UM CUPIDO JEITOSO II
CAPITULO 03 – PAIXÃO E DISTÂNCIA
A primeira providência de Carlo foi arrumar uma boa desculpa para se afastar da villa. Do celular, ligou para o Camus e explicou que queria fazer uma surpresa para o Afrodite, mas pra isso precisava ir até o Japão. Pediu pra este então, ligar pra villa e convocar o cavaleiro de Câncer. Camus, acostumado com as loucuras de amor dos seus companheiros, fez o pedido e aproveitou pra pedir alguns favores, já que o Máscara ia mesmo para o Japão...
-Porco canne, francês explorador... – resmungava o italiano, no aeroporto de Tóquio.
Nos primeiros dois dias, depois de descansar um pouco da viagem, Carlo despachou tudo que tinha que fazer na Fundação Graad. E foi repassando seu plano passo a passo. Ele não tinha dito nada nem para o Afrodite o que ia fazer... Mas um de seus concunhados trabalhava na filial européia da gravadora de Gecko. Não foi difícil cobrar alguns favores até o italiano ter conseguido agendar um encontro com o cantor.
O referido cantor estava deitado na cama, ainda, abraçado a um enorme urso de pelúcia, olhando para a TV e não assistindo nada, quando Matsumoto entrou. Gecko nem virou o pescoço e Matsu subiu na cama, engatinhando até a cabeceira, procurando desalojar o urso e tirar os óculos escuros do amigo.
-Só falta o pote de sorvete de dois litros e você fica a perfeita imagem da garotinha que levou um fora do namorado espinhento.
Jacob apontou, sem mover mais nada, para o chão. Matsu olhou para o lado da cama e lá estava o pote de sorvete de chocolate. Seria cômico se não fosse trágico. Matsu pensou em tirar sarro, mas Gecko já estava com os olhos marejados de novo...
-Mas o que houve? Eu te deixei ontem e você estava bem...
-Eu fiz o que você me encheu até a morte pra fazer. Maldita hora que eu não segui os meus instintos...
-Você ligou para o Gino? – Matsumoto arregalou os olhos.- Oras, mas que bom que saiu da inércia...
-BOM O CARO! –a voz estava rouca, dolorida, as lágrimas já escorrendo bochechas abaixo. – Eu não te falei que a imprensa não sabe de porra nenhuma? Pois outro atendeu o telefone. Pela voz, alguém lindo... chamado Afrodite... E Gino o chamou... o chamou... – Soluçou, se jogando na cama, voltando a chorar. – o cha-cha-chamou de amore...
-Que é que quer dizer essa palavra?
-Amor, querido, em italiano. – Gecko sussurrou.
-Ai, minha biba ciumenta e apaixonada. Isso não quer dizer nada. Quando a gente se fala no telefone, você também me chama de "meu amorzinho". Quem ouve de fora, pode até ter idéias erradas, como você teve agora, com seu italiano... eu já te falei que ele ta sozinho, cacete!
Uma leve esperança flamejou no peito de Gecko, mas seu lado pragmático se recusava a ficar imaginando coisas impossíveis.
-Matsu, ta proibido de continuar com esse assunto. Pra mim, ta morto e enterrado, ta me ouvindo?
-Tá, sua mula. Vai sofrer porque é uma mula empacada! Mas eu lavo minhas mãos sobre isso... Não tinha compromisso hoje, sábado de manhã?
-Uma sessão de fotos, mas eu estava muito horroroso pra ir. Tenho um jantar à noite, com um empresário italiano... Até pensei em desmarcar, porque não to com clima pra ouvir aquele sotaque cantado, mas pelo jeito é um favor pra algum chefão da filial européia...
-Será que o cara vai tentar te levar pra cama? Tem gente que confunde e acha que fama e favores sexuais são sinônimos...
-Se for isso, eu mando o cara procurar o caminho de casa e perguntar se a irmã está disponível...
-Hey, ele é italiano... veja bem se o crime não compensa antes de dispensá-lo...
Gecko até riria da piada, se ela não lhe trouxesse boas e más recordações... Gino o abraçando, mais baixo que ele uma cabeça, mas forte o suficiente pra que ele se sentisse protegido. O contraste da pele morena do italiano com a sua, tão branquinha... E o fogo daquele europeu insaciável, que marcou seu corpo e sua alma.
-Matsu, vou pedir pra transferir para amanhã. Hoje eu não to bem pra ver ninguém... ninguém...
-Quer que eu vá com você? Às vezes, comigo lá, o tal empresário não tenta nenhuma gracinha...
-Quero ir amanhã...
-E amanhã você vai adiar pra depois, e depois e depois... Não, você não pode se deixar abater assim. Decidido, eu vou com você.
À noite, no restaurante...
Carlo estava um pouco ansioso. Porque armar esquemas na cabeça é fácil, mas às vezes, a outra parte não colabora. E se a tal araponga japonesa já tivesse um macho? "Buono, a gente tem que estar preparado pra tudo", pensava ele, enquanto bebericava um dry martini olhando para a janela da sala reservada. Ouviu a porta deslizando e o maitre se despedindo de seus convidados ("Fiquem à vontade!"). Virou-se e com desagrado – que não transpareceu no rosto – que o tal Gecko veio acompanhado.
"Sabia. Cacete! Pelo menos, vou tentar voltar com a canção pro Afrodite."
Jacob olhou para o italiano que se virava da janela e prendeu a respiração. Ô terra abençoada que era a Itália, só fazia homens lindos. Será que esse cara era hetero? E o que ele queria dele? Porque com esses olhos e esse corpo, podia pedir o que quisesse. Ele quase se esqueceu do Matsumoto ao seu lado, quando sentiu uma cotovelada de leve:
-Para de babar e cumprimenta o homem... – o guitarrista disse baixinho, quase sem abrir a boca, segurando a vontade de rir.
Foi aí que o cantor percebeu que Carlo tinha estendido a mão e deveria ter falado algo. Ficou vermelho e estendeu a dele, a conversa se iniciando no idioma neutro, o inglês. Gecko apresentou Matsumoto e Carlo ficou aliviado: pelo menos, não foi apresentado como namorado.
-Fiquei muito curioso para saber o motivo desse jantar, Mr. Di Angelis...
-Bem, meu marido é um grande fã seu...
Matsu arregalou os olhos e a boca e murmurou:
-Perdão? Quero dizer, o senhor é italiano, pode ter se confundido com as palavras em inglês, não quis dizer "minha esposa"?
Carlo deu uma gargalhada e Gecko sorriu. "Oh, my God, esse monumento à beleza masculina é gay. Ainda bem que eu topei esse jantar..."
-Não, eu não confundi as palavras. Meu marido mesmo. Eu sou casado com um homem. Mas eu não sou gay. Ele é. – Carlo riu de novo. – Parece confuso ou uma péssima desculpa de um hetero mal resolvido, mas eu não tenho nenhum interesse no rabo de mais ninguém. Só tenho olhos e o resto para o meu Afrodite.
Gecko, que estava se servindo de uma taça de vinho, praticamente cuspiu o que estava engolindo e se engasgou. Matsumoto e Carlo o acudiram e logo que o cantor pode respirar de novo, segurou no braço do italiano.
-Como o senhor disse que se chama seu marido?
-Afrodite. Afrodite Thorsson. Conhece?
Matsumoto sempre ligado no mundo, sabia quem eram os Thorssons, mas duvidava que Jacob soubesse, e ainda conhecesse o caçula do empresário, mas o mundo das bibas era muito mais globalizado do que qualquer um pensaria... Qual não foi a sua surpresa ao ouvir Gecko dar uma gargalhada, como criança que ganha o tão esperado presente na noite de Natal e passando o guardanapo nas gotas de vinho que respingaram em seu terno escuro, perguntar:
-E ele é amigo de Gino Michelle?
-Sim, no momento estamos passando uns dias com o Gino. – Carlo estava mais surpreso que Matsumoto. Mas pelo brilho no olhar do cantor, não ia ser tão difícil aproximar aqueles dois.
Gecko fechou os olhos azuis e respirou fundo, pra tentar acalmar as batidas do seu coração e frear um pouco a emoção que estava sentindo. Pragmatismo, praticidade, foco no momento, forçou-se a pensar. Uma coisa estava resolvida, quem era Afrodite e qual o seu papel na vida de Gino Michelle. As outras vertentes eram o que esse Di Angelis queria e qual o papel que ele, Jacob Chiroushini, teria na vida do compositor italiano.
-Compreendo. – disse o cantor, sem maiores explicações. Matsu torceu o nariz, ia tirar toda aquela história a limpo depois. – Bem, desculpe-me pela bagunça, foi uma surpresa saber da ligação dos dois. Não, não conheço seu esposo pessoalmente, mas posso lhe dizer que ele tem uma voz maravilhosa. Ele é tão lindo quanto a voz?
-Sou suspeito para falar, mas sim, ele é.
-E em que posso ajudá-lo, Mr. Di Angelis? O senhor disse que ele é meu fã, mas o senhor não fez uma viagem da Itália até o Japão e reservou uma sala num restaurante caríssimo somente atrás de um autógrafo ou de um souvenir meu.
-Muito perspicaz de sua parte, se bem que acredito que haja gente maluca e com grana que tentaria uma coisas dessas. Não. Uma foto sua comigo seria um ótimo presente a ele, mas eu não sou homem de miudezas. Quando eu faço algo para meu Mozinho, eu faço algo grandioso, por completo. Vivo pra fazer meu sueco feliz. E nada o faria mais feliz agora do que ver seu cantor e seu compositor favoritos juntos.
Foi a vez de Matsumoto engasgar. Mas foi pior pra ele, porque Gecko estava paralisado, olhando para Máscara da Morte sem piscar, procurando indícios de que aquilo era uma piada de mau gosto. Feliz ou infelizmente, não era.
-Tá falando sério mesmo?
-Estou. Eu nunca brinco. Pelo menos, não quando se trata do Afrodite. Já que estamos pondo as cartas na mesa, vou ser sincero. Enquanto viajava pra cá, planejei mentir e dizer que eu queria comprar uma canção sua pra ele, desde que você fizesse parceria com o Michelle. Mas se você não conhece o Afrodite e já ouviu sua voz, foi você quem ligou essa semana pra villa. O alivio que você demonstrou ao saber que Afrodite é meu e não daquele veado italiano, diz abertamente que você gosta dele. Então pra que fingir?
-Esse jantar vai matar alguém antes mesmo de começar. – resmungou Matsumoto, assim que melhorou. – O senhor é muito direto, Mr. Di Angelis.
-Na minha profissão, é melhor atacar de frente, sem muitos rodeios.
-O senhor é policial?
-Não, trabalho com uma empresa de segurança... Podemos pedir o jantar, que tal? Ou alguém mais pretende engasgar, aqui?
Todos riram, desanuviando o ambiente, e chamando o maitre, fizeram os pedidos. Carlo explicou a Gecko o quanto Gino estava sofrendo e o que ele pensou para aproximar os dois.
-Ele disse que quer que eu seja o macho da casa?
-Não sempre, mas ele gosta de revezar, pelo jeito... Cada um com seu gosto – e Carlo ergueu as mãos, como se desculpando – Como você é mais alto que ele, não vai ser difícil desempenhar o papel de dominante. Cresça pra cima dele, uomo!
Gecko ficou rubro, quando percebeu o olhar de Matsumoto em cima dele. Ele nunca tinha aberto suas intimidades na cama nem para o melhor amigo e agora ele tinha admitido que tinha sido uke com Gino Michelle. "Bom, problema meu, não? Dei o que era meu, ninguém tem nada a ver com isso... E pra falar a verdade, foram poucos os amantes em que eu tive vontade de ser passivo. Nossa, que eu estou dizendo? Até parece que eu tenho uma vasta experiência sexual... Eu fui pra cama com... um, dois... sete amantes em dez anos de vida sexual ativa, dois eram mulheres, então não tem como ser uke... e dos cinco homens... com quem me tirou a virgindade e com Gino... Bah, e eu achei que ele ia considerar isso como prova de amor..."
Carlo viu o olhar de Jacob ficar distante e triste. Tocou no braço dele.
-Às vezes, o seme gosta de ser dominado apenas pra provar o seu amor. – Olhou para Matsumoto, como o desafiando a dizer alguma coisa.
-Eu acredito nisso.
-Então, qual é o problema?
-Ele! Eu olho para aquele italiano desgraçado e minhas pernas viram geléia, minha boca seca e minha voz não sai. Como nesses filmes sobre a vida animal, que o macho alfa aparece e os outros abaixam a cabeça, põe o rabo entre as pernas ou viram de barriga pra cima... QUE ÓDIO QUE ME DÁ! Mas eu não posso evitar...
-Entendo. Ele é mais velho, mais famoso, todo italiano tem essa aura de sedução mesmo... Mas vou trair a raça e lhe dar um conselho: não deixe que isso o intimide. Pense que você é maior, mais alto, mais forte, como todo japa você sabe alguma arte marcial, não sabe?
-Sei...
-Então, garoto. Passa a rasteira nele. Nos filmes sobre o mundo animal, de vez em quando tem um filhote mais topetudo que desafia o macho alfa.
Matsu pensou que geralmente esse topetudo levava uma surra de quase morrer, mas valia a experiência... E ficou quieto.
-Bem, e como vamos fazer?
-Sei que você está criando as músicas para seu novo disco. Não quero atrapalhar, mas se você puder fazer uma canção para o Afrodite, pelo menos um trecho, é a desculpa para que Gino a complete e vocês tenham que trabalhar juntos.
-Tem uma foto dele?
-Tenho uma na carteira, mas eu te passo uma maior por e-mail, se você quiser. – E tirou a mencionada foto.
Gecko precisou piscar e olhar de novo. Matsumoto não pode segurar o assovio.
-Isto é um homem?
-Meu homem. Não é um travesti, não é transexual, não é uma bicha louca, embora às vezes, extrapole.
-Mr. Di Angelis, me permite tratá-lo pelo primeiro nome? Obrigado. Carlo, ele é perfeito. Belo de corpo, lindo de rosto, tem uma voz divina, mas ele é muito mais belo por ser amado por alguém como você e por querer difundir essa beleza por entre os amigos. Me mande a foto dele por e-mail – rabiscou o endereço num papel – Eu farei uma canção pra ele por estes dias. Você vai ficar no Japão muito tempo?
-Não. Volto amanhã pra Itália, três dias sem meu Mozinho já é tempo demais. Mas ficamos na villa até o final do mês, se você aprontar alguma coisa, me ligue e eu te pego no aeroporto.
-Combinado então. Eu... eu queria muito também ser amigo do Afrodite. E seu, se vocês me permitirem. Mesmo que tudo isto seja em vão, eu aprecio o esforço que vocês estão fazendo.
-Niente en questa vitta é em vão, caríssimo! Afrodite vai enfartar quando eu contar pra ele seu desejo. Eu que agradeço muitíssimo você ter dedicado um espaço na sua agenda para nossa conversa e não ter virado as costas quando eu revelei o logro.
-Não foi um trambique muito feio... afinal, até eu vou sair lucrando com isso.
-Nós. O CD novo precisava de uma balada de amor mesmo.
-Ai, por kami-sama, Matsu, você só pensa em trabalho?
Rindo satisfeito, Carlo chamou o maitre pra pedir a conta.
N/A: Yes, Carlo di Angelis, poderoso fodão. O que ele quer, ele consegue, vocês não querem um Mozão desses pra vocês? E o Gecko é tudo de fofo. Eu me apaixonei por ele, foi um personagem original que fluiu assim, muito bem, da minha mente até o fic... No próximo, o tão esperado encontro. Como Gino vai reagir? 05/08/06.
