Capítulo II
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È a morte que logo os alcança,
E "seu rei" morto, eles terão como herança.
Meu peito explode de prazer; no frio, sabendo que no fio,
Eles serão degolados e, com olhos arregalados,
Lá estarão eles mutilados,
Em sangue na estrada,
Deixando a urbe cada vez mais alarmada
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Noite alta. O palácio estava silencioso, o funeral tinha acontecido sem maiores problemas e agora um novo rumo seria dado à Asgard e seus habitantes, que aguardavam ansiosos o anúncio de que Hilda de Polaris seria a mais nova governante daquela terra.
Eram fatores a serem considerados e combatidos, mas quem disse que ele tinha cabeça para isso naquele momento? A estranha aparição daquela garota durante o velório, a maneira respeitosa e pouco emocional que se dirigiu à Durval... O olhar altivo quando o encarou. Quem seria? E por que saiu daquela maneira quando percebeu a chegada de mais gente ao salão?
Sem sono e atormentado pro tantas perguntas, Alberich sentou-se no beiral da janela e ficou um bom tempo observando o jardim e o céu, que quase não tinha estrelas devido a neve que caía insistentemente. Mas observou que a constelação de Ursa Maior brilhava em meio à escuridão, as sete estrelas que acompanhavam a estrela alfa (1) em harmonia.
-Delta... Por que eu tenho a impressão de que ela dita meu destino?
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Em outro ponto de Asgard, em uma das casas que ficava na vila mais próxima, velas acesas iluminavam parcamente um quarto, enquanto sua ocupante encarava o próprio reflexo no espelho. Calmamente, ia despindo suas roupas, preparando-se para dormir. E o pensamento fixo em um único objetivo: descobrir quem era o homem de cabelos cor de rosa, presente no salão do Valhalla quando o julgava vazio.
"Se for alguém do palácio, talvez me sirva para alguma coisa... Sim, ele pode realmente ser muito útil...".
Já pronta para dormir, ela apagou as velas e, antes de se deitar, fechou as cortinas da janela. Não sem antes dar uma boa observada no entorno.
-Hum, a Ursa Maior está brilhando hoje... Delta... Um sinal de boa sorte, com toda certeza...
Suspirando, a garota se deitou e logo dormiu. Sonhou com o que pretendia fazer. E também com o belo rapaz que encontrou no Valhalla.
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Amanhecia, mas o dia não era nada convidativo para alguém se aventurar a sair da cama. Ainda mais se fosse levado em consideração o fato de que a morte e enterro de Durval estavam bem frescos na memória de todos. E Alberich não estava nem um pouco a fim de ficar escutando lengalengas e histórias sobre o velho, fingindo sentir muito pela morte dele.
Não, o dia pedia algo diferente, mais excitante e proveitoso. Uma busca, talvez. A súbita idéia lhe pareceu interessante e, animado, o rapaz levantou-se depressa e tratou de tomar um banho e se aprontar. Iria até a vila, procurar pelo taverneiro. Certamente o homem mais bem informado de Asgard teria algo para lhe contar que o ajudaria em sua busca...
Deixou o palácio tomando o cuidado de não ser visto por ninguém, não queria ter de dar satisfações ao puxa saco e lambe botas do Siegfried! Ganhou a saída depressa, logo estava caminhando entre os comuns da vila, observando a tudo com seu habitual ar de superioridade.
-Ora, ora, que surpresa vê-lo por aqui... – comentou o taverneiro, vendo Alberich entrar no estabelecimento, ainda fechado – Pensei que estivesse no palácio, chorando a morte de seu sacerdote.
-Sem gracinhas, Cirius... Sabe melhor do que ninguém que meu maior desejo era a morte daquele velho.
-Eu sei, mas as coisas não saíram como planejava, não é mesmo? Hilda assumirá o posto de governante aqui em Asgard.
-Isso ainda não está certo! – respondeu Alberich, ríspido. Cirius deu de ombros e voltou sua atenção aos copos que lustrava, não sem antes servir o hidromel ao seu mais assíduo cliente.
O rapaz bebeu tudo quase de um gole só e deixou o caneco sobre o balcão, dispensando uma segunda rodada. Encarando os olhos miúdos do homem à sua frente, ele resolveu perguntar logo o que queria saber.
-Cirius, me diga uma coisa.
-Se estiver ao meu alcance.
-Sabe se por um acaso chegou por estas bandas algum forasteiro, alguém estranho ou diferente?
-Que eu saiba, não, Alberich... Mas por que a pergunta? – questionou Cirius e o homem viu um certo brilho nos olhos verdes do rapaz – Ah, esse brilho... Acaso não seria uma "forasteira"?
-Como sabe?
-Anos de experiência atrás deste balcão, meu caro... Diga-me como ela é, talvez eu possa ajudá-lo.
Porém, quando Alberich ia abrir a boca para falar, a porta da taverna se abriu e ele virou-se para ver quem entrava. E teve que conter a surpresa ao se deparar com a garota da noite anterior bem ali, sorrindo para ele. Estava sem a capa e o rapaz pôde vislumbrar melhor o corpo perfeito e esguio dela, os cabelos ainda mais loiros e os olhos cor de rosa, brilhando. E um laço displicente mal arrematando o decote do vestido.
-Bom dia, taverneiro... Poderia me servir um caneco de hidromel?
-Desculpe-me, mas ainda não abri a taverna.
-Oh, eu não sabia... Como vi o cavalheiro aqui, pela janela, achei que poderia entrar.
Agradecendo, ela já ia saindo quando Alberich a segurou pelo braço, forçando-a a ficar onde estava.
-Considere-a minha acompanhante, Cirius... Estaremos na mesa dos fundos.
O taverneiro concordou com um gesto e já foi pegando uma bandeja, canecos e um jarro da bebida. Conduzindo a garota até a mesa, Alberich puxou a cadeira para que ela se sentasse e fez o mesmo, frente à garota. Cirius serviu a ambos e se retirou, sorrindo matreiramente para o rapaz.
-Obrigada pelo convite e saúde.. – ela disse, erguendo seu caneco e tomando um gole da bebida, sem deixar de encarar Alberich.
-Não tem o que me agradecer... Apenas achei que seria interessante a companhia de uma jovem tão bonita...
-Galanteios não me comovem, ainda mais vindos de um estranho.
-Se é esse o problema... – ele disse, deixando seu caneco de lado e endereçando um olhar comprido para a garota – Meu nome é Alberich.
Ela sorriu e o encarou com um olhar mais sedutor, enquanto sua voz soou mais melodiosa do que das outras vezes.
-Gwyneth... Encantada em conhecê-lo, Alberich.
A jovem estendeu a mão para o rapaz e Alberich a beijou, sentindo toda maciez que a pele aveludada possuía. Uma carícia propositadamente demorada.
-Então... A senhorita é...
-Apenas Gwyneth, por favor.
-Ah, claro, Gwyneth... Você não é daqui, nunca a vi por estas bandas.
-Realmente. Eu vim de uma vila que fica na fronteira com a Sibéria (2).
-E o que a trouxe até Asgard?
-A notícia da morte de Durval... O que mais poderia ser?
Gwyneth serviu-se de mais hidromel, sob os olhares atentos de Alberich. A mesma falta de emoção do dia anterior... A morte do governante de Asgard não deveria ser o real motivo de ela estar ali e sim o pretexto. O que será que a garota pretendia?
-Fale-me sobre você, Alberich. É daqui, veio de outro lugar...
-Minha família é a mais antiga e tradicional de Asgard, faz parte da nobreza desta terra.
-Nobreza? Então deve ser dono de muitas terras e títulos.
-Apenas terras que sempre pertenceram à minha família e uma cadeira no conselho de Asgard.
Conselho? Os olhos de Gwyneth adquiriram um brilho diferente ao ouvir aquela palavra e ela sorriu internamente. Alberich tinha fácil acesso ao Valhalla e seus assuntos internos, bem como à possível nova sacerdotisa, Hilda de Polaris. "A boa sorte que me sorri mais uma vez...".
E ainda por cima era um homem muito bonito e atraente, o olhar cheio de segundas e terceiras intenções. Perfeito. Seria fácil tê-lo nas mãos, bastava apenas fazer uso de uma velha e conhecida arte, passada de mãe para filha.
Do balcão, Cirius observava o casal e a troca de olhares e palavras, sempre tão calculadas. Nem mesmo com todos os seus anos de experiência saberia dizer quem ali estaria fazendo o jogo mais sórdido.
-Bem, eu tenho que ir... – Gwyneth disse, levantando-se. Alberich ficou quieto, não fez menção de impedí-la de ir embora.
A garota sorriu e se aproximou do rapaz para se despedir, inclinando-se. Propositadamente, o laço do decote estava frouxo e acabou por revelar bem aos olhos de Alberich a natureza generosa das formas de Gwyneth.
-Foi um prazer, Alberich... – ela disse, a voz sussurrada no ouvido do rapaz. A reação foi imediata e, mesmo sentado com o tampo da mesa cobrindo suas pernas, perceptível. Mais um ponto.
Gwyneth foi saindo meio de lado e desta vez Alberich resolveu agir, levantando-se depressa da mesa e segurando-a pelo braço. Puxou-a para junto de si, as bocas a milímetros de distância uma da outra.
-Não me disse onde está hospedada.
-Por que quer saber?
-Gostei de sua companhia... Seria interessante nos vermos novamente...
-Não se preocupe, Alberich... – Gwyneth se soltou dele, mas a distância mínima permaneceu - Eu saberei onde e como encontrá-lo...
E assim ela se foi, cumprimentou Cirius com um aceno ao sair e ganhou a rua.
-Que faíscas foram aquelas, meu rapaz?
Alberich não deu ouvidos ao que o taverneiro perguntou, ficou quieto em seu canto. Bebeu o que restava do hidromel e saiu também, cheio de idéias na cabeça...
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No Valhalla, Hilda estava reclusa em seu quarto, deitada na cama. Desde a morte de seu tio que não dormia direito, a possibilidade de ter que assumir o posto de governante a deixava assustada. Era certo que desde sua adolescência, quando foi morar no palácio, se preparava para isso, mas intimamente desejava que esse dia não chegasse tão cedo, ou que Durval tivesse filhos que herdariam seu posto.
Mas agora, ele estava morto e ela era a única apta para se tornar a governante de Asgard. Ao menos tinha sua irmã Freya por perto e amigos fiéis, a exemplo de Hagen e Siegfried, o chefe da Guarda Real, além dos membros do conselho asgardiano, todos de famílias tradicionais e atentos ao que sua terra necessitava para continuar a prosperar.
Suspirando, a jovem princesa levantou-se de sua cama e foi até a varanda, de onde tinha uma visão uniforme do jardim, os portões de entrada e também o bosque adjacente. E, sentando-se na mureta, ela acabava por se tornar alvo de olhares vindos de fora.
"Parece cansada, Hilda... Não se preocupe, logo eu irei tirar esse peso que sente em suas costas. Mas não pense que o preço a pagar por isso será barato...".
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Muito bem, aí está a Gwyneth, a protagonista dessa fic. E tenham certeza de que ela vai aprontar muito...
A Estrela alfa (a principal) da constelação de Ursa maior é Polaris, a estrela
protetora de Hilda. As demais estrelas da constelação receberam seus nomes em ordem alfabética grega, por isso Siegfried é protegido pela estrela de nome alfa, a primeira da fila.
No OVA "A Grande Batalha dos Deuses", o Hyoga luta contra alguns soldados de Asgard em uma região próxima de onde treinou, o que indica que a terra de Alberich faz fronteira com a Sibéria.
Este capítulo foi revisado pela Yui Minamino. Obrigada pela imensa ajuda, amiga!
