Disclaimers: Saint Seiya pertence a seus criadores. A música é "Eu era um lobisomem juvenil", pertence à banda Legião Urbana, e está no album "As quatro estações".

Esta é a "Encalhada III", e ainda tem mais encalhadinhas irmãs dessa. Tem um monte. Se pretendo colocar todas aqui? Maybe. É que tem umas que não me descem de jeito nenhum, mas cada uma tem valor sentimental pra mim. Esta daqui é muito triste, e na minha opinião, acho que peguei pesado no OOC, mas... bem, estou pubicando porque hoje ela faz um ano. :)


Metal contra as nuvens
by Ifrit

: Afrodite e Máscara da Morte :

"O que sinto muitas vezes
faz sentido e outras vezes
não descubro o motivo
que me explica porque é
que não consigo ver sentido
no que sinto, o que procuro,
o que desejo e o que faz parte do meu mundo..."

Observar Afrodite dormir havia se tornado um hábito diário para o cavaleiro de Câncer. O silêncio e os olhos fechados do outro permitiam que ele estudasse sua face com calma, sem receio. Desde que voltaram para aquele "novo" santuário, a tensão era palpável em todos, mesmo neles dois, que pensaram que suas vidas seriam normais depois de tudo o que aconteceu. Aquela última batalha realmente deixou sequelas por todos os lados, coisa óbvia de se prever. Mas ainda não era isso. Não era esse o problema, e ele não conseguia apontar uma causa específica. Estavam juntos, era verdade, mas nem conseguiam realmente conversar. Tinham suas atividades durante o dia, se falavam pouco ou nada, mas todas as noites passavam juntos. E todas as noites Máscara da Morte passava as últimas horas da madrugada a vigiar o sono de Afrodite, e a se perguntar silenciosamente o que era que estava acontecendo com eles.

Mas os olhos fechados de Afrodite não significavam sono profundo, pelo contrário. Já há algum tempo ele havia notado que Câncer ficava horas acordado olhando e olhando, até que os primeiros raios de sol aparecessem. Nesta hora ele levantava-se sem fazer barulho e ia embora para sua casa. Todos os dias Afrodite tinha vontade de abrir os olhos e enfim perguntar o que estava acontecendo com o companheiro, mas não tinha coragem. As coisas estavam estranhas desde que voltaram à vida, e a expressão sempre fechada do outro simplesmente lhe tirava a coragem de tomar a iniciativa e falar sobre isso. O pior era que não pareciam nem um pouco perto de uma separação. Na verdade falava apenas por si, porque tinha certeza de que seria muito infeliz se perdesse o amor do canceriano, mesmo que ele se mostrasse distante. Mas aquela situação era muito estranha, tão estranha que nem sequer permitia que olhassem nos olhos um do outro. E os dias passavam, e nenhum dos dois falava.

Afrodite voltou de seus pensamentos quando sentiu o rosto ser levemente acariciado por dedos úmidos. Abriu minimamente os olhos, apenas o suficiente para ver algo que jamais pensou que veria em vida: Máscara da Morte, o cavaleiro de Câncer, tinha lágrimas no rosto. Ele chorava, e como lhe doeu ver aquilo! Quase teve coragem de abrir de vez os olhos e colocar o outro na parede, para saber de uma vez o que acontecia, mas não teria tempo para isso: ele se levantou e foi embora, estava amanhecendo. Viu quando Câncer deixou o quarto, e somente quando não ouviu mais seus passos deixou cair suas próprias lágrimas.

O sol já estava a pino quando os aprendizes foram autorizados a deixar a arena para o almoço. Alguns cavaleiros de ouro supervisionavam os treinamentos enquanto outros preferiam ficar em suas casas, isso era opcional em tempos de paz. Afrodite havia tomado para sí a responsabilidade de dirigir o treinamento dos soldados, e isso lhe tomava pelo menos metade do dia. A outra metade ele utilizava para manter-se em forma. Máscara da Morte, contrariando a idéia de quase todos, passava boa parte do dia circulando pelas vilas vizinhas, certificando-se de que nada de anormal acontecesse nos arredores do Santuário. Naquela tarde, no entanto, o cavaleiro de Câncer não parecia tão animado em circular entre as pessoas. Sem se incomodar com o sol quente de meio-dia, ele estava sentado num ponto alto da arquibancada da arena, sozinho.

Da arena, Aldebaran ainda dispensava alguns garotos quando avistou o colega torrando ao sol. Viu que Afrodite havia terminado de falar com alguns dos cavaleiros de prata, e esperou que ele fosse subir até onde Câncer estava, para falar com ele. Mas Afrodite tomou o caminho das 12 casas, e Máscara da Morte permanecia imóvel onde estava. Já estava achando aquilo estranho, sabia que o cavaleiro de Câncer não era alguém muito sociável, mas era de se esperar que ele e Afrodite se falassem com mais frequência, já que praticamente viviam juntos. No início, Touro atribuiu aquilo à tensão generalizada que rondava a todos desde que voltaram à vida. Mas naquele momento, aquilo já estava demorando demais para passar. Despediu-se do último rapazinho e subiu as arquibancadas.

Quando chegou perto, Aldebaran viu a expressão cansada e as olheiras que circundavam os olhos fechados do colega, que dormia. Teve pena de acordá-lo, mas se não falasse com ele, nem que fosse para receber meia dúzia de palavrões como resposta, não conseguiria seguir em paz. Sentou-se ao lado dele e o chamou. Máscara da Morte apenas abriu os olhos e resmungou.

"O que quer aqui?"

Nenhum palavrão. Aldebaran coçou a nuca e pensou se devia mesmo continuar com aquilo. Decidiu que sim, até porque se não teve a mãe xingada e ainda estava no mundo dos vivos, era porque o colega de Câncer não ia mesmo brigar por causa de um papo.

"Vim ver como você está, só isso." - Aldebaran esperou alguma reação, mas não viu nenhuma - "Parece cansado, por acaso está doente?"

"Não estou doente." - Máscara da Morte passou a mão pelo rosto, e abafou um bocejo.

"Mas está morto de sono." - Aldebaran sorriu mas o sorriso sumiu rapidamente de seu rosto quando percebeu que o outro percorria a arena quase vazia com os olhos - "Olha, Afrodite foi para casa eu acho..."

"Hum..." - Câncer levantou-se e bateu a poeira da roupa.

O cavaleiro de Touro não pôde deixar de notar a tristeza nos olhos do colega. Viu que ele ia embora, mas tinha aquela coisa que o incomodava demais, que estava gritando para ele conversar com o outro. E obedecer seus instintos para ele era lei.

"Espera aí, já vai tão cedo?"

"..." - O canceriano apenas enfiou as mãos nos bolsos e continuou a andar.

"Olha, cara, eu sei que você não é de falar mas não me interessa, eu falo então. Tá na cara que tem alguma coisa te incomodando. E você não está reagindo, e isso eu não consigo entender." - Aldebaran falava andava ao lado do outro.

"Você tem razão, eu não sou mesmo de falar com ninguém." - Máscara da Morte parou e voltou a se sentar - "E eu é que não consigo entender o porquê de você estar tão interessado nisso."

Aldebaran fez um sinal negativo com a cabeça, suspirou e sentou-se de novo ao lado do colega. Bateu as palmas das mãos, ganhando assim a atenção do cavaleiro de Câncer, que o olhou com os olhos mais arregalados que jamais vira naquele rosto sempre fechado.

"Vai, fala logo o que é que está te atormentando."

Máscara da Morte deu uma risada meio forçada - "Se eu soubesse o que está me atormentando, acha que eu já não teria resolvido?"

"Tá certo, foi uma pergunta estúpida. Tem alguma coisa a ver com o Afrodite, não é?"

Ficaram em silêncio por alguns minutos, Aldebaran esperando a resposta que já sabia, e Máscara da Morte tentando achar dentro de sí mesmo qualquer coisa que lhe desse munição para resolver o que quer que fosse que estava acontecendo. Além disso, estava sim extremamente intrigado com aquela aproximação do cavaleiro de Touro, de repente querendo fazê-lo falar. Pois bem, de repente falar ajudaria.

"Aldebaran, eu realmente não entendo o porquê de você estar querendo falar disso, mas..." - Parou um pouco para olhar nos olhos do colega, era a primeira vez que olhava nos olhos de alguém desde muito tempo, e viu que tinha toda a atenção do mundo naquele momento - "...mas sim, você está certo, tem a ver com Afrodite."

"E o que é? Por acaso estão tendo problemas?" - Touro falava com naturalidade do relacionamento dos dois, e isso não surpreendia Câncer.

"Não exatamente."

"Mas vocês não se falam muito, não é?" - Aldebaran observou - "Por quê isso, se não têm exatamente problemas como disse?"

"Não sei. Desde que voltamos para este lugar, todos estão muito estranhos, uns mais, outros menos. Eu sei que jamais interagí o suficiente com ninguém por aqui para saber qual é o normal de cada um, mas isso que temos visto definitivamente não é o normal."

"É, acho que todos levaram alguma coisa da última batalha." - Aldebaran olhou para as pontas dos dedos do pé, pensativo - "Mas então, com isso, você está me dizendo que as coisas estão estranhas entre você e o Afrodite por causa da última batalha?"

"Não."

"Então o que é?"

"Eu não sei!" - Máscara da Morte respondeu, irritado - "Catzo, se eu soubesse acha que eu estava aqui feito um imbecil sem saber o que fazer?"

"Agora sim está parecendo você!" - Aldebaran deu uma risada - "Finalmente uma reação de quem tem sangue quente nas veias. Olha, agora que você está vivo, que tal você ir até a casa de Peixes e soltar um grito desses lá, conversando com Afrodite e colocando pra fora tudo o que você não sabe que sente?"

"Seu filho da..."

Touro, ainda rindo, se levantou e estendeu a mão para o canceriano, que o olhava bastante irritado. No fim de alguns instantes, aceitou a mão e levantou-se também, acompanhando silenciosamente o colega a caminho das 12 casas. Não podia dizer que sabia o que ia fazer, mas já se sentia capaz de olhar nos olhos de Afrodite e encarar o que quer que fosse que visse lá. Deixou Aldebaran em seu templo, e continuou subindo, até que sem perceber chegou à porta da casa de Peixes. Como todos os dias, teve medo de entrar, mas entrou. E lá, encontrou o dono da casa, como todos os dias. Afrodite estava sentado lendo um livro. Sentou-se ao lado dele.

Afrodite, por sua vez, não levantou os olhos do livro, mas estava bastante surpreso. Câncer sentou-se ao seu lado. Tinha alguma coisa diferente. Não queria levantar os olhos ainda, mas quando ouviu a voz do outro não pôde evitar.

"Afrodite..."

Os olhares se encontraram. E o cavaleiro de Câncer teve vontade de sumir quando viu a mágoa nos olhos azuis do outro.

"Ora, você ainda fala..." - Afrodite se arrependeu do comentário infeliz, mas já o tinha dito, e o canceriano abaixou a cabeça quando o ouviu.

"Eu não sou de falar, você sabe." - Máscara da Morte disse, sem levantar o rosto - "Falo menos ainda quando não sei o que dizer."

"Por que ainda estamos juntos?" - Afrodite aparentava calma, mas seus olhos denunciavam toda a ansiedade.

"Io te amo." - Máscara respondeu, mais para si mesmo do que para ser ouvido - "Eu estou com você por isso."

"Verdade?" - Afrodite quis acabar com a própria raça quando se ouviu.

Por mais que quisesse manter a civilidade, aquele tom ácido de Afrodite acabou por tirá-lo do sério. Puxou o rosto do cavaleiro de Peixes para perto de sí com uma das mãos, fazendo com que seus lábios quase se tocassem. Afrodite sentiu um calafrio quando viu aquele brilho de raiva nos olhos do italiano, que lhe falou num tom perigosamente calmo.

"Acha que eu estou gostando disso, Afrodite? Admito que demorei para fazer isso, mas estou tentando conversar com você sobre nós. Mas sabe o que eu acho agora? Acho que você está brincando comigo. E ninguém brinca comigo, você sabe."

E soltou-lhe o rosto. Mas afrodite não se afastou. O que fez foi prender o corpo do canceriano contra o seu, e beijá-lo furiosamente. Não se surpreendeu quando o outro correspondeu, com igual força. Já estavam quase sem fôlego quando desistiram e se separaram. E quando o fizeram, seus olhos estavam fixos entre sí. Afrodite quebrou o silêncio.

"Eu não brinco, e você sabe disso." - Passou uma das mãos pelos cabelos rebeldes do outro - "Já te passou pela cabeça que eu poderia estar pensando o mesmo que você? Que você podia estar apenas brincando comigo? Mas eu sei que não estava. Eu venho te observando. Sei que tem alguma coisa te incomodando. Não sou analista mas também percebí que você não faz idéia do que seja. Só que eu não posso fazer nada por você além de te ouvir."

Máscara da Morte, ao ouvir isso, baixou o olhar. Afrodite fez com que ele o olhasse nos olhos novamente.

"Mas você é realmente péssimo quando se trata de falar, não é? Cheguei a pensar que o problema era comigo."

"A minha incompetência para diálogos é generalizada, não tem nada a ver com você." - Câncer retrucou, contrariado. Definitivamente não gostava de ser analisado daquele jeito, e já era a segunda vez naquele dia.

"Estou aliviado, sabia?" - Afrodite sorriu o primeiro sorriso real desde que voltaram ao mundo dos vivos - "Mas quero uma coisa de você."

"Se eu for capaz de te dar."

"Quero que fale comigo. Nem que seja para ameaçar a minha vida, mas fale. Não quero mais que você se feche. Eu sei que você não gosta disso, mas quero participar de tudo em você."

"Se você quer..." - Câncer beijou ternamente a testa do companheiro - "...então acho que posso tentar."

"Se você quiser
alguém pra ser só seu
é só não se esquecer
estarei aqui..."


PS: É, é... fraquinha de tudo, mas há um ano ela foi uma bela válvula de escape. Não é de todo ruim, a música eu adoro. Fico grata pela paciência de quem leu... beijinhos!