Disclaimer: por mais que eu goste de deixar os personagens levemente - ou bastante - OOCs, eles não me pertencem.

Eu não sei por que, mas a música que combina com esse capítulo é Wonderwall - do Oasis. Acho que é porque a tradução se encaixa um pouco XD bem, vamos à fic.

----------------------

-May, espera um pouco. -Kai puxou a garota por um dos braços. O gesto fez com que ela virasse para encará-lo, os olhos verdes brilhando, o rosto já molhado por lágrimas.

-O que foi? Eu já contei o que tinha que contar a eles e agora eu vou dormir um pouco. Se... Será que é demais pedir um tempo sozinha? -Quase gritou no meio do corredor.

-E você acha que eu a deixarei sozinha? -Ele disse, lembrando-se novamente daquela imagem que vira há menos de dois anos atrás... Estava com medo de deixá-la sozinha novamente e ela tentar fazer besteira de novo. Ela abaixou a cabeça, sua franja cobrindo seus olhos.

-Deixe-me sozinha, Kai.

-Pra que? -Ele sussurrou e depois, uma fúria tomou conta de si. -PRA VOCÊ TENTAR SE MATAR DE NOVO! -Gritou, fazendo a garota se assustar e olhar para ele. Tyson e os outros que estavam na sala não muito longe dali espantaram-se ao ouvir o grito de Kai. -Você podia ter me falado... E eu teria te ajudado... -Acalmou-se.

-Eu não conseguia dizer a ninguém...

-Podia ter tentado um pouco mais. -Ele respirou fundo, sua voz saindo ainda mais baixa. -Você tem idéia de como é chegar a um lugar e encontrar a pessoa que ama caída no chão em algum canto, toda ensangüentada, com pulsos sangrando e quase morta? Será que você tem idéia do que é guardar essa imagem como se tivesse de acabado de vê-la e tudo por que essa mesma pessoa não lhe confiou o bastante e não contou o que acontecia?

-Não é que eu não tenha confiado em você, Kai. É só que é... Difícil chegar para alguém íntimo e dizer que está em depressão. Eu sempre confiei em você, eu só não conseguia dizer...

Ficaram em silêncio. Não conseguiam dizer nada. Ela aproveitou que ele afrouxara um pouco o aperto em seu braço e o puxou. Saiu dali andando normalmente até o quarto onde passara a noite. May, conforme ia chegando perto do quarto, ia aumentando a velocidade até correr. Entrou no quarto e trancou a porta. Desabou de joelhos, chorando baixo. Como sentia falta de um pouco de vinho... Essa é a única bebida que a acalma após apenas uma taça. Nunca havia ficado bêbada - apenas em festas grandes, como no Natal e ano novo. Era apenas um costume de sua família: beber uma taça de vinho no jantar ou durante um dia frio. Apenas isso. Mas tinha que confessar: vinho a acalmava.

E agora tinha que admitir também: não precisava de uma taça, e sim de uma garrafa de vinho forte. Pelo amor dos deuses, havia perdido o pai, sua mãe a odiava e tinha pensamentos depressivos. Era crime querer uma porcaria de uma garrafa de vinho tinto!

Ouviu batidas fortes em sua porta e olhou para a mesma imediatamente, assustando-se levemente. Seu corpo frágil tremeu e ela finalmente acordou. Levantou-se. Humpf. Sozinha? Desde quando ficar sozinha a ajudou? Destrancou e abriu a porta de madeira e abraçou quem quer que fosse. Agora não importava quem era; queria apenas conforto. Sentiu dois braços a envolverem na cintura e logo reconheceu um cheiro inconfundível e forte: Kai. Ainda abraçada a ele, o puxou para dentro e ele chutou a porta atrás de si. Ela ergueu um pouco seu rosto e, sem mais nem menos, beijou-o profundamente. O beijo durou até ficarem sem ar e se separaram.

-Desculpe por ter te dito qualquer coisa que te magoasse... -Ela murmurou.

-Não se preocupe. Eu que sinto muito. Não devia ter dito que você não confiava em mim.

Respiraram fundo.

-Sinto muito. -Disseram, quase sorrindo. -E você está desculpado.

-Quer descansar um pouco, May? -Ele perguntou.

-Sim...

-Eu posso ficar aqui com você, caso precise de algo.

-Não se preocupe comigo, Kai. Qualquer coisa, eu chamo. -Ela o apertou um pouco mais no abraço, enquanto sussurrava. -Não irei fazer nada de ruim. Prometo.

-Gente... Vocês ouviram? -Disse Hilary, meio que apontando para a porta da sala que levava ao corredor.

-Quem não ouviu? -Respondeu Tyson, sarcástico. -O que me espanta foi o que ele gritou. A May não disse nada sobre tentativa de suicídio. Não pensei que ela fosse TÃO depressiva...

-Tenha mais respeito. -Censurou Hilary. -Agora, será que a May vai ficar no Japão ou voltará pra Rússia?

-Não faço a mínima idéia. Ela disse que tem parentes aqui e em Moscou... -Disse Ray, pensando um pouco. -Mas, se ela voltar pra lá, será que o Kai vai junto?

Silêncio. Um bom tempo de silêncio.

-É provável... Mas seria ótimo se ela e o Kai ficassem por aqui mesmo.

-Temos que ver o que eles farão primeiro, Hilary, antes de bolarmos alguma coisa... -Disse Kenny, cabisbaixo.

Kai surgiu na porta da sala e todos olharam para ele.

-Ela só vai descansar. Não a incomodem. -Disse ele simplesmente antes de sair da sala.

-Melhor obedecermos. -Disse Max.

-Iremos fazer isso. -Disse Hilary.

No quarto, May estava deitada no futon, olhando para o teto. Nem sequer conseguia pensar direito... Kai havia acabado de deixá-la no quarto para descansar e, por mais que estivesse com sono, não conseguia dormir. Sentia uma vontade horrível e chorar, mas também não conseguia. Olhava para o teto, mas também não enxergava nada. Era como se só restasse o corpo, mas a alma estava dormindo e seu corpo agora era feito apenas de pensamentos confusos e sentimentos estranhos. Sentia muita coisa ao mesmo tempo que nem sabia assimilar. Raiva? Amor? Tristeza? Alegria? Desejo?

...O que diabos estava acontecendo?

Quando percebeu, já havia colocado seu braço esquerdo em sua testa, sua mão sendo pega pela outra mão e assim ficou. Ah! E também tinha aquela sensação de que não estava bem e que não fazia nada direito. Tinha inclusive vontade de vomitar, mas não vinha nada. E tinha medo que, se viesse, correria pro banheiro e acabasse achando algo afiado no cômodo e nunca mais sair de lá de dentro.

"A saída da alma do corpo é como um estudante saindo pela porta da escola; de repente com alegria. Não há horror na morte."

Lembrou-se dessa frase. Nem se lembrava mais onde havia arranjado essa frase, mas... Aí estava ela, ecoando por sua cabeça.

-Deuses, devo ser a garota mais estranha do mundo... -Ela murmurou, fechando os olhos e tentando dormir um pouco.

19:00h...

Abriu os olhos bem lentamente, custando a deixar o sonho agradável que estava tendo sobre um campo florido. Melhor do que os pesadelos que andava tendo sobre o inferno ou lugares cheios de caos e destruição. Sentou-se no futon, espreguiçando-se. Olhou para os lados e apenas a luz da rua iluminava seu quarto. E era pouca iluminação de onde estava. Levantou-se, ouvindo vozes e risos que vinham provavelmente da cozinha ou da sala. Era por aí.

Andou até a porta e a abriu vagarosamente, acostumando-se à iluminação mais forte do corredor. Foi calmamente andando até a sala, onde ouvia as vozes ficarem mais altas e a luz da sala ia iluminando bem o seu caminho. Chegou finalmente na porta da sala, onde olharam para ela.

-Olá. -Ela disse simplesmente, sorrindo. -Eu vou dar uma saída.

-Aonde vai? -Kai se levantou do canto da sala onde estava.

-Andar. -Ela deu de ombros, ainda sorrindo. -Preciso respirar um pouco, sentir o vento e ver a cidade. Vem comigo, Kai? -Olhou para o garoto. As atenções voltaram-se para o rapaz.

Ele nada disse. Apenas se aproximou dela e a pegou por uma das mãos, saindo dali.

-o-o-o-o-o-o-

-May, pra onde estamos indo?

-Estou te seguindo.

-Não minta pra mim. -Ele retrucou, enquanto andava ao lado dela em alguma rua com pouco iluminação.

-Você vai ver. Seja mais paciente.

-Hn. -Ele voltou a se calar, olhando para as casas pequenas e com muros escuros que compunham o estranho bairro.

-Kai, você gosta de vinho tinto?

-Você sabe que sim, por que a pergunta?

-Só queria saber se você ainda gosta.

-Mas pra que a pergunta?

-Porque estamos indo comprar duas garrafas.

-Como é?

-O cara é um grande amigo do meu pai. Quando vinhamos pro Japão, geralmente era eu quem ia pegar as encomendas de meu pai, então, ele está acostumado com isso. Não se preocupe que ele não pedirá indentidade.

-Não estou preocupado com isso. Estou preocupado do por quê você quer beber.

-Você sabe porquê e sei que nada irá se resolver se eu me embededar. Mas tô pouco me lixando pra isso.

-May, espero que saiba o que está fazendo...

-Eu nunca sei o que estou fazendo, Kai. -Ela disse enquanto entravam num bar grande e limpo. Havia poucas pessoas ali. May aproxiou-se do balcão junto com Kai, que analisava o lugar.

-Yamamotto. Há quanto tempo! -Disse o barman, dando um enorme sorriso para a garota. -Como está?

-Estou muito bem e o senhor?

-Estou bem. Quantas garrafas?

-Duas.

Enquanto May pegava o que tinha pedido, Kai olhava para o perfil do rosto sorridente dela. Sabia muito bem que ela não estava bem de verdade. Mas como iria argumentar com aquela cabeça dura que ela estava pior do que ela mesma imaginava?

-Obrigada, tenho que ir agora. Estou com muita pressa! -Disse May para o barman, ainda sorrindo largamente enquanto pegava a sacola com as duas garrafas de vinho e dois copos descartáveis que ela pediu a ele.

-Passe aqui outro dia!

-Pode deixar! Até outro dia! -Ela se virou e Kai a seguiu. Estavam quase atravessando a saída, quando o barman ainda disse:

-Mande lembranças ao seu pai!

Foi como se ela recebesse um tiro na garganta. Olhou para o velho senhor e sorriu para ele, antes de sair dali. Kai olhou primeiro para o velho barman antes de seguir sua namorada.

-May, você está bem?

-O que você acha? -Ela respondeu com a voz espremida, quase chorando. -Oh, sim, eu mandarei lembranças pro meu pai quando meu espírito chegar nos limites do céu e do inferno!

-Acalme-se! -Ele levantou um pouco a voz e May limpou suas lágrimas com força. Ela se afastou um pouco dele o chamou para sentarem-se na calçada. Sentaram-se um do lado do outro. Ela pegou uma das garrafas e a abriu. Despejou um pouco do conteúdo em um dos copos e depois no outro. Um deles ela entregou a Kai. Fechou novamente a garrafa e pegou seu copo que estava largado ao seu lado, no chão. Bebeu um gole consideravelmente grande. Na mesma hora, Kai fez o mesmo.

-Meu Deus, que delícia... Há quanto tempo eu não bebia vinho. -Ela disse, tomando mais um gole. Ela sentiu o corpo relaxar. Tomou o resto do vinho de uma vez e encheu novamente seu copo. -Kai... -Disse após algum tempo. -Por que você gosta de mim?

-Que?

-Por que você me ama? -Ela olhou para ele. -Eu sou depressiva, chata, sombria e, resumindo, um pé no saco. Então, por que gosta de mim ao invés de gostar de uma garota mais... Simpática e alegre?

-May, eu te amo por você ser única... Você é a única garota que eu encontrei que é quieta, forte, paciente e determinada o bastante pra me agüentar. Por mais que você tenha defeitos, eu também tenho, o Max tem, seu pai teve, sua mãe tem, o Tyson é um idiota e assim por diante. Ninguém é perfeito nesse mundo. Eu te aceito do jeito que você é e você me aceita do jeito que sou. Eu te admiro por ser tão delicada e feminina do seu jeito. E te amo por ser inteligente, bonita, paciente, cuidadosa, educada, carinhosa e por ter uma alma tão forte. Não me importa se você é depressiva, o que importa é que você... Você é... a pessoa mais especial do mundo...

May ainda o fitou com uma expressão normal e séria no rosto, sem saber o que dizer.

-Você me deixou sem graça. -Ela disse simplesmente, antes de voltar a fitar a rua e tomar dois goles de vinho. -Idiota.

Kai prendeu o riso e tomou o resto do vinho. Voltou a encher o copo e tomou um gole.

-E por que você gosta de mim? -Ele perguntou.

-Quase pelas mesmas razões pelo qual você gosta de mim... Já te disseram que você é sexy?

-Como é?

-Você é sexy. -Ela disse, tomando mais um pouco de vinho. Encheu o seu copo e o dele novamente. Kai ainda tentava reunir as informações do que ela o chamou, mas resolveu deixar pra lá.

-Você também é.

Ela engasgou, rindo e tossindo.

-Estou falando sério, Kai. Você é sexy. Nunca te falaram isso?

-Não. Só me passaram a mão quando eu tava numa multidão nos Estados Unidos para uma rodada do torneio mundial de Beyblade. Mas nunca me disserram se eu sou ou não sou sexy.

-Cale a boca, Kai... -Ela riu mais um pouco, enquanto ele sorriu antes de beber mais vinho.

Uma hora mais tarde...

-Será que ainda é cedo pra voltarmos...? -Perguntou May, meio aérea e tonta. Esqueceu-se completamente que dois copos de vinho são capazes de deixá-la tonta. E com mais de quatro copos já estava bêbada...? É, era isso. Kai não estava muito diferente.

-É melhor voltarmos antes que percamos toda e qualquer consciência.

-Vamos só terminar a garrafa? -Ela levantou a segunda - e última - garrafa de vinho, que estava um pouco menos da metade. Ele deu de ombros e estendeu seu copo vazio. Ela o encheu e depois, encheu o próprio copo. Beberam um pouco. -É impressão minha ou o gosto fica mais forte a cada copo?

-É uma teoria para se pensar... -Ele olhou pensativo para seu copo cheio de vinho.

-Pára com isso, Kai. -Ela disse, dando-lhe um tapa fraco na nuca. Ele riu levemente. -Não precisa agir como um idiota!

-Relaxa, May. -Ele tomou mais um gole do vinho, assim como ela. -Depois voltaremos, tá? Não é muito bom ficarmos na rua bêbados.

-Não estamos tão bêbados.

-Vinho sobe rápido, May. Até eu estou me esforçando para me controlar e sei que você também está. Seu rosto está meio corado pela bebida. -Ele disse, olhando para as bochechas dela.

-Você também não está longe disso. -Ela bebeu mais um pouco e, pouquíssimo tempo depois, ambos estavam enchendo seus copos novamente. -Acho que somos os mais bobos na face da Terra.

-Você só percebeu isso agora?

-Eu só quis falar isso agora. Perceber foi muito fácil. -Ela bebeu mais e ele também. -Vida desgraçada.

-Tenho que concordar. -Ele também bebeu mais um pouco.

-Por que eu e você só nos ferramos?

-Como eu vou saber? Talvez, a vida e o destino nos criaram apenas para descontar a raiva das reclamações das outras pessoas...

-Talvez seja isso mesmo. -Viraram o resto do vinho de uma vez. May encheu os copos deles, acabando com o resto do vinho na garrafa. -Sabe, acho que depois dessa, vou virar uma pessoa mais alegre.

-Que?

-Relaxa. Não disse que ia mudar completamente. Serei mais alegre com meus amigos... Talvez isso me ajude. Acho que lerei mais livros de romances também, ao invés de suspense e policial. Que quê você acha?

-Se você acha que isso vai te ajudar, faça. Vai ser melhor pra você. -Beberam até a metade do copo.

Ficaram em siêncio. Após alguns segundos, beberam o resto do vinho e se levantaram.

-Poxa, beber assim, só nós dois, não tem tanta graça... -Ela disse. -Tem que ter um povinho enchendo o saco...

-Na próxima, chamamos os outros. Agora, é melhor irmos.

-Vamos devagar, tá? Quero apreciar a vista.

Ele, na condição em que estava, não tentou argumentar ou negar. Começaram a andar em direção ao dojo. No caminho, May ia murmurando canções russas, enquanto Kai estava quieto, ouvindo-a cantar. Ela segurou uma das mãos dele e a apertou levemente. Olhou para ela por um momento, vendo-a sorrir e andando sem parar de olhar pra frente e cantar.

O caminho não era muito longo. Logo, já estavam quase chegando.

-Melhor dormirmos em quartos separados hoje, Kai. No estado em que estamos, podemos cometer uma besteira... E outra que eu estou melhor.

Ele fez um sim com a cabeça. Nada mais lógico. Ela jogou os cabelos para trás dos ombros, já conseguindo avistar a entrada do dojo e ouvia gritos de raiva; eram Hilary e Tyson.

-Estão brigando de novo... -Kai suspirou, já acostumado.

-Sempre fazem isso?

-Enquanto não adimitirem que se amam, continuarão fazendo.

May soltou um riso baixo.

-Você e seus comentários. Como senti falta do seu sarcásmo, do seu humor negro, dos seus sorrisos cínicos... Não faz idéia de como isso é... -Pararam de andar quando ela parou primeiro. Aproximou-se do ouvido dele e sussurrou. -deliciosamente irritante...

Ela lhe deu um sorriso enigmático, enquanto voltava a andar. Ele arqueou uma sobrancelha e voltou a segui-la.

-Que sorriso foi esse, Yamamotto?

-Que pergunta é essa, Hiwatari? -Ela retrucou com um sorriso ainda mais misterioso, enquanto entrava no dojo. -Voltamos, pessoal.

-Ah, olá vocês dois. -Max respondeu, meio sem graça. -Hilary e Tyson estão discutindo de novo. Peço desculpas por isso, May, você não está acostumada.

-Ah, não ligue! -Ela sorriu calmamente -Eu... preciso ir pra cama. "Estou me sentindo muito tonta..." -Fez um cumprimento japonês, inclinando sua cabeça levemente para frente. -Boa noite para todos.

-Ãhn? -Hilary, que estava torcendo um dos braços de Tyson, parou imediatamente e o soltou, fando o garoto cair no chão. -Já vai? É muito cedo ainda!

-Eu não estou muito bem. E nem mesmo Kai está. Reviver coisas passadas é... muito estressante e triste... Estou um pouco tonta e vou me deitar. Até amanhã. -Andou até a entrada do corredor, parando assim que ouviu seu nome ser chamado novamente por Hilary.

-Você vai voltar para a Rússia ou irá ficar conosco? -Foi tudo o que a garota perguntou. May respirou fundo.

-Tenho ainda uns dias pra pensar. Não se preocupe que irei lhes dar a respota assim que a tiver. Boa noite. -E adentrou no corredor escuro.

-Ela realmente não parece bem. -Hilary comentou mais para si mesma do que para os outros. -E, Kai, você sabe se ela... Kai?

Kai não se encontrava mais na sala.

-o-o-o-o-o-o-

May trancou a porta e caiu de joelhos no chão, com os olhos marejados de lágrimas.

-Pelo menos, a dor diminuiu... -Ela sussurrou, com um sorriso triste, abraçando seu corpo. Levantou-se com a cabeça baixa, andando até seu futon, que estava dobrado no meio do quarto. Arrumou-o e deitou-se, cobrindo-se com o cobertor. Queria chorar. Mas também não queria. Estava se sentindo... bem... Leve... Não queria acabar com aqueles sentimentos bons que lhe invadiam... Chorar iria mesmo destruir seu bom humor. -O que o bendito álcool não faz...? Droga.

Virou-se, olhando agora para a grande janela. Sentia um pouco de saudades da Rússia e dos poucos amigos que fizera por lá. Mas os amigos que fez no Japão... Eram tão... Bem, ela podia ver que eles se matariam por ela. Mas não sabia ainda se ficaria no Japão, morando com sua avó e seus tios junto com Kai, ou se partiria para a Rússia e treinaria em algum centro especializado em esportes. Treinaria muito. Gostaria de participar do campeonato mundial de beyblade, mas agora não tinha tanta vontade. Sentia-se até mais feliz por isso; assim não teria que se matar nos treinos de tanto ouvir ordens, ouvir xingamentos por erros pequenos e nem ficar ouvindo alunos reclamarem. Iria sim acabar ouvindo tudo isso, mas não teria o mesmo estresse de antes. Não iria participar mais do que competições regionais mesmo...

Não era à toa que se sentia mais leve. Bem, ela sabia que Kai não largaria os treinos por nada. Mas não iria tentar fazê-lo voltar atrás. Ele gostava. Ela também gostava. Se estavam de acordo, não havia nada de mais. Oh, que pequenas poças de um grande mar de rosas que ela sabia que não acharia. Nada mal mesmo. Estava já se imaginando, uns anos mais à frente, ela ajudando Kai com os treinos enquanto seus filhos divertiam-se no quintal. Corou diante o pensamento.

"Estamos apenas namorando e somos muitos jovens... Não preciso pensar nisso. Que vergonha...!" Fechou os olhos, tentando fazer o sono vir. "E eu ouvindo sempre dizer que homens detestam esses tipos de papos sobre terem filhos, casar-se... Isso os assutsta... Tenho que me lembrar sobre nunca falar sobre isso perto de Kai." Suspirou fundo, lembrando-se do que sua mãe dizia quando ela ainda era pequena.

"Filha, homens são complicados. Deixem que eles tenham o próprio espaço e nunca seja ciumenta. Acaba com qualquer relacionamento. E, por favor, tente ter apenas três conversas em sua vida sobre a relação com eles. Isso os irrita."

Tudo bem que May tinha cinco anos quando ouvira isso, mas sua mãe nunca ligou pra idade para receber e dar conselhos. Oh, eram bons tempos. Bons e estranhos. Mas não tinha nada do que reclamar. Pensando bem... Realmente, não... Não tinha nada para reclamar. Era uma época boa.

Acabou adormecendo com esses pensamentos.

-o-o-o-o-o-o-

-Ela estava estranha. -Disse Ray após momentos de silêncio na sala, quando o assunto anterior se encerrou. As atenções voltaram-se para ele.

-Quem? -Indagou Kenny.

-May.

-Por quê? -Foi a vez de Hilary perguntar. -Por mim, ela estava normal.

-Ela não estava normal. -A voz de Tyson foi ouvida. -Eu mesmo percebi assim que a vi entrar e olhar pra nós. Juro que não faço idéia do que houve...

-Mas ela vai falar pra gente. -Max disse, com seriedade. -Quando ela quiser e achar que estamos prontos pra ouvir mais sobre ela, ela irá falar. Temos só que ser pacientes...

-o-o-o-o-o-o-

"May olhou desolada para seu quarto. O frio da Rússia não entrava em seu quarto graças às janelas fechadas e o ar abafado de seu quarto. E, mesmo assim, tudo parecia tão escuro e frio... Há quanto tempo estava se sentindo assim? Havia uns... três ou quatro meses. E nesse tempo veio se sentindo sozinha, fechada, fria, triste... Pensava seriamente sobre abandonar tudo, jogar tudo pro alto... Mas também não queria decepcionar nem seu pai, nem seu treinador e nem mesmo... Kai... Oh, Kai, anjo protetor da jovem e sofredora alma da garota que te ama... Por que está acontecendo tudo isso? Por quê essa briga interna de sentimentos? May não estava sentindo-se feliz o bastante?

Então... Por que tudo isso? A pouca fé que ela tinha em Deus a traíra? Ele a odiava? Será que Ele se enganou ao mandar sua alma para Terra ao invés do inferno e agora estava tentando fazê-la desistir de viver para consertar o seu erro? Então, que tipo de Deus é este que erra assim?

Levantou-se, os olhos com lágrimas embasando sua vista. Os olhos sempre brilhantes da garota agora estavam sem foco algum. Andou lentamente até o banheiro, com apenas um pensamento horrível ecoando em sua mente: 'A saída da alma do corpo é como um estudante saindo pela porta da escola; de repente com alegria. Não há horror na morte. Então, mate-se.' Agora, o verde intenso e sem brilho de seus olhos miravam o espelho do banheiro. Olhou para a pia, onde havia um pote de creme facial. Pegou o pote e afastou-se um pouco do espelho. Atirou o pote contra o espelho. Os cacos de vidro voaram e, por pura coisa que ela desconhecia, o pote não se abriu. Menos sujeira. Então, tomada por algo, começou a chorar alto, ajoelhando-se no chão, ferindo sua pele com os poucos e pequeninos cacos de vidro que voaram perto dela. Sentiu muita raiva e tristeza. Gritou com ódio de tudo; ódio de si mesma, ódio de Deus, ódio da pouca e ridícula fé que tinha de viver e quebrou qualquer coisa que tinha em sua frente para descontar sua raiva. Uma bagunça no banheiro estava feita.

Caiu exausta no chão, sentada perto do boxe, encolhida. Pegou um caco de vidro meio grande. Olhou para a pele alva de seu pulso esquerdo. Respirou fundo, pedindo mil desculpas para sua família, seus amigos, para as empregadas que teriam que arrumar seu quarto e o banheiro, aos seus objetivos jogados ao vento e para a pessoa mais amada de sua vida: Kai. E, com a mente agora mais leve, fechou os olhos com força e passou o vidro em seu pulso, cortando-o profundamente e deixando o sangue sair dali, descendo por seu braço. Repetiu o procedimento no outro pulso e sentiu-se tonta, soluçando por causa do choro compulsivo que iniciara pela dor. Não pela dor do corte, mas pela dor de imaginar Kai em seu enterro. Mas então, o pensamento triste se esvaiu quando sentiu uma pontada forte de alegria e libertação.

-Poderei lhe proteger melhor em espírito, meu amor... -Ela disse, chorando, lembrando-se ainda mais de Kai. E, pouco tempo depois, ouviu alguém adentrar no banheiro. Era seu anjo protetor, seu único amor e amigo verdadeiro, a única pessoa que sabia que a amava de verdade: Kai Hiwatari. Kai... Kai... Kai!"

-Maaaaaaaaayy! Acorde logo!

Com o berro desesperado, May abriu seus olhos com rapidez e susto. Percebeu que seu rosto estava molhado por lágrimas, pois sentiu o gosto salgado das mesmas em sua boca e sentia que o caminho percorrido por elas estavam gelando pelo frio. Olhou para ver quem a acordara. A turma toda estava ali, mas Kai estava mais perto, ainda lhe segurando pelos ombros.

-Meu Deus! May, você está bem? -Hilary perguntou, preocupada, aproximando-se mais. A respiração de May voltara num segundo, pesada, tentando recuperar o ar que perdera enquanto gritava no sono. -Ouvimos você gritar tão desesperada que pensamos que você estava morrendo aqui! Com o que sonhou!

As mãos de Yamamotto tremiam muito. Ela se sentou o mais rápido que pôde e abraçou Kai, chorando. Ele a abraçou de volta por impulso, sentindo seu ombro direito se molhar pelas lágrimas dela. Ele olhou para seus amigos, que perguntavam com o olhar sobre como ela ia ficar. Esperaram a menina se acalmar. Hilary, nesse tempo, preparou algum chá calmante na cozinha e agora estendia uma xícara do mesmo para May. A garota aceitou e tomou um gole, sentindo o gosto quente e doce lhe invadir a boca. Engoliu devagar o líquido, olhando para a xícara segurada levemente por suas mãos e apoiada em suas pernas.

-Eu sinto muito por causar à vocês tantos problemas...

-Não se sinta culpada, May. -Hilary sorriu docemente. -Você não tem culpa.

-Mesmo assim... -May respondeu com a voz ainda mais baixa, abaixando a cabeça.

-Meu am... May. -Kai começou. Tá bom que ele ia mesmo mostrar seus sentimentos assim na frente dos outros... -Você não tem culpa de nada. Nada do que acontece te envolvendo é intencional.

-Kai... -Ela o olhou. -Pessoal, podem nos deixar sozinhos, por favor?

-C-claro... Vamos. -Ray os chamou, indo para fora do quarto e fechando a porta quando os outros também saíram.

May aproveitou enquanto eles saíam e tomou o chá até a metade da xícara, deliciando-se com o gosto doce novamente. Colocou a xícara no chão um pouco longe de si e olhou para Kai.

-Kai, você se lembra do dia em que eu quase me matei na Rússia?

-Como eu iria me esquecer?

-Eu... Desculpe. Bem, eu sonhei com isso... De novo.

-Esses pesadelos voltaram?

-Não é isso... Até pelo menos ontem, não voltei a ter pesadelo algum com isso. Apenas agora pouco... Ai, não devia ter bebido hoje... -Ela colocou a mão na testa, referindo-se à dor de cabeça que lhe vinha; sinal de que acordaria assim de manhã. Ah, ressaca... Mas valia à pena. A dor da alma havia diminuído. Mesmo que agora estivesse voltando, pelo menos ela havia se sentido melhor antes. -Estou com tanto medo... Estou com medo de tentar fazer algo daquele tipo de novo. "A saída da alma do corpo é como um estudante saindo pela porta da escola; de repente com alegria. Não há horror na morte."

O pensamento que lhe viera de repente fez com que congelasse.

-May? -Kai percebeu a expressão do rosto dela: completamente assustado e congelado. -May!

-Ãhn? Estava me lembrando de uma frase... Desculpe.

-Que frase é essa?

-É sem importância.

-Você ficou com uma cara assustada. Não deve ser frase sem importância. Diga o que é.

-... "A saída da alma do corpo é como um estudante saindo pela porta da escola; de repente com alegria. Não há horror na morte." É isso.

-Onde ouviu essa frase?

-Não me lembro mais... Foi há muito tempo, mas ela ficou em minha mente...

-Tem certeza de que não se lembra? -Ele perguntou novamente, mais alto e preocupado.

-Não... Não lembro. Pra que essa preocupação toda?

-N-não... Deixa pra lá. Desculpe. Oh, May, pare por favor de pensar nisso... Você precisa dormir. Quer que eu fique aqui de novo?

-Meu amor, não sei se...

-Eu vou ficar. Não quero que você fique pensando nisso. Sou capaz de ficar muito bem uma noite sem dormir pra te vigiar. E sei muito bem quando você finge estar dormindo então, não tente me enganar. -Ele disse em tom de ponto final. May o olhou confusa por um momento. -E termine esse chá. Vai te ajudar a dormir. -Ele se levantou.

May primeiro olhou para ele e depois, pegou a xícara e bebeu tudo de uma vez só. Ele pegou a xícara das mãos dela e resmungou algo sobre que ia voltar logo e saiu do quarto. Ela se deitou novamente no futon, sorrindo. Ah, Kai... Como consegue mudar de humor tão rápido?

-----------------------

Que capítulo ruim x3 De qualquer modo, desculpem-me pela demora n.n' Estive meio ocupada... Peço que me perdoem... Bem, como sempre, obrigada por lerem e espero reviews!

Até a próxima o/