A fumaça do cigarro a recém aceso desviava sua atenção das coisas que aconteciam ao seu redor. Lockhart vestia uma quantidade precária de roupas se fosse considerado o frio que fazia nos corredores naquela noite, e já podia sentir as conseqüências de tal fato: o corpo magro e esguio do jovem tremia levemente, um tremor não característico como aquele que ele geralmente apresentava em situações de nervosismo, já que este era realmente por sentir as costas quentes e suadas tocando a parede fria, onde se encontrava escorado. Os olhos extremamente vermelhos e irritados, de onde escorriam lágrimas involuntárias ainda pelo efeito do feitiço que havia sofrido, já haviam se acostumado do breu do canto afastado onde ele se encontrava, local deveras tranqüilo se fosse levada em conta a movimentação apressada dos alunos, supostamente se dirigindo para os dormitórios, querendo, no fim do dia, somente uma cama quente e um pouco de descanso.

Era tarde. Tarde demais para se permanecer tão mal acomodado como Jared o fazia: algo o chamava, assim como o resto dos estudantes, para enfrentar uma boa noite de sono na tranqüilidade dos dormitórios, mas no fundo o jovem não se sentia com paz de espírito suficiente pra deitar e realmente conseguir dormir; não o fazia direito há dias, e aquilo não lhe incomodava de verdade, apesar de notar o quanto isso fazia falta ao seu corpo.

Olheiras profundas haviam tomado conta da região dos olhos, contrastando de forma doentia com a pele pálida, e os olhos vermelhos deixavam claro que Lockhart não era e muito menos parecia a pessoa que alguns haviam conhecido anteriormente. O pouco caso com si mesmo também era evidente, visando as roupas amarrotadas e folgadas que ele trajava, a barba rala com a aparência de estar por fazer, e o cheiro de bebida barata que ele exalava, misturada a algum perfume masculino e forte e os cigarros, cheiro que estava habitualmente impregnado ao jovem como se aquilo lhe pertencesse, tivesse nascido exatamente assim.

Cortando os ares, a fumaça denunciava que alguém se escondia na penumbra do corredor próximo aos dormitórios dos professores, lugar que antigamente era um dos preferidos por Jared. Não tinha muita certeza da razão pela qual se encontrava ali, naquele estado, e também não fazia idéia de como havia chegado ao local; lembranças vagas e aparentemente distantes denunciavam que ele havia chegado ali há muito tempo atrás, e o nó em seu estômago, acompanhado de uma forte dor de cabeça, indicavam que, provavelmente, ele havia faltado há muitas refeições e havia bebido somente álcool há vários dias; as mãos geladas e quase esqueléticas desgrenharam os cabelos oleosos, relevando que ele também necessitava de um bom banho, como não o tinha há dias. Mas nada lhe parecia muito atrativo quando simplesmente não tinha por que fazê-lo.

Owen cruzava energeticamente os corredores mais próximos aos seus aposentos, continuando a ouvir passos apressados dos alunos que acompanhavam os seus, mesmo estes sendo mais calmos, livrando-se da pressa do começo da caminhada. Nada havia sido fácil desde a última aula de duelos onde Jared comparecera, pois já haviam se passado mais semanas e este não havia aparecido, nem mesmo dado sinais de vida. Mais difíceis ainda foram a explicações dadas há poucas horas aos outros professor justificando a razão pela qual Lockhart faltava as aulas ainda com mais freqüência depois do pequeno duelo e por que, quando ele ia, era simplesmente incapaz de acompanhar os outros colegas, já que os olhos fortemente irritados não lhe permitiam ver muita coisa além de vultos, do que o moreno tanto reclamava. Remorso? Não, este não surgia em Owen, e ele tentava forjar alguma emoção parecida em seu coração como culpa, já que nem ele entendia como podia não querer voltar a atrás e reparar tudo o que havia feito a Jared. As noites ultimamente lhe pareciam intermináveis e os dias muito curtos, onde Robert não achava tempo para especular sobre a vida do aluno, acabando por achar que tudo havia se estabilizado em um fim entre os dois; entre o relacionamento, é claro, já que os sentimentos do homem eram incontestáveis e ainda profundamente verdadeiros, importantes e necessários para que ele não caísse em desgraça como o próprio Lockhart havia feito, mesmo sem seu conhecimento.

A velocidade dos passos diminuía gradativamente aos conformes que Robert tentava reconhecer e figura estática e esguia, mais parecendo perdida em meio à penumbra de uma área mal iluminada do corredor, bem conhecida por Owen, mas que não era e nunca fora uma de suas favoritas. Era claro o porquê da dificuldade de reconhecimento, já que o indivíduo mais parecia querer se esconder e não ser reconhecido, e se os sentidos do professor não fossem bastante aguçados, passaria noites e mais noites querendo e desejando notícias do jovem Lockhart. O frio na barriga acertou em cheio o corpo vigoroso e aquecido do homem, jogando-o de volta à realidade de uma forma súbita e agressiva, mas ainda assim pôde sentir as paredes rodando ao seu redor, como se tudo ali tivesse sido minuciosamente armado, com o intuito de realmente chocar Robert. As pernas balançavam dando um pouco de insegurança ao Owen, acrescentada a toda aquela que ele já ostentava desde o primeiro segundo que havia visto que, realmente, se tratava de Jared, e por momento reviveu o medo de ir de encontro ao chão, conseguindo novos hematomas no lugar dos já curados.

- Você sabe que não pode ficar nos corredores essa hora. – O odor dos cigarros, da bebida e do perfume embriagavam os antes tão aguçados sentidos de Owen, brincando com suas sensações e piorando a impressão de um quase desabar que vivia agora. As palavras foram automáticas e nada calculadas de sua parte, mas no impulso sentiu que estas foram bem escolhidas, amenizando a vontade de dizer tantas coisas inapropriadas para o jovem agora, e fazendo Robert recuperar o equilíbrio e a segurança aos poucos. Ainda não se sentia completamente confiante quando o outro começou uma aproximação, fazendo o homem recuar alguns centímetros, temendo ter que encarar aqueles olhos azuis de perto novamente.

- VOCÊ NÃO SABE NADA SOBRE MIM, OWEN! NADA, TÁ CERTO? Não sabe o suficiente pra me mandar sair daqui. – Fora da penumbra, tinha outra visão do mundo, mas a visão de Owen era sempre a mesma: os momentos inesperados pareciam seus favoritos, aparições surpresa eram seu forte, a implicância e persistência eram suas armas. Os berros haviam soado mais baixo que o esperado, pois a escassez de voz lutava contra o impacto que tais palavras deveriam causar dentro de Robert. Esse empecilho não era suficiente para deter a súbita fúria do jovem: gesticulava com a mão livre, enquanto mantinha um dedo riste muito próximo à face do tão bem conhecido, certificando-se de que ele entenderia todas as palavras e ainda desafiava-o a não se impressionar. Sentiu o tremor subitamente aumentar, e o frio se afastar de seu corpo, dando-lhe a impressão de que na verdade algo ali, que alguém ali, é que era a causa de todos os seus recentes problemas.

Conforme a aproximação foi acontecendo, a imagem assustadora de um Jared abatido por demais além de aparentemente doente intimidaram de verdade o professor, talvez mais do que os berros que ele tentava dar. As mãos suadas brincavam inconscientemente com as mangas esfiapadas do casaco grosso que usava, enquanto a voz do homem, mais forte e presente, sobressaía-se à do aluno, indicando que quem ditava as ordens por ali era ele. Dentro de si, a verdade era bem diferente. – NÃO ME INTERESSA, JARED, POR QUE DIABOS VOCÊ ESTÁ AQUI, e eu também NÃO tenho o MÍNIMO interesse em ficar sabendo; a única CERTEZA que eu tenho é a de que você vai sair daqui QUERENDO OU NÃO. E AGORA. – A presença do moreno irritava Owen de forma profunda, como se a insistência de Lockhart em ficar perto do professor lhe privasse o ar e lhe tirasse as forças: as palavras não saíram com a facilidade necessária. No fundo, queria mesmo que ele saísse do corredor frio e fosse cuidar de si mesmo, porque mesmo sendo de uma forma indireta, Robert se sentia responsável, e aquilo machucava e dilacerava seu coração de uma forma inconcebível e inimaginável.

Sentiu as conhecidas mãos frias tocarem seus pulsos de forma indelicada alguns poucos instantes depois de sua resposta à Jared, não conseguindo revidar ou se defender por logo se encontrar imobilizado com as duas mãos atrás do corpo, sentindo um impulso que o fez topar com as pedras cruas da parede mais próxima, arrancando um resmungo exagerado do professor exasperado, que lutava ferozmente na tentativa de se livrar do toque que ele já havia sentido, mas que simplesmente não apreciava. Perguntava-se como alguém podia não conseguir segurar uma varinha, mas ter tanta habilidade e rapidez em movimentos tão complexos e que exigiam tanto esforço. – O que você PENSA que tá...?

- VOCÊ SABE POR QUE EU TOU AQUI, você sabe o que eu quero e o que eu preciso, não adianta fingir. – Segurava as mãos de Owen com firmeza contra o corpo do professor sem a força necessária para machucá-lo, usando somente o que era necessário para manter as ações seguintes seguras, sem perigo de interrupções. Os sussurros eram proferidos ao pé do ouvido de Robert com a respiração alterada, sentindo esta ser direcionada à nuca do loiro, sentindo os arrepios serem devolvidos ao seu corpo quente e suado, como se esse pudesse quase prever o que viria a seguir. A segurança das mãos do outro estavam garantidas, e afastou os corpos o suficiente para levar a mão livre ao fecho da calça, desabotoando-a depressa, com o rosto ainda mais próximo ao ouvido do professor, respirando forte ali, querendo que ele também sentisse a euforia e o vigor que repentinamente tomavam conta do corpo antes tão frágil de Jared. – E você sabe que eu te amo e que é difícil ficar sem você...

Os corpos se encontraram novamente de forma não tão rude mas sim sugestiva quando as calças de Lockhart se encontravam na altura de seus joelhos, as mãos de Owen ainda seguras entre os dois corpos, forçando uma separação na altura da barriga de Jared, mesmo que os quadris continuassem grudados: Robert podia ouvir com clareza os gemidos controlados e deveras prazerosos do aluno quanto à posição e as mordidas sem força aplicadas na altura de sua nuca, mesmo que ele não estivesse fazendo nada mais que manter os corpos o mais próximos possível, o que era difícil considerando que o professor estava completamente vestido. Gradativamente a pressão sobre suas mãos foi desaparecendo, momento em que poderia se livrar dos atos antes considerados repugnantes por sua pessoa, mas que agora pareciam ser consenso, algo que o homem também desejava, talvez até com mais intensidade que o próprio Lockhart. Sentia os lábios se entreabrindo involuntariamente, começando com gemidos ainda mais discretos que os do aluno, as mãos avançando pra parede, procurando algum apoio, já que a pressão do outro contra seus quadris era forte e insinuava outros movimentos, talvez os que viriam a seguir.

Verdade que não queria que ele parasse, que desejava quase desesperadamente que ele continuasse e fosse além dos movimentos com os quadris, mas algo dentro do homem o fez despertar para o quase ato que acontecia em meio a um corredor há pouco tempo movimentado, vendo o quão absurdo aquilo soava para alguém não envolvido pelas carícias das quais ele tanto ainda sentia falta, feitas e comandadas por Lockhart, da forma que somente ele sabia fazer. Relutou contra si mesmo ao empurrar o corpo magro do outro pra longe do seu, finalmente afastando-se da parede agora não gelada, que havia recebido um pouco do calor do momento que eles haviam vivido há poucos instantes atrás. – Pára, pára, PÁRA, PÓPARANDOAÍ! Se é ISSO que você quer de mim, procure um daqueles seus coleguinhas ou o faça sozinho, porque ISSO NÃO É AMOR, isso é DESEJO, e não é suficiente pra concertar o ESTRAGO que você fez no meu coração. – A figura de Jared lhe parecia mais deprimente do que nunca, a expressão do jovem agredia a visão de Owen, e ele simplesmente não conseguia encarar aquilo. Finalmente rendeu-se à vontade súbita e demasiado grande de correr pra longe dali, acabando por deixar o aluno falando sozinho, sentindo nos passos pesados e apressados certo alívio. O ar entrava em seus pulmões de forma consoladora e bem menos pesada que anteriormente, indicando que resistir a aquela tentação fora certo por agora, pelo menos em sua cabeça. Mas ainda sentia as reações dos sussurros e gemidos de Lockhart muito vivas em seu corpo, sabendo que estas lembranças, ah, estas seriam impossíveis de apagar.

A figura de Owen desaparecendo pelo caminho trilhado pelos corredores deu lugar a um grande vazio no coração de Jared. O corpo já não trêmulo não resistia aos estímulos de sua cabeça, e a posição em que havia sido atirado por Robert foi adotada até a recuperação de seus sentidos, alguns minutos depois. A repentina onda de frio trouxe novamente vida à carcaça de Lockhart, estimulando-o a se mover e por fim sair do corredor escuro e gelado, que agora não lhe parecia um bom lugar para passar o resto da noite. Estranhamente, sentia que as paredes acompanhavam seus passos e movimentos, por mais inocentes que estes fossem. Via a imensidão dos caminhos de Hogwarts diante de si de forma que lhe fazia parecer insignificante diante tamanha grandeza.

Insignificantemente só.