Cap. 5 – Presença de Afrodite
"Dios, o que é isso? Onde é que a gente está? E o mais importante, como é que a gente se livra dessa?", pensou Shura. Estava deitado na areia fria e úmida. O vento cortava os ossos, já que eles tinham sido pegos de surpresa e trazidos à força para sabe-se lá onde e vestiam somente as calças da farda e as camisetas regatas que usavam para dormir. Estranhamente, o espanhol (e todos os outros) ainda calçavam suas botas, pois tinham dormido tarde demais para perderem tempo tirando os pesados coturnos. "E o Olia? Como será que está? Maldita mordaça, quero falar com os outros!", tornou a pensar o espanhol.
Shura movimentou-se um pouco e sentiu suas mãos doloridas: estavam fortemente amarradas. Tirando forças não se sabe de onde, o espanhol foi se arrastando até que encontrou um pedaço de madeira formando uma espécie de grade. "Ah, que maravilha: uma cela! Estamos presos!". Ouviu o repicar insistente do sino ao longe. "E o que é melhor: na droga da enseada de treinamento!", disse para si mesmo. Continuou a se arrastar no espaço pequeno até que deu um encontrão em um dos companheiros que, pelo tamanho, reconheceu ser Aldebaran. Fazendo um grande esforço, arrastando-se conseguiu alcançar o capuz do americano e o tirou.
"Grande Shura!", pensou Aldebaran quando se viu livre do capuz que lhe impedia a visão. "Mas ainda tenho as mãos amarradas atrás das costas e a mordaça. Merda!" Olhou para os lados e não encontrou nem sinal do Major, da Sargento ou de viv'alma. Encarou o cubículo em que estavam presos: uma cela de madeira instalada bem no meio da praia, ao relento. Olhou para Aiolia que tremia e gemia a seu lado e suspirou. "Vão matar o Olia!", pensou o brasileiro. Então foi a vez dele de se levantar com dificuldade e arrancar o capuz de todos os amigos, que agora podiam ao menos se comunicar com os olhos.
Milo, mostrando uma agilidade acima dos padrões até para militares bem treinados como eles, conseguiu passar as duas mãos amarradas pelas pernas, ficando com ambas à frente do corpo, e não às costas como antes. Seu primeiro gesto foi tirar sua mordaça. – Afe, até que enfim posso falar, uuuuf... – disse aliviado. Em seguida, repetiu o mesmo gesto com todos os companheiros.
– Muito bom, rapazes, muito bom! Très bien! – festejou Camus. – Milo, por favor... vem cá... eu tenho um canivete preso no cinto... – disse o francês. – Pode pegar, você que é o único com as mãos relativamente livres, por favor? – pediu o francês.
– Cruzes, Camus, você dorme com um canivete na cintura? Credo, eu, hein? – comentou Milo. Camus lançou-lhe um olhar gélido de desaprovação, e Másquera começou a grunhir e bufar coisas inintelegíveis. – Tá, tá, credo que estresse... – murmurou baixinho o inglês.
Camus ficou ajoelhado e Milo veio se arrastando até que parou ajoelhado de frente para ele. O loiro começou então a tatear timidamente a cintura do francês, que olhava para cima, evitando cruzar seu olhar com o do moço em sua frente.
– Não consigo achar... – disse Milo, fazendo um grande esforço para não demonstrar o quanto estava adorando aquela situação.
– O canivete está por dentro do cinto, Milo! – respondeu o ruivo, extremamente sem jeito.
– Aaaaaahhhhh, minha nossa, vou ter de invadir a intimidade da Brigitte! – afirmou Milo. Sorriu daquele jeito cínico que lhe era característico. Ainda sorrindo e encarando o francês que tentava em vão desviar os olhos dele, tateou por dentro do cinto e do cós da calça do outro. Aproximou de leve a boca da orelha de Camus. – Achei! – sussurrou Milo baixinho, e Camus estremeceu.
– Ah, e tá esperando o que pra soltar a gente? Porca miséria! – exclamou Másquera.
– Oh, sim, claro... – murmurou Milo saindo do pequeno transe em que entrara. Moveu-se rapidamente até o italiano e soltou-lhe as amarras. Em pouco tempo, estavam todos soltos. Ou quase soltos, visto que ainda tinham de se livrar da cela.
– Muito bem, tudo lindo, tudo certo, mas e agora? Estamos presos ainda... – resignou-se Aldebaran enquanto os amigos ainda comemoravam o fato de estarem com as mãos livres. – E ainda tem o Olia... Olia, tudo bem aí? – perguntou o mariner.
– Ainda tenho frio, Deba, mas estou melhorando... ao menos é o que parece... – respondeu o grego se levantando com uma certa dificuldade.
– Bom, ao menos os lábios dele não estão mais roxos e ele não treme tanto... bom sinal... – afirmou Shura.
Olharam em volta e reconheceram que estavam realmente na praia usada para o treinamento. Ao longe, avistavam o velho galpão rústico e o sino que brilhava com os primeiros raios de sol que despontavam naquela manhã. De um lado, o mar que quebrava com ondas fortes que respingavam neles. Do outro lado, uma estranha mesa de madeira colocada ali não se sabia com qual motivo. Tentaram por algum escapar, mas em vão. Cerca de uma hora depois de se soltarem, o Major e Sargento vieram ter com eles, muito bem acompanhados por alguns soldados.
– Ora, ora, vejo que se soltaram... muito bom! – exclamou Saga andando em volta do quadrado de madeira.
– Seu desgraçado, solta a gente! – gritou Másquera saindo de si.
Saga riu. Uma risada comprida, maléfica. Os recrutas tremeram e mesmo Shina se arrepiou. – Homens, quero que os amarrem de novo. Mãos às costas, todos os seis! – ordenou o Major.
Seguiu-se uma luta ferrenha entre os recrutas e os dez homens do Major, dentro do cubículo de madeira. Os últimos por fim levaram vantagem, pois num ato desumano Shina lhes fornecera um balde d'água fria, que jogaram em Aiolia. O desespero dos amigos foi fatal e os segundos de hesitação que tiveram foi o suficiente para que fossem novamente amarrados. Terminado o serviço, os homens de Saga saíram da cela, aguardando por novas ordens.
– Hijo de puta! – exclamou Shura ao olhar para Aiolia todo molhado se debatendo de frio. Aproximaram-se todos dele para tentar, de alguma forma, aquecê-lo e evitar que o grego piorasse ainda mais.
O Major lançou para a Sargento um olhar gélido e ao mesmo tempo cúmplice. – Bem, alguém invadiu a sede, quebrou o armário do Dr. Tatsumi e roubou penicilina... vocês vão me dizer quem foi ou o grego aí vai ter de sofrer ainda mais? – perguntou Saga.
– Que absurdo! Que absurdo! Você vai matar o Aiolia! – gritou Aldebaran saindo do sério.
– Não vou não... é só ele pedir que eu deixo ele tocar o sino... e daqui ele vai direto prum hospital, onde uma cama quentinha o espera... – pontuou o comandante.
– Parece tentador... – sussurrou Aiolia. – Mas eu não vou dar esse gostinho pra ele! Não mesmo! – afirmou o grego resolutamente.
– Vocês ouviram, anjos do inferno? Ouviram o que ele disse? – perguntou Másquera em tom ameaçador.
– Anjos do inferno? Gostei disso! Você não, Major? – perguntou Shina, sarcástica.
– Eu a-do-rei! – respondeu Saga. – Homens, abram a porta e me tragam o Milo! – sussurrou o comandante para a menina.
Muito rapidamente, os soldados abriram a porta da cela e retiraram Milo de lá de dentro, deixando os outros cinco atônitos, sem saber muito bem o que fazer.
Sem dizer nada, Saga aproximou-se do inglês e deu-lhe um soco no olho. – Confessa que foi você que invadiu a sede! – gritou. Milo, amarrado e sem reação, foi parar no chão, mas levantou-se logo em seguida.
– Covarde! – gritou o inglês cuspindo um pouco de sangue no chão.
Outro soco. E mais um. No estômago. Milo caiu, deitado, sem muita reação.
– Saga, seu desgraçado! Por que não pega alguém do seu tamanho? Hein? – gritou Camus se lançando contra as barras de madeira, indignado. A um sinal de cabeça, os homens abriram rapidamente a porta, trazendo o francês. Saga correu até o ruivo e agarrou-o pela cintura, debruçando o francês na mesa de madeira que havia sido colocada na praia. Colocou-se atrás dele.
– Sabia que pessoas nervosinhas como você viram mulherzinha na prisão, L'Aquaire? – perguntou Saga na orelha de Camus, causando um enjôo no francês. Milo olhava a cena indignado, da mesma forma que os outros quatro companheiros ainda presos. Sim, Saga ia simular um estupro. Ia.
– Major Saga, o Senhor se esqueceu da primeira lição da Sargento D'Aguias. Nunca menospreze o adversário! – murmurou Camus. Então com a perna deu uma rasteira em Saga, que caiu estatelado no chão. – Levanta, Major! – gritou Camus. – Levanta! – continuou. Os homens ameaçaram impedir Camus, mas o Major não deixou.
Saga ficou de pé novamente e encarou Camus. O francês, mãos amarradas às costas, tinha os olhos crispados e respirava ofegante. Correu de encontro a ele, e Saga não foi capaz de se desviar de seus golpes. Chutes e pontapés num balé violento mas ao mesmo tempo belo. Um homem tão magnífico que era capaz de derrubar seu oponente literalmente com as mãos nas costas. O abdômen do ruivo se contraía em movimentos ritimados e extremamente bem calculados, e as pernas pareciam se movimentar mais rápido do que o pensamento. Uma cena ao mesmo tempo repugnante e aterrorizantemente sublime. Derrotado, o Major foi ao chão.
Camus cuspiu a seu lado. – Nem vem Shina! Nem vem que não quero bater em mulher! – ameaçou ao ver que a menina partia para si, tomando as dores do Major. E Shina não ousou enfrentá-lo, ajoelhando-se ao lado de Saga e cuidando dele. Os homens do Major ficaram simplesmente sem ação ante a cena. – Pathétique! – murmurou o francês. – Bate de novo no Milo, seu desgraçado! Quero ver se você tem coragem agora! – gritou.
Ainda com as mãos amarradas, Camus correu até onde o inglês estava. – Milo, tudo bem com você? – perguntou Camus encarando o outro nos olhos.
– Bem até demais! – respondeu Milo sorrindo. Os dois se ajudaram mutuamente a se levantar e libertaram os amigos.
– Filho da puta! – berrou Camus para Saga antes de ir embora junto dos amigos. Os recrutas todos riram ao ver aquela reação tão sem medidas de seu líder, sempre tão polido e ponderado.
"Meu herói!", pensou Milo enquanto caminhava junto dos outros de volta para o alojamento, seguindo ordens de Camus. Não conseguia evitar olhar para o francês de quando em quando, simplesmente maravilhado, em meio aos aplausos e cantos de felicidade de seus amigos.
-X-X-X-
O resto do dia continuou tranqüilo. O Major e a Sargento apareceram horas depois no alojamento como se absolutamente nada daquilo tivesse acontecido e voltaram a latir ordens. Os recrutas, que afinal de contas estavam ali para aprender e se formar, obedeceram, pois para isso dependiam de Saga. À noite, voltaram para o alojamento rindo e cantando. Até mesmo Aiolia estava bem melhor, a atitude de Camus fazendo mais efeito do que a penicilina. Isso e a notícia de que teriam folga a partir das vinte horas do dia seguinte: 48 horas inteirinhas pra que eles fizessem qualquer coisa.
Já se preparavam para dormir quando Marin entrou correndo esbaforida pelo alojamento.
– D'Aguias? Aconteceu alguma coisa? – perguntou Aldebaran.
– Sim, aconteceu... – respondeu a menina olhando de canto de olho para Aiolia, que nessa hora pareceu ter uma enorme recaída. – Tadinho do Aiolia! – suspirou a moça.
– Ih, Sargento, você não viu nada... – comentou Shura olhando feio para o grego. – Foi pra ver esse traste que você correu até aqui? – perguntou o espanhol.
– Sim... quer dizer, não... – disse a moça encabulada. – Ah, Milo, eu vim aqui é pra dizer que seu irmão está ao telefone... ele disse algo sobre sua vó, parece que ela não está bem... corre até lá em cima e atende o telefone... eu vou ficar aqui e ver o que posso fazer pelo Aiolia... – disse a menina. Ao longe, o grego soltou um "ai, onde estou, quem sou?" e Marin correu para vê-lo.
– Vó? Eu nem tenho mais vó... aí tem coisa! – murmurou o inglês para Camus, que deu de ombros.
Milo correu o mais rápido que pôde, várias coisas passando pela sua cabeça. "O que será que aconteceu? O que quer o Afrodite?", pensava. Entrou correndo na sede e pegou o telefone.
– Oh louco, Uxo, achei que você não ia atender nunca esta merda! – disse uma voz muito querida ao inglês do outro lado da linha.
– Que saudade, Dite! Mas o que foi? Aconteceu alguma coisa? – perguntou Milo preocupado.
– Que nada, foi o único jeito que encontrei de te chamarem... – riu Afrodite. – Oh, pega papel e caneta... isso... agora anota um telefone... – ordenou Afrodite, no que foi prontamente obedecido pelo irmão. – Uxo, esse é o telefone do meu quarto aqui em Atenas! Quando você tiver uma folga, me liga! – disse o sueco.
– Ah não brinca que você está na cidade! Temos folga amanhã, Dite! Acredita? Nossa, mas o que você veio fazer aqui? – Milo deu conta do absurdo da vinda de seu irmão à Grécia.
– Ver se enfio alguma coisa nessa sua cabeça dura, Uxo! Pego você e seus amigos amanhã às nove da noite! Combinado? – perguntou Afrodite.
– Combinadíssimo! – respondeu Milo. Despediram-se e desligaram o telefone.
Milo saiu correndo morro abaixo em disparada, empolgadíssimo com a vinda de seu irmão. Fazia muito tempo que não o via e estava realmente sentindo muita falta dos conselhos do mais velho. Entrou correndo no alojamento e olhou para os lados a fim de se certificar que Marin não estava mais lá.
– Pessoas, amanhã a coisa vai ser boa! Vocês não vão acreditar! Meu irmão está na cidade... e vem nos buscar amanhã... balada, aí vamos nós! – disse Milo sorrindo.
– Até que enfim uma notícia boa! – disse Aiolia, sentando-se em sua cama e arrumando o cabelo com as mãos.
– Ué, ele não tinha piorado? – perguntou Milo.
– Sim, enquanto a D'Aguias estava aqui ele parecia um bebê chorão... – respondeu Aldebaran rindo. – Foi ela sair e você falar em balada que ele melhorou de repente! – riu ainda mais o americano.
– Ih, Olia, pode esquecer que a D'Aguias é minha! – disse Milo sorrindo.
Camus bufou. "Convencido que ele só...", pensou o francês. – Bien, divirtam-se amanhã! Vocês merecem! – disse Camus.
– O quê? Como assim divirtam-se? Você vai com a gente, né? – perguntou Másquera batendo no ombro do francês.
– Eu não sou de baladas, mes amis... vão vocês! Eu sou chato, não serei boa companhia... – murmurou o ruivo.
– Camus, depois do que você fez com o Saga, eu não arredo o pé daqui se você não for junto! – afirmou Milo batendo o pé.
Camus encarou o inglês e sorriu. – D'accord, tudo bem, mas eu volto pra cá quando eu quiser! – disse o francês.
– Eeeeeeeeeehhhhhhh, a Bri va-ai! – comemorou Milo pulando em volta do francês.
– Bobo! – murmurou o líder, despedindo-se dos amigos e dirigindo-se para sua cama.
Assim que o francês terminou de se ajeitar embaixo do lençol, as luzes do alojamento se apagaram e a algazarra dos amigos cessou. De repente o ruivo sentiu uma presença a seu lado. Uma boca colada a seu ouvido.
– Antes que eu me esqueça, Camus, obrigado por hoje. Por ter me defendido. Mesmo! – sussurrou Milo.
O francês estremeceu ao sentir o hálito quente e a respiração ofegante do outro em seu rosto. Milo ficou parado naquela posição, debruçado sobre o francês, durante alguns segundos, até que escalou o beliche e se acomodou, preparando-se para dormir.
– Milo? – disse Camus.
– Hmmmm? – gemeu o outro acima dele.
– É que só eu posso bater em você! – completou o francês, arrancando uma gargalhada divertida do amigo.
-X-X-X-
No dia seguinte à noitinha, os seis jovens tomaram banho e se vestiram. Às nove horas em ponto, estavam ansiosos aguardando o famoso irmão do Milo ir buscá-los.
– Vocês vão adorar o Dite, ele é ótimo! – disse Aldebaran. – Eu o conheci quando fui à Inglaterra para o aniversário do Milo! – completou.
– Tenho certeza que sim... – comentou Camus. Não queria admitir, mas o francês tinha uma curiosidade imensa em conhecer o irmão do amigo. E por alguma razão que ele desconhecia, estava nervoso: sentia que tinha que impressionar o sueco, que Afrodite tinha que aprová-lo. Insistentemente perguntava para si mesmo o porquê daquela insegurança toda, justamente ele que de tão seguro parecia até arrogante.
Tinham decidido que não iriam usar suas fardas. Vestiam-se como jovens normais: calça jeans, camiseta e tênis, todos os seis. Claro que cada um seguia um estilo próprio. Másquera, por exemplo, estava de calça jeans e blusa prestas, e ao contrário dos amigos optara por usar o coturno. Aldebaran vestia uma calça jeans azul normal e camiseta branca, quase a mesma coisa que Shura, que mudava somente porque usava uma camiseta amarela. Aiolia, quase completamente recuperado, era o único dos seis que vestia uma blusa de lã de mangas compridas, vermelha.
Camus, sóbrio como sempre, vestia uma calça jeans preta e uma camisa pólo azul escura. Calçava tênis pretos. Os olhos azuis pareciam ainda mais gelados ao se contrastarem com a camisa, e o francês usava um perfume cítrico. Ostentava o ar indiferente de sempre, mas com um quê de mistério de deixar qualquer um intrigado. Quanto a Milo, usava uma calça jeans azul esburacada e desfiada nos joelhos, tênis preto e uma camiseta vermelha com um escorpião enorme bordado em preto. "Como ele gosta de escorpião", pensou Camus ao vê-lo vestido assim, lembrando-se da tatuagem do outro. Estremeceu com aquele pensamento. O perfume de Milo era doce e os olhos verdes reluziam no brilho da ansiedade em rever aquele a quem tanto amava. Exalava energia e contagiava a todos com uma vontade indescritível de aproveitar a vida.
De repente, uma station wagon dessas que cabem sete pessoas estacionou em frente de onde os seis esperavam. A porta se abriu e de dentro dela saiu um jovem alto e esguio, cujos cabelos loiros e lisos desciam numa cascata dourada pelas suas costas. Os olhos azuis extremamente claros e a pela branca davam à figura um ar angelical e ao mesmo tempo andrógino. Exalava um perfume doce quase inocente, e vestia uma calça preta e uma blusa verde com um decote em "v".
– Dite, que saudade! – exclamou Milo se jogando no irmão, num abraço apertado.
Másquera estava boquiaberto. – Madonna mia! – exclamou o italiano.
– Que foi, oh? – perguntou Aldebaran "delicadamente".
– Vocês ficavam falando em irmão... não sabia que era uma irmã que ele tinha, e ainda mais tão linda! Madonna mia, é a pessoa mais linda que eu já nesse mundo! – o italiano dizia, gesticulando muito, vidrado na figura que descera do carro. O brasileiro naturalizado americano gargalhou mas resolveu não dizer nada.
– Eu que morri de saudades, meu pequeno! – disse Afrodite. E sua voz era grave, máscula. – E que olho roxo feio é esse? – perguntou, carinhosamente alisando o olho do irmão.
– Ma que...? – comentou Másquera abobalhado. – Ma que cazzo, un regazzo!
Shura e Aiolia gargalharam. – Oh que o italiano virou poeta, tá até rimando... – disse o grego, rindo.
– Olá Deba! Quanto tempo! – disse Afrodite dando um abraço no moreno.
– Pois é... e Dite, o Uxo tá abobado demais, deixa que eu te apresento... os dois gargalhando ali são Shura e Aiolia. O italiano bobo é Másquera (oh nomezinho horrível!). E o francês ali é Camus L'Aquaire, nosso líder.
– Camus L'Aquaire, Camus de Aquário, n'est-ce pas, cheri? – perguntou Afrodite enquanto apertava a mão do francês.
– Oui! Enchanté! – respondeu o francês meio sem jeito.
– Não é porque você mora em Paris e fala francês perfeitamente que todo mundo é obrigado a entender vocês, Dite! Vamos, podem parar com essa frescura toda! – brincou Aldebaran e todos caíram na risada.
– Pois bem, rapazes, entrem no carro! É alugado mas é ajeitado! – sorriu o sueco. – Aonde vamos? – perguntou.
– Pensei em irmos naquele boteco que costumávamos ir quando vínhamos pra cá com a mamãe, Dite! – disse Milo.
– Ótima idéia! Todo mundo pra dentro! – concordou o moço. – Alguém faz o italiano fechar a boca? – continuou Afrodite, rindo da cara de espanto de Másquera.
-X-X-X-
O boteco em questão ficava no centro de Atenas. Era uma casa escura, cuja entrada consistia em um grande corredor comprido de paredes pintadas de vermelho. Lá dentro, um ambiente pequeno com algumas mesas, duas mesas de sinuca, um balcão e uma velha juke box. No centro, havia um espaço para quem quisesse dançar. A ala feminina do bar quase veio abaixo quando os sete jovens adentraram o recinto.
– Entonces, vamos beber o quê? – perguntou Shura esfregando as mãos.
– Que pergunta idiota, Shura! Cerveja, é claro! – exclamou Taurus.
– Eu gostaria de tomar um vinho... – pontuou Camus.
– Ah, só você mesmo, Brigitte, pra querer tomar vinho nessa pocilga! Traz sete cervejas, mocinha! – gritou Milo para uma garçonete loirinha que corria para cima e para baixo.
– Mais respeito comigo, Milo! Por favor! – reclamou Camus. Ele não estava se sentindo nada à vontade no lugar, e ainda sentia o peso de ter de impressionar Afrodite sabia-se lá porquê. Ficou muito vermelho e teve ímpetos de esganar o inglês.
– Fica tranqüilo, Bri, o Dite é de casa! – respondeu Milo fazendo um gesto de desdém com as mãos, arrancando risadas dos companheiros e uma bufada de Camus. "Ignore-o, Camus! Ignore-o!", havia definitivamente se tornado o mantra do francês.
A garçonete veio correndo e serviu os sete canecos de cerveja. Milo tomou um deles nas mãos. – Gente, quero fazer um brinde! Ao grande Camus L'Aquaire, que derrotou o filha da puta do Saga com as mãos amarradas! Viva! – gritou Milo fazendo Camus corar ainda mais.
– Viva! – responderam os outros e todos sorveram o primeiro gole de cerveja, inclusive Camus, mesmo que fazendo uma careta.
– Nossa, Camus, você fez isso? Me contem essa história! – disse Afrodite, passando o dedo pela borda de seu copo. De um jeito estranho, Másquera estava hipnotizado pelo moço.
Os recrutas contaram aquela e outras histórias para Afrodite, que conquistou a todos com seu charme e simpatia naturais. De repente, o sueco sorriu e piscou para Milo. Levantou-se e foi até a juke box, depositou uma moeda e escolheu uma música. Fazendo um gesto de "vem cá", chamou Milo que, sorrindo, foi a seu encontro.
A música era Material Girl da Madonna. Milo e Afrodite dançavam sensualmente, envolvendo-se um ao outro. O sueco parecia uma cobra, se envolvendo no outro e cantando junto com a música. Milo, por sua vez, agarrava a cintura do irmão e rebolava junto. Os braços fortes do inglês seguravam os braços delicados do sueco. De vez em quando, a mão de Milo brincava com os longos cabelos do irmão. Em determinado momento, os dois se abraçaram de frente, envolvendo os quadris no ritmo da música. Na mesa, os amigos encaravam os dois num misto de fascínio e estranheza. Másquera não conseguia nem por um minuto desviar seu olhar de Afrodite, e Camus parecia hipnotizado por Milo.
– Ih, gente, liga não, eles fazem isso pra provocar... – comentou Aldebaran, olhando de lado e procurando alguma garota interessante. Bufou ao perceber que todas elas assistiam embasbacadas ao showzinho dos irmãos na pista de dança improvisada.
– Hum, o Milo não deveria fazer esse tipo de coisa... ele é um militar, não pode ficar por aí se insinuando desse jeito! – comentou Camus dando uma bufada e cruzando os braços, contrariado.
–Relaxa, Camus! Relaxa um pouco! – disse Aiolia rindo da brincadeira de Milo e Afrodite.
Quando terminou a música, os dois loiros se abraçaram longamente, rindo.
– Uma homenagem aos velhos tempos! – disse Afrodite.
– Aos velhos tempos! – respondeu Milo.
– Milo, vem comigo até o balcão, quero conversar com você! – intimou o sueco, agarrando o irmão pelo braço e o arrastando até lá. Os dois se sentaram e se apoiaram no balcão. Pediram mais duas cervejas e quando a bebida chegou, Afrodite encarou o irmão no fundo dos olhos. – Muito bem, quando é que você vai admitir?
– Admitir o quê, Dite? – perguntou Milo se fazendo de desentendido.
– Que você está a fim do ruivo... – murmurou o mais velho. – E não se culpe, até eu estaria a fim dele! O homem é perfeito! Se bem que o italiano me pareceu mais interessante...
– Deixa de ser idiota, Dite! – respondeu Milo, procurando Camus com o olhar. – Quem é aquela moça ali conversando com o Camus? – perguntou o inglês, enfezado.
– Você está morrendo de ciúme e ainda assim não admite que é a fim do homem! – pontuou Afrodite gargalhando.
– Não é ciúme, sua besta! É que eu gostei da moça, só isso! – respondeu Milo, virando a cerveja de uma vez só.
– Ah sim, e eu nasci ontem! – tornou o sueco.
– Foi pra isso que você veio até a Grécia, encosto? – perguntou Milo revirando os olhos.
– Exatamente! E vou te provar que você tá muito a fim dele, Uxo! – afirmou Afrodite sorrindo. Saiu dali e foi até a juke box novamente, enquanto Milo correu para se sentar entre Camus e a moça que conversava com ele, arrancando um olhar de desaprovação mas ao mesmo tempo divertido do outro. Nesse momento, a música escolhida por Afrodite começou a tocar.
Aquarius, was born the night. The shining star needed brighter shining light. Aquarius, was my saviour. It came along, like a blast from out of sight.
"Ai, Dite, desgraçado... Sim, L'Aquaire... Aquarius... Aquário... Meu salvador! Meu herói!", pensou Milo quando ouviu a primeira estrofe da música. Olhou para o lado de canto de olho e percebeu que o ruivo olhava para o nada, meio em transe pela melodia harmoniosa e a voz doce que contrastava com o ambiente pesado do lugar. "Aquário, nasceu a noite. As estrelas brilhantes precisavam de mais luz. Aquário, foi meu salvador. Chegou como uma explosão longe da visão", as palavras cantadas ecoando nos pensamentos do inglês.
When I was weak, you came along, enlightened me, covered the sun. You seduced me, I can never ever run.
Milo suspirou. "Quando eu estava fraco, você chegou, me iluminou, cobriu o sol. Você me seduziu, eu não posso nunca, nunca mais fugir!", dizia a música. "Afrodite desgraçado!", pensou. Engoliu em seco: o francês lhe encarava aqueles olhos azuis, gélidos. "Ai senhor... dai-me forças!", pensou o inglês.
'Cause I can only loose, when I'm Aquarius, you're the power that I need to make it all succeed, can you hear me call?
"Minha nossa, como ele é lindo! Simplesmente perfeito!", pensou Milo. Camus tinha a pele alva iluminada pela luz fraca do lugar. Os cabelos ruivos cortados e os olhos azuis emolduravam um rosto másculo e ao mesmo tempo delicado. O francês estava sentado com as pernas abertas e Milo não pôde deixar de admirar as coxas do homem, que de tão grossas se podia ver o contorno bem torneado por cima da calça jeans. "Porque eu só posso perder quando eu sou Aquário. Você é o poder que eu preciso pra fazer tudo dar certo. Você me ouve chamar?" "Música dos infernos! Se concentra em outra coisa, Milo!", pensou o inglês, mordendo o lábio inferior.
Aquarius, it's the stardust. It kills the faith, and the only one I trust. It calls your name, and you listen.
It steals your soul and your hunger and your lust for life, for being free, it's dragging you, it's killing me. You seduced me, I can never ever run.
"Aquário, é o pó das estrelas. Mata sua fé, e o único em quem confio. Chama seu nome, e você ouve. Rouba sua alma e sua fome e seu desejo por vida e por ser livre, está te arrastando, está me matando. Você me seduziu, eu não posso nunca mais fugir", dizia a música. "Ela está cantando minha história com o Camus...", disse Milo para si mesmo. "Mas peraí, que história? Eu lá tenho história com o francês? Somos amigos e olhe lá...", tornou a pensar. A seu lado, o ruivo umedeceu os lábios instintivamente. "Eu quero beijar essa boca, sentir essa língua... ai que calor!", disse o inglês para si mesmo e sentiu suas bochechas esquentarem pela vergonha daqueles pensamentos, bem como por aquela vontade que já não conseguia mais abafar.
I wish the stars will turn you in and leave me standing in the wind
I wish the devil gave you up and all the snow will melt and stop
This is it, I can't run away, you're controlling my life
"Queria que as estrelas te entregassem e me deixassem ao vento. Queria que o diabo desistisse de você, e toda a neve derretesse e parasse. É isso, não posso fugir, você controla a minha vida", as últimas palavras antes da música rodopiavam na cabeça de Milo. "Não posso fugir, você controla minha vida... Paixão, estou apaixonado! Eu quero o ruivo só pra mim! Deus, o que eu fiz pra merecer isso?", pensou o grego e abaixou a cabeça, apoiando-a com uma mão.
– Milo, você está bem? – perguntou Camus pousando levemente a mão nas costas arqueadas do inglês.
– Estou, Camus. Mas me deixa, preciso falar com meu irmão! – respondeu o inglês e se levantou, indo se sentar novamente perto do balcão junto do sueco. Camus ficou lá, sentado, observando o inglês se afastar. "Por que é que eu me preocupo tanto com esse metido?", disse Camus para si mesmo, pensativo.
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–Dite, seu desgraçado! Eu confesso! Sou louco pelo Camus! – chegou sussurrando Milo.
– Ah, eu sabia... – comemorou Afrodite dando um soco no ar. – Tinha certeza que essa sua implicância com ele era isso!
– Mas faz tanto tempo que não me envolvo com homens... – suspirou Milo, resginado.
– Ah, Uxo, o amor é uma força da natureza, querido. Não escolhe sexo! – pontuou o mais velho fazendo um carinho na cabeça do irmão.
– É... – murmurou Milo. – Mas vai ser platônico a vida inteira, porque o Camus é todo militar, todo certinho... ele jamais iria se envolver comigo! – completou o inglês com os olhos brilhando.
– Eu não diria isso... pelo que você me disse ele tem se mostrado muito preocupado com você. E pra uma pessoa como ele, que não se abala com nada, se abalar do jeito que você conta quando ele está do seu lado... aí tem! – sorriu Afrodite.
Milo levantou a cabeça e encarou o irmão nos olhos. – Dite, o que eu faço? – perguntou.
– Ah, se eu não penso em tudo... – comentou Afrodite com um ar falso de superioridade. – Vou convencer seus amigos a esticar a noite, e você vai se fazer de cansado. Com certeza o ruivo vai querer ir embora junto com você. Eu como sou muito gente boa vou oferecer meu quarto pra vocês não terem que passar a noite naquela imundície de quartel... aliás, aluguei uma suíte maravilhosa, tem tudo o que você tem direito lá! – disse Afrodite. Sorriu e abriu a bolsa, retirando uma caixa de dentro. – Isso aqui é um filme pra vocês assistirem e esquentar a situação. Não me olha com essa cara, Uxo, não é filme pornô não! É filme sério... convence ele a assistir... e aí, loirinho, é contigo. Aliás, você fica tão melhor de cabelo comprido... – continuou o sueco.
– Ótimo comentário, fez um bem pra minha auto estima! – ironizou o inglês. Pegou a caixa e leu o nome do filme, guardando-a logo em seguida. – Brokeback Mountain? Dite, você é fantástico! Te amo, meu irmão! – disse Milo, dando outro abraço apertado no mais velho.
– Faz o seguinte, me arranja pro italiano e fica tudo certo... – brincou Afrodite. – Ele é lindo, nossa! Ui! – disse, se abanando.
– O Másquera? Você morre se chegar perto dele! Nem brinca! – tornou Milo num tom preocupado.
– Vamos ver quem morre primeiro... – piscou Afrodite e segurou Milo pelo braço, arrastando-o para a mesa dos amigos.
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–Bom, meninos, eu estou muito a fim de ir pra algum outro lugar, o que vocês acham? – perguntou Afrodite antes de se sentar à mesa com os outros.
– Ótima idéia! – atestou Shura e Aiolia, Aldebaran e Másquera aprovaram.
– Ah, eu confesso que estou moído e dolorido, quero dormir... – comentou Milo.
– Uxo, você dormir? Acho que a febre do Aiolia passou pra você! – riu-se Aldebaran.
– Estou cansado, é só! Acho que vou pra base... – disse Milo como quem não quer nada.
– Milo, eu vou com você. Também não quero dançar... – respondeu Camus, mordendo a isca.
– Por que vocês não vão pro meu quarto de hotel? Aluguei uma suíte enorme, tem espaço de sobra pros dois. E assim vocês não dormem naquela imundície de quartel, coisa horrorosa! – ofereceu Afrodite sorrindo.
– Ah, eu aceito, Dite... Nós vamos então, né, Brigitte? – perguntou Milo.
– Agradeço, mas vou pra base... – respondeu Camus.
– Pensa bem, Bri... cama quentinha, comida boa... e até vinho... vamos? – insistiu Milo pousando uma mão de leve no ombro do francês.
Camus racionalmente não queria ir. Sabia que não deveria. Afinal, iria dormir sozinho com Milo numa suíte de hotel: não ia pegar nada bem. Mas algo além da razão dizia-lhe para aceitar o convite. E só de pensar em passar o resto da noite em uma confortável suíte de hotel, tomando vinho e acompanhado de Milo, estremeceu. "Que mal há nisso, afinal?", pensou o ruivo tentando se convencer daquilo que dizia. Em seu íntimo, porém, o alarme de perigo havia sido acionado: sabia que tinha algo ali, alguma coisa que ele não sabia muito bem o que era, que não conseguia identificar, e que era novo e ameaçador. Entretanto, naquela luta interna a vontade falou mais alto do que o perigo.
– D'accord, Milo. Vou com você então! – concordou o francês.
Afrodite e os rapazes deixaram o bar na station wagon, e Camus e Milo tomaram um táxi para o hotel. Não trocavam uma única palavra. Os pensamentos de Milo eram de medo e desejo. Os de Camus, de confusão e receio. Permaneceram assim calados até que chegaram no quarto de hotel. "É agora ou nunca! Vê se não faz besteira, Milo!", pensou o inglês ao abrir a porta da luxuosa suíte de Afrodite.
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Créditos: A música se chama Aquarius e é do Aqua. O Milo enquanto fala vai traduzindo a música, acho que deu pra ficar claro, né? Descobri essa música meio por acaso, no YouTube, procurando vídeos sobre Milo e Camus. Tem um de homenagem a Camus com essa música, que por sinal é linda! E tem tudo a ver!
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A/N: Taí mais um capítulo... acho que o Afrodite conseguiu mexer um pouco com as coisas. Ah, e sim, o Saga surtou. O que não é nenhuma novidade, né? Heheh.
Uotani: Sim, o Camus é perfeito. Eu sou suspeita. Amo amo amo o francês. De verdade. Sou até tendenciosa. Espero que tenha gostado desse!
Bia: Todo mundo tem direito a folga, até mesmo eles... por isso que o Dite conseguiu se encontrar com eles. Bom, espero que você também tenha gostado.
Aliás, muuuuuuuuuuuuuuito obrigada pelas reviews, todas fofas, amei!
Próximo capítulo: O amor é uma força da natureza. Até lá!
