Capítulo 8: If...

Tirei a manhã para ligar para os antigos conhecidos, para hospitais em que trabalhei antes de entrar para escola de medicina, já que a tarde eu tinha hora marcada na psicóloga da escola da Halie. As respostas foram quase as mesmas, um não tinha vagas, outro não estavam contratando ninguém, o último desligou na minha cara. Nunca havia pensado em quantas desculpas se poderia ter para enrolar uma colega antiga, porém, um médico do Mercy que soube da minha saída disse que um primo dele falou sobre um hospital que estava contratando, mas é em outra cidade. Não tem nada que me prenda em Chicago, mas eu gosto daqui, aprendi a gostar. Meus maiores momentos foram nessa cidade, além disso sei que Halie odiaria sair daqui, ela tem sérios problemas com mudanças ou qualquer coisa parecida.

--Mamãe?

--Oi, minha linda. Acordou agora? Bom dia.—Puxei ela pra perto de mim e a abracei como não fazia a tempos.

--Bom dia. Mãe, você não vai trabalhar hoje de novo? Você está de folga esses dias? Por isso você ficou em casa?—Ajeitei ela no meu colo, olhei nos seus olhos como sempre fazia quando ia contar alguma coisa importante.

--Halie, a mamãe não trabalha mais no Mercy, as coisas estavam difíceis lá, exigiam coisas que eu não podia fazer. Se continuasse lá, não teríamos tempo juntas.

--Então, aonde você vai trabalhar agora? Você vai ficar sem trabalho e a gente não vai ter mais onde morar?—Não esperava essa reação dela, achei que ela ia gritar para mim ir pro County.—JÁ SEI! Você pode ir trabalhar no County, é só ligar para tia Susan, ela é a chefe lá, né?—Não estava totalmente enganada, ela só demorou um pouquinho para expressar sua idéia.

--É. Ela é a chefe, mas não sei se quero ir trabalhar lá, mas isso não quer dizer que eu vou para de trabalhar, não.

--Por quê? Todo mundo gosta de você lá. Sabe o que me falaram? Se você voltasse a trabalhar lá ia ser legal já que iam poder ver mais você e eu.

--Foi? Quem disse isso? Susan?

--Não. O tio...quer dizer o Dr. Carter.—Meu Deus, será que ele desconfia de alguma coisa sobre a Halie? Quer dizer só Maggie e Eric sabem disso, mas não é muito difícil, se ele perguntasse a idade e a data de nascimento da Halie, ele facilmente descobriria que ela é sua filha. Não, ele jamis pensaria nisso...—Mãe, que foi? Algum problema? Liga pra tia Susan e fala logo com ela.

--Nenhum.—Estava tão atordoada que sem perceber, disquei o número do hospital e pedi pra falar com ela.—Oi, Susan. Você pode falar agora? Se você não puder tudo bem, eu ligo mais tarde.

--Não. Na verdade aqui está um tédio, até queria falar com você, mas semana passada foi um sufoco a Mona Lisa adoeceu, foi um caos. Pode falar.

--É, que...não me sinto bem fazendo isso, mas é que...eu pensei se vocês estariam contratando?

--O que aconteceu? Cansou da perfeição da Mercy?—Ela soltou uma risada abafada, mas depois recuperou a seriedade.

--Na verdade, eu não gosto de nada organizado, meu negócio é bagunça e adoro quando ficamos atolados.—Tentei entrar no clima, mas parece que não deu certo, deu pra sentir na voz dela, ela vai negar.

--A filha pródiga sempre volta à casa do pai. Claro, Abby. Para você sempre estaremos contratando. Quando você quer começar? Que tal semana que vem? Para ajeitar tudo?

--Perfeito. Muito obrigada Susie. Você sempre é meu anjo da guarda, não?

--É o que dizem por aí...—Ainda não acreditei que consegui esse trabalho. Agora só vou ter que tomar alguns cuidados. Mas vai ser ótimo está trabalhando com as pessoas que super acolhedoras que estão lá. No fundo, no fundo, estou ótima.—Abby, chegou trauma. Até semana que vem, preciso falar com você. Vou desligar.—Ela desligou e eu também. Halie me olhou com olhinhos esperançosos.

--Consegui.

--Sabia que você conseguiria.—Nesse momento, o telefone tocou, mas ele estava nas mãos da Halie e foi ela quem atendeu.

--Alô? Ah, ela está sim. Quer falar com ela? Comigo? Quero. Vai ser super legal. Mas...Eu tenho que falar com a mamãe primeiro, mas acho que ela deixa. Quer falar com ela e pedir? Por quê? Ela só vai deixar se você falar com ela, é uma boa idéia, SIM. Vou passar para ela.—Com quem será que ela está falando? Será a Maggie? Ela me passou o telefone com uma cara de sapeca que só ela sabe fazer.

--Alô?

--Abby? Aqui é o Carter. Han...pensei se...você deixaria a Halie passar uma tarde aqui em casa. É...quer dizer...eu me dei muito bem com ela. Queria que ela conhecesse meu filho. O nome dele é Adam e ele tem 6 meses, e ela disse que adora bebês, então eu achei que...sei lá...não tinha problema. Sei que parece estranho depois de tudo que passamos, mas isso é passado, nós dois não temos mais nada juntos, é como se nada tivesse acontecido, certo?—É uma cara de pau tão grande, como pode? Ligar pra minha casa para me pedir uma coisa dessas. Ninguém merece. Pensando bem, se eu negar de cara não vai ser uma coisa normal. Talvez deva dizer sim e quando chegar no dia eu invento alguma coisa que a impeça de ir.

--Claro. Ela estava me pedindo isso há dias. Quando é melhor para você?

--Que tal próximo final de semana? Você pode vim também se quiser.—Aí já é demais. Vamos usar, mas não abusar.

--Não, não. Prefiro ficar em casa, mas deixo ela aí. Depois você me passa o endereço. Vamos ser colegas de trabalho mais uma vez a partir da semana que vem.

--Sério? Bom saber. Estou atrasado pro plantão. Tenho que ir. Tchau.

--Você deixou, mãe? Oba!—Ela pulou em mim de forma que fez eu sorri mais que qualquer outra coisa.

--Mas, afinal...Por que você gosta tanto dele? Ele nem é tão legal assim.

--Na verdade eu nem gosto muito da mulher dele. Mas ele é muito legal, ele conhece todos os filmes de desenho, e ele não me trata como se fosse só uma criança. Naquele dia no hospital, todo mundo chegava em mim, apertava minha bochecha e dizia que eu parecia com você, outros diziam que não, mas ele foi o único que viu que eu não estava fazendo nada e me chamou para lanchar com ele.

--E sobre o quê vocês conversaram enquanto vocês estavam lá?

--Ah, ele disse umas coisas meio esquisitas. Tipo, que desde o dia que te conheceu ele tinha certeza que você seria uma ótima mãe, e que eu era tão bonita quanto você, mas não parecia MUITO com você, que ele achava que vocês seriam melhores amigos porque se pareciam muito. Até você chegar ele só falou em você e quanto eu era esperta e coisas parecidas. Não sei por que, mas gostei muito dele. Ele é divertido. Acho que ele realmente queria ser seu amigo, mas como ele não conseguiu ele quer ser meu amigo agora.—Nós duas nos apaixonamos por ele, com a única diferença que ele jamais a machucaria. Mas não teria sentido contar agora. Sei que ele ficaria super feliz e ela também, o suficiente para esquecer o tempo que escondi isso deles, nem tenho raiva dele, até admiração. Seria muito mais fácil, mas às vezes o caminho mais fácil não é o certo. Será que seria o certo a fazer?

Halie alugou alguns filmes e nós duas passamos a manhã toda assistindo, na verdade ela assistia eu de vez em quando dava uma cochilada. Depois do almoço, dei banho nela e vi que ela estava meio cansadinha, então, fechei as cortinas do quarto dela, coloquei o pijama favorito e a minha coberta com a qual ela insistia dormir, liguei o ar condicionado e a pus na cama, ela nem relutou, e dessa vez eu fiz tudo do jeito que ela gosta, esse ritual sempre funciona para colocá-la na cama, deitei um pouco com ela até ela adormecer. Esperei ainda um pouco até Alex chegar e segui para escola da Halie, para o tal encontro com a psicóloga.

Quando cheguei a escola, fui até a sala da psicóloga que pediu para que esperasse um pouco até ela liberar outra mãe.

--Sra. Lockhart, estávamos preocupados com o rendimento de Halie durante as aulas. Em questões de matéria ela está ótima, acompanha tudo até mesmo um pouco mais avançada que algumas crianças. Mas o que me preocupa mesmo, é o lado social dela com os outros.

--Houve algum problema que eu não esteja sabendo? Ela brigou com alguma outra criança?—O que a Halie poderia ter feito que não me contou?

--Não é bem isso. O que eu estou tentando dizer é que ela, digamos...não se interage bem com outras crianças. Com os professores e outros adultos ela é super comunicativa, mas com as outras crianças, ela simplesmente se fecha. Olhando nos relatórios da professora dela, eu encontrei um caso em que ela chorou sem motivo aparente durante a aula. A Sra. Tem idéia do que pode estar causando isso? Vocês estão passando por algum problema emocional?

--Bom, mais ou menos. Eu me demiti do meu trabalho, mas não acho que isso a afetaria, ela odiava aquele lugar. Eu tenho medo que de alguma forma eu esteja repreendendo ela, não sei ao certo como explicar.

--Certo. Mas, eu sei que isso pode parecer meio estranho, mas eu tenho que perguntar. Isso tem alguma coisa haver com o pai dela? Em uma das visitas que ela fez comigo ela disse que não sabe nada sobre ele. A Sra. É viúva?

--Não sou viúva. Mas é disso que eu estou falando. Veja bem, eu e o pai dela tivemos grandes problemas quando eu estava grávida dela. Bem antes de ela nascer, nós nos afastamos completamente, ele nem sabe da existência de uma filha. Ela insiste em falar nele, mas toda vez eu a reprimo. Sei que não é o certo, mas é que eu não consigo.

--Ahaam. To entendendo. Da última vez que fizemos as visitas com as crianças, ela me falou sobre um amigo seu, e que ele era muito legal, mas que vocês tinham brigado e que ela sabia que não o veria de novo. Ela também falou sobre novos amigos que ela tinha feito, mas que a senhora não gostava que ela ficasse muito perto deles. Sabe, Sra. Lockhart, as crianças precisam de amizades, principalmente uma criança como ela, que vive em um mundo de adultos que ela não entende a metade das coisas que estão acontecendo.—Ela mal sabe do que está falando. Ela está insinuando que eu não estou a ajudando em nada. Eu amo aquela menina mais do que tudo na minha vida e ela diz que eu não sei do que ela precisa?

--A Sra não está entendendo. Acontece que esse meu tal amigo é meu ex-namorado, o único que ela já conheceu, o único que eu tive depois que ela nasceu. O problema é que eu descobri que ele mentiu para mim durante sáculos, então eu terminei com ele. Ele é meu chefe, o clima foi pesando e eu fui obrigada a me demitir. E esses amigos a quais ela se refere são todos adultos, todos do meu antigo trabalho que eu reencontrei. Sim, ela se deu super bem com eles. Sim, eu não gosto que ela fique perto demais deles.

--Por que?

--Eu acho que a gente está aqui para falar da Halie e não de mim. Sou a mãe dela e sei o que é melhor para ela, se eu acho que ela não deve ficar perto de certas pessoas, ela não vai ficar.

--É isso ao que eu me refiro. Primeiro, por mais que sejam adultos, ela gosta deles. Segundo, o que ela falou sobre seu ex-namorado mostra que ela sente insegurança, porque acha que vai perder todas as pessoas de quais ela gosta. E terceiro, a Sra. Simplesmente diz para ela não ficar muito perto deles, assim como diz para ela não pensar ou não falar sobre o pai. Mas, não explica o porque, e também é impossível que ela não pense nele. Toda criança necessita de uma família estável. Por mais que a senhora guarde rancor do pai dela, a Sra. Tem que entender que É o pai dela, e que não importe o que acontecer ela sempre vai ter necessidade em falar e em pensar nele.

--A Halie tem uma família estável. E o que mais tem hoje em dia por aí, são crianças que moram só com o pai ou só com a mãe.

--Sim, eu sei. Algumas os pais são separados, outras um dos pais faleceu enquanto ainda era muito pequena e tem muitos outros motivos que eu poderia citar aqui. Eu entendo isso, você entende isso, mas não se pode esperar que uma menina de 4 anos entenda isso da mesma forma que nós entendemos. A maioria dos alcoólatras e drogados de hoje tiveram um trauma na infância, os problemas iniciais estão na família, todas as pessoas que apresentam um comportamento incomum, você pode ter certeza que algum problema na infância, teve. Ou os pais morreram antes de ela estar crescida, ou ela se culpa por isso, ou não tinha comunicação com um dos pais, ou sofria abusos, não recebia atenção que precisava, era retraída. Acredite em mim. Sei o que estou falando, você precisa ajudar sua filha.—Quando aquelas palavras terminaram de sair da boca dela, me veio cenas de quando eu era criança, de tudo que eu passei com Maggie, de todas as noites que eu desejava que meu pai voltasse, as noites que eu chorava porque ele não tinha voltado, depois vieram as cenas de escuridão que caí, dos vícios e tudo mais, e também como foi difícil a recuperação, tantas reuniões no tal do AA e tanto sofrimento. Veio a verdade. Culpava Maggie por tudo o que eu passei, e agora eu estou fazendo a mesma coisa com minha filha, só que de uma forma mais sutil. Digo a mim mesma que é o melhor para ela, mas no fundo sei que não. Na verdade é o mais cômodo para mim.—Sra. Lockhart, eu tenho certeza que você a ama, mas só estou tentando lhe mostrar o que realmente é o melhor para ela.

Não vou desanimar, ainda há tempo de consertar tudo que eu fiz de errado até hoje. Pedi alguns conselhos, terminamos a conversa, agradeci e fui para casa bolando planos de como eu faria dar certo. Quer dizer eu não esperava que uma psicóloga infantil falaria tudo aquilo para mim, tudo assim na lata, mas as vezes precisamos de empurrões para poder se tocar. Eu tenho que consertar isso antes que seja tarde demais, é minha filha farei o impossível para que ela seja muito mais feliz do que eu fui.