Destinos Cruzados
Saga foi conduzido por um soldado do Santuário para dentro do templo de Gêmeos. Estava com a caixa de sua armadura nas costas e se sentia um tanto orgulhoso por ser oficialmente um servidor de Athena. Esperava ficar sozinho para conhecer o templo que seria sua casa, mas tão logo o soldado deixou-o, ele se deparou com o mestre do Santuário, Shion de Áries, sentado no sofá.
- Seja bem-vindo ao seu novo lar, Saga de Gêmeos. Esta, além de sua nova casa, será o lugar que deverá proteger com sua vida.
Saga reverenciou o homem a sua frente. Shion exibia uma imponente presença, vestido em sua longa túnica escura e com o rosto escondido pela máscara típica dos mestres. Além disso, a impressão que ele causava era amedrontadora devido a seu status. Era mestre do Santuário e as pessoas lhe deviam total respeito.
- Obrigado senhor, mas... não entendo o que faz aqui, perdão.
Shion fez sinal para que o jovem se aproximasse e pousou as mãos em seus ombros.
- Há algo que preciso lhe explicar. O templo de Gêmeos é diferente dos outros. Assim como o elmo de sua armadura, que possui duas faces, a casa de Gêmeos é dividida em duas e protegida por dois guardiões. Você, Saga, é o oficial cavaleiro de Gêmeos, aquele escolhido por Athena para vestir a armadura dourada.
- Mas e quanto ao outro...
- Ele só poderá ocupar seu posto no caso de sua morte. E mesmo morando nesse templo, vocês não poderão se ver. Nunca se cruzarão.
- Mas... por que...?
Shion se levantou.
- Agora descanse e adapte-se a sua nova morada. E não se esqueça de seu dever para com a deusa.
- Claro senhor.
O mestre do Santuário logo desapareceu pela entrada do templo. Saga sentou-se no sofá, no lugar há pouco ocupado pelo Grande Mestre.
- Outro guardião... – murmurou, pensativo.
De repente o templo pareceu muito grande e vazio, ao saber que existia outro cavaleiro ali, sob o mesmo espaço, mas que ele nunca veria.
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Antes de se tornar um cavaleiro, Saga morava com sua mãe em um pequeno vilarejo na Grécia. Filho de pais separados, ele era o único homem da casa, visto que seu pai fora embora quando ele tinha apenas dois anos e levara seu irmão.
A mãe trabalhava com artesanato e assim conseguia manter a si e ao filho. Mas quando Saga estava com oito anos, ela começou a adoecer. Sem conseguir entrar em contato com o ex-marido, cuja única coisa sabia era que habitava em Atenas, tudo o que pode fazer para que cuidassem de seu filho caso sucumbisse a doença, foi enviá-lo ao Santuário, onde ela sabia que jovens eram treinados para defender a Terra das forças do mal.
- Mamãe, não posso ir treinar, tenho que cuidar de ti.
- Saga, se você for ao Santuário, ficará forte e assim, terá mais chances de cuidar de mim.
Assim ela sabia que o futuro de seu primogênito estaria garantido. Sentia-se fraca dia após dia e não queria deixar o pequeno desamparado. Com o dinheiro que conseguira, que agora era menos, já que mal conseguia produzir seu artesanato, ela reservava pequenas quantias para deixar a Saga, caso morresse logo.
E assim, a pobre mulher via que teria de abandonar mais um filho, sem poder fazer nada.
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Diferente do que Saga pensara, Shion não havia saído de seu templo. O Mestre conhecia bem a passagem secreta que levava ao outro lado do templo, o lado obscuro, onde a sombra de Gêmeos habitava.
Encontrou o garoto pulando por cima da cama e observando tudo ao seu redor atentamente.
- Uma casa só para mim! – exclamava para as paredes.
Foi então que o garoto se deparou com o Grande Mestre e imediatamente, reverenciou-o.
- Seja bem-vindo a sua nova casa, Kanon.
- Fique a vontade nela, mestre! – deu um sorriso travesso e sentou-se na cama, que era grande e alta, quase no modelo kingsize, que se destacava no quarto com poucos móveis e nenhuma característica de seus antigos donos. Parecia um lugar recém-criado.
- Vim conversar com você, Kanon. Como sabe, não é o oficial cavaleiro de Gêmeos e só poderá sê-lo com a morte do atual protetor do templo.
- E onde está ele? – olhou curioso para os lados.
- Não poderá vê-lo. Vocês nunca deverão se encontrar.
- Mas ele não mora aqui também, senhor?
- Sim, mas o templo de Gêmeos é como se fossem duas casas zodiacais distintas. Portanto nunca se cruzarão.
Kanon cruzou os braços e olhou para o chão, desapontado. Estava certo de que queria a parte do templo que era sua apenas para si, mas gostaria de conhecer aquele que conquistara a armadura cuja constelação ele também defendia.
- Seus treinos serão no coliseu, junto com os cavaleiros de prata. Aguarde que soldados virão buscá-lo. E em hipótese alguma deixe o templo de Gêmeos. Lembre-se que é um defensor de Athena e deve zelar pelo Santuário.
- Sim, senhor. – disse e assentiu com a cabeça.
- Aproveite seu novo lar, Kanon. – disse Shion, indo em direção a porta.
Kanon acenou e tão logo se viu livre do mestre, desabou em sua cama, olhando para o teto.
"Treinar com cavaleiros de prata, não conhecer o cavaleiro de Gêmeos... a única coisa que compensa é ter esse templo enorme só para mim.", pensou e voltou a correr pela casa, observando cada detalhe.
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Porque o pai permanecera com seu filho Kanon, era difícil entender. Não nutria o menor afeto pelo garoto, pelo menos não demonstrava.
Talvez pretendesse vender a criança para sustentar seu vicio no álcool e no jogo. Não maltratava o filho, mesmo porque Kanon o evitava quando estava alcoolizado, mas não era um pai presente. Seus jogos vinham em primeiro lugar e às vezes, o garoto passava dias trancado em casa, sem que o pai aparecesse, se virando como podia, sem saber se seu pai estava vivo ou morto.
Com dificuldade, o jovem conseguiu freqüentar a escola. E estava com oito anos quando na volta para casa, resolveu mudar seu trajeto para comprar alguns materiais que precisaria na escola e viu o Santuário que tanto ouvira falar. Alguns cavaleiros passavam por ali, ele parou e ficou observando, estupefato.
Na escola, no dia seguinte, se uniu aos garotos mais velhos, para saber tudo sobre os cavaleiros de Athena. Muitos tinham sido recusados pelo Santuário ou tinham irmãos em treinamento, ou mesmo já defendendo suas constelações. Ao conhecer os boatos a respeito do Santuário, só conseguiu associar que caso se tornasse um cavaleiro, poderia se livrar da vida infernal que levava. Foi com esse intuito que entrou no Santuário.
O pai nunca soube dos treinos do filho. Pensava que estava fazendo lição na casa dos amigos. Amigos que ele nunca vira. E quando Kanon foi escolhido para defender o templo de Gêmeos, sendo a sombra do guardião deste... não deixou sequer um bilhete, apenas saiu de casa, com sua mochila nas costas onde guardava as únicas coisas que lhe importava: seu caderno de desenho e seus lápis de cor. Sentia uma sensação de liberdade lhe inundando por completo.
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Apenas uma semana após o sumiço de Kanon, seu pai notou-lhe a ausência. Por um milagre, estava quase sóbreo. Pensou em recorrer às autoridades, mas uma luz veio-lhe a mente: talvez o garoto houvesse reencontrado a mãe estivesse com ela. Resolveu ir a casa onde morara a aproximadamente dez anos, imaginando que ainda fosse o lar de sua ex-esposa.
A despeito da fachada destruída pelas ações do tempo, a casa continuava a mesma. Singela e humilde.
Olhou para a caixa de cartas, onde o sobrenome da esposa estava gravado. Então ela ainda morava ali, como era de se esperar. Foi entrando, sem ao menos bater. O silêncio o fez pensar que não houvesse ninguém em casa. Ao adentrar a sala, notou as paredes mal pintadas e os móveis que necessitavam ser trocados. Ouviu gemidos de dor, seguidos de um ganido agoniado que quase lembrava o de um animal. Caminhou em direção ao barulho, chegando à porta fechada de um cômodo que ele sabia ser o quarto que ele um dia dividira com a mulher. Abriu-a.
- Sa-Saga... cuide-se... m-meu fi-filho... – gemia a enferma, perdendo-se entre delírio e realidade. Suava e estava quase sem cor.
O homem estacou na porta, chocado com o que via. A mulher bela, loura, delicada e cheia de atributos que ele amara um dia e abandonara por seu maldito vicio, agora era sombra daquele ser moribundo que jazia na cama, impregnando o ar do quarto com cheiro de morte. Perguntou-se onde estava o garoto que há tempos não via. A mãe de seus filhos não deveria estar só naquele estado.
A sobriedade fazia dele um mortal comum e piedoso. Embora não amasse mais a ex, tinha compaixão por seu atual estado. Aproximou-se, imaginando se deveria chamar um médico.
Mais um momento de alucinação passara e ela reconheceu o ex-marido, ao abrir os olhos com dificuldade.
- O que você tem? – murmurou o homem.
- E-estou... morrendo. – respondeu com aparente esforço, a voz saindo rouca e baixa.
- Tente agüentar, vou chamar um médico! Onde está o garoto?
- Saga... ele... tem uma n-nova vi-da. Vai de... defender A-Athena no Santuário. Como e-está Kanon?
Sentiu vontade de dizer que viera procurá-lo, mas temia que o sumiço do filho piorasse o estado da mulher.
- Está bem. Agüente firme, vou ligar para um hospital.
- É... tarde de-demais. Cui-cuide de m-meu filho. Diga que nun-ca o esqueci.
Ele segurou-lhe a mão fina e branca, tão envelhecida pela doença. Aquela mulher não podia morrer assim!
Ela apertou-lhe a mão em resposta e pronunciou suas ultimas palavras, que mal passaram de um sussurro: os nomes dos dois filhos.
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Saga estava na entrada do templo de Gêmeos, olhando para o céu.
Sentiu que a mãe deixara este mundo, de uma forma como se uma faca lhe atravessasse o peito.
Ele se tornara um defensor de Athena, por que a deusa não salvara sua mãe? Não era um favor tão impossível!
Sentia vontade de esmurrar o chão, mas conteve-se. Só não conteve as lágrimas que deslizaram por seu rosto, em filetes.
- Por que, mamãe!
Desabou no chão, chorando com o rosto entre as mãos. De que valia sua força se não fora capaz de salvar sua progenitora?
No lado obscuro do terceiro templo, Kanon sentia uma sensação ruim assolar-lhe.
"Mas o que é isso que sinto?"
Andou próximo aos pilares do templo e sentiu a presença triste do cavaleiro de Gêmeos.
Apoiou a mão na grande pilastra de pedra, sentindo-se um tanto fraco. Não entendia como os sentimentos do outro geminiano podiam lhe afetar tanto, se nem ao menos o conhecia.
Realmente não compreendia, mas sentia uma vontade muito grande de confortar o cavaleiro.
"Ora Kanon, pare de besteira!", pensou consigo mesmo.
Saga pouco a pouco se recompunha. Embora a dor continuasse latejante, não podia continuar ali. Começava a entardecer. Levantou-se e caminhou para dentro do templo, não sem antes olhar para o céu mais uma vez.
"Vou lutar com todas minhas forças e dedicar minha vida a Athena. E um dia, eu a reencontrarei, mamãe."
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Continua...
N/A: Bem... estou para começar o quinto capitulo da fic, mas ainda não passei os outros para o pc. Por isso talvez eu demore um tempinho para atualizar, mas... reviews sempre dão uma forcinha né? D Espero que tenham gostado do começo! \o/ Beijos!
