Capítulo 4: Despertar

- Como não sabe? Você está apenas confuso, deve ser isso.

- Eu não me lembro de nada... é como se houvesse um grande vazio na minha mente. Por quê não sinto meu braço esquerdo? – disse, se esforçando para mexer os dedos daquele braço inerte assim como conseguia mover os da mão direita.

- Você perdeu uma parte dos movimentos.

- Você me conhece?

Ele nem sabia o que perguntar, eram tantas as dúvidas...

- Não, apenas te encontrei muito ferido. Foi uma sorte você ter sobrevivido.

- Então por que falava comigo como se fôssemos amigos?

- Eu... eu... cuidava de você. É, eu sempre quis cuidar de você. Me apeguei, sabe? Você parecia ser tão gentil, e queria te confortar, te... – ela se enrolava a cada palavra, mas quando percebeu que estava indo longe demais, tentou consertar – É melhor eu chamar meu pai, fique aí, não tente sair.

- Hilary?

- Quê?

- Se você me encontrou, deve ter algum pertence meu...

- Ah, não, - disse, escondendo o anel no bolso - eu não tenho nada seu além da sua varinha. As roupas estavam sujas e foram jogadas, sinto muito – mentiu ela.

- E onde me encontrou?

- Num lugar horrível. Acredite, você não vai querer saber.

- Por favor, eu preciso saber alguma coisa... preciso tentar saber quem eu sou!

- Tudo bem, eu te encontrei numa mansão, que era de uma família muito tradicional bruxa... os Malfoy.

- Malfoy... – repetiu ele, que pensou já ter ouvido aquele sobrenome.

Hilary foi correndo até a sala do pai, e se lembrou que entrou no quarto de Rony clandestinamente. Portanto, ela não poderia ser portadora da notícia, e teve de recorrer a quem menos queria...

- Dayana!

- O que você está fazendo aqui a essa hora da noite? – disse em tom de repreensão.

- Será que uma vez na vida você podia fazer um favor pra mim sem esbravejar?

- Ok, ok... fala. Quer dizer, não fale, deixe eu adivinhar: o seu favor tem a ver com um homem em coma, no quarto 3, que ninguém faz idéia de quem é e você fica conversando com ele quando o pai se distrai. Acertei?

- Tá, tá bom, tem a ver com ele sim. Ele acordou.

- Sério? O que tá esperando pra avisar o médico dele, que por sinal não é você?

- Dayana, chega de bronca! Se o pai souber que eu estou aqui... mente, vai... diz que você o viu despertar.

- Posso até fazer isso, mas do que adianta? Ele vai dizer que encontrou uma moça tolinha...

- Só faz o que eu tô pedindo, por favor!

Dayana detestava mentir, e principalmente para satisfazer os caprichos de sua irmã, que sempre foi mimada.

- Ok. Mas vá embora logo antes que eu mude de idéia.

- Obrigada maninha!

- Eu detesto quando ela me diz isso...

Hilary correu até o quarto e disse rápido:

- Por favor, não diga que me viu, tá?

- Tudo bem, mas por quê?

- Não faça perguntas agora... eu volto depois, não vou te deixar sozinho... tchau!

Ele ficou mais confuso ainda, e tentou esquecer aquilo voltando a se analisar minuciosamente. Passava a mão no rosto devagar, e se decepcionava na constatação do tamanho e grossura da cicatriz que tinha do lado esquerdo da face. Percebeu também sua calvície "Eu devo ser uma aberração".

- Estranhando a cicatriz, meu jovem? É normal...

- Quem é o senhor?

- Luigi Salk, o médico responsável por você. Agora, me diga, quem você é?

- Não... – ele começou a se desesperar – peraí, ninguém sabe quem eu sou? Só pode ser brincadeira... doutor, fala sério, o senhor sabe meu nome.

- Estava esperando você acordar para me responder esta pergunta.

Luigi achava que Rony era alguém importante e queria ser reconhecido...

- Eu não sei quem eu sou! Tá respondida a pergunta? Eu não sei!

- Calma, rapaz... – disse ele, perdido.

- Calma? Eu não consigo levantar a droga desse braço nem mexer as minhas pernas, estou careca, com uma cicatriz enorme e horrorosa e ainda não sei quem eu sou e o que faço aqui! Como posso ter calma?

- Não fique tão agitado... vou repetir os exames, fazer o possível para que recupere a memória, creio que seja um quadro temporário.

- Temporário por quanto tempo?

- Uma semana, um dia, um ano ou mais. Vamos por partes... cuidemos do seu restabelecimento, e da sua memória cuidamos devagar... não sabemos se sua amnésia provém de um feitiço ou de uma queda.

- Tudo bem, eu vou tentar ter paciência – disse, contrariado.

- Vou trazer as poções, e depois seria bom o senhor descansar.

- Dr. Salk?

- Sim?

- Acha que eu tenho alguma chance de acabar com este inferno?

- Bom, eu sempre achei que você sobreviveria, e isso me incentiva: a esperança. Sem ela, eu não trabalharia bem e não sou ninguém.

Luigi parecia ser bondoso, e ao dizer aquelas palavras, pareceu alguém que Rony lembrava vagamente... aquele cabelo grisalho, a mansidão... lhe lembrava algo, mas ele ainda não sabia o que.


Os dias se passaram e Hilary vinha escondida conversar com Rony depois de suas aulas. Eles se davam bem, e a felicidade da enfermeira era notável. Chegava em seu quarto e pegava o sobretudo dele, cheirava, agarrava e deitava na cama entrelaçando seu corpo nele, imaginando Rony. Ele estava feio, deprimente... mas ela só conseguia lembrar de quando o viu pela primeira vez, limpou o sangue que ocultava seu rosto e descobriu um homem que em seu julgamento era bonito. Aqueles cabelos ruivos... tão intensos como as nuvens alaranjadas do pôr-do-sol! Passava horas pensando nele, como uma adolescente, e na verdade, Hilary não havia crescido tanto, apesar de seus 21 anos. Continuava sonhando acordada, tendo caprichos... como uma menina.

Martha Benks, a companheira inseparável de Luigi, não mediu esforços para ajudar Rony, e já conseguiu fazê-lo andar.

- Como eu lhe disse ontem, precisará de um fisioterapeuta.

- Certo. E meu braço?

- Temos que contar com as sessões de fisioterapia para recuperá-lo.

- E essa aparência horrenda? Eu ainda não tive coragem de me olhar num espelho, mas pela cara da Cláudia, devo estar um hipogrifo do avesso.

- Nada que uns feitiços não resolvam. Ficará uma marca no seu rosto, isso não posso reverter, mas sua pele será mais lisa... não fará tanta diferença.

Martha se despediu e Hilary entrou assim que a mulher saiu. Trancou a porta e disse:

- Oi! Pensou que eu não vinha?

- Hilary... é bom te ver! O que queria me falar ontem?

- Você me disse que estava louco pra sair daqui um pouquinho, né? Então... vamos andar um pouco pela cidade, ninguém vai te reconhecer.

- Sinceramente, é isso que eu menos quero: que alguém não me reconheça.

- Vou tentar convencer a Cláudia pra nos dar cobertura...

No início, ela achou loucura, mas acabou cedendo, afinal, Hilary era sua amiga.


Naquele dia, Luigi recebeu a visita de Sirius Black, enviado por Dumbledore depois que ele soube da existência de um paciente desmemoriado. O médi-bruxo acompanhava o visitante até o quarto 3, quando Rômulo o chamou. Sirius continuou o caminho só, e esperançoso de voltar com Rony para a Inglaterra e acabar com o sofrimento dos amigos.

Hilary e Rony saíram pela janela de vassoura... e ela se arrepiou inteira quando o abraçou. A sensação era incrível para ele também. Não pelo fato de sentir Hilary tão junto dele, mas por ter liberdade e não se importar com nada, apenas em olhar o céu, sentir o vento bater no rosto... e como se tivesse domínio de tudo, fez manobras que deixavam Hilary sem fôlego, mesmo dispondo de um só braço. Em uma delas, olhou para o lado e viu olhos incrivelmente verdes o mirando. Por instinto, ele sorriu e pôde ver que o garoto tinha vestes vermelhas, com um tipo de brasão... cabelos pretos... e aqueles olhos verdes que os óculos não roubavam o destaque. O garoto se dissipou como fumaça, ele se sentiu tonto e parou.

- Você está bem?

- Eu me lembrei de alguém, um garoto... – murmurou, confuso.

- Acho melhor voltarmos, você já se divertiu bastante, não? Quase me mata do coração com aquelas manobras... você deveria ser um jogador de Quadribol.

- Quem sabe? Mas acho que você está certa, vamos voltar.

- Se sente mal?

- Não, apenas cansado.

Ele não queria apavorá-la e num ritmo lento, foi se aproximando da clínica.

Cláudia colocou outro paciente ali, para disfarçar. Sendo careca e um tendo um curativo grande, que enfermeira iria reparar a diferença? Mal arrumou ele na cama e Sirius chegou:

- Olá... eu queria ver o paciente.

- É parente dele? – perguntou, interessada.

- Amigo, eu espero.

Ele levantou do lençol e observou o rosto do homem. Aquele era qualquer um, menos Ronald Weasley. A decepção tomou conta dele, que partiu rápido. Minutos depois, Rony e Hilary chegaram. Cláudia se sentiu muito mal ao ter visto a tristeza daquele homem e a dúvida lhe ocorreu: e se eles eram amigos mesmo? Começou a pensar também que a amiga faria de tudo para que Rony não saísse mais dali. Absolutamente tudo.