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Marah
Da Lagoa Negra
Primeiro
Capítulo: Raio Laranja e Raio
Amarelo
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Mais tarde naquela manhã, um pouco antes de subir ao tatame para iniciar sua aula de estratégia de combate no solo, Dustin foi chamado pelo Sensei Kanoi.
— Só vai demorar um minuto, pessoal. Vão se aquecendo até eu voltar. — Ele instruiu seus alunos. Os garotos e garotas começaram os exercícios e Dustin seguiu atrás de seu Mestre.
— Como estão indo as aulas, Dustin? — Sensei Kanoi perguntou afavelmente quando pararam embaixo de uma árvore, com perfeita visão do que os alunos faziam.
— Tudo está ótimo, Mestre! É uma turma ótima, estou adorando dar aula para eles — ele respondeu, gesticulando entusiasmado.
— Muito bom. E quanto às minhas sobrinhas? — o Sensei fez um sinal discreto em direção a Kapri e Marah, que formavam uma dupla e treinavam juntas alguns golpes.
Quando Sensei havia aceitado as duas irmãs na Academia Ninja do Vento quase um ano antes, nem mesmo por um instante havia passado pela cabeça de Dustin duvidar de seu julgamento embora, em seu íntimo, sempre houvesse creditado aquele acontecimento mais à bondade no coração de seu Mestre do que em algum interesse que ele pudesse ter nas habilidades ninjas das duas. De qualquer forma, se parecia tudo bem também para Shane, Tori e Cam, por que Dustin pensaria diferente?
Mesmo depois de ter sido traído por Marah quando ela havia prometido estar mudada, Dustin não havia guardado mágoa por muito tempo em relação a mais jovem das duas irmãs por ter partido seu coração; ele imaginara que havia sido mais difícil para ela realizar as mudanças que provariam que havia se tornado boa, do que ela pensara, especialmente vindo da família que vinha.
Porém, quando mais recentemente Marah e Kapri haviam se arriscado no covil temporário de Lothor em Costa dos Arrecifes para salvar tanto Sensei Kanoi quanto os outros estudantes ninjas do vento, o jovem Sensei percebeu que Marah estava realmente mudada. Sua antiga atração por ela não havia diminuído com o passar do tempo, o problema é que ela já era sua pupila na ocasião, de forma que ele decidiu que era melhor para todos se simplesmente empurrasse seus sentimentos para o fundo de sua mente.
Surpreendentemente, Marah, assim com sua irmã mais velha, haviam se revelado talentosas e aplicadas alunas e foi por causa disso que Dustin respondeu honestamente:
— São boas alunas como os outros, Sensei. Kapri ainda tem alguma dificuldade em não trapacear, mas ela está indo bem, assim como a Marah.
— Por que elas ainda estão usando laranja e rosa? Me preocupa que, mesmo depois de todo esse tempo na Academia, não tenham conseguido estabelecer o elemento a que pertencem.
— Tentei fazer com que elas entrassem em contato com seu ninja interior, mas não conseguimos nada. Sensei, existe jeito de alguém simplesmente não ter um ninja interior!
— Não, Dustin, todo ninja possui seu ninja interior. É o poder que o guia em suas decisões, só precisa ser despertado — explicou.
— Como Luke e a Força ou algo assim?
— Exatamente. — Sensei, um ávido fã de Ficção científica entendeu a referência e concordou, sorrindo. — Por isso, eu vim pedir para que você fizesse mais uma tentativa. Como parece que você tem mais afinidade com a minha sobrinha Marah, por favor, faça uma nova tentativa. — Neste ponto, Dustin sentiu-se corar involuntariamente e baixou os olhos, momentaneamente embaraçado. Se o Sensei percebeu alguma coisa, guardou para si, pois não comentou nada, continuando o assunto que o trouxera até ali: — Pedirei a Shane que converse com Kapri. Se elas não conseguirem divisar seu elemento, terão que interromper seu treinamento nessa escola.
— Mas o senhor não pode fazer isso, elas não têm outro lugar para ir!
— Elas continuarão a viver aqui como minhas parentas, mas é só isso. A área de treinamento da Academia Ninja do Vento se fechará a elas para sempre.
— Cara, isso ainda não parece certo — Dustin murmurou olhando para baixo e arrastou o pé no chão, rompendo a terra para criar um sulco com o salto da bota.
— Como disse, Sensei Dustin? — Sensei Kanoi perguntou, olhando para ele de modo perspicaz.
— Cara... quero dizer, Sensei — Dustin disse contidamente, após refletir por um momento, curvando-se respeitosamente. — Vou fazer o que me pediu.
— Obrigado. Agora, volte à sua aula, seus pupilos o esperam.
Dustin curvou-se novamente e deu as costas ao Mestre, correndo de volta em direção aos alunos.
— Está bem, vamos começar — disse Dustin circunspecto, subindo ao tatame e ficando defronte à classe com as pernas afastadas e as mãos cruzadas atrás das costas. — Vocês sabem o que fazer; formem duplas, eu estarei observando — instruiu ele, começando a se mover entre os alunos: corrigindo posturas, mostrando o modo certo de golpear e a filosofia por trás dos movimentos.
Seu coração, no entanto, não estava exatamente ali. Preocupado, ficou revirando mentalmente a tarefa que seu Sensei lhe impusera. Preferia que o Mestre tivesse pedido aquilo a Tori, muito melhor que ele para aquele tipo de coisa. Dustin ainda não entendia a razão de terem-no convidado a ser professor ali; certamente conseguia ver porque chamara Tori e Shane, e imaginava que o convidara junto com os amigos para não ferir seus sentimentos. Muito modesto quanto a sua capacidade, não conseguia perceber que era um dos Senseis mais queridos pelos alunos.
Quando o tempo daquela aula acabou, Dustin aproximou-se de Marah, que já estava se preparando para deixar a área de treinamento com a irmã e outros estudantes e tocou-a de leve no ombro. Ela virou-se e olhou para ele com um sorriso nos lábios que fez o coração dele perder uma batida. Ele engoliu em seco rapidamente e, para mascarar seus próprios sentimentos, imitou aquele postura serena que já vira nos outros instrutores da Academia.
— Marah — disse ele —, preciso que você fique um pouco depois da aula. Precisamos conversar sobre os seus progressos.
— Algum problema, Sensei? — ela disse, franzindo o cenho.
— Bem... É melhor você vir comigo — disse Dustin, afastando-se dos outros ninjas e ela o seguiu.
Os dois caminharam juntos em silêncio até a entrada escondida pela cachoeira e a atravessaram. Agora que não existia mais nenhum ninja espacial do mal perseguindo a Academia, o lugar passara a ser mais freqüentado pelos estudantes, não apenas pela guarda como antes, até mesmo Tori dava algumas de suas aulas ali no lago. No entanto, tudo estava deserto naquela hora, mesmo os pássaros na floresta próxima estavam silenciosos.
Dustin fixou sua visão no lago e limpou a garganta, mas não disse nada.
Enquanto isso, todo aquele suspense estava matando Marah, que não sabia se deveria se dirigir a ele como amigo ou como Sensei. Talvez aquele fosse simplesmente um jeito estranho que ele havia encontrado para convidá-la para sair. Mas se ele queria conversar sobre seus estudos, provavelmente como Sensei seria o mais certo. Sem saber o que fazer, ficou parada ao lado dele, calada.
Ficaram ali por algum tempo, observando o efeito dos raios do sol filtrados pelas copas das árvores sobre as águas do lago, até Dustin decidir-se sobre como começar. Ele limpou sua garganta novamente. O som que ele produziu fez Marah pular sem querer, ela estava sentindo-se um pouco atordoada pela falta de sono naquela noite e agora que a adrenalina da aula já havia baixado e o movimento hipnótico na superfície da água tomara sua mente, seus pensamentos haviam voado para bem longe, para seus novos problemas trazidos pela carta que recebera na noite anterior.
— Marah, como você já sabe, no seu segundo ano aqui, já deverá estar estudando apenas as matérias de seu próprio elemento e como você ainda não tem um... — Dustin fez uma pequena pausa. — Entende qual é o problema? — concluiu.
— O quê? — ela disse confusa, voltando seus olhos para o rosto dele e forçando-se a concentrar-se. — Oh. Sim, Sensei, eu sei.
— Você fez os exercícios como nós conversamos, para despertar o seu ninja interior?
— Sim, Sensei — ela mentiu.
— Bem, talvez Ar, Água ou Terra não sejam seus elementos, afinal — ele concluiu. — Como você se sentiria se eu a indicasse para a Academia Ninja do Trovão? Talvez o Hunter poderia...
— Eu não quero ir embora! — ela exclamou, interrompendo-o. Não conseguia acreditar que, não apenas Dustin não queria absolutamente nada com ela, mas também desejava forçá-la a deixar o lugar que ela agora chamava de lar. Sentindo-se ainda mais atordoada, num impulso teve vontade de atingi-lo com um jato de água do lago bem em sua cara idiota.
— Marah, não é nada disso, é só para termos certeza — Dustin tentou explicar de novo e estendeu o braço para alcançar o ombro dela, mas ela o afastou num repelão.
— EU NÃO VOU EMBORA! — gritou ela, interrompendo-o novamente, esquecida por um momento que ele era, afinal, seu superior na Academia.
Dustin notou que ela estava muito pálida agora, então decidiu não insistir.
— Está bem, está bem, péssima idéia — disse Dustin, colocando as mãos à frente do corpo numa atitude defensiva, como se a pequena garota morena olhando irritada para ele naquele momento pudesse machucá-lo, sabendo que ela poderia mesmo, especialmente naquele estado de fúria. — Então, acho que vamos ter que tentar de novo, só isso — ele concluiu, tentando alcançar e tocar em seu braço novamente e, desta vez, ela não o afastou. — Ei, tive uma idéia, vamos ver o pôr-do-sol lá de cima — sugeriu, pulando no ar e transformando-se, por um brevíssimo momento, em um raio amarelo e reapareceu lá em cima na montanha, sendo seguido de perto por um raio laranja brilhante: Marah.
Lá de cima, tinham uma vista privilegiada de Enseada Azul: à direita de onde se encontravam podiam ver toda a linha da praia, serpenteando ao longo do mar. As areias de Enseada Azul não eram particularmente brancas, mas ainda assim contrastavam com a água azul do mar àquela hora da tarde. Também podiam ver, ao longe, sua linda e quase perfeita demais cidade. Às costas deles se encontrava o prédio imponente e de inspiração oriental da Academia Ninja, que ia se esvaziando lentamente dos alunos que não moravam nos alojamentos, mas o que atraia a atenção dos dois naquele momento era como o céu imediatamente acima da cordilheira à sua esquerda parecia pegar fogo, à medida que o sol se aproximava da linha do poente — algumas pessoas poderiam dizer que aquele efeito era causado pela poluição, devido ao excesso de carros em Los Angeles, mas era muito romântico de se olhar mesmo assim.
Dustin sentou-se no chão, Marah sentou-se bem ereta ao lado dele, abraçou os joelhos e, depois de um tempo, apoiou a cabeça no ombro de Dustin. Os dois ficaram admirando o céu em silêncio por um longo período. Quando já estava quase noite, naquele ponto da tarde em que a luz do sol quase desapareceu por trás das copas das árvores, mas não está completamente escuro ainda, Dustin movimentou-se um pouco, Marah retirou a cabeça de seu ombro e ele se levantou por completo, limpando a terra da roupa.
— É melhor a gente descer agora, Marah. Ainda tenho algumas coisa para rever, antes de encerrar o dia — ele explicou num tom de desculpa, oferecendo sua mão para ela se apoiar.
— Foi legal, obrigada por ter me convidado para vir aqui. Eu não sabia que tudo ficava tão lindo daqui de cima. Nem mesmo da nave nós tínhamos essa linda vista — Marah sorriu para ele e apertou sua mão, levantando-se também. De pé, seus rostos ficaram a apenas alguns centímetros um do outro.
—Não está mais brava? — Dustin perguntou, examinando o rosto dela atentamente.
— Não estou. Desculpe por ter gritado com você. — Ela pareceu triste e baixou os olhos, quando disse isso.
— Tudo bem, contanto que você não fique brava novamente, porque ainda temos que resolver aquele problema.
— Eu sei. — Ela fez uma longa pausa, decidindo se poderia contar a ele o que a incomodava ou não. Finalmente, decidiu que poderia: — Sensei Dustin, o que acontece comigo quando vocês finalmente perceberem que eu não sou boa o bastante para essa Academia?
— O quê? De onde você tirou isso? — Dustin estranhou, dando um passo atrás para avaliá-la melhor.
— Quando tio Kanoi perceber que eu não sou uma boa ninja. Ou... ou mesmo uma b-boa lutadora. — Marah gaguejou.
Dustin quis abraçá-la quando ela disse aquilo, ela parecia tão incerta de si mesma, quase patética, mas adorável mesmo assim. Talvez crescer à sombra de alguém com uma personalidade tão forte como Kapri tivesse avariado permanentemente seu senso de realização.
— Não sei de onde você tirou isso — ele disse. — Sensei sabe que você é uma lutadora. Eu confiaria a minha vida a você, agora que estamos do mesmo lado. — Bem, melhor descermos agora — concluiu, andando até a borda e preparando-se para pular, mas antes que ele fizesse isso, Marah alcançou-o e segurou-o pelo braço.
— Você está agindo todo estranho — ela disse. Ela conseguia sentir que o pequeno momento que haviam partilhado se fora e ele se tornara frio novamente, como em outras ocasiões em que haviam ficado sozinhos. — Você não gosta muito de ficar comigo, não é? Tudo bem, ninguém gosta.
Isso deteve Dustin. Depois de alguma hesitação, ele explicou:
— É em mim que eu não confio quando estamos juntos.
— Como é que é? — Marah perguntou, franzindo a testa.
Dustin suspirou e segurou o queixo de Marah com a mão em concha, quase forçando-a a olhá-lo diretamente nos olhos.
— Marah, eu sou o seu professor e isso torna qualquer coisa que possa acontecer com a gente muito errado, entende? Mas quando eu estou com você, eu quero fazer coisas com você que não estão nos pergaminhos ninja. Como beijar você, segurar sua mão, te abraçar, mas eu tenho que me controlar. E eu nem deveria estar te dizendo isso, porque eu não sei se você sente ou quer o mesmo.
— Mas... Mas eu sinto! Eu quero! — e para provar que queria mesmo, impulsivamente aproximou seus lábios dos dele, o que fez Dustin arregalar os olhos surpreso, antes de finalmente os fechar e curtir o momento com ela. Gentilmente, ele a enlaçou pela cintura, trazendo-a para mais perto.
Quando o oxigênio se tornou uma urgência, finalmente se separaram e Marah ficou em silêncio por um momento, com a cabeça encostada no peito dele, pensando, enquanto Dustin acariciava seus cabelos castanhos anelados. Logo, os olhos de safira da garota brilharam com sua idéia e ela olhou para cima, encontrando os olhos dele.
— Mas, olha só, tio Kanoi e tia Miko... ele era o Sensei quando eles começaram a sair e tia Miko ainda era estudante aqui. Então: a-há!
— Mas quando eles se conheceram, os dois eram estudantes — Dustin a corrigiu.
— É, mas você era estudante aqui da Academia quando a gente se conheceu — ela o corrigiu, cutucando-o no peito, um pouco para dar mais ênfase às suas palavras e um pouco só para arranjar uma oportunidade de tocá-lo novamente.
— E você, a ninja espacial do mal... — ele segurou sua mão e a beijou, soltando-a em seguida.
— Viu como não tem problema nenhum? Parece que você só está procurando desculpas! — Marah disse revirando os olhos, impaciente com ele.
— O problema é que eu não quero estar por perto quando o Sensei souber disso. Isso vai contra cada uma das regras da Academia sobre relacionamentos entre os ninjas — Dustin tentou explicar.
— Então... se o problema é que você é meu professor... não seria nenhum problema se você não fosse mais meu professor. É isso?
— Sim, acho que é isso mesmo — concordou ele.
— Bem, então eu tenho que ir.
— O quê?
— É, lembrei que tenho uma coisa a fazer. Tchau! — ela disse animada e, dando-lhe um beijo rápido no rosto, transformou-se num raio laranja e desapareceu, deixando um extremamente confuso Dustin para trás.
Minutos depois, Dustin transformou-se em um raio amarelo e partiu também.
CONTINUA
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