Capítulo quatro

Sobre o jogo de futebol e a falta de luz

Não que ontem não tenha sido legal. Foi mesmo. Mas, considerando todos os fatos decorrentes da noite, eu não era eu. Não mesmo.

Porque a Emmeline Vance que eu conheço não sai por aí dançando com garotos que ela mal conhece, tem conversas absurdas sobre bolos de chocolate, fases da lua e como é ser popular e depois vai para a varanda de uma quase que nem é sua, faz um salto de uma de suas coreografias e para arrematar dá uns bons amassos na frente de uma casa que, repito, não é sua.

Eu devia estar fora de mim.

Agora estou aqui, mais patética ainda esperando a hora do jogo chegar.

Sim, porque eu vou ver ele hoje. Afinal, ele joga no time de futebol e eu sou líder de torcida.

Sim, estou falando de Remus.

Não, ele não me ligou.

Ele poderia ter ligado, certo? Certo.

Então, porque ele não ligou?

Eu odeio começar a pensar nessas coisas, eu simplesmente fico louca.

Eu não acredito que eu cai na conversa de outro guri. Pior, eu não só caí na conversa, como nos braços também. Isso é extremamente humilhante. Patético. E tudo o que há de ruim.

Porque eu tenho que lembrar das mãos dele na minha cintura e da respiração ofegante no meu pescoço?

Isso é ridículo!

Bom, pelo menos, se eu for chutada, ninguém vai saber. Afinal, a gente ficou na varanda.

Nossa, no que eu to pensando?

Eu não me importo com o que as pessoas pensam.

Eu estou ficando louca.

Eu só quero sair da minha vida no momento.

É claro que ele não ia gostar de mim, isto está totalmente fora de cogitação. É uma coisa óbvia.

Eu só não me jogo da janela porque daqui há exatamente uma hora há um jogo de futebol no qual eu tenho que torcer.

Vamos lá, o dever me chama. James já está berrando a plenos pulmões lá embaixo para que eu apareça.

- Ai, que estressadinho, James. - murmurou, jogando um de meus pompons na cara dele.

- Teu pai e a minha mãe tão no carro. - resmunga ele, olhando-me com cara feia.

Tá. Tudo bem. É um dos últimos jogos da temporada e eu sei que ele está nervoso.

Mas, será que alguém aqui se preocupa com meus sentimentos?

Não quero parecer fútil nem nada, mas eu e Remus ficamos ontem e ele NÃO me ligou. Ele NÃO ME LIGOU!

- E aí, por onde você andou na festa ontem? - pergunta James, olhando-me curioso, quando já estamos sentados dentro do carro.

- Na festa, oras. - murmurou, sentindo-me extremamente curiosa, minha sorte é que James está muito preocupado com o jogo para perceber.

- Eu não te vi lá por muito tempo. - rebate ele, não se dando por vencido. Há extrema necessidade de fazer esse interrogatório na frente do MEU PAI? Não, acho que não.

- Você está ocupado demais fazendo outras coisas, James. - digo, olhando-o maliciosa. Isso serviu para deixá-lo calado até chegarmos ao campo.

E foi então que o vi. E isso fez meu coração parar ligeiramente. Tenho certeza que fez.

Remus sorrindo para uma das garotas do time que sei que é namorada do irmão dele, o que me fez ficar calma. Remus conversando com os caras do time. Remus aquecendo. Remus jogando. Remus indo para o vestiário. Remus entrando no carro dos pais. Remus sumindo da minha vista. Remus sumindo da minha vida.

- Você tá legal, Emm? - pergunta Marlene, ao meu lado, largando os pompons no chão e amarrando os cadarços.

- To. Claro que to. - respondo, ainda meio atordoada. - Porque não estaria?

- Eu é que pergunto. - murmura ela, estranhando meu comportamento. O que não é para menos, suponho. Mas, não estou para conversas agora.

- Não é nada, não, Lene. - murmurou, chutando algumas pedras do chão. - Eu só preciso de um bom banho, só isso.

- Certo, então. - diz ela, meio desconfiada. - Até mais, Emm.

- Até. - murmurou de volta, e entro no carro de meu pai.

A volta é silenciosamente melancólica. James está feliz. Claro, eles ganharam. Mas, eu não ganhei nada. Nada além de um pelo chute na bunda.

Eu nunca tinha levado um pé na bunda antes. Não que eu tenha me envolvido com muitos caras pra dar a chance de isso acontecer. Remus foi o segundo.

E Matt não conta, já que não tive nada com ele. É um período (muito breve, diga-se de passagem) da minha vida que eu não gosto nem de lembrar.

Eu me sinto extremamente patética. Sério mesmo.

Até que enfim cheguei ao meu quarto. Não quero responder aos olhares curiosos de James. Não agora, pelo menos.

Pego uma calça de moletom cinza e uma baby look branca (além das outras peças necessárias, é claro) e vou para o banheiro.

Eu acho o banheiro um local bem seguro, na verdade.

Coloco o meu rádio semi-imprestável pra tocar uma música calma e ligo a água BEM quente, que é como eu gosto. Meu pai diz que eu ainda vou ficar careca e tudo mais, mas eu não me importo. No momento, eu realmente preciso de uma água bem quente pra relaxar.

Ahá. Está tocando uma música semi-depressiva na rádio. Eu não tenho sorte mesmo.

Com nada.

Porque sinceramente, ser popular é uma merda.

Aposto que Remus só queria ficar com a capitã das líderes de torcida e depois tirar vantagem com os amigos. Aquela cara de santo não quer dizer nada. E eu até mandaria James enchê-lo de pancada junto com Sirius e Frank, se ele não fossem tão amigos.

Estou me sentindo melhor. Eu realmente amo tomar banho e estaria me sentindo muito melhor, se não tivesse acabado a luz no exato mometo em que eu ponho meus lindos pés com as unhas pintadas de rosa choque por Alice no piso do lado de fora do banheiro.

Hoje não é meu dia.

Já é noite e eu odeio ficar sem luz. Odeio mesmo.

E há algo que ninguém sabe sobre mim e é necessário saber...

Cinco coisas insanas que é necessário saber sobre mim:

Eu já lixei meus dentes.

Eu odeio ser popular.

Eu quero ser médica.

Eu odeio comer chiclete.

E sim, eu tenho medo do escuro.

Mas, voltando ao assunto. Então. Meu pai e minha madrasta tinha saído. Sabe-se lá onde estava James. O que eu poderia fazer para acabar com minha crise de pânico? Cantar.

Sim, cantar. E eu sou uma péssima cantora.

THUCHUCA TREME O BUMBUM TREME TREME TREME.

TCHUCHUCA TREME.

TREME O BUMBUM DANDO UMA REBOLADINHA E VAI DESCENDO COM DEDINHO NA BOQUINHAAA!

AGORA SOBE COM A MÃO NA CINTURINHAAAA!

LEVENTE O PÉ, DE UMA RODADINHAAAA!

E bom, eu preciso dançar também, sabe? Porque tipo, se eu não me movimentar, eu piro.

E O PIXADÃO QUE TÁ DO SEU LADO

ELE TÁ TE FILMANDO, ELE QUER SER SEU NAMORADO.

- Quer mesmo. - murmura uma voz atrás de mim, conhecida, mas na hora eu nem pensei nisso.

Um chute na boca do estômago do pseudo desconhecido foi proferido e eu fiquei extremamente corada ao descobrir que era Remus.

- Isso tudo porque eu fui um tremendo idiota hoje à tarde? - geme ele, com a mão massageando o estômago.

Sim, eu ainda consigo enxergar um pouco no escuro. Um pouco. Um mero vulto.

- Não sei do que você está falando. - murmurou, cruzando os braços na altura do peito.

Quem ele pensa que eu sou? Não vou dar o gostinho de dizer que estou magoada.

- Eu queria ter ligado, mas os meus tios chegaram de viagem com meus primos e não deu tempo. - murmurou ele, andando de um lado para o outro, nervoso. - E então, quando eu te vi lá, eu travei.. Ontem a noite eu não era eu... Não, isso não soou certo. Não quer dizer que eu não queria ter feito o que e fiz, quer dizer que eu não sei de onde eu tirei a coragem e...bom, hoje eu voltei a ser eu, entende?
- Se isso serve de consolo, eu não era eu ontem também. - murmurou, aproximando-me dele. - E não tem problema.

- É, e acho que não. - diz ele, e sinto que ele está sorrindo, por mais que não dê para ver nessa escuridão toda. - E então? - pergunta ele, aproximando-se de mim também.

- E então, o quê? - pergunto, subitamente nervosa.

Remus coloca as mãos na minha cintura.

- Estou perdoado? - pergunta, com a boca colada no meu ouvido.

Estou arrepiada e me sinto derretendo nas mãos dele. Mãos quentes sob a minha pele fria e descoberta.

- Acho que sim... - murmurou, olhando-o nos olhos.

Nós não nos vemos direito, mas não importa mais.

- Acha? - insiste ele, mordendo minha orelha, voltando a ser o Remus da noite passada.

- Só se você prometer me recompensar por isso. - digo, sentindo-me a Emmeline da noite passada também.

- Ah, eu prometo. - diz ele, com um tom risonho na voz. - Eu prometo que sim.

E não há mais nada que se possa fazer. Sinto as mãos de Remus apertando-me contra ele e quando dou por mim estou encostada na parede fria, com as mãos dele me esquentando e fazendo com que eu me esqueça do meu pânico de escuro.

Sinto sua respiração quente no meu pescoço e tudo faz muito, mas muito sentido.

Minhas mãos em seus cabelos. As mãos dele na minha cintura. Os beijos na minha garganta. E a respiração descompassa. Sim, tudo faz muito sentido.

E eu acabo de ser prensada contra a parede. Não foi pelo capitão do time e com certeza não foi pelo garoto mais popular da escola, mas com certeza valeu à pena.