinta metros de altura com vinte de largura (que transformando nas medidas inglesas seria: noventa e oito pés de altura e sessenta e seis de largura) afirmaria a mesma coisa. Ansgar levantou seu braço direito para a nossa comitiva parar a alguns pés do portão. Ele deu mais alguns passos em direção a porta e falou uma palavra que não escutei, mas que fez surgir uma voz sussurrante na escuridão que estávamos.

- Bun venit , fiu de Vlad.

As portas abriram com um estrondo, revelando a cidade de Vladeska. Eu pensava que estaria a mesma escuridão que estávamos, mas acho que essa foi uma das partes da explicação de Erin que ignorei. Enormes cristais brilhantes espalhados pelas paredes da caverna cuidavam da iluminação, davam a impressão de uma constante manhã inglesa pois emitiam uma luz pálida de uma manhã nublada. A minha atenção foi desviada dos cristais para a cidade em si e só pude me lembrar de um lugar que Vladeska me lembra: Roma na época do Império, sem os bairros pobres da plebe. Os prédios enormes feitos de mármore branco e cinza são magníficos, as largas ruas são feitas de uma pedra negra sem brilho, várias torres de observação fortificadas com guardas de armaduras negras e uma enorme quantidade de estátuas. A população da cidadela estava nas calçadas, totalmente em silêncio, nos olhando curiosamente, quero dizer, me olhando. Quando as portas se fecharam atrás da comitiva, num estrondo ensurdecedor, a mesma população silenciosa explodiu numa ovação que abafou o barulho das portas num instante. Yhn deu um salto, agarrando meu pescoço e se aninhou no meu peito, como uma criança assustada no colo do pai. Eu, é claro, revirei meu olhos com irritação mas o passei meu braço por baixo dele para lhe dar apoio... e juro que senti Erin sorrir para mim.

A caminhada até o castelo parecia mesmo as famosas paradas militares que os imperadores preparavam para os generais vitoriosos de Roma, só faltando as pétalas de flores e as bigas. O castelo de Valerika é imponente e não tem nada de aterrador, é a maior construção da cidade e pode ser visto em qualquer parte da cidade, depois de alguns meses aqui e de alguns passeios por Vladeska, posso afirmar que é verdade. Pois o castelo foi construído na parede da caverna e vai até o teto, como se tivesse brotado da rocha. Enquanto caminhávamos na rua principal em direção ao castelo, pude perceber que havia uma certa quantidade de crianças no meio da população. Eu ainda acho estranho ver rostos tão pequenos e tão pálidos, com bocas igualmente pequenas com caninos prolongados, sendo alimentadas com sangue. Mas estou me acostumando.

Eu me lembro muito bem do momento em que vi Viktor pela primeira vez, a aura de poder e terror que ele emanava era impressionante e avassaladora, fazia qualquer um querer estar milhas de distância dele. Uma impressão dessas não pode ser apagada da mente, ainda mais depois do que ele fez comigo. O meu ponto é que antes de conhecer Ansgar e Valerika, eu achava que todo nosferatu projetava esse tipo de aura. Ansgar não projeta aura alguma, não porque não tenha, mas porque ele está num estado constante de concentração, me disseram que quem a sente não tem a oportunidade de senti-la de novo. Agora Valerika é um caso totalmente diferente. Quando a vi pela primeira vez, eu não pude acreditar que fosse a rainha de Vladeska. A aura que ela projeta é poderosa (e em certas ocasiões aterradora), mas geralmente é até acolhedora, como se convidasse a nos aproximar e conversar com Valerika, contar a ela nossos mais profundos segredos e angústias.

Ela é apenas um palmo mais alta do que eu, com longos cabelos negros (quase arrastando no chão) e olhos da mesma cor, de uma aparência por demais delicada. Valerika nos esperava no topo da escadaria que há na frente de seu castelo, trajando um vestido negro com adornos prateados, seu cabelo arrumado numa enorme trança atrás dela e tinha nas mãos uma coroa de flores brancas. A coroa de Valerika não é imponente, não passa de uma delicada e cálida tiara cravejada de diamantes, com um pequeno anjo de asas abertas adornando a frente da coroa, o que chama a atenção nesse ornamento são os olhos do anjo, onde estão mais dois cristais brilhantes que iluminam Vladeska. Junto com Valerika, no topo da escada, estavam seus criados e a corte oficial de Vladeska (uma cambada de almofadinhas sem-valor, segundo Erin).

A ovação do povo parou quando começamos a subir pelas escadas, eu olhei para os outros membros da comitiva e vi que eles carregavam um orgulho animal em seus rostos pálidos, como se tivéssemos retornado de uma guerra, até mesmo Erin o tinha em seu rosto. Eu quase abri uma gargalhada, quase. Que raio de orgulho era esse? Cumprir uma missão de "resgate"? Quem deveria estar orgulhoso era eu! Afinal, quem lutou contra os caçadores? Eu! Quem matou o tal de Balen "não-sei-o-quê" Hawthorne? Eu! Bem... contei com a ajuda de Yhn, tudo bem, mas quem deu o golpe final? Euzinho aqui! Que raio de orgulho e dignidade restaram a eles? Os bastardos tiveram apenas que assegurar que eu não morresse para poder me entregar a Valerika. GRANDE MERDA.

Eu bati contra o cara que estava na minha frente quando a comitiva parou a alguns degraus antes do patamar onde estava a rainha, apenas Ansgar continuou em frente. Porém, quando ele colocou os dois pés no patamar, Ansgar se virou para mim e estendeu sua mão direita em minha direção. A comitiva abriu caminho para mim e esperou minha reação, que levou alguns segundos devido ao meu receio de me encontrar com Valerika. Finalmente, eu passei Yhn (que relutou em me largar) para Erin e fui ao encontro de Ansgar, galgando os degraus que nos separavam bem devagar. Meus olhos estavam direcionados para a frente, eu não olhava para Ansgar e nem tentava me esticar para olhar logo para a rainha, aos poucos o patamar foi descendendo e vi o vestido dela, ainda sem levantar meu raio de visão para o rosto dela. Quando fiquei ao lado de Ansgar e a olhei nos olhos, minha mente deu voltas e imagens de toda a minha vida vieram à minha mente.

Valerika estava na minha mente e estava vendo minha vida. Quando vi a imagem de Viktor me olhando com seus caninos prolongados, eu percebi o que ela estava fazendo e a expulsei da minha cabeça usando todas as minhas forças. Meu rosto se fechou numa expressão fria quando a realidade voltou ao foco e eu a vi sorrindo para mim. Ansgar estava ajoelhado em frente à rainha, esperando ela colocar a coroa de flores. Ela voltou sua atenção ao general e colocou a coroa na cabeça dele, ainda sorrindo, como se nada tivesse acontecido. Ansgar se levantou, caminhou até ficar atrás dela e me olhou, com a mesma expressão vazia no rosto. Valerika juntou suas mão e outra coroa de flores apareceu nelas e me chamou para perto dela. Eu decidi jogar esse jogo de "faz-de-conta-que-eu-não-tentei-ler-sua-mente", era uns dos muitos jogos que eu e Lúcio jogávamos. Então, caminhei lentamente e me coloquei diante dela.

- Bem vindo à Vladeska, Nicolae. – foi a primeira vez que ouvi a voz de Valerika, é tão penetrante que parece que ela fala dentro da cabeça de quem a ouve – Sua chegada é o sinal de que uma nova era está para começar para nós, seja boa ou ruim, espero que atravessemos juntos por ela.

Eu fiquei tão atordoado com a voz dela que nem mesmo registrei o momento em que me ajoelhei e recebi minha coroa de flores. Ela estava certa, minha chegada foi mesmo como se uma nova era tivesse começado, principalmente para mim. É difícil colocar em palavras o que ocorre comigo. Ainda parece um sonho quando percorro as ruas de Vladeska em companhia de Yhn, às vezes Erin nos acompanha (transformando o sonho num pesadelo, mas estou me acostumando).

Eu e Valerika conversamos todas as noites sobre vários assuntos, a rainha tem pleno conhecimento do que se passa no mundo fora da sua caverna (vários espiões espalhados pelo mundo, com certeza). O mais estranho é que ela ainda não pediu detalhes sobre minha história, não duvido que Erin deva ter falado a ela sobre meu passado com Lorde Sanguis e certamente não duvido que o maldito tenha um passado com Vladeska, talvez até seja um dos motivos pelo qual a cidade tenha sido criada. Essa dúvida vem me atormentando todos os dias, desde que chegamos aqui. E estou chegando ao ponto de não agüentar mais...

Eu decidi. Assim que me encontrar sozinho com sua majestade, Valerika, teremos uma longa conversa sobre Lorde Sanguis, sobre eles, sobre mim e sobre minha vingança.


N.A.8: O que posso dizer em minha defesa? Desculpem pela demora na entrega do capítulo? É, desculpem pela demora na entrega do capítulo. Não quero explicar o que a causou, foram motivos pessoais importantes (e quais não são?). Só posso prometer que não vai demorar mais um ano para sair o próximo... se é que ainda há alguém lendo minha fic.

N.A.9: Sei também que o final desse capítulo parece(?) meio brusco. Mas é que admito que me faltaram idéias para preenchê-lo com mais informações sem que revele a trama toda a vocês. E admito novamente que não sei escrever em forma de diário, folgo em dizer que nunca mais tentarei escrever em primeira pessoa. Eu já li fics muito boas escritas em primeira pessoa e parabenizo quem consegue. Porém, eu me senti preso e repetitivo nesse tipo de narrativa. Se alguns de vocês não acharam, deve ser o meu velho perfeccionismo gritando dentro de minhas entranhas.

Abraços,

Luiz Campos.