Notas do autor.
Capítulo de Halloween! Feito antes da introdução de muitos personagens, mas isso não vai me impedir de usá-los! Além do mais, depois vou fazer os capítulos de introdução, de qualquer forma, então não se preocupe com o contexto deles.
Agora, aproveite a leitura. Se usar a leitura com áudio, pega uma pipoquinha e um suquinho.
*Obsessão e Açúcar*
O Halloween, uma época de celebração e brincadeiras, principalmente para as jovens crianças. A data teve origem a muitos séculos atrás, quando os vivos faziam cerimônias, refeições, e até construíam pequenos memoriais em túmulos para se lembrar daqueles que já se foram.
Nos dias modernos, entretanto, também são festas para se divertir com a temática de tudo aquilo que provoca o medo, seja com as diversas atrações macabras, assistindo filmes de terror com a família, ou a mais popular, a hora de 'gostosuras ou travessuras'. Esta hora, que ocorre durante a noite, é quando crianças e adultos vestem fantasias temáticas e vão de casa em casa pedindo doces.
Não são todos os lugares que tem a hora de gostosuras ou travessuras, no entanto. Ela se reservava à certos países de Terramar, o que a torna um pouco mais especial. E, para a sorte de certos demônios, Hengarde era um destes países.
Hoje é dia trinta e um, o último dia do Halloween, e Laduqueza se sentia ansiosa para participar da hora de gostosuras ou travessuras. No momento atual a demônia aranha ainda estava em seu quarto, enquanto seu irmão Elduke a esperava do lado de fora.
Encostado contra a parede e com os braços cruzados, praticamente imóvel, o demônio repousava no aguardo. Ele não vestia nenhuma fantasia, apenas as suas roupas formais pretas e cartola, afinal achava o uso de uma fantasia desnecessário por ser um demônio em carne e osso.
"Pensei que quisesse sair ainda hoje." Ele resmunga para sua irmã do outro lado da porta.
"Já vai, já vai!" Lhe respondia. "Estou pronta!"
A porta lentamente se abre, revelando para o macho a sua irmã gêmea de olhos azuis, fantasiada com maquiagem branca cobrindo todo o seu rosto e vestindo roupas tradicionais usadas por vampiros. Inclusive, ela até mesmo colocou uma peruca penteada para trás como complemento.
"Ta-da! O que achou?" Dá um rodopio na sua frente, finalizando com a capa preta cobrindo seu corpo em uma pose clássica de vampiros.
Ele analisa a fantasia por alguns segundos antes de pensar em uma resposta. "Até que ficou boa em você." Estampava um sorriso discreto.
"Neste caso, já podemos ir!" Rapidamente segura a mão de seu irmão, o puxando consigo pelo corredor.
[•••]
Enquanto isso, em uma outra região da residencia, uma situação semelhante se desenrolava. Podia-se ouvir duas vozes femininas do outro lado de uma porta dupla de cor rosada, portando o símbolo de um coração vermelho.
"Isto...é realmente necessário?" Uma das vozes, aparentemente a mais velha, perguntava com relutância.
A voz pertencia à uma criatura serpentina de escamas pretas como carvão. Destacavam-se grandes anéis dourados em sua cauda, indo da ponta até a cintura de sua parte superior antropomórfica, que continha pulseiras iguais nos braços. A criatura também possuía intimidadores olhos vermelhos que tinham um notável contraste em seu corpo inteiramente escuro.
"Sim! Como pecado da Luxúria eu nunca uso roupas ou acessórios. Usar uma fantasia seria o mais apropriado." Respondeu a segunda voz, que tinha um tom mais jovem e sedutor.
"Eu entendo, mas...não somos humanos."
"Como pretende entender os humanos se não tentar participar de seus costumes?" Ela retrucou logo antes de sair de trás do seu biombo. "Como estou?"
Ela era uma demônia incrivelmente semelhante à outra, com a diferença das suas escamas serem de um tom forte de vermelho, seus seios serem mais avantajados e, na ponta da cauda, possuindo um pequeno cristal vermelho do qual saíam duas rajadas de fogo, que se dobravam até assumir o formato de um coração. Quanto à sua fantasia, usava diversas bandagens de aparência antiga enroladas por todo o seu corpo, inclusive para segurar seus seios e cobrir parte do rosto, com exceção de seus lindos olhos amarelos. Como complemento ela até mesmo usava insetos de plástico presos nas bandagens.
"Você fica bela de qualquer modo, Serplia.~" Responde à irmã mais nova antes de sibilar com um sorriso.
"Muchas gracias, mi reina." Faz uma curta reverência. "E a sua fantasia?"
A mais velha suspira e balança seus ombros, dizendo: "Não vou usar uma."
Sendo assim, ambas já estavam prontas para ir. Lado a lado elas saem até o lado de fora da residência. Era, na verdade, uma gigantesca mansão no topo de uma colina, com uma grande estufa visível mesmo estando na parte de trás. As duas agora passavam por um caminho de pedra que cruzava um jardim, e no final um portão de ferro, no qual encontravam o outro par de irmãos o abrindo.
"Duky! Você vai participar do gostosuras ou travessuras?" Em menos de um segundo Serplia já havia se esgueirado até a aranha de olhos vermelhos, se segurando em um dos seus braços.
Ele se surpreende com a velocidade dela, mas após ver a naga fantasiada um único pensamento percorreu em sua cabeça; "Você está vestida?"
"Me prefere nua?" E rápido assim ele se arrependeu de abrir a boca.
Preferindo ignorar a resposta, ele se vira de costas. Deste modo ele acaba não vendo a outra serpente se aproximando e estranha ver Laduqueza se curvando.
"Rainha Hyra. Não sabia que viria."
"Laduqueza, querida. Desejo saber mais sobre esses feriados humanos que tanto ouço sobre."
Elduke, após mostrar respeito diante de Hyra, discorda. "Mortais não valem seu tempo ou atenção, minha rainha."
Ela apenas ri sem dizer uma única palavra. Então, seguia Laduqueza através do portão, deixando os outros dois um pouco para trás.
Serplia se apóia no ombro dele, sibilando sutilmente no seu ouvido. "Você podia me chamar de princesa.~" Ela sussurrou, o que o pecado da Ira preferiu ignorar e acompanhar as outras duas.
[•••]
Um pequeno grupo era visto, composto por três jovens garotos, fantasiados como pequenos piratas, com suas espadas de plástico e armas de brinquedo, mas apenas um deles, o que usava o chapéu de capitão, carregava um saco de pano contendo uma pequena quantidade de doces.
Este grupo já estava passando de casa em casa coletando doces faz pouco tempo, e acabaram de sair de mais uma casa com alguns doces, rindo entre si.
Agora, chegavam a mais uma casa. Viam duas abóboras acessas em cada lado da porta, então eles andam até ela, batendo três vezes e dando um passo para trás.
Preparados para dar um susto na pessoa que abrí-la, eles empunham suas espadas e as apontam à porta, apenas aguardando o momento certo para gritar como um pirata.
Todavia, estranhamente, não ouviam nenhum som de passos se aproximando para recebê-los, e ainda assim ouvem a porta se abrindo.
"Yaaargh!! Gostosuras ou travessuras!!" Os três gritam em sincronia e com entusiasmo. Até que vêem o que estava por trás da porta.
Seus corpos gelaram, estavam paralisados de medo. Mesmo sendo crianças, sabiam que o que viam não era um ser humano fantasiado, nem mesmo um manequim ou boneco de pelúcia gigante.
Pensando bem, na verdade era sim um boneco de pelúcia gigante. Seu corpo era claramente feito de pano, com pernas esguias e pretas com costuras. Seu torso se assemelhava a um casaco vermelho, só que na verdade era parte do corpo. Viam seus dois longos e grossos braços brancos, com buracos na palma das mãos, que eram tampados por um tipo de anel com um cilindro no meio, e preso a este cilindro saíam duas correntes douradas que rastejavam no chão. Seu rosto, também branco, tinha uma boca de zíper dourado lacrado, dois olhos vermelhos sanguinários e duas antenas de pano.
"Olá. Querem um docinho?" Sua voz, apesar de imitar um tom doce e amigável, soava para eles como um pesadelo inescapável de tormentos infinitos.
A boneca animada se agacha até estar próxima da altura deles. Olhava profundamente nos olhos dos garotos, deixando-os ainda mais assustados, ao ponto que poderiam desmaiar a qualquer momento.
"Oh? Algum problema? Não conseguem falar?" Entortava a cabeça em exatos noventa graus, possível apenas por ser uma boneca sem ossos. "Vocês humanos são tão bonitinhos. Dá até vontade de apertar..."
Lentamente as correntes se moviam por conta própria até os pés dos garotos, se enrolando e subindo por suas pernas como se fossem serpentes escalando árvores. Seu aperto era muito forte, mas sabiam que aquilo não era nada e que se quisessem podiam os esmagar facilmente.
Logo elas cobriam seus corpos por completo, bloqueando seus olhos dando a última visão sendo a boneca gigante. Sentiam uma grande dificuldade para respirar, e assim, desmaiam.
[•••]
A cidade Londreux é uma cidade grande, com inúmeros edifícios de grande porte e várias atrações históricas, que durante o Halloween eram tematizadas. As ruas eram cobertas por uma fina névoa, típica desta época e que acabava ajudando no clima do feriado.
Diversas das casas também estavam decoradas. Algumas com esqueletos de plástico pendurados nas muretas, outras com decorações mais chamativas, nas todas possuíam um par de abóboras próximas das portas.
As abóboras eram um sinal para quem estivesse fora durante a hora de gostosuras ou travessuras. Se estivesse acesa, a casa tinha doces para dar, mas se estivesse apagada significava que não tinha doces ou não queria ser incomodada.
Todos sabiam disso, incluindo a própria Serplia. Dentre os demônios conhecidos por estarem entre os mortais Serplia era a que mais passou tempo com os humanos, sendo o pecado da Luxúria. Ninguém melhor para ser a guia do grupo.
Atualmente ela guiava os companheiros pela calçada, no meio de várias crianças e alguns adolescentes e adultos fantasiados. Ninguém parecia estranhar os quatro, não por pensarem que são fantasias, mas sim porque três deles já haviam se tornado conhecidos em Londreux. Serplia por motivos claros que ninguém gostaria de admitir, e os gêmeos após sua participação em prender um criminoso chamado El Don.
No caminho até aqui Serplia explicou um pouco sobre a ocasião para Hyra, visto que não é todo dia que a rainha do Submundo faz uma visita ao reino mortal. Então, quando chegavam na primeira casa de abóboras acesas, ela simplesmente fala "Veja e aprenda." antes de rastejar até a porta.
Laduqueza a acompanhava, já que eram as únicas fantasiadas do grupo. A aranha toca a campainha e recua para o lado da amiga. Ouvem os lentos passos de uma pessoa vindo e abrindo a porta.
Era um homem de idade pouco mais avançada, carregando um saco plástico de doces. "Oh, o que temos aqui?"
Juntas, elas respondem "Gostosuras ou travessuras!" enquanto sorriam gentilmente para ele.
"Hm, uma aranha vampira e uma múmia cobra?" Dizia ele ao enfiar a mão no saco plástico para entregar alguns doces à elas. "Vocês jovens têm fantasias tão bem feitas."
"Obrigada senhor, mas na verdade já temos mais de mil anos." Retrucou Laduqueza.
"Ah, sim. Vampiros e múmias, haha." Ele gargalhou quietamente. "Tenham uma boa noite." Finalizava fechando a porta devagar.
Voltavam aos outros dois, exibindo seus dois baldes com formato de abóbora, contendo apenas duas balas cada. "É assim que se faz! quer tentar na próxima?"
Hyra olhava bem para os doces, curiosa para saber o que eram. Já ouviu de sua irmã que era um alimento, mas se perguntava como era o sabor. Vendo isso, a aranha dos olhos azuis entregava um dos seus, uma bala de banana que a naga negra enrola com a língua e saboreia-a.
"Hum, eu gostei! Quero tentar ganhar essas iguarias como vocês." Falava excitadamente, quase que com brilho nos olhos.
"Vamos à próxima, então!"
O grupo continua na mesma rota, caminhando à próxima casa com doces, que não ficava muito longe de lá, sendo ainda do mesmo quarteirão.
A casa era bem semelhante a todas as outras, decorada do mesmo jeito e possuindo as mesmas cores de estrutura. O único diferencial da casa anterior é a tinta vermelha espalhada pela escada saindo por debaixo da porta, simulando uma poça de sangue.
Desta vez, deixam Hyra ir sozinha com o balde de Serplia. Ela toca a campainha usando a ponta da cauda e se afasta. Não demora até que a porta abrira por um homem humano. Isto era tudo que ela conseguia identificar nele; aos seus olhos os humanos não tinham diferenças notáveis entre si.
Imediatamente ela recita a frase do Halloween ao humano com um pequeno sorriso. No entanto, o humano parecia estar congelado, tremendo descontroladamente ao olhar para a demônia.
Mesmo depois dela perguntar se ele estava bem sua única reação foi a de fechar a porta com força enquanto gritava. Também pôde ouvir o som da fechadura se trancando.
"Isso...não acabou muito bem." Suspira com o fracasso.
"Não foi culpa sua, mi reina!" Segurava o ombro dela, a cobrindo em um abraço apertado. "Já sei! Você e Elduke podem se divertir nas atrações de terror!"
Hyra parecia bem confusa. Não lhe explicaram ainda sobre estas tais atrações ainda, só podia imaginar que tipo de atrações elas seriam. Talvez algum tipo de jogo? Ou uma competição? É o que lhe fazia sentido no momento, até decidir apenas assentir e ver por si própria.
Elduke, por outro lado, não estava tão interessado. Permanecia na frente do grupo olhando em direção aos humanos passando por perto. Não significava que não prestou atenção no que sua colega dissera, no entanto.
"Parece melhor do que pegar doces." Dizia ao se afastar da parede na qual encostava as costas.
"Já que insiste. Mostre-me o caminho, meu duque." Ele assente, levando a naga consigo pela calçada.
Mas, antes de se afastaram de mais, Elduke diz "Nos encontramos no maior ponto de Londreux." e continua em seu caminho, sem se despedir.
[•••]
Próximo dalí se encontrava mais uma das casas de abóboras acesas, e por lá várias crianças e jovens andavam em grupos para a coleta de doces. Diferente das demais casas, esta, apesar das abóboras, não estava com as luzes ligadas, visível pelas janelas escuras da construção.
Alguns grupos batiam na porta, ainda assim, porém ninguém respondia, nenhum som era produzido do interior. Tudo que podiam fazer era ir embora cabisbaixos e curiosos.
Mas enquanto isso, lá dentro se encontrava um casal não tão feliz. O motivo? Ambos foram feitos de reféns, acorrentados em cadeiras de madeira de costas um para o outro. Não podiam mexer nem mesmo as pernas.
Estas correntes que os prendiam, douradas como a mais brilhante e cobiçada barra de ouro, envolviam seus corpos com tanta força que mais um pouco e quebraria seus ossos. Já aquela boneca animada branca ficava de frente à pia, segurando uma faca e a usando para cortar uma abóbora.
"Já está quase pronta! Vocês mau perdem por esperar!" De onde estavam sendo mantidos podiam vê-la lá, cravando o objeto afiado no vegetal de forma rápida e violenta. Logo ela largá-a ao chão e leva a abóbora até eles. O que era para ser um rosto com um sorriso assustador acabou sendo uma face desfigurada e horrenda. "O que acharam dela!?"
Os dois ficam sem palavras. Tinham medo de acabar enfurecendo-a com suas palavras. "É-é muito boa!" Gaguejavam incontrolavelmente.
A boneca de repente larga-a, deixando que se despedace no chão. "Vocês não estão sendo honestos." Dizia ela com uma voz mortalmente séria, muito diferente de antes quando usava um tom alegre e brincalhão.
"N-não, é verdade! Estava realmente espetacular!" A esposa exclamou hesitantemente, e imediatamente recebia um tapa das grandes mãos de pano da boneca.
"Aí. Cala a boca, tá?" O casal se surpreende com a nova mudança em sua personalidade. Parecia agora mais descontraída enquanto subia nas costas das cadeiras, se equilibrando entre as cabeças deles. "Podia ter arrumado coisa melhor que ela, ein?"
O homem iria abrir a boca para protestar, se a corrente que o prendia não se enfiasse em sua boca.
"Já que não vão se comportar, vamos direto ao ponto." As correntes se estendem aos poucos, passando a cobrir os rostos dos humanos e apertando seus crânios. "Desmaiem. Desmaiem e façam parte da coleção de Primrose!"
Assim como as crianças de mais cedo, suas consciências se esvaem aos poucos pela força do aperto e pelo medo. Primrose certamente parecia se divertir com isso, pois ria insanamente vendo-os sofrer assim.
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"Venham! Venham todos para o passeio mais assustador de suas vidas!" Diversas pessoas se agrupavam, jovens e adultos, na frente de para a entrada de um dos eventos.
De longe só podiam ver que uma dentro de uma floresta escura de árvores enormes. Notavam também as pessoas formando uma fila no começo de uma trilha de terra, onde pegavam baldes de plástico vazios.
"No jogo de Caça-aos-Doces vocês devem trabalhar em equipe para navegar pela floresta e coletar quantos doces puder enquanto fogem do temível monstro!" Como se fosse cronometrado, um alto uivo ecoa pela entrada assim que o tal monstro é mencionado. "Ao final do jogo, ganha quem mais coletar doces!"
"Então é uma caça ao tesouro na floresta. É simples o suficiente." Elduke pensava. Realmente pensava que poderia ser uma bela distração para ele e Hyra. Claro, não pretendia usar suas habilidades naturais e ter uma vantagem injusta, estão aqui para se divertir, afinal!
Via a expressão de Hyra, cheia de intriga e animação. Claramente ansiosa para ver em primeira mão como é o tal evento. De certa forma, ela parecia com uma criança com os olhos brilhando.
"Sem mais delongas, comecem!"
Dada a largada, os diversos grupos de pessoas adentram na floresta à frente, começando por seguir a trilha durante um tempo e só depois desviar do caminho, separando-se dos demais. O mesmo servia para os demônios, seguindo em direção ao norte.
Hyra carregava o balde da dupla, com o formato de cabeça de gato preto sorridente. Ela não parava de o encarar, falando como era fofo. Se não fosse por Elduke a acompanhando por trás seria bem fácil de acabar se perdendo.
Não havia nenhum vento, ou mesmo uma brisa, apenas a atmosfera escura e fria do local. Felizmente também não ouviam nada, o que significa que o tal monstro não se encontrava nas proximidades.
Mesmo assim o demônio aranha apressa o passo, segurando o braço de sua rainha e a puxando consigo sobre a terra e raízes expostas.
No caminho eles coletavam os doces que iam encontrando escondidos por todos os cantos da floresta. Por sorte não havia ninguém para os atrapalhar.
Não havia nenhum som fora o dos próprios passos há algum tempo. Hyra ficava se perguntando se todos os outros já foram desqualificados pelo monstro e acaba não percebendo que seu companheiro parou no meio do caminho.
"Tem um saco alí." Aí ela para, se virando para ele, que olhava para cima de uma árvore. Elduke via, bem no meio dos galhos, um saco cheio de doces pendurado. "Consegue ir pegar?"
Hyra assente, rastejando até a árvore e se enrolando nela, escalando a uma grande velocidade com um movimento em espiral, para então estender seu braço aos doces.
Mas enquanto ela estava lá em cima, Elduke subitamente ouviu um par de passos por perto. Mesmo decidindo ignorar pensando ser apenas uma outra dupla, ele tinha o pressentimento de que não era um grupo, mas sim uma única pessoa.
O tempo todo ele olhava os arredores, entretanto os sons não tinham uma direção muito clara. Por reflexo ele levanta sua mão direita, manifestando uma chama vermelha que dura apenas um segundo. "Sem armas. É apenas um humano." Ele murmura para si mesmo.
Reassumindo sua postura formal, ele faz um grande salto até os galhos mais elevados da árvore. Isso assusta Hyra, para quem ele diz para fazer silêncio enquanto se segurava no tronco.
Ainda ouviam os passos, cada vez mais próximos da sua localização. Todavia, o barulho de alguma forma desapareceu. Não haviam mais passos, não podiam ver nada lá de cima.
Eles se encaram por um breve momento com olhares de dúvida. Então, algo mais inesperado os pegou de surpresa alguns segundos depois; uma voz... vinda de cima.
"Procurando alguém?" Logo em seguida ouvia-se uma risada definitivamente demoníaca.
Olhavam para cima, na direção da voz. O que estava alí não era de forma alguma um humano, e sim um demônio como eles.
Era algo fácil de se identificar, não só pela sua aura obscura que apenas eles possuíam, mas seu corpo em sí era realista de mais para ser uma fantasia ou maquiagem.
Um indivíduo de pelos negros como a noite encobrindo todo seu corpo, das patas caninas ao pescoço, porém pouco podia ser visto com as roupas que usava; uma jaqueta e calça escura.
Entretanto, o mais notável era sua cabeça de abóbora, com olhos e boca emanando a luz da vela dentro dela. Usava também um grande chapéu preto pontiagudo, bem semelhante aos clássicos chapéus de bruxa. Seus dentes afiados e intimidadores faziam parte da abóbora, e no momento estavam dando o maior e mais assustador sorriso que conseguiam.
"Corram!" Ele grita e gargalha sem se mover da sua posição, dando tempo suficiente para os dois descerem e seguirem rapidamente para uma direção qualquer.
Enquanto corriam se perguntavam quem era ele, um demônio do qual nunca foi descrito em livro algum da biblioteca do Submundo, mas claramente não era um ser qualquer. Até sua aura dizia isso.
"Entretanto, não parece ser malicioso." Pensa Elduke. Sua própria aura de magia negra é bem mais poderosa do que a do monstro cabeça de abóbora, só que como dito, ele não parecia ser um demônio com más intenções, logo não havia razão para iniciar um conflito.
Por mais que corriam pela floresta, o perseguidor é como um lobo, seu olfato apurado o diria exatamente onde qualquer um estivesse, no entanto isto era tudo que podiam fazer se quisessem continuar no jogo.
Foi então que Hyra teve uma ideia: "Elduke, se esconda!" ela comanda, parando-o no meio da sua corrida.
A aranha assente, se escondendo atrás de uma árvore e a serpente mais à frente. Como não podia ser visto, Elduke pôs uma mão dentro da cartola, retirando uma chama vermelha intensa, que se alonga como um bastão, e depois projeta suas grandes lâminas em uma das pontas. O fogo se desfaz, deixando para trás uma longo e pesado machado de cabo preto e lâminas duplas prateadas.
"Só preciso o atordoar." Pensava, segurando a cabeça da arma próxima à sua própria.
Hyra, apesar de exposta, fingia pensar estar escondida. Este era seu plano; servir de chamariz para atrair o caçador e deixar Elduke o acertar em cheio. Se desse certo teriam tempo suficiente para escapar e continuar com o jogo.
Sem demora, o predador logo se aproximava de sua localização. Ouviam seus passos vindo em alta velocidade.
A rainha olhava para outra direção, e Elduke aperta o cabo do machado, preparando-se para o balançar na hora certa.
Com o barulho dos passos ele podia facilmente dizer onde o monstro estava, então quando ele estava prestes a passar correndo pela sua árvore, o demônio aranha faz seu ataque, balançando o machado com força, porém de um jeito que as lâminas afiadas não atingissem o perseguidor.
O ataque foi um golpe certeiro na face dele. No entanto, ambos se chocam quando, ao atingí-lo, sua cabeça de abóbora se partiu em dezenas de pequenos pedaços, espalhando-se pelo chão juntamente da cera derretida da vela, que cobria até o machado demoníaco.
Incrédula, a naga grita "O que você fez!?" ainda sem conseguir processar o que ocorreu neste momento.
"Eu não bati tão forte! Qualquer demônio poderia aguentar um golpe daqueles." Ele retruca, balançando seu machado até tirar toda a cera.
Só conseguiam encarar boquiabertos o corpo peludo caído no chão, sem fazer o menor movimento. Vendo essa cena, de um cadáver no chão sobre pedaços de sua própria cabeça, a única reação que qualquer um dos dois teve foi de engolir seco e arregalar seus olhos.
Foi aí que algo inacreditável aconteceu, inacreditável até para um par de seres demoníacos poderosos; algo estava saindo do buraco do pescoço! Parecia ser como uma raíz, balançando para sair de dentro do corpo, e assim que o fez ela começou a se expandir e tomar forma. Levou poucos segundos até a forma estar completa; uma nova cabeça de abóbora.
Como se nada tivesse acontecido, o corpo volta a se mexer, usando os braços para se erguer do chão e pegar seu chapéu. Os dentes, a vela, tudo era como a cabeça anterior, nem parecia ser uma cópia.
"Wow, esse foi um belo golpe." Retirava a terra cobrindo as bordas do chapéu antes o pôr sobre sua cabeça. Sua voz estava calma, pelo menos, então supostamente não o machucou ou já se tornou um acontecimento frequente ter a cabeça despedaçada. "Contudo, vocês agora estão desclassificados." Ria, segurando no ombro de ambos ainda incrédulos.
Sem mais nem menos, ele os soltou e correu para longe. Agora, ambos tiveram que voltar para o começo e entregar seus doces já que perderam. Por escolha própria, eles esperam mais alguns minutos até o fim do jogo para ver quem acabou vencendo, se é que alguém conseguiria.
Eles se surpreenderam quando o jogo terminou e todas as crianças participando conseguiram apanhar vários doces e não serem capturados, enquanto eles, tal como todos os adultos e adolescentes, foram pegos em pouco tempo.
E acompanhando o par final vinha o próprio cabeça de abóbora, que logo se despede das crianças e anda até os dois, se sentando entre eles num banco próximo. "Então, o que acharam do joguinho?"
"Por que nenhuma das crianças foi pega?" Elduke o pergunta imediatamente, claramente com tom e expressão rabugenta.
Sua resposta foi simples e direta; "Não queria mágoa-las." foi o que ele disse. Elduke apenas resmunga em silêncio. "Enfim, permitam-me me apresentar. Sou a personificação do Halloween, o demônio conhecido como Duskin. Muito prazer."
Um demônio que personifica o Halloween? No Submundo existem sim dezenas de demônios que são as personificações de conceitos comuns, tais como o ciúme e o medo, entretanto ninguém conhece um que personifique uma data. Significa que, se há um para o Halloween, devem existir outros para datas importantes dos mortais.
"Você deve ser a rainha dos demônios. Se aventurando entre os costumes humanos, pelo que vejo." Se levantava do banco, abaixando seu chapéu até que seus olhos fossem escondidos por baixo da borda. "Neste caso, permitam-me guiá-los até o mais aterrorizante evento da noite; o Olho de Londreux!"
Não tinha como recusarem a oferta dele. Afinal, o Olho de Londreux, além de um famoso ponto turístico e histórico, era também o ponto de encontro deles – o maior ponto de Londreux – e já que também teria um destes eventos lá, seria uma boa oportunidade para incluir Serplia e Laduqueza na diversão! Sem hesitação alguma, Hyra assente energeticamente, querendo ir imediatamente até lá. Elduke, por outro lado, continuava sem ânimo algum e apenas suspirou em silêncio.
Juntos, eles acompanharam o seu novo companheiro com cabeça de abóbora pelas ruas da cidade. Ao longo do caminho eles faziam várias paradas para pegar doces nas casas, sendo Duskin aquele que o fazia. Por conta disso eles levam um bom tempo até finalmente se aproximarem do tal ponto; uma gigantesca roda-gigante construída perto de um pier muito populoso. De certa forma, podiam dizer que havia um oceano de pessoas pela área, tantas que tornava difícil se locomover até o próprio pier.
Era alí que planejavam esperar pelas garotas. E, aproveitando do tempo livre, Duskin se jogou à multidão, fazendo pequenos truques de fogo e magia para entreter as centenas de crianças ao redor. Ele é mesmo como uma celebridade para os mortais.
"Que exibido." Elduke murmura, voltando a encarar o mar.
"Eu o acho interessante." Se encosta ao seu lado. Olhava com atenção para Duskin, fazendo um truque de usar seu fogo para fazer desenhos no ar. Pensava em como ele era tão popular apesar de sua aparência. Ainda está noite ela já amedrontou um humano por acidente, mas com Duskin era tão diferente...
O que eles tinham de diferente, afinal? Ela é bela, jovem, poderosa, enquanto o meio-lobo claramente é muito mais velho e não tem medo de mostrar o poder dos demônios. E então tem os Sete Pecados Venenosos. Até onde Hyra sabia, apenas o pecado da gula era temido neste mundo, já os outros... podiam não ser amados, mas também não incitavam o medo.
Perdida em seus pensamentos ela não percebe o tempo passando, as pessoas indo embora aos poucos até o oceano se reduzir a vários grupos espalhados por aí. Ela só se dá conta da mudança quando sentiu o mão de Elduke tocando em seu ombro. "Elas chegaram."
Se virava à calçada, na qual Serplia e Laduqueza acabam de atravessar. Ambas carregavam seus baldes, transbordando de doces e algumas embalagens vazias de doces já consumidos por elas. "Duky, chegamos!"
Reunidos novamente, a aranha de olhos azuis corre até o irmão, o abraçando com força. Já Serplia entrega um dos baldes cheios que trouxe para a irmã, esboçando um sorriso carinhoso. "Sei que você queria provar uns doces, então trouxe estes para você."
"Aww. Muito obrigada, querida irmã. Mas por que tem tantos assim?"
Ouvindo a pergunta, o sorriso da naga se estende bastante, ao ponto que era fácil pensar o que ela iria responder. "Negócios, hermana. Negócios."
Sem Hyra ter percebido, a expressão na face de Laduqueza mudou para uma semelhante à de alguém traumatizado. "Eu ouvi tudo..."
"Enfim, todos estão aqui, eu presumo?" Duskin pergunta, o que todos respondem com um 'sim'. "Perfeito! Agora, venham experimentar um passeio pelo Olho de Londreux!"
Seguindo a deixa de Duskin, o grupo entra na fila. Mesmo sendo pequena, tiveram que esperar um tempo considerável até que chegasse a sua vez de ir. Eles todos adentram numa cabine juntos, se posicionando perto do vidro que cercava a cabine e os permitia ter uma boa visão do lado de fora. Quando todas as cabines já estavam ocupadas, eles começam a se mover.
Apesar de subirem bem lentamente, conseguiam bastante tempo para admirar a vista de cima da cidade. Conforme iam sendo elevados, podiam ver formas no chão ao longo da praia e da calçada. Onde antes haviam pequenas luzes coloridas, agora viam grandes desenhos de figuras populares, como espíritos e assassinos de filmes de terror.
Os olhos de todos brilhavam, incluindo os de Elduke. Todos impressionados com o que testemunhavam sobre a cidade. "É lindo!" Eles exclamavam sem desgrudar os olhos. O tempo todo Duskin ficou atrás deles, sorrindo contente com a satisfação deles.
"Halloween não precisa ser apenas sobre medo e terror. Também pode ser sobre a cultura de monstros e fantasias." Dizia ao se aproximar, olhando junto deles.
"Es una linda vista..." Sussurrava, levando sua cauda flamejante até o outro lado da cabine, onde começava a subir e se enrolar na perna de Elduke. Ele percebe isso, mas decide não objetar e sim ignorar.
•••
De repente, um enorme susto. Uma longa corrente dourada arranca a porta da cabine e puxa o demônio aranha pelo pescoço. Todos se espantam, principalmente ele que foi puxado para fora e só pôde resistir graças a cauda de Serplia enrolada em sua perna, que o segurou para não cair do alto.
"Elduke!!" Os demais gritam em desespero. Ele tentava ao máximo se livrar da corrente que apertava sua garganta, sem sucesso. A corrente era mais forte do que ele, não conseguiria nem mesmo se soltar dela.
No entanto, da posição em que se encontrava, podia ver que havia uma outra corrente dourada que invadia várias outras cabines e alguns humanos de cada uma. O mesmo valia para a que o segurava agora. Ele segue a direção delas até chegar no topo do Olho de Londreux, onde avistava uma figura branca e vermelha de pé sobre outra cabine.
"São tantos humanos! Eu preciso ter todos eles na minha coleção!" A boneca exclamavem alto e bom som para todos escutarem. "Eu me chamo Primrose, a sua nova mestra! Obedeçam e não resistam, eu prefiro tê-los ainda vivos!"
"Um demônio...?" Ele se pergunta. Nunca viu algo como esta boneca viva, e ainda assim tinha o vago sentimento de que ela parecia familiar.
Logo ela vê Elduke na sua corrente e salta à sua cabine. "Fora do meu caminho!" Balança a corrente, soltando o pescoço de Elduke no processo e o jogando para longe da cabine.
"Irmão!!" Imediatamente, a aranha de olhos azuis corre à porta e dispara uma longe teia, grossa como uma corda, de sua boca. Seu irmão consegue a agarrar antes de cair e acaba voltando para uma das cabines mais abaixo com um casal de humanos presos nas correntes.
"Atrás de você!" Ela olha para trás. Primrose junta suas mãos, cercadas por uma luz amarela que transforma seus braços em ouro puro, e com eles golpeia Laduqueza de volta para dentro. Primrose a acompanha para dentro, aterrissando agachada na frente dos quatro. Ela se reergue de forma torta e sinistra, exatamente como uma aberração de filme de terror.
"Oh? Eu conheço você!" Ela encarava o grupo, mais especificamente Hyra, para quem olhava com desprezo total. "Heh heh heh... Eu não te odeio, mas eu quero TANTO te matar!" Sem aviso algum, ela salta em direção à naga negra, cobrindo seu corpo em um brilho ciano. Duskin salta para empurrar Hyra, fazendo Primrose passar direto e atingir a parede.
Hyra agora estava prestes a entrar em pânico. Quem é essa boneca e por quê ela quer a matar? Ela não se lembra de conhecer nenhum tipo de demônio com a forma de bonecos de pano, e não era nenhum tipo de disfarce, pois nem mesmo a voz ou personalidade da agressora ela reconhecia. Por sorte, ela agora tinha dois dos Sete Pecados Venenosos e uma das Sete Virtudes Puras para a proteger.
"¿Como es posible? Ela está usando os poderes dos pecados!" Via sua irmã se aproximando do buraco aberto pelo ataque. Grandes chamas surgem em suas mãos, preparada para revidar.
Enquanto isso, Elduke aproveita da chance para manifestar seu grande machado e se virar para os humanos acorrentados. Ambos ficam assustados ao testemunhar a habilidade sobrenatural do demônio, porém esse sentimento logo se torna alívio quando o mesmo usou o machado para danificar a corrente e soltar os dois dentro de sua cabine, na qual ele também entra.
"Vocês têm medo de altura?" Ele pergunta friamente.
"Estamos em uma roda-gigante!"
"... Excelente." Ele sorri assustadoramente antes de empurrar os dois para fora sem o menor cuidado. Ele puxa o resto da teia produzida por sua irmã e a arremessa aos humanos caindo, a enrolando neles e conseguindo os levar ao chão em segurança. "Agradeçam aos demônios!" Grita sarcasticamente.
Seu momento de graça foi curto, pois nem dois segundos depois Primrose veio em sua direção se balançando pela corrente da mão esquerda, atingindo e balançando a cabine, desestabilizando o equilíbrio da aranha. Se segurando firme e ainda usando o mesmo poder de agora pouco ela fez um buraco para entrar e empurrou Elduke ela mesma. Agora ele se segurava em uma barra de ferro da roda-gigante, fazendo algum esforço para se manter estável.
"Droga...! Seja quem for, vai pagar por isso!"
Ouvindo o ocorrido com seu companheiro, Serplia rapidamente rastejou pelas barras e hastes até chegar perto dela, atacando-a pelas costas com projéteis de fogo. Ainda assim, o fogo não tinha efeito, o tecido do seu corpo não queimou, nem mesmo a sujou.
"Nada legal..." Ajeitava sua postura. O brilho ciano então mudou para rosa, e duas grandes chamas negras surgiram em suas mãos. A boneca salta até às hastes, tentando diversas vezes golpear a serpente da luxúria com golpes rápidos e furiosos.
Mesmo sem ser atingida nenhuma vez, Serplia estava entrando em pânico. Se tentasse recuar, sua cauda estaria vulnerável para ser agarrada, mas se ficasse seria questão de tempo até se cansar e ser atingida. Nem mesmo atacar ela conseguia por ser uma maga, ela precisava de uma distância segura para fazer qualquer tipo de magia.
Contudo, para sua salvação, Laduqueza já havia se levantado e possuía uma esfera azul clara em sua mão. "Princesa, se abaixe!" Ela anuncia antes e jogar a esfera. Ambas desviam dela facilmente, porém no momento que ela atinge a cabine ela se expande em uma grande cúpula.
Serplia ficou fora da cúpula por muito pouco, enquanto Primrose ainda foi pega. Pelo efeito do poder de Laduqueza, tudo dentro dela se movia em uma velocidade extremamente baixa, o que deu uma oportunidade para Serplia recuar.
Acham que isso pode me conter? Ela pensou. Mais uma vez o brilho envolto de si muda de cor, agora para um verde claro. De repente, toda a magia da cúpula da paciência foi absorvida pelo seu corpo, removendo seus efeitos de lentidão por completo.
"El poder de la gula..." Murmurava. "Já usou da inveja, ganância, luxúria e agora a gula..."
Neste meio tempo o pecado da ira conseguiu retornar para a cabine. Furioso, ele trocou seu machado pelo seu revólver prateado, acertando um disparo certeiro no peito da boneca. Apesar de desorientá-la, ela não estava realmente ferida, apenas conseguiu chamar sua atenção.
Estendendo as quatro patas das suas costas, o duque foi atrás da inimiga, retornando a arma para o machado e começando com um forte ataque horizontal. Primrose pulou por cima da lâmina, aterrissando nas costas de Elduke e alterando novamente seu poder para o de uma cor vermelha como sangue.
Ela junta as mãos no queixo de Elduke e começa a puxar sua cabeça, lhe causando uma imensa dor, suficiente para fazer alguém tão confiante perder sua compostura e gritar por ajuda.
"Saiam da frente!" De repente viram Duskin saindo e correndo pelas hastes em suas quatro patas. Saltando para cima dela, ele a tira de cima de Elduke e caem juntos no topo de uma outra cabine, com Duskin ficando por cima e imobilizando seus braços e pernas. A queda foi forte, porém ele não se machucou, usando o corpo macio de Primrose como amortecedor.
Todavia, na primeira oportunidade, a boneca trocou seu poder ativo pelo da ganância, que lentamente começava a transformar o corpo de Duskin em ouro puro. Isso o forçou a recuar, soltando-a antes que os efeitos se tornassem letais. No entanto, agora ele sabia reconhecer que poder ela usava e que devia manter distância com a Ganância ativada. E, segundo o que ele pensava, não parecia que ela era capaz de usar múltiplos destes poderes ao mesmo tempo.
Tendo ciência disto, ele pensou em optar pelo uso da sua magia negra. Ele retrai suas mãos, então furiosamente as lança para frente, criando uma forte rajada de energia negra que empurra a boneca levemente para trás. Só isto não seria o suficiente para a derrotar, entretanto poderia ajudar a resistir aos seus ataques.
Formando grandes punhos dourados em seus braços, a boneca de pano partiu para o ataque, avançando com diversos socos velozes, porém desgovernados. Não tendo como desviar da série de ataques, Duskin concentra seu poder para tornar seu corpo em sombra pura, podendo submergir no chão e depois emergir do topo de outra cabine.
"Fique paradinha, cãozinho!" Seus punhos retornam ao normal, sua aura brilhante se torna agora um azul escuro. O poder de um novo pecado, um que ele não sabia o que fazia.
Para sua sorte, Hyra o alertou imediatamente; "Cuidado! O pecado da Preguiça vai imobilizar seu corpo!"
Infelizmente, já era tarde de mais. Assim que a troca foi concluída Primrose apontou sua mão ao cabeça de abóbora e passou o mesmo brilho azul para ele. Seu corpo foi petrificado, metaforicamente. Não conseguia o mover, não conseguia o sentir. No momento, apenas a sua consciência não havia sido imobilizada.
Com a vantagem em mãos, ela arremessou uma corrente até ele como um chicote, enrolando-a em seu torso e o lançando ao ar com tudo, até que a gravidade o puxou de volta para baixo, aterrissando diretamente no mar como uma bola de canhão.
Logo depois, ela puxa a corrente para fora, trazendo consigo o corpo de Duskin, imóvel e com a vela dentro da cabeça apagada. Não havia qualquer sinal de vida nele, sem dúvidas estava morto. Primrose ri loucamente na cara da vítima. "Este é o destino de quem tenta me enfrentar!" Mas ninguém se importou em ouví-la se vangloriar. Estavam ocupados de mais focados na morte de Duskin, a personificação do próprio dia de hoje.
Elduke, ainda erguido por suas patas, desconta sua raiva apertando o cabo do machado, visivelmente irado com o que vira. Tão irado, de fato, que sem pensar duas vezes ele soltou um berro demoníaco que foi ouvido por todos na área. Uma aura vermelha intensa cerca seu corpo, ele abre os demais seis olhos que sempre mantinha fechados. A aura dele, do seu poder da Ira, era quase duas vezes mais intensa e chamativa que a apresentada por Primrose. Este era o poder do verdadeiro pecado da Ira.
Sem perder tempo, ele permitiu a fúria tomar conta de seu corpo e saltar para cima da inimiga com um golpe vindo de cima e carregado com toda a sua força. Apesar de desviar, a colisão do machado com a cabina da roda-gigante causou uma enorme onda de choque que resultou em um enorme tremor da terra, ao mesmo tempo que atravessou o metal sólido como se fosse manteiga. Isto considerando que o ataque não foi direto no chão e não foi um impacto de verdade.
Os humanos, e até a própria boneca maligna, se chocam com o susto, incrédulos com o verdadeiro poder de um dos demônios da mais alta classe do Submundo. Já Hyra era quem mais se alegrou, gargalhando com um tom vingativo. "Esta, sim, é a força do poder da Ira que eu lhe presenteei!"
A Ira agora o colocou a cem por hora, voltando a atacar sem misericórdia. Mesmo fazendo seu melhor para se esquivar, ele atacava a uma velocidade muito maior do que ela própria era capaz. Inevitavelmente, ela foi atingida e um longo rasgo foi aberto em seu peito, de onde vazava seu enchimento.
Desesperada, ela começa a usar suas correntes para se defender, todavia apenas dois golpes foram suficientes para quebrá-las. Por reação ela voltou a usar a aura de cor ciana, a Inveja, que não a tornava imune aos golpes, mas os impedia de a rasgar. "E-espera! Eu me rendo!" Erguia os braços e se ajoelhava, sem desfazer contato visual. Bem lentamente ela desceu o corpo de Duskin até o pier e retraiu o que restava de suas correntes.
Visivelmente Elduke queria continuar atacando, porém ele já começou a se acalmar o suficiente para conseguir ser racional e não atacar um inimigo indefeso, mesmo pensando que era apenas uma mentira.
Nesta breve pausa de sua luta intensa, Primrose abaixou a cabeça ao chão para provar sua honestidade. Alguma coisa não cheirava bem, e todos sabiam disso.
Inadvertidamente duas cabines ocupadas se soltam e começam a cair em direção à multidão. Todos voltam suas atenções à ameaça aos humanos, não percebendo que a boneca deu uma investida na aranha e a derrubou de lá.
"Desculpa, mas minha coleção de humanos precisa de mim!~" Sua voz neste momento demonstrava um tom infantil enquanto ela fica na ponte de um pé e põe uma mão no seu queixo.
Sua outra mão se estende na direção de onde as cabines foram soltas, então todos vêem as partes cortadas foras das correntes saltando das hastes até ela. A maldita conseguia as controlar mesmo sem estarem em seu corpo!
E, assim, ela abriu uma fenda preta e vermelha no ar, um portal para o Submundo. Antes de passar por ele rindo ela se virou aos demais demônios, dizendo "Vão me capturar, ou salvar pra humanos?" com a ainda mais provocativa do que antes.
Sem hesitação alguma, Laduqueza salta até as barras de ferro, lançando sua até à uma das cabines e a impedindo de cair. Apesar de que assim ela também não conseguiria os levar para baixo em segurança.
Entretanto, para sua alegria, as irmãs nagas rastejam até pouco abaixo dela, puxando a teia grossa até si e segurando a cabine para ela. À seguir Laduqueza soltou a teia e as irmãs desceram-a um pouco, até ela ir mais abaixo delas e repetirem o processo até a cabine estar intacta e em segurança no chão de concreto.
Enquanto isso, Elduke ouvia o que Primrose dissera. Ele rosna, mas cede e usa suas patas extras para o impulsionar ao chão, pousando com um impacto que rachou o concreto ao redor dele.
Rapidamente, ele correu para o local onde a segunda cabine iria cair, respirou fundo e focou em toda a raiva que sentiu a pouco. Como queria despedaçar a boneca, partí-la ao meio, qualquer coisa para a torturar e matar.
Seu poder é novamente ativado. Os humanos ao redor se afastam dele enquanto erguia seus braços e patas para cima. Antes do impacto, ele gritou às pessoas caindo: "Se segurem firme!"
Então, quando a cabine chegou ao chão, Elduke a segurou com força para não cair. A força do impacto causou alguns notáveis danos na estrutura, tais como o chão ficando amassado para dentro, o vidro das janelas se partindo aos cacos, e um dos suportes do teto ficando entortado.
Com muito cuidado ele a colocou no chão e arrombou a porta – também severamente danificada – para as pessoas saírem. Era um grupo de quatro pessoas, uma delas uma criança que cortou o braço com o vidro.
Não era profundo nem nada, entretanto Elduke pediu para ele esperar e lhe mostrar o corte. Mostrando sua empatia como um demônio, diante de tantos olhos humanos, ele rasgou uma das mangas do seu terno e a enrolou no braço do garoto.
Timidamente ele responde, "Obrigado."
"De nada, garoto." Afaga sua cabeça e vai embora, esperando suas companheiras descerem com os demais humanos presos.
"Estes são os últimos." Exclamou sua irmã ao descer com mais uma dupla de pessoas.
O Olho de Londreux agora estava vazio e consideravelmente danificado por culpa de Primrose, pessoas se feriram gravemente, tanto física quanto mentalmente. Sem falar de Duskin, cujo corpo foi rodeado pelas pessoas e, logo, pelos quatro.
Mesmo já tendo sua cabeça destruída antes, apagar sua vela não era a mesma coisa. Todos suspiram profundamente, alguns dos humanos até começaram a rezar para ele voltar, mas já faz bastante tempo que ele está assim, nem mesmo quando Elduke destruiu sua cabeça ele ficou morto por tanto tempo.
Distraídos com seu luto, não percebiam a hora exibida ao longe, na grande torre do relógio da cidade. Meia-noite, ele marcava em ponto. Neste instante, o corpo de Duskin começou a se desfazer em uma fumaça negra que se erguia aos céus como areia soprada pelo vento.
Todos se perguntavam o que estava acontecendo, sem entender nada do que viam. inclusive os demônios, pois seus corpos não são supostos de se dissipar no ar após a morte. Mesmo sendo feitos principalmente de magia negra, eles 'são' seres físicos.
Levou alguns segundos até Hyra poder formular uma teoria. "Suponho que, sendo a personificação do Halloween, ele deixa de existir ao final do dia."
Pensando agora, esta era a única explicação para isto. Porém, também significava que ele ainda poderia voltar no futuro, no próximo Halloween. Isso já foi suficiente para levantar o astral de todos alí presentes.
Permaneciam por lá, encarando enquanto o corpo de Duskin sumia aos poucos e sentindo um alívio se acreditavam na ideia proposta por Hyra.
Nos seus últimos momentos antes de sumir completamente, uma voz ecoou no ar;
"Até o ano que vem."
[•••]
Frio. Frio intenso e poderoso. Tão poderoso, que nem mesmo o pelo grosso de um urso seria capaz de suportar.
Em meio a floresta, um cervo adulto caminhava pela neve profunda e congelante, fazendo seu caminho até a entrada de uma estranha caverna.
A caverna em questão parecia uma cabeça, cuja boca era a entrada. Dentro dela não se encontrava nada além de um lugar espaçoso onde o frio se tornava minimamente suportável.
O cervo adentra calmante agora que podia finalmente descansar um pouco de seu esforço para andar na neve.
De repente, um som de alguém se aproximando ecoava exatamente atrás do cervo. Por instinto, ele se vira e salta para trás com medo.
A criatura diante si era familiar. Um ser cervídeo antropomórfico extremamente esguio. Seu corpo é coberto completamente por uma camada pequena e fina de pelos brancos, um par de longos chifres se destacava na sua cabeça. O rosto do ser era coberto por uma máscara tão branca quando seu pelo, e por isso apenas certas partes eram visíveis. Isto incluía: sua poderosa mandíbula, recheada por dentes finos e afiados, seus dois grandes e vazios olhos, como buracos para uma escuridão perpétua, e seu levemente brilhante nariz vermelho.
Inconscientemente o cervo relaxa, vendo que o visitante era, tecnicamente, um membro de sua espécie. Se vira de costas, abrindo espaço para abrigar o colega consigo.
No entanto, no momento que se virou, uma mão agarrou sua cabeça. Seu corpo congelou por completo e só pôde ficar ofegante e assustado.
Mas tudo chegou a um fim, finalmente, quando sentiu uma boca cheia de dentes letais sendo cravados no seu pescoço e arrancando um grande pedaço de sua carne.
Apesar de vivo, o cervo já sabia que estava morto. Outra mordida, nas costas, arrancando mais outro pedaço de seu corpo.
A fera cervída continuava mordendo e devorando o cervo até que seus órgãos, suas entranhas, tudo já tivesse sido devorado pela sua fome canibal.
A presa já não tinha mais comida para fornecer, a criatura foi embora. Assim que saiu da caverna pôde ver, na distância de uma cidade, um gigantesco pinheiro emitindo centenas de pequenas luzes coloridas.
De repente, sua voz, fria, demoníaca e masculina, ecoou pela floresta inteira.
"Este vai ser... um ótimo Natal."
