Cap 11 – O Mais Longo dos Dias

Fazia mais de quatro horas que esperava pacientemente no saguão do aeroporto. Praticamente fugira da base, e obviamente não havia nenhum avião militar que o pudesse levar de volta pra casa. "Casa...", sussurrou baixinho. A verdade é que uma pessoa uma vez lhe dissera que lar não tinha nada a ver com lugar, e que saudade a gente sente é das pessoas e não de casa. Sorriu um riso meio irônico ao entender finalmente o que aquela pessoa tinha querido dizer.

Vestia roupas civis, e nada em sua fisionomia naquele momento denotava, ou sequer fazia pensar, quem ele realmente era. As técnicas de luta que dominava. A perícia com armas brancas e de fogo. A mente tática. As medalhas que ostentava. O currículo invejável. Ali, sozinho no aeroporto, era somente um jovem francês completamente perdido em seus anseios. E seus olhos, de um azul profundo, reluziam pelas lágrimas derramadas, as quais, estranhamente, ele não sentia a menor necessidade de esconder.

Havia se digladiado por aquela passagem. Gastara todo seu charme, influência e euros nela. Observava à sua volta: o aeroporto estava apinhado para aquela época do ano. As pessoas corriam de um lado para o outro, e estavam muito mais agitadas do que o normal. O ruivo estranhou tudo aquilo, mas sua mente tinha preguiça de tentar entender o que se passava. Nem mesmo um jornal ou revista quis comprar. Não adiantava: nada mais cabia em seu pensamento a não ser ele.

Milo. O jovem loiro que lhe roubara o coração.

Suspirou profundamente, não admitindo para si mesmo seus próprios sentimentos. Ele, Camus L'Aquaire, não estava nem nunca estaria rendido por um homem. Muito menos daquela maneira. Balançava a perna nervosamente, mal acreditando que aquilo estava realmente acontecendo. "O que quer Aiolos?", pensou. Vivia um turbilhão de sensações e sentimentos, tudo misturado. E dessa mistura surgiu uma inquietação: fora chamado às pressas para a França, a única donzela a quem seria sempre fiel. Foi obrigado a se desligar do longo e árduo treinamento pouco tempo antes de conseguir seu diploma e promoção. E seu coração encolhia cada vez que se lembrava da carta que dizia com todas as letras para voltar pois a Pátria mãe estava em perigo. Tremeu.

– Passageiros do vôo 771 para Paris, agora embarcando no portão 9. – informou a voz metálica pelo auto-falante, arrancando um suspiro de alívio do ruivo. Levantou-se de onde estava e colocou a pesada mochila às costas. Pouco tempo depois estava confortavelmente acomodado na primeira classe, única poltrona que restara daquele vôo. Não pôde deixar de reparar na feição preocupada tanto da tripulação quanto dos colegas de vôo, mas deixou para lá. Exausto, dormiu.

Mas teve um sono agitado. Mexia-se na poltrona, suando em bicas. Lembrava de Milo, de todas as nuances do corpo moreno de sol do loiro. Da boca macia e da língua quente. Do hálito doce. Das mãos ágeis. Da experiência inquietante. Acordou sobressaltado. Não queria admitir, mas estava completamente apaixonado. E maldizia-se por cada momento que perdera com o inglês. Agora, agora era tudo sonho: desvanecia-se. E não restava ninguém além de si mesmo para culpar. "Je suis un stupide, moi!", pensou. Olhou de canto de olho para a poltrona ao lado da sua, em que uma menina sorria e parecia que tomava coragem para lhe falar. Meio em desespero, querendo fugir da garota de todas as formas possíveis, pegou a primeira coisa que viu que era capaz de servir para aquele propósito: o fone de ouvido. Um ritmo harmonioso e uma voz rouca e sensual se fizeram ouvir.

Is your figure less than Greek?

Is your mouth a little weak?

When you open it to speak, are you smart?

But, no change a hair for me.

Not if you care for me.

Stay, little Valentine.

Each day is Valentine's day.

You're my funny Valentine,

Sweet comic Valentine.

You make me smile with my heart

Your looks are laughable, un-photographable,

Yet, you're my favorite work of art.

Camus tirou o fone de ouvido e o jogou longe. Só podia ser brincadeira! Até a música lhe falava sobre Milo. Chorou baixinho, intimamente mandando o mundo para o inferno. Sentia pela primeira vez, e não gostava nada daquilo.

-X-X-X-

O homem despediu-se dos outros e sorriu, sarcástico. Fechou a porta atrás de si e caminhou pelo gabinete luxuoso, observando tudo com atenção. Regozijou-se com todo o poder e a glória que havia finalmente conseguido. Gargalhou de um jeito intimidante e cruel. Maquinara tudo de forma perfeita, e agora tinha o mundo nas mãos. Literalmente.

Sentou-se em sua cadeira, de frente à sua mesa, onde descansou os pés. Jogou a cabeça para trás, e seus longos cabelos esvoaçaram. Ainda com um sorriso nos lábios, pegou o telefone e discou um número que sabia muito bem de cor.

– Julian? Sim, sou eu. Tudo correu às mil maravilhas. Quero que venha para Londres o mais rápido possível! Já começou! E você não pode perder isso! Até logo! – desligou.

Pegou sua carteira do bolso, de onde tirou uma foto meio amassada. "Ah, foi tudo tão fácil. Patético. Os movimentos de vocês, tão previsíveis. Todos marionetes nas minhas mãos. Me entregaram o mundo de bandeja. Um plano tão simples... Idiotas! É, Saga, você sempre foi o preferido, o perfeito, o justo e o íntegro. Mas agora, a Inglaterra é minha. E, com o que eu tenho nas mãos, o mundo é meu, meu irmão! E pensar que vocês me deram tudo isso de bandeja, mordendo minha isca assim tão facilmente...", pensou o homem.

Levantou-se e pegou a garrafa de champagne de dentro do balde envolta de gelo. Estourou a garrafa, sozinho. Derramou o líquido na taça e sorriu. – Um brinde, Saga. À minha vitória! – exclamou, levando o conteúdo da taça à boca. Estalou os lábios. – Vitória se comemora com champagne francesa! – riu Kanon, sozinho, enlouquecido e poderoso.

-X-X-X-

Pisou no Aéroport d'Orly e não evitou um sorriso. Afinal, estava na França. E, mais que isso: estava em Paris. Saiu apressado e assustou-se com a longa fila na alfândega, a qual conseguiu burlar ao mostrar seu passaporte militar. Não entendeu muito bem todos aqueles olhares apreensivos e a cordialidade excessiva com que foi tratado pelos funcionários do aeroporto mas, tomando uma decisão que se tornara uma constante naquela viagem estranha, resolveu nem pensar sobre o assunto.

Saiu apressado pelo saguão e, como qualquer jovem normal de sua idade, tomou o metrô. Olhou à sua volta, admirando os compatriotas todos sempre envolvidos no esquema parisiense de ser. "Metro, boulot, dodo! (1)", pensou e sorriu. Por um momento, quase esqueceu-se de Milo. Várias baldeações depois, desceu correndo na estação de Saint-Sulpice, maldizendo Dan Brown e seu Código da Vinci por ter usado tão vilmente aquele tesouro arquitetônico francês. E que, ainda por cima, ficava a poucos passos de sua casa.

Entrou no pequeno apartamento e suspirou resignado, deixando cair a pesada mochila no chão. Tudo estava sujo e abandonado. "Também, faz quase seis meses que ninguém dá as caras por aqui...", pensou. Resolveu nem mexer em nada. Somente ligou o chuveiro, agradecendo internamente por Aiolos não ter esquecido de pagar as contas de água e de luz, e banhou-se com os itens de higiene que havia trazido jogados em suas coisas lá da Grécia. Pouco tempo depois estava impecavelmente trajado com sua farda de combate, e não era mais o jovem francês perdido em sentimentos. Agora, era o Segundo-Tenente da Marinha da França Camus L'Aquaire. E orgulhava-se por isso.

A tarde caía e deixava o outono francês ainda mais agradável. Um vento frio cortava o ar, mas o ambiente transpirava sensualidade. "Ça c'est Paris!", murmurou o ruivo para si mesmo, acenando de quando em quanto para alguma moça coquete pelo caminho. Resolveu ir caminhando até o Ministére des Armes, onde seu antigo tutor, o Tenente-Coronel Ailos du Sagittaire, ocupava um dos cargos mais importantes do alto escalão das armas francesas. Pisou na Avenue des Champs-Elysées bem a tempo de ver as luzes douradas do Arc de Triomphe se acenderem ao longe. Milo voltou aos seus pensamentos naquele instante, ao se perceber caminhando sozinho pela Citè des Lumières, o lugar mais romântico do mundo.

Alguns minutos depois, já de noitinha, foi finalmente recebido no gabinete do Ministro das Armas, que sorriu contente ao lhe ver. Abraçaram-se cordialmente.

– Faz tanto tempo, Camus! – cumprimentou Aiolos sorridente.

– Sim, Monsieur, quase seis meses que não nos vemos... – pontuou Camus baixando os olhos.

– E como foi lá na OTAN? – perguntou o mais velho, caminhando em direção a um móvel que ficava em um canto da suntuosa sala. – Aceita algo para beber?

– Um whiskey, se possível... – pediu Camus.

– Claro, claro... – serviu Aiolos, lhe entregando o copo. "Que irônico!", pensou du Sagittaire. – Mas você ainda não me contou como foi na Grécia...

– Teria sido melhor se eu tivesse me formado, não, Monsieur? Vamos parar de rodeios... por que você me chamou? – perguntou Camus. Ele conhecia e muito bem o homem poderoso à sua frente para saber que seus olhos estavam mais carregados do que o normal.

– Você nem imagina, Camus? – surpreendeu-se Aiolos.

– Não faço nem idéia... – pontuou Camus, dando de ombros.

– Você não sabe o que está acontecendo? – Aiolos parecia não acreditar nas palavras do mais novo.

– Francamente, Monsieur, estou ficando cansado disso. Quer ir direto ao ponto, s'il vous plaît? – inquiriu Camus, cuja paciência estava no limite.

– Se você assim o quer... Te chamei para comandar a resistência, Camus! – disse Aiolos.

– Que resistência, Monsieur? – perguntou o ruivo, sem compreender as palavras de seu antigo tutor.

Mon Dieu, por onde você andou todo esse tempo? Não tem lido jornal, não? – tornou o mais velho, visivelmente surpreso com o desconhecimento do outro.

– Bom, Monsieur, acho que na Líbia não vendem os jornais do Ocidente... – respondeu Camus irônico.

Aiolos nada disse. Abriu sua gaveta e tirou de lá uns exemplares de alguns dos jornais mais importantes do mundo. – Leia as manchetes! – ordenou.

Camus passou os olhos pelas notícias sem acreditar no que seus olhos liam. "The World on Fire", do New York Times. "La Güerra", do Corriere della Sera. "Ivasion", do London Times. E aquela que mais lhe chocou: L'Invasion: Le Plus Grands des Jours Revisité, do Le Monde. (2) – Numa subversão do Dia D, a Inglaterra declara guerra à França e junto dos Estados Unidos da América desembarca na Normandia... – leu Camus balbuciando. – Não pode ser... Isso não é possível...

– É sim, Camus, é sim! Me espanta que você não saiba! – comentou Aiolos.

– Isso explica a apreensão de todos pelo caminho, e o movimento fora do normal nos aeroportos... e também o tratamento vip que me deram quando cheguei. Mas mon Dieu, como que a Inglaterra do nada declarou guerra contra a gente e ainda por cima invadiu a Normandia? – perguntou Camus mal querendo acreditar no que ouvia.

– Boa pergunta, mon chèr. Parece-me que os ingleses conseguiram algo precioso que lhes fez crescer os olhos pra cima de nós... – respondeu Aiolos.

– Mas isso não é possível. E os tratados? As alianças? Os organismos? Foi tudo jogado no lixo? – Camus estava incrédulo.

– Basicamente, sim – tornou Aiolos. – E a coisa é que ingleses e americanos já desembarcaram em Haute Normandie! Te chamei aqui porque quero que você comande a resistência!

– Mas é poder de fogo demais pra nós. Temos algum aliado? – indagou Camus. Inconscientemente, sua mente estratégica começara a funcionar.

– Sim. A Alemanha, a Itália e a Grécia estão conosco, mas a Espanha está com eles! A Rússia até agora não se pronunciou... e pelo visto vai ficar em cima do muro mesmo. Estão chamando o conflito de Guerra da OTAN, e isso mostra claramente que eles não querem se envolver... – explicou Aiolos.

O ruivo suspirou. – C'est drôle, ça! Engraçado, isso... – murmurou.

– O que é engraçado, Camus? Temos uma espada sobre nossas cabeças! – gritou Aiolos saindo do sério.

– Engraçado, sim. Caso você não tenha percebido, Monsieur, passei todo esse tempo justamente acompanhado por um italiano, um espanhol, um grego, um americano e um inglês. E quer ouvir outra coisa engraçada? O inglês era meu melhor amigo! E de repente você me traz de volta e diz com todas as letras pra eu comandar uma resistência contra a Inglaterra! Se isso não for engraçado, não sei o que é! – gritou Camus, transtornado.

– Ora, voltou mudado, não Camus? Pra quem não tinha amigos você me parece bem sentimental! – tornou Aiolos em tom ameaçador.

– Você me ensinou que sentimentos são a fraqueza dos homens, Monsieur! Mas nunca que poderiam ser sua força! – tornou Camus com mágoa. – Eu nunca tive um amigo porque não sabia como era bom ter um!

– Eu te criei como a um filho, Camus. – argumentou Aiolos.

– Não, Monsieur. Você me criou como a um militar! – afirmou o ruivo.

Aiolos suspirou. Caminhou pausadamente até o homem mais novo e o abraçou. – Eu fui duro demais com você, não é, Camus? Mas não foi minha intenção. Sempre te acompanhei, e você é meu maior orgulho. E se você pensa que foi parar naquele treinamento na OTAN por acaso, está muito enganado. Tudo ali foi escolhido, e muito bem escolhido, Camus. Mas é só o que eu posso te dizer por enquanto. E então, posso contar com você pra comandar?

– Invadiram minha casa, Monsieur. Nada nesse mundo me impediria de lutar! – tornou Camus resolutamente. – Agora me diga, onde eles estão?

– Como eu lhe disse, desembarcaram em Haute Normandie. As últimas notícias que eu tenho é de que estão marchando para Rouen. – explicou Aiolos num grande mapa militar fixado na parede.

Camus parou e processou todas as variáveis. Pensou em todas as possibilidades, todos os elementos do problema que se desenhava. Rapidamente, traçou uma solução, aquela que melhor se adequava à questão proposta. Assim era o francês: analítico ao extremo. Se Milo estivesse ali, certamente o chamaria de "Bri, o computador humano". O ruivo riu sozinho ao pensar nesse comentário que o outro com certeza teceria.

Monsieur, quero o Charles de Gaulle no Canal da Mancha. Quero que o navio seja acompanhado por três de nossos submarinos nucleares, que navegarão por baixo do porta-aviões, e assim não serão captados pelos radares. Enquanto todos estiverem atacando o Charles de Gaulle, os submarinos estarão livres para disparar as M45... – explicou Camus traçando uma linha no mapa.

– As M45? Você está maluco, Camus? Estamos falando de ogivas que são lançadas em 15 minutos, viajam a 12.000km/h e têm um alcance de 6.000km. Isso sem contar o poder de destruição de 100 quilotons cada uma. Só pra se ter uma idéia, a bomba que destruiu Hiroshima era de 15 quilotons (3)... você seria mesmo capaz de dispará-las? – perguntou Aiolos, surpreso.

– Se contamos com algo a nosso favor, Monsieur, é o medo de ingleses e americanos de disparar uma arma nuclear. Acho que podemos jogar com isso, o que não quer dizer necessariamente que vamos disparar as ogivas... – argumentou o ruivo.

– Arriscado, mas parece mesmo ser a única saída. – concordou Aiolos. – Pois bem, lhe dou o comando do Charles de Gaulle, Camus L'Aquaire!

– Agradeço, mas eu não vou comandar o ataque pelo mar, Monsieur. Eu quero tropas, eu vou para Rouen. – pontuou Camus firmemente.

– Você é da Marinha, Camus! Tem de comandar o Charles de Gaulle! Mon Dieu, eu sei do carinho que você tem por esse navio! – tornou Aiolos.

– Acho que você não se deu conta do que tomar Rouen quer dizer, Monsieur. Não se deu conta do porquê dos ingleses estarem marchando pra lá. Não se esqueça que uma guerra também se ganha pelo psicológico, pelo moral das tropas. Rouen foi onde os ingleses queimaram Joana D'Arc, Monsieur. E você bem sabe que Joana D'Arc é a França. Não podemos deixar que tomem de nós o lugar onde a Inglaterra queimou a França. Imagina o impacto que isso teria? – perguntou o mais jovem.

– Camus L'Aquaire, meu filho, você é brilhante. Pois bem, eu pessoalmente comandarei o combate pelo mar. Você irá como comandante-em-chefe da resistência, e tem carta branca para ficar onde quiser. E espero que consigamos ao menos retardar a derrota, mon chèr! – exclamou Aiolos. Ambos os homens ali sabiam que não havia poderio militar no mundo que pudesse dar conta das forças de Estados Unidos e Inglaterra conjuntas. Mas também sabiam que a França não se renderia assim tão facilmente.

Pour la France! – gritaram os dois ao mesmo tempo, felicitando-se.

-X-X-X-

Uma hora e meia e exatos 137 km a noroeste depois, Camus desembarcava em Rouen, Haute Normandie. Mal podia acreditar na reviravolta que o destino traçara. Na peça que a vida lhe pregara. "Se não fosse tão trágico seria cômico!", sussurrou o francês. Ao longe, podia ouvir alguns estampidos e clarões: eles estavam perto, perigosamente perto.

Examinou o terreno, caminhando calmamente pela bela e por enquanto ainda tranqüila cidade. Rouen era uma típica cidade francesa: o moderno e o antigo conviviam harmonicamente, desenhando um cenário bucólico e encantador. Quando entrou na rua Saint Roman, na Vieux Rouen, quase se esqueceu do que tinha ido fazer ali: por um momento imaginou que estava somente passeando, e observou as vitrines dos artesãos que ainda teimavam em manter seus estabelecimentos abertos, à procura de um presente para alguém especial. Continuou caminhando pelas ruas estreitas e tortuosas da parte velha da cidade, encantado pela arquitetura antiga repleta de peças de madeira branca e preta aparentes.

No Vieux-Marché, saindo diretamente da Rue du Gros-Horloge, deu de cara com a Catedral de Rouen, uma enorme catedral gótica datada de 1063. "Imponente!", murmurou Camus. Logo em seguida, passou pelo Museu Jeanne D'Arc e ajoelhou-se em sinal de respeito. "Essa beleza toda sobreviveu à II Guerra, e não vai ser agora que vai tombar!", prometeu-se para si mesmo. Andou mais um pouco até o rio Sena, o mesmo que cortava Paris. Observou a tudo com olhos bem treinados.

– Pois bem, menino, qual seu nome mesmo? – perguntou ao rapaz loiro que lhe acompanhava.

– Hyoga, Monsieur! – respondeu o menino com medo nos olhos.

– Hyoga, o rio é uma fronteira natural e vai retardar o avanço dos inimigos. Quero que você dê um jeito de explodir todas as pontes, entendeu? – ordenou Camus e Hyoga fez que sim com a cabeça. – Muito bem, também quero baterias antiaéreas montadas nestes pontos... – continuou o ruivo, fazendo alguns "xis" em um mapa, que posteriormente entregou ao mais novo. – Você entendeu, soldado?

– Sim, senhor! – respondeu Hyoga batendo continência.

– E mais, quero que bombardeie o outro lado do rio incessantemente. Soe o toque de recolher para a população do lado de lá e obrigue todos a vir para cá; acomode-os como der. Quando o outro lado do rio estiver evacuado, bombardeie tudo. Não pare! Você entendeu, Hyoga? – continuou a ordenar Camus.

– Sim, Monsieur! – respondeu o loiro, trêmulo.

– E está esperando o quê pra fazer o que eu mandei? – pontuou Camus.

– Nada, Senhor! Com licença, Monsieur! – tornou Hyoga e saiu correndo dali.

– Uma criança, mon Dieu! Minha Santa Joana D'Arc, me ajude! – pediu Camus olhando para o céu, que estava estrelado. Era uma noite gostosa em Rouen.

Camus L'Aquaire continuou a passear pela cidade, decidido a aproveitar os últimos minutos de calma que lhe restavam. Revisitou sua vida: a morte de sua mãe, o colégio militar, a morte de seu pai, seu tutor, a criação rígida à qual foi submetido. As lições duras em que aprendera que a um homem, ainda mais a um militar, não era permitido ter sentimentos. Lembrou da adolescência e do único momento de rebeldia que tivera em sua vida, quando resolvera sair do colégio e ser artista em Montmartre. Meteu a mão no bolso em busca de sua foto com os cabelos ruivos e longos caindo pelas costas, e qual não foi sua surpresa quando não a encontrou. "Mas será que...?", pensou. "Milo...", murmurou. Sim, Milo. Pois sua vida só fora realmente completa nos momentos em que estivera nos braços do outro homem. Vivia um dilema, um dilema enorme. E surpreendentemente naquele momento, naquele lugar, pouco lhe importava a França ou a guerra: só queria saber de Milo. "Milo... Mon Dieu, Milo e os outros, a base, a guerra!", pensou Camus, dando-se conta de que não era ele o único envolvido naquela loucura toda.

-X-X-X-

Camus percorreu as ruas silenciosas como uma flecha. Ao longe, os estampidos das bombas se misturavam ao toque de recolher e aos clarões que tingiam a noite de vermelho. Viu uma boulangerie ainda aberta e conseguiu que o padeiro lhe deixasse usar o telefone, que surpreendentemente ainda funcionava. Trêmulo, sacou um papel amassado do bolso e discou aquele número com o coração quase saltando pela boca.

Um toque. Dois toques. Três toques. Quatro toques.

Taquicardia.

Cinco toques. Seis toques. Sete toques.

Desespero.

Oito toques. Nove toques. Dez toques.

– Alô? – uma voz conhecida e assustada ao outro lado.

Alívio.

– Alô, D'Aguias? – respondeu Camus.

– Camus? – tornou Marin e era perceptível sua felicidade ao falar com o rapaz.

– Marin, o Milo está aí? – perguntou o francês com o coração quase saltando pela boca.

– Não, Camus. E-eu estou sozinha aqui. A base está sendo evacuada. Pouco tempo depois que você foi embora vieram ordens para que todos os rapazes voltassem pra suas casas. Milo, Aldebaran, Shura, Másquera... o Olia, Camus... estão todos fora. O Saga. Até mesmo a Shina. Eu também fui convocada, Camus. A base foi desativada, a OTAN dissolvida... – dizia a menina em desespero do outro lado da linha.

Camus suspirou. Agora entendia o que seu tutor queria dizer quando afirmava que os sentimentos eram a fraqueza dos homens. Pois queria viajar pelo fio do telefone e aninhar Marin em seu colo, protegendo-a de todo o mal. Ele nem imaginava que a amizade também doía, e se deu conta disso quando seu coração encolheu um pouquinho a cada nome que a moça disse. Até mesmo de Saga.

– Camus? Você ainda está aí? – perguntou a menina, trêmula.

Oui, ma petite! Estou aqui, Marin! – respondeu o moço.

– Camus, o mundo inteiro está em chamas... – chorou a menina.

– Calma, Marin. Calma, petite. Tudo vai ficar bem, eu prometo! – afirmou o francês, embora soubesse que ele não era capaz de garantir tal promessa.

– O Olia, eu não sei onde está o Olia... – dizia a moça em descompasso. – E-eu não sei o que fazer, Camus.

– Marin, te prometo que nós todos ainda vamos nos reencontrar. Aí em Atenas. Vamos todos tomar vinho grego e comer queijo de cabra com azeite! – consolou o ruivo.

– Você me promete, Camus? – soluçava a menina.

– Prometo, Marin. E ainda vamos lembrar desse período com tristeza, querida! Calmes-toi, ma petite! – pedia o francês com uma voz tranqüilizadora.

– Obrigada, Camus. Me prometa mais uma coisa... se você achar o Olia, você protege ele pra mim? E diz que eu o amo muito! – pediu Marin.

– Claro, petite. Com certeza! – respondeu Camus, e sentiu que a menina sorria do outro lado.

– Olha, eu vou te passar um telefone. É do irmão do Milo. Acho que ele deve saber onde ele está! – tornou Marin. O francês anotou o número, esperançoso, e agradeceu. – Sabe, Camus? Eu praticamente cresci aqui na base. Vivi meus melhores momentos aqui, conheci meus melhores amigos aqui... e também o amor da minha vida. E agora estou arrumando minhas coisas e partindo pra lutar contra meus amigos e minhas convicções.

– Pensei que nossa função fosse garantir a paz, Marin, e não lutar uns contra os outros... – pontuou Camus. – E eu prometo pra você que vou restabelecer essa missão.

Marin sorriu. Ela sabia que a promessa que Camus lhe fazia era impossível de ser cumprida, mas mesmo assim sorriu: era reconfortante. – Boa sorte, meu amigo! Que os deuses te protejam! – desejou Marin.

Bonne chance, ma petite! Boa sorte pra você também! Se cuida muito! Te proíbo de morrer! – respondeu Camus e desligou o telefone. Tinha lágrimas nos olhos.

-X-X-X-

– Alô? – disse uma voz grave e máscula do outro lado da linha.

– Por gentileza, gostaria de falar com o Afrodite... – pediu Camus.

– É ele. Quem é? – perguntou o sueco.

– Camus L'Aquaire... – tornou o francês.

– Ora, se não é o filho da puta que fodeu com a vida do meu irmão... – disse Afrodite cheio de sarcasmo.

– Não diga isso! – reclamou o ruivo.

– Digo isso e muito mais. Teve toda a chance do mundo pra ficar com o Milo... uma pessoa maravilhosa, um presente que a vida te deu e você jogou pro alto... – recriminava Afrodite. – O que você quer?

– Saber do Milo... onde ele está? – perguntou Camus, afoito, decidido a não brigar com Afrodite.

– E por que eu lhe contaria? Pra você informar seus homens? Ou pra ir matá-lo pessoalmente? – perguntou o loiro.

– Por quem me toma, Afrodite? Você acha que eu fazia idéia que essa guerra maluca ia começar? Pelo que eu saiba, foi a Inglaterra quem deu o primeiro passo... eu quero saber onde está o Milo, eu preciso saber onde está o Milo! – gritou Camus. Respirou fundo. – Por favor, Afrodite. É importante.

O sueco suspirou também. – Eu sei, Camus. Me desculpe, eu estou abalado e sem saber o que fazer. Já nem tenho mais lágrimas, Camus, chorei-as todas pelo Milo e por vocês todos!

– Posso imaginar... Afrodite, o mundo está de cabeça para baixo. Uma loucura, nada mais faz sentido. Mas uma coisa ainda faz sentido pra mim: o Milo. Por favor, me diz onde ele está! – implorou Camus com a voz embargada.

– Você sabe alguma coisa dos outros? Do Másquera? – perguntou o sueco.

O ruivo nem quis entender o porquê do interesse do irmão do Milo no italiano. – Não, Afrodite, não sei dele. Mas a Itália é nossa aliada, e eu convoquei as forças italianas para me ajudar aqui... – comentou Camus.

Do outro lado da linha, Afrodite chorava copiosamente. – Protege o Mask, Camus! Protege, por favor!

– Eu prometo que vou tentar trazê-lo pra lutar comigo, Afrodite. Mas agora me diga, onde está o Milo? – perguntou Camus. O coração parecia que ia explodir-lhe no peito.

– O Milo fez parte da invasão, Camus. Da última vez que falei com ele, ele me disse algo sobre Joana D'Arc e Rouen. Acho que ele está marchando pra Rouen, Camus! – informou Afrodite.

– Marchando pra Rouen? Você tem certeza? – indagou o francês, incrédulo.

– Sim, e pelo que me parece Aldebaran está com ele... – pontuou Afrodite, ainda abalado.

Camus engoliu em seco, mas decidiu não informar nada para o sueco. – Certo, muito obrigado pela informação. Agora, pelo telefone que eu disquei, você ainda está em Paris, certo? – perguntou o francês.

– Sim, Camus... – murmurou o moço do outro lado da linha.

– Afrodite, preste muita atenção no que eu vou te dizer. Quero que você pegue suas coisas e vá embora pra Suécia, entendeu? Quero que faça isso agora! Se passarem dois meses e a guerra ainda continuar, quero que vá pra algum país da América do Sul, você entendeu? – ordenou Camus.

– S-sim... – sussurrou Afrodite.

– Você precisa deixar a França. Precisa, entendeu? Os ingleses estão muito perto de Paris, e não sei por quanto tempo as tropas francesas vão conseguir detê-los, você está me ouvindo? – continuou Camus num tom firme.

– S-sim... e-eu não imaginava que a coisa era tão séria... – murmurou o sueco.

– Afrodite, eu tenho de desligar. Se cuida, viu? – pediu Camus.

– Você também, cunhado! – sorriu Afrodite. Camus sentiu uma ponta de raiva, mas sorriu também e desligou o telefone. Saiu da boulangerie pisando duro, deixando um padeiro transtornado atrás de si.

"Nem acredito que o Milo está em Rouen... a alguns poucos quilômetros de distância... amanhã de manhã eu vou dar um jeito de falar com ele...", pensava Camus enquanto caminhava para o rio. Então, ouviu um enorme estrondo e um clarão imenso. E mais um. E outro. E gritos desesperados vindos da outra margem. "Ah não, Hyoga!", tornou a pensar.

Correu desesperado até o garoto loiro que, conforme suas ordens, bombardeava incessantemente. Pelos gritos de desespero em inglês que se ouviam do outro lado, ficava claro que os inimigos não esperavam que os franceses fossem capazes de bombardear sua própria cidade. Um engano que talvez tivesse custado algumas vidas.

Mon Dieu, Hyoga, pare os bombardeios! – ordenou Camus.

– Mas Monsieur, agora é tarde; pedi pra dois aviões virem pra cá com tudo! – pontuou o loiro.

Mal acabou de falar e os dois aviões franceses passaram voando baixo, descarregando todo seu poder de fogo nas tropas do outro lado do rio. Após um ruído que parecia vindo do próprio inferno, não se ouviu nada além do silêncio.

– MILOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOO! – gritou Camus, desesperado. O eco foi sua única resposta.

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Saga caminhava de um lado para o outro. Seus olhos reluziam em ódio: estava transtornado.

– Calma, Saga... muita calma... – pediu Mu.

– Calma o quê, loirinho? A Shina foi convocada e partiu sabe-se lá eu pra que fronte; enquanto isso eu fico aqui de braços cruzados! E isso tudo é culpa do meu irmão!

– Quem disse que a gente vai ficar de braços cruzados? – pontuou Shaka com um sorriso maroto.

– E não vamos? – respondeu Saga, erguendo uma sobrancelha.

– Não, meu caro. O que precisamos fazer é muito simples... é só recuperar o satélite que o Kanon levou pra Inglaterra. Os ingleses só invadiram a França porque o satélite do Kido é na verdade uma arma superpotente. Uma espécie de projeto Guerra nas Estrelas ao contrário... uma vez em órbita, o satélite será capaz de isolar totalmente determinada área geográfica. Suponhamos que seja a França, por exemplo. Em poucos meses, a população morreria de fome... é praticamente um escudo defletor. O velho Kido inventou o satélite como uma proteção contra o buraco na camada de ozônio, jamais imaginou que fosse ser usado para fins militares... – explicou Mu.

– Sim, e agora o Kanon praticamente manda na Inglaterra por causa disso, caiu nas graças de Sua Majestade... mas o satélite ainda não foi lançado... – completou Shaka.

Saga se remexeu na cadeira e seus olhos brilharam ainda mais. – Quer dizer que eles foram precipitados a esse ponto?

– Você bem sabe que seu irmão é bem convincente, Saga! – afirmou Mu.

– E qual o plano? – perguntou o Major Gemini, sentindo que estava de volta ao jogo.

– Ora, ora, meu amigo, o plano é mais simples do que você imagina... – começou Shaka, enquanto Mu e Saga ouviam atentamente.

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1.Metro, trabalho, dormir: um trocadilho muito usado pelos parisienses.

2. A Invasão: O Mais Longo dos Dias Revisitado – fiz aqui uma menção ao título do capítulo, que por sua vez se refere ao filme o Mais Longo dos Dias, um clássico do cinema que conta a história do Dia D, em que os aliados invadem a França pela Normandia, começando a expulsar os Nazistas e a virar o jogo da II Guerra Mundial.

3. As M45 existem mesmo e são as ogivas francesas. As especificações informadas por Aiolos são reais, e um quiloton corresponde à potência de uma tonelada de dinamite. A França possui 6 ogivas M45 e mais outras 350 de outros tipos, espalhadas em seus submarinos nucleares. É capaz de atingir virtualmente qualquer alvo no planeta, dependendo da localização do submarino. Outros países que possuem tecnologia melhor ou semelhante neste quesito são EUA, Inglaterra e Rússia. Além deles, China, Índia, Paquistão, Israel, Irã e Coréia do Norte fazem ou querem fazer parte do seleto grupo dos possuidores da bomba. Pra quem acha que a possibilidade de guerra nuclear morreu com a URSS, fica aqui a informação chocante de que ainda podemos ser destruídos por um simples apertar de botão. Bestificante, não?

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Creditando: a música é My Sweet Valentine. No caso da fic, tomei a versão cantada pelo Rod Stewart. Eu juro que ia traduzir mas fiquei com preguiça, se alguém precisar é só dizer que eu traduzo! Valeu Sayuri pela dica da música!

A/N: Olas a todos!

Estou tão super feliz, capítulo passado bateu recorde de review. Queria agradecer e muito a todos, e mandar um super hiper mega beijo pra todo mundo que lê Caserna!

Quanto ao capítulo 11: Bem, deu pra perceber que foi completamente o ponto de vista do Camus. Não sei se o próximo capítulo vai ser com o ponto de vista do Milo, mas eu acho que não. Por mais que eu ame o Escorpião, Camus é o personagem principal da história. É a descoberta interna dele que é narrada aqui, e é o verdadeiro tema da história. Bom, espero que vocês tenham gostado do capítulo, de verdade! Ficou meio arrastadão, mas tudo indica que capítulo que vem terá mais ação... mas ainda não consegui bolar um título pra ele!

Bem, vamos às respostas das reviews anônimas.

Uotani: É, o capítulo passado foi doído, mas esse também, né? Enfim, espero que tenha ficado claro porque Milo e Deba não podiam saber... é a guerra, é a guerra... bom, espero que você curta esse capítulo também. Bjos!

Allkiedis: É, você tem razão sobre os filmes militares, mas mesmo assim eu adoro, rs. Se alguém morre? Beeeeeeeeeeeeeem, isso só o tempo irá dizer... vamos esperar pra ver: não vou estragar o suspense, né? Hehehe. Bem, brigadão pela review, e espero que goste deste! Bjoks!

Kamui: É, eu atualizo rápido, tenho essa mania mesmo! O resgate do Camus foi mesmo bombástico, e o capítulo passado também. De uma certa forma, o 11 também, né? Nhá, acho que preciso fazer um capítulo mais cor de rosa... rs. Espero que você tenha curtido! Bjoks!

Nine66: Bom taí o que estava deixando todos preocupados... acho que é uma boa razão, né? Oh, não conta pra ninguém, mas no telefonema pra Marin eu quase chorei escrevendo... nhaaaa! Espero que você goste deste! Bjoks!

Silvia Kodoshi: Muuuuuuito obrigada pela review! Ficou com os olhos marejados? Eu tb fiquei... aliás, sempre fico! Espero que tenha gostado desse capítulo! Bjoks!

Tsuki-chan: Não fique chocada. Tudo só acaba quando termina! Rs. Aguarde e confie! Espero que tenha curtido este capítulo! Bjoks!

Bia: Aaaaaeeeeee, gostei de ver! Doeu, né, ver o Camus ir embora? Mas ele precisava, viu só que fim de mundo que foi acontecer? Ta parecendo novela mesmo, admito... valeu pela review! Espero que goste! Bjos!

Tatianne: Muuuuito obrigada pelo review, pode deixar que atualizo sempre! Espero que tenha gostado do capítulo! Bjoks!

Kuroi Yukina: Ola! Valeu pela review... então, te procurei por pen name e não achei... me dá um toque? Espero que tenha gostado do capítulo! Bjoks!

Aredhel / Madame Bovary: Não pensa que esqueci de você não! Sempre fofíssima, me dando a maior força ever! Valeuzãozão! Me diz depois o que achou ta? Bjoks!

Sayuri: Usei a músicaaaaaaaaaaaaaaaaaa! Valeu a dica! Espero que tenha gostado do capítulo, depois nos falamos. Bjos!