Capítulo X
O momento em que se olharam pareceu durar muito mais do que de fato durara. Saga estava incrédulo, mas Kanon parecera ainda não notar a semelhança entre os dois. Pela distância que se encontravam, era difícil para ele notar o rosto de Saga, que o elmo ocultava. Julgava ter enlouquecido, se aquele que via a sua frente era Saga, então a visão só poderia ser uma miragem. Mas fosse sonho ou não, ele desejava se aproximar daquele que tanto ansiara ver.
- Saga... é mesmo você? - perguntou lentamente e foi descendo o pequeno lance de degraus.
Saga apenas fez um automático aceno afirmativo com a cabeça. Kanon continuava se aproximando, passo após passo, e ele não tinha reação nem palavras. Estava paralisado por cada detalhe de Kanon, tão semelhantes aos seus. Era quase como olhar no espelho e Saga estava confuso.
Então Kanon parou, bem diante de si, tão perto que quase sentia a respiração dele em seu rosto. E num gesto que não previra, o anfitrião tirou-lhe o elmo, não contendo a incredulidade que se estampou em seu rosto.
- Você é igual a mim. Simplesmente idêntico. - sussurrou Kanon, passando a mão na face de Saga.
Saga fechou os olhos e buscou em vão não sentir o contato em sua pele. Pousou a mão sobre a de Kanon, segurando-a sem afastá-la de seu rosto.
- Eu estou sonhando, não é? Porque só em sonho eu o veria tão facilmente e apenas em sonho você seria idêntico a mim. Mas... eu não quero acordar. Nunca tive um sonho que soasse tão real.
Ficou olhando para o rosto de Saga, maravilhado com a semelhança entre eles.
"Mamãe me disse que eu tinha um irmão que morava com meu pai. Mas nunca disse que era um irmão gêmeo."
No entanto, fazia sentido. Kanon contara que estava no Santuário para fugir da vida que levava com o pai. Eles eram irmão gêmeos e se amavam daquela forma, era um amor inaceitável!
Saga afastou a mão do gêmeo de seu rosto e fitou-o, fixa e rigorosamente.
- Eu vim levá-lo, Kanon. - doía pronunciar as palavras e saber que teria de cumpri-las.
- Me levar? - arqueou uma sobrancelha, confuso. - Antes tem de me explicar como conseguiu chegar aqui. Não consigo acreditar que isso esteja acontecendo! Então somos... irmãos? Isso tudo é loucura! - estava tão surpreso quanto Saga e demonstrava isso em sua voz.
- Sim, ao que parece você é meu irmão. Quando nossos pais se separaram, cada um deles ficou com um de nós.
Kanon abraçou-o, Saga não pôde reagir.
- Mas eu não te amo como a um irmão. - Kanon sussurrou em seu ouvido. - O que devo fazer?
Ele também não amava o gêmeo como a um irmão. Mesmo diante daquela situação, o sentimento que nutria continuava a ser uma paixão forte, que se reafirmava com o contato entre os dois. Entretanto, aquilo não estava correto e Saga sabia que cedo ou tarde teria de cumprir o que o levara até ali. Adiar só prolongaria a dor. Afastou Kanon de si e encarou-o.
- Eu contei para o mestre sobre seus planos, Kanon.
Kanon arregalou os olhos. Então ele o traíra.
- Por que fez isso, seu traidor? Era tudo para o nosso bem, para ficarmos juntos! Como pôde contar! - esbravejou, apertando o pescoço de Saga com apenas uma mão e sem fazer força o bastante para estrangulá-lo.
Saga calmamente segurou-lhe os pulsos e imobilizou-o.
- Entenda que isso tudo era loucura, Kanon. Matar os mestres apenas para ficarmos juntos! Isso não é digno de cavaleiros de Athena.
- Pro inferno com Athena! - exclamou, cuspindo o nome da deusa. - Eu pensava que você realmente gostava de mim, Saga. Nunca esperei que pudesse me trair. Vê? Além de tudo, você traiu o sangue do seu sangue. Para onde vai me levar? Para a forca? Para uma prisão? Apunhalando aquele com quem dividiu o ventre de sua mãe! Aquele que você disse gostar!
- Cale-se! Não posso permitir que permaneça aqui, não com esse coração inundado de sentimentos malignos, essa mente gerando planos perversos. Ainda que seja meu irmão, ainda que eu o ame como amo Kanon... você foi contra o Santuário e deve ser punido.
Saga acenou com a cabeça para o soldado e elevou o cosmo, mantendo Kanon firmemente preso. Foram conduzidos para a saída que Kanon tomava ao seguir para os treinos. O soldado os conduziria até parte do trajeto.
- Não pode fazer isso comigo, você nunca se perdoará!
Kanon apelava durante o caminho, fazendo um jogo emocional com Saga, que tentava se manter firme. Cumpriria seu dever, era acima de tudo um cavaleiro de Athena.
Quando o soldado os deixou, indicando a direção que levaria a prisão do rochedo, Kanon encarou o gêmeo, com uma súplica no olhar.
- Fuja comigo, Saga. Vamos mandar tudo isso aos quintos! Eles não precisam de nós, Athena não precisa de nós.
- Não diga bobagens. Tenho um dever com a deusa e com o Santuário, não voltarei atrás.
- Se não fossemos irmãos, você não iria até o fim, não é mesmo? Está se culpando por estes sentimentos e vai punir a mim!
- Você sabe que merece a punição e porquê a merece.
Desciam pelas rochas, vendo o mar se agitar lá embaixo. O peso da armadura atrapalhava a caminhada, mas logo Saga conseguiu alcançar a prisão. Abriu a cela e lançou Kanon dentro dela, trancando-o o mais rápido possível. Não podia dar chance para o próprio arrependimento.
Sentado como caíra, Kanon permaneceu um tempo e com um sorriso nos lábios.
- Está fugindo de si mesmo. Eu sei que você não quer me deixar aqui. Mas o peso da culpa está maior agora que sabemos da verdade, não é? - soltou um riso insano e se ergueu. - Me tire daqui, Saga. Ainda está em tempo!
- Aí permanecerá e será julgado. Se for absolvido de seus pecados, permanecerá vivo.
Kanon aproximou-se das grades e puxou Saga pelo braço, já que ele ainda não se afastara.
- Não me traia Saga, você sabe que o que sentimos um pelo outro é igual.
- É inútil, Kanon. - murmurou Saga, olhando perdidamente as águas que se agitavam a sua frente.
Kanon aproveitou o descuido, puxou-o mais contra a grade e segurou-lhe o rosto, colando o seu próprio a grade e beijando o irmão.
Talvez tenha sido o inconsciente, talvez ele houvesse feito aquilo pois necessitava da despedida, talvez ainda fosse para matar o arrependimento. Talvez fosse tudo isso e ainda mais. O fato é que Saga se deixou beijar, por um breve instante, tão atrapalhado quanto Kanon, aquela grade impedindo maior contato entre dois. Ainda agora, havia uma barreira entre eles. E maior do que a barreira daquelas grades que trancafiavam Kanon ou do muro que os transpusera, era o adeus que dariam. Uma barreira eterna, que nunca voltaria a ser transposta.
Depositaram o amor, a dor, a tristeza e a saudade no beijo que pouco durou. Um gesto pequeno, mas que representara muito.
Saga se afastou, lutando contra as lágrimas que ameaçavam escapar de seus olhos. Só ousou olhar para Kanon novamente quando já estava distante o suficiente. Do alto das rochas, via apenas a silhueta do gêmeo. Tão iguais! Pelos deuses, aquilo não era um pecado?
Dali, ainda podia ouvir a voz do irmão.
- Não creio que me fará pagar por amá-lo! Pois eu sei que você nunca se perdoará Saga! Eu posso ver que cedo ou tarde, perceberá o quanto somos iguais.
Mesmo querendo partir daquele lugar, continuava parado no alto do rochedo, vendo as águas invadindo a cela onde Kanon estava. Ele morreria, sem dúvidas. Fora entregue a morte por seu irmão... por seu amado!
Antes de conseguir finalmente se afastar, ouviu uma voz em sua própria mente.
"Vai deixar que ele morra? Então faça que paguem por isso!"
Assustou-se com a voz porém não percebeu que por um breve momento, fora tomado por ela. Mas mesmo ao longe, Kanon notou e riu desvairadamente por isso.
Os deuses haviam conspirado contra o amor dos dois, mas Kanon reconheceu no delírio de Saga a sua vingança. Mesmo que morresse, seria vingado.
"Nós nos reencontraremos um dia. Mesmo que não seja neste mundo, estou certo de que o faremos."
