Capitulo VI
Alguns dourados perceberam o clima estranho entre Saga e Aiolos. Para os mais observadores, não era difícil notar que Saga estava evitando o outro cavaleiro. Não queria dar chance para que o que acontecera se repetisse. Sua mente já estava confusa demais, em meio as duvidas com relação aos sentimentos por Kanon. Não era ingênuo o bastante e sabia que estava ultrapassando os limites da amizade. O que mais o entristecia e amedrontava era saber que não importava o que sentisse, ainda assim o muro que os separava estaria lá.
No fim do treino, Afrodite entregou-lhe uma rosa amarela.
- Ei Saga, você parece tão tristinho... não fique assim, ok? - deu uma piscadela simpática e saiu saltitante.
Saga olhou para a flor em sua mão e suspirou. Precisava tanto de alguém que lhe dissesse como agir a respeito do que sentia.
Já em frente ao seu templo, olhou para as nuvens que pareciam algodão, perdidas no céu azul. Uma nostalgia grande o dominou.
"Me perdoe mãe. Parece que saí totalmente da linha."
oOo
Kanon deu um soco forte no chão do templo. Não poderia nutrir aquele tipo de sentimento, muito menos por Saga. Era o único amigo que tinha e já bastava aquela parede transpondo a relação deles. Querer beijar, tocar e estar perto de Saga era além de algo que ia contra as regras da sociedade, uma coisa com a qual Kanon não sabia e não queria lidar.
Tinha de pôr um fim naquilo, não importava o quanto e a quem doesse.
oOo
Começou naquela mesma tarde.
Como já era hábito, quando Saga adentrou o templo, foi até a parede de seu quarto. Encostou nela e respirou fundo. Não poderia enganar Kanon e falar com ele fingindo que nada se passava seria enganá-lo!
Do outro lado, Kanon apoiava uma mão na parede, olhando para o chão. Sentia a presença de Saga, mas sabia que deveria resistir.
Ficaram em silêncio, até que por fim, Saga se jogou em sua cama, apertando o travesseiro com força. Kanon se deixou cair no chão e abraçou as próprias pernas. Ambos podiam enfrentar sem medo um inimigo vezes mais forte em um combate, mas não podiam lutar contra aqueles sentimentos que os assolava.
oOo
No segundo dia, quando Saga percebeu que Kanon voltara do treino, aproximou-se da parede e chamou-o. Não obtendo resposta, tentou mais uma vez e outra.
Nada.
Cabisbaixo, foi para a entrada de Gêmeos e deitou no chão. Ficou olhando as nuvens, comparando as formas delas a objetos, animais, pessoas... se Kanon estivesse ao seu lado, ele apontaria e diria:
- Veja ali Kanon, um cachorro.
- Pois para mim mais parece um lobo. - ele responderia.
- E não dá na mesma? São caninos!
Como não chegariam a um acordo, rolariam no chão, trocando soquinhos. E quando os risos cessassem, eles trocariam um beijo.
Saga se censurou por pensar tudo aquilo. Quando sua mente começara a voar tão alto?
Ficou ali deitado até que as estrelas começaram a apontar no céu negro. Observou quantas constelações pôde. E por um instante se perguntou como estavam seu pai e seu irmão. Lamentou não se lembrar muito deles.
A noite já ia alta quando Saga voltou para dentro de casa. Colocou as vestes de dormir e foi para a cama. Antes de fechar os olhos, lançou um olhar a parede.
Talvez fosse melhor assim, afinal.
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Kanon passava a tarde desenhando, tentando afastar Saga do pensamento. Não conseguia e se sentia vulnerável. Então teve raiva do pai, por não tê-lo ensinado nada a respeito daquilo que sentia. Tudo o que ouvira fora:
- Você é bonito feito sua mãe garoto. As meninas vão cair aos seus pés quando ficar mais moço.
Meninas...
Ele não tinha contato com meninas. E mesmo que tivesse, duvidava que isso fosse mudar algo. Era Saga quem lhe causava aquela excitação, acendia sua vontade de quebrar as regras, ainda mais se fosse para vê-lo.
Mas as regras diziam que eles não poderiam se ver e não encontrava jeito de quebra-las.
Se tinha de sofrer, então ia se afastar do amigo. Fingir que nunca existira alguém do outro lado daquele muro. Pronto, era isso que Kanon ia fazer.
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No segundo dia, ficaram esperando pelos chamado um do outro. Saga decidira não correr atrás de Kanon, tanto por orgulho quanto por medo de denunciar seus sentimentos. Kanon não pretendia voltar atrás em sua decisão de se afastar de Saga. O silêncio que pairava entre eles doía. Era como um jogo de "quem é o mais forte" e ambos estavam ganhando e perdendo, a um só tempo.
oOo
No terceiro dia, Saga tinha treino. Seu desempenho não foi tão bom, sabia que não estava se concentrando na luta e assim, mal elevava o cosmo. Sorte não ter sido escolhido para treinar com Shion. No entanto, no fim do treino foi chamado para uma conversa com o Grande Mestre.
Shion sentara num dos degraus mais baixos da arquibancada e acenara para que Saga sentasse ao seu lado.
- Você não se saiu como costuma no treino de hoje. Algum problema, Saga de Gêmeos?
- Não senhor eu apenas... tenho sentido a perda de minha mãe.
- Respeito isso, mas receio que uma guerra não espere sua dor passar. Pense em Athena e obtenha forças através dela e por ela.
- Saga assentiu com a cabeça. O que dissera sobre sentir falta da mãe tinha um fundo de verdade, mas o que o desconcentrava era Kanon.
- Mestre Shion... por que eu não posso conhecer o outro cavaleiro? Ele não é muito solitário, sem contato com as outras pessoas?
- A natureza de Gêmeos não permite que vocês se conheçam. Poderia ser um desastre. - afagou os cabelos do garoto. - Mas um dia quem sabe, quando a Terra estiver em paz, Athena possa lhes retribuir por sua bravura e esforço e vocês poderão ser todos amigos.
O garoto voltou a assentir com a cabeça.
- Agora vá e não se esqueça do que lhe disse. A guerra não espera que estejamos prontos. Nós devemos estar sempre prontos para ela.
- Sim, mestre. - reverenciou Shion e saiu andando.
"Até que a Terra fique em paz... Athena, me perdoe, mas eu não queria esperar tanto para ver Kanon."
oOo
Kanon nunca ocupara tanto seu tempo como agora. Desenhava, treinava e até estudava. Fazia o que fosse para não pensar em Saga, mas no fundo sabia que não estava resolvendo. E no fim das contas, se pegava fazendo planos malucos para ver o amigo, sem pensar nas regras ou conseqüências. Queria ver Saga, precisava vê-lo.
Estava estudando, o que era raro, então ouviu a conhecida voz. Não adiantava fugir.
- Kanon, eu não sei se está aí, se quer falar comigo ou não mas... eu estava falando com o Mestre Shion e ele disse que quando a Terra estiver em paz, então talvez possamos nos ver. Parece meio distante, mas fico feliz em saber que talvez um dia eu possa conversar com você cara-a-cara.
Kanon tentou contar até dez, tapar os ouvidos, se concentrar nos livros, mas não podia. Derrotado pelos próprios impulsos, foi até a parede e se encostou nela, ficando em silêncio por um momento.
- É tempo demais Saga. Não quero esperar tanto. Por que não tentamos nos ver as escondidas?
- Kanon, isso é loucura! E se o mestre descobrir? Athena provavelmente teria métodos de saber se o fizéssemos.
- Como Athena poderia saber? Além do mais, ela é a deusa da sabedoria, entenderia o nosso lado.
- Não sei Kanon, não acho isso certo. E acho até impossível, sabe que tudo foi feito para que nunca nos encontremos.
Aquela obediência cega do cavaleiro de Gêmeos irritava Kanon. Como ele podia ser tão condescendente com tudo, como podia ser mais fiel ao seu dever do que com a amizade dos dois? Afinal Kanon estava ali e se importava com ele e já para o Santuário, ao menos na visão de Kanon, eles eram apenas mais dois cavaleiros, entre tantos.
- Eu não quero esperar mais Saga de Gêmeos! E eu não posso esperar mais! - esbravejou ao mesmo tempo que esmurrava a parede. - E se eu não posso vê-lo logo, então eu quero que me esqueça! Esqueça que eu existo Saga!
As ultimas palavras atingiram Saga feito um forte tapa no rosto. Olhou com amargura para a parede.
- Certo Kanon. Se quer assim, me esqueça também, aqui e agora. Farei o mesmo.
Dito isso, de forma seca e firme, Saga saiu de seu quarto e bateu a porta. Tinha de ir para longe de seu templo, não importava onde, pois ficar doía muito.
Saiu em passos largos da terceira casa, buscando um rumo qualquer.
Enquanto isso, Kanon fazia uma tremenda destruição, lançando na parede tudo o que vinha pela frente.
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Com a cabeça um pouco mais fria ao alcançar Áries, Saga se dera conta de que não podia ir muito longe. Sentou-se num degrau próximo a entrada das Doze Casas e ficou olhando perdidamente para um ponto qualquer. Nem notou quando Ares se aproximou, tanto que teve um sobressalto.
- Aconteceu alguma coisa, Saga de Gêmeos? - perguntou o mestre, abaixando-se na altura dele.
- Na-nada demais, senhor.
- Eu e meu irmão temos notado que anda distraído nos treinos. Sabe que isso não é bom, Saga. Se há algum problema, é melhor que me fale e podemos tentar resolver.
Saga ficou algum tempo calado. Não havia mais ninguém com quem ele pudesse tirar suas duvidas e no entanto, temia recorrer aos mestres. A quem recorrer então? Não tinha saída.
- Mestre Ares... é errado para um cavaleiro gostar de alguém?
Ares ficou levemente surpreso. Estaria o jovem vivendo seu primeiro amor?
- Você diz... sentir paixão por alguém?
Saga assentiu.
- Bem, se esse sentimento fizer com que o cavaleiro esqueça de seu dever para com Athena, sim, é errado. Você está apaixonado por alguém, Gêmeos?
- A-acho que sim, senhor.
Por trás da mascara vermelha, Ares arqueou uma sobrancelha. Não poderia ser por uma garota, cavaleiros de ouro mal tinham contato com mulheres. Já conhecia aquilo bem, era a sina dos dourados amarem jovens como eles. Quem seria a pessoa? Sim, poderia ser Aiolos de Sagitário. Notara a distância entre os amigos, o que não era normal.
- Contanto que não se esqueça que Athena está acima desses sentimentos, tudo bem Saga de Gêmeos, não é errado o que sente.
Ares fora compreensivo, o que empolgou Saga.
- E... se eu sinto isso... devo dizer a essa pessoa?
Aquela era uma pergunta complicada de ser respondida. Tanto se dissesse sim quanto não haveria possibilidades de Saga ser negligente em seu dever de cavaleiro. E se o alvo dos sentimentos do jovem fosse realmente Aiolos, o problema poderia ser dobrado, já que ambos poderiam se entender e deixar de lado a preocupação com a deusa para viver uma tórrida paixão adolescente.
Apesar de tudo apontar para um sonoro não, essa não foi a resposta que Ares lhe deu. Porque ele e seu irmão já haviam passado por algo semelhante e ele sabia como era. Talvez pudesse até dar certo, como dera com Shion e o cavaleiro de Libra, que nunca foram negligentes com Athena por conta do amor que sentiam um pelo outro.
- Sim Saga. Se você achar que isso vai lhe fazer bem, faça-o.
Se ia lhe fazer realmente bem ele não fazia ideia. Aliás, imaginava que Kanon não fosse encarar de forma positiva seus sentimentos. Viu Ares seguir em direção a escadaria e já mais calmo, resolveu seguir o homem. Quando chegaram em Gêmeos, o mestre disse ao jovem:
- Pense no que lhe disse e não se esqueça Saga: Athena deve ser priorizada em cada passo que der, é isso que o honra como um cavaleiro de ouro.
- Sim... obrigado pelos conselhos, senhor. Não me esquecerei de nada do que disse.
Saga reverenciou-o e sumiu dentro do terceiro templo.
Ia falar com Kanon, estava decidido. Provavelmente sairia ainda mais ferido, mas quanto tempo mais suportaria esconder? Era totalmente estranho que nutrisse aquele tipo de sentimento por alguém cujo rosto nunca vira, com o qual o único contato que tinha era através daquela parede em seu quarto. Mas sabia que estava apaixonado, mesmo nunca tendo sentido aquilo antes, mesmo tendo sido criado em uma doutrina que condenava o amor entre pessoas do mesmo sexo. Seu coração lhe dizia que aquele sentimento era diferente e não conseguiria mais guardar para si.
Em passos decididos, entrou em seu quarto e foi até a parede, parando ali de cabeça erguida, tentando manter-se forte. Respirou fundo.
- Kanon, preciso dizer-lhe algo sério e preciso que realmente me ouça. Você está aí?
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Kanon passara aquele curto espaço de tempo tentando achar motivos para odiar Saga. Sem encontra-los, tentou odiá-lo em vão. Era muito mais simples odiar do que amar, não era?
Se pudesse transformar em ódio aquele sentimento puro e doce que sentia, então talvez evitasse a dor.
Mas então ouviu Saga chamar-lhe e todos os seus planos desmoronaram mais uma vez.
Parou em frente a parede e olhou para o lado, como se evitasse o olhar do amigo.
- Sim Saga. Eu estou aqui.
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Continua...
N/A:Estamos chegando na reta final. Logo eles vão se ver, mas tenham só mais um pouquinho de paciência! XD Agradeço as reviews e vou tentar ser rápida com o cap. 7 mas não prometo nada! Beijos!
