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O Cavaleiro Celestial

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As duas semanas que se seguiram foram de intenso trabalho para os pilotos. Localizar o novo Gundam era uma prioridade que foi logo confiada a eles. Sequer voltaram para a casa para evitar perguntas. O pior de tudo foi constatar que nenhum indício desse piloto misterioso pode ser encontrado.

- Acho que já basta de procurar tão freneticamente. - disse Umi, numa reunião entre ela, Zechs e os pilotos - Você vão acabar tendo um colapso se não descansarem um pouco.

- Por mais que eu fosse gostar de ver o canalha que fez isso com a minha irmã preso, - disse Zechs - creio que não há mais muita esperança de encontrá-lo. È inútil que vocês continuem a se desgastar assim: vamos colocar grupos de soldados para patrulhar os arredores da capital em busca de pistas e organizar alguns grupos de busca e só.

Zechs, agora primeiro-ministro da Terra, era o governante do planeta e seu representante junto ao órgão que integrava a administração da Terra e das colônias. Não cabia aos pilotos contestarem suas decisões, então se conformaram. Saíram da sala um pouco desanimados, meio ansiosos para voltar a suas vidas normais. Umi também se retirou, deixando Zechs sozinho. Ele pegou o telefone e discou alguns números.

- Eu quero um relatório com todas as pessoas com quem minha irmã conversou nas duas semanas anteriores a sua morte. Isso pode ser providenciado? - o soldado do outro lado da linha assentiu - Ótimo! Mande preparar a nova versão do Tal-Giesse. Eu quero isso pronto o mais cedo possível. "Pode deixar Relena, eu mato o desgraçado que fez isso com você. - pensou - E o pacifismo total que se exploda!".

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Era meia noite de uma sexta feira quando os pilotos finalmente voltavam à casa. Havia um cheiro meio ruim no ar, cheiro de lugar fechado por muito tempo. Foram dormir em seguida, não havia muito ânimo para nada.

Duo foi para seu quarto e olhou para seu celular que mostrava cinco chamadas não atendidas feitas por Chris (bateria moderna é outra história: duas semanas e ainda carregada ). Até pensou em ligar para o amigo, mas faltou ânimo: não ia conseguir ficar acordado por muito tempo. Caiu ainda vestido na cama e começou a pensar sobre tudo o que havia acontecido nos últimos tempos.

Quando percebeu, já passavam das duas da manhã, e ele ainda não havia pregado os olhos. Era estranho se sentir tão cansado e não conseguir dormir. Resolveu descer para tomar alguma coisa ("um chá, talvez - pensou".). Ficou meio surpreso quando viu Heero em pé na frente da pia, com uma caneca de chá quente nas mãos, olhando para o céu através da janela.

- Também não consegue dormir, hem? - perguntou Duo.

- Hm. (em se tratando de Heero, muitas respostas se resumiam a monossílabos ou grunhidos).

- E... Como é que você tá?

Heero estranhou essa atitude do americano.

- De onde saiu essa preocupação?

Duo sorriu.

- Sei lá... Ah, quer dizer, eu sei que você e a Relena eram meio próximos um do outro e... também sei como é perder alguém de quem a gente gostava...

- De onde é que as pessoas tiram essa idéia de que eu e a Relena tínhamos alguma coisa um pelo outro? - disse Heero, com uma cara de profundo desgosto.

Duo deu de ombros e começou a preparar um chá para si.

- Sei lá... Mas vocês eram próximos um do outro, né? Pelo que eu sei - acrescentou com um sorriso maroto - ela tinha uma quedinha por você...

- Um tombo seria mais certo, - disse Heero enrugando um dos cantos da boca a título de sorriso - mas eu nunca dei muita importância pra isso.

- Ah não, é?

- Você tá insinuando que eu e a Relena...?

- Não sei de nada... - disse Duo, com uma cara de sacana profissional - Mas se a carapuça serviu...

- Cala a boca! - disse Heero corando de leve.

Duo percebeu que não ia ser uma atitude inteligente continuar a provocar o soldado perfeito. Ainda mais com tão pouco tempo passado desde a morte de Relena. Tomou seu chá rapidamente e estava se preparando pra subir quando ouviu Heero.

- Duo...

- Fala.

Heero olhou para o chão e sacudiu a cabeça de leve antes de continuar.

- Nada não. Só queria dizer boa-noite.

Duo fez uma cara de intrigado.

- Você tá bem?

Heero balbuciou um "sim" meio rouco.

- Tá bom, se não quer dizer, não diga... - disse Duo - Sabe Heero, você até pode ser o soldado perfeito, mas ainda é um ser humano: qualquer coisa que você quiser me dizer, qualquer ajuda que você queira me pedir... Tamos aí!

Depois dessas palavras, Heero quase conseguiu coragem para falar o que há tanto tempo comprimia seu coração para Duo. Mas ainda não estava pronto para isso, era difícil deixar de ser o soldado perfeito, admitir que tinha emoções.

- Boa noite, Duo.

- Boa noite, então.

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Eram onze horas de uma manhã ensolarada de sábado quando Duo acordou. Seu celular tocava e o piloto do 02, vendo o número na tela, percebeu que era Chris.

- Alô.

- E aí? Ainda tá vivo ou só agora te tiraram do necrotério?

- Hahaha, muito engraçado mesmo... - respondeu Duo com um sorrisinho nos lábios.

- Tá a fim de sair hoje? Tem um filme legal passando naquele cinema no shopping do centro...

- Demorou! Tava mesmo a fim de sair...

- Te pego lá pelas três, pode ser?

- Se você chegar aqui com um buquê de flores - disse Duo, rindo - vai dar guerra...

- Hm... - disse Chris, mal contendo o riso - Tava pensando em levar uma caixa de bombons, mas as flores até que não são má idéia... Depois a gente se fala.

- Tchau.

Duo desligou o telefone, meio incrédulo com o que tinha feito. Essas indiretas iam acabar dando muito o que pensar para Chris... Tinha que aprender a ser mais sutil, caso contrário, tudo iria por água abaixo. Tomou um banho e desceu.

Quatre já havia providenciado o almoço para os pilotos e reclamou um pouco, pois Duo havia dormido demais. Duo deu um "bom-dia pra você também, Quatre" bem cínico e sentou-se para comer. Estranhou a falta de Heero.

- Onde é que o Yuy anda?

- Zechs telefonou para cá hoje de manhã. - disse Trowa - Pediu pra falar com o Heero e ele saiu pouco depois.

- Ainda tão encucados com aquele Gundam, apesar de tudo que disseram...

- Que dúvida! - disse Wufei -O Zechs quer a cabeça do cara que fez isso com a Relena numa bandeja e o Heero... Bom, o Heero...vocês sabem, né?

- Ontem ele me disse que nunca houve nada entre ele e a Relena, nem amizade. Ela arrastava a asa pra ele e só. - disse Duo, pensativo - Acho que ele tá mais interessado em descobrir como esse piloto teve acesso aos planos dos nossos Gundams.

A afirmação feita por Duo pareceu desestimular mais conversas. Comeram em silêncio, meio pensativos. Entender Heero nunca fora uma tarefa fácil.

Duo levantou-se quando terminou e disse que ia sair com Chris. Não pôde deixar de notar o sorrisinho irônico na cara de Wufei, mas não estava com paciência para aturar aquele "baka".

- Vais querer uma carona, Duo? - perguntou Quatre - Eu e o Trowa temos que resolver uns troços na empresa...

- Nah, valeu mesmo. Eu e o Chris ainda nem decidimos direito onde a gente vai.

Foi até a sala e sentou-se no sofá, bem ao estilo de Shinigami (ficou lá reclinado, como se estivesse numa praia tomando sol) e nem percebeu direito quando Quatre e Trowa saíram. Estava quase cochilando quando ouviu alguém batendo na porta. Levantou-se e rapidamente foi abrir ("Porque diabos estou tão nervoso?".).

- E aí Ch... Heero?

- Duo, nós precisamos conversar. É meio sério o que eu tenho pra dizer.

Duo já ia perguntar o que era tão sério quando ouviu a buzina do carro de Chris. Deu de ombros para Heero, um gesto mudo de pedido de paciência. Saiu correndo antes que o soldado perfeito pudesse fazer qualquer coisa. Nem percebeu a olhada feia que Chris lançou para Heero, carregada de "it", tão forte que foi capaz de atordoar momentaneamente o piloto do 01.

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A idéia inicial de Chris era ir ao cinema e depois comer alguma coisa na praça de alimentação do Shopping. Duo concordou com o roteiro logo de cara.

- Por onde você andou pelas últimas duas semanas? - disse Chris, enquanto se dirigiam para o Shopping - Quer dizer, você praticamente evaporou de uma hora pra outra...

- O Quatre quis aproveitar uma promoção de uma agência de viagens e levou a gente pra esquiar. - mentiu Duo - Foi só isso, nada demais.

- Ah, e onde é que vocês foram?

- Havaí...

- Tá delirando, Duo? Não tem como esquiar no Havaí!

- Quis dizer Suíça, não Havaí. - Duo, já meio nervoso tentou consertar.

Chris riu.

- Por mais estranho que isso possa parecer, Duo... Senti saudades...

Duo engoliu em seco e ficou vermelhinho como uma cereja. Notou que Chris também tinha as bochechas meio coradas e sorriu. "Recíproco?".

A fila era meio comprida e Duo estranho quando Chris o puxou para um lado com um pouco de força.

- Hei! - berrou o piloto do DeathScythe - Qual o problema?

- Nem sei se é um problema, mas acho que eles não vão querer que você os veja... - Chris apontou para Quatre e Trowa que estavam comprando ingressos para o filme - Talvez seja melhor a gente fazer outra coisa...

- Nah, vamos assistir esse filme e pronto! E só esperar que os dois entrem, depois a gente vai e senta longe dos dois. Simples.

- Duo... - disse Chris, olhando de maneira significativa para o piloto do 02 - Não sei se você reparou, mas o Quatre e o Trowa... Acho que eles tão...

- Namorando? - completou Duo - Ah, mas essa já é meio velha, eles que não falam disso pra ninguém. "Troços pra resolver na empresa", hem, senhor Winner...

Chris deu de ombros, conformado com a decisão de Duo. "Eu vou entrar nesse cinema de qualquer maneira! - pensava Duo". Esperaram alguns instantes até que Quatre e Trowa entrassem, compraram as entradas para eles e foram.

- E agora?

- Como assim: "e agora"? - perguntou Duo, sem entender o que Chris queria dizer.

- Quem entra antes? Quer dizer, se o Quatre ou o Trowa virem a gente, tamos ferrados.

- Ahn..., - era uma pergunta pertinente, mas Duo soube encontrar uma resposta - Vamos fazer o seguinte: compramos umas pipocas e entramos quando as luzes se apagarem. Simples, né?

- Hm. - A imagem de Heero veio instintivamente à cabeça de Duo, após ouvir aquele "hm" tão característico - E vai que a gente senta bem do lado dos dois por engano? Não tou a fim de armar barraco dentro do cinema.

- Você tá fazendo uma tempestade em copo d'água. A gente entra e senta perto da porta: um pouco antes do filme acabar, a gente levanta e sai. Pronto! Sem mistérios!

Chris riu:

- Tá bom, tá bom... Eu vou comprar as pipocas e mais alguma coisinha... - disse piscando para Duo - Eu conheço o meu apetite e o teu. Mas depois, - disse, agora com um sorriso sacana - eu vou querer uma explicação pra essa ânsia toda de entrar no maldito cinema...

Duo ficou completamente encabulado. "Será que ele desconfia de alguma coisa? Nah, acho que é só provocação. Será mesmo?". Ele ficou tentando achar alguma teoria mais satisfatória sobre Chris, enquanto o esperava voltar com as pipocas. Ao mesmo tempo, ficou de olho em Quatre e Trowa. "Até que aqueles dois tão se comportando... - pensou".

Chris apareceu de repente, com um enorme balde (barril, container, o que preferirem ) de pipocas e dois refrigerantes. Sorria de orelha a orelha quando disse:

- E então Duo? Vamos?

Shinigami se sentiu como quando entrou no DeathScythe pela primeira vez: misto de expectativa, nervosismo e... medo do desconhecido.