Capítulo 2 – Buquê

Acabou. Mentira, eu acabei com tudo! A chance de pedir desculpas pelas grosserias de hoje, de dizer o quanto senti sua falta e o que mais me visse à mente.

Não posso e não vou lembrá-la daquela forma horrível, aquela garota branca como papel e morrendo não era a Mione. Ela é grifinória, tem coragem e vai chegar até o fim da guerra com a gente. Tenho certeza. Por isso ela enfrentou os pais e voltou pra cá. Infelizmente, essa volta não foi por mim. Talvez seja, também, mas fiz muita bobagem nos últimos tempos. Por exemplo, a estupidez de ter me calado diante dela, ter desobedecido à vozinha irritante que gritava na minha cabeça, implorando para confessar meus sentimentos por ela.

No dia do casamento do Gui, podia ter sido o começo do meu namoro com aquela maníaca dos passarinhos (ainda morro de medo deles)...

"Não sei se só as bruxas têm esse costume tolo, mas a Fleur cismou de jogar o buquê para alguma das encalhadas da festa. Observei a animação de cada uma, e os olhares melosos de Gina para Harry estavam me deixando maluco. Ele voltou com ela, depois da nossa insistência. Ajudei porque ele estava mexendo com a minha irmã, e isso não é pouca coisa. Não quero surrá-lo se vê-la chorando por causa dele. Melhor, adoraria evitar os socos, porque dá-los era questão de segundos. Mesmo que eu deteste a idéia dela saber o quanto me importo com sua vida amorosa.

E perto de Gina, naquele alvoroço, tinha Hermione. Apesar de abatida, ela sorria vendo a Fleur fazer graça com aquele monte de flores. E finalmente fixei meu olhar no seu sorriso, não no corpo da Fleur. Quer dizer, não muito.

De repente, só vi um bolo de garotas correndo. Ótimo, Gui e sua noiva foram embora e a música voltou a tocar. Harry me cutucou forte, e antes que eu pudesse resmungar, ele me disse:

- Acabei de ver o Krum. Parece que ele sempre adivinha quando pode tirar Mione pra dançar.

Confesso, no começo apenas a parte "Acabei de ver o Krum" foi absorvida por mim. E era suficiente. Procurei Hermione e ficaria louco de raiva se não a encontrasse sozinha.

Paguei pelo meu pensamento, porque ela estava acompanhada. Não pelo imbecil do "Vitinho", mas pelo buquê da Fleur. Todo azul, ficava até bonito com os cabelos loiros dela, e aqueles olhos... Caramba, mas que merda é essa que estou pensando? Eu não posso mais pensar nisso, é minha cunhada! Não está morta, mas é.

Enfim, estava ela e o punhado de flores azuis. Tupilas... ah...

- Tulipas, Rony – me disse, rindo da minha cara. – E pare de fazer essa careta, não tem obrigação de saber nome de flor.

- É, são quase todas iguais mesmo, tirando a cor.

- Claro que não! Cada espécie possui uma particularidade.

- E nomes estranhos – estava começando a ficar nervoso, não conseguia dizer o que queria.

- Por que está tão verm...

Simplesmente, se eu deixasse ela continuar, a minha coragem ia sumir.

- Você quer dançar comigo?

Ela entreabriu a boca, e parecia não saber o que responder. Gosto de pensar que ela gostou do convite e não o recusaria de jeito nenhum. Porém, evitei encará-la, rapidamente pegando em sua mão. Levei-a para onde vários casais dançavam. A proximidade deles me assustou e animou, simultaneamente.

Quando olhei-a nos olhos, ela colocou as mãos atrás de meu pescoço. Unimo-nos devagar, acho que era um receio compartilhado de acontecer algum acidente, sair alguma coisa errada. Naquela hora, não enxergava ninguém direito, só prestava atenção nas mechas enroladas do cabelo dela, que roçaram em mim quando nossos rostos se encostaram, ambos quentes.

A sensação e oportunidade enlaçá-la na cintura, esquecer de toda a sorte de tragédias que nos rodeavam, saber que "Vitinho" saiu perdendo e ser embriagado pelo perfume dela... Literalmente me tornaram um bobo.

- Mione, quem te deu esse perfume?

- Você. Não se lembra?

- Lembro mais do frasco do que do cheiro, mas agora não vou esquecer mais.

- Por que, ele te incomoda?

- Não! Não, só quis dizer que ele é bom. Eu gosto sim.

Ela se separou um pouco de mim, me encarou com uma nítida dúvida sobre minhas palavras. Será tão difícil perceber quando um garoto fica apavorado e quer fazer a coisa certa? Eu não lembrava nem mais do meu nome inteiro, que dirá do cheiro do perfume que dei a ela há anos!

- Ok. Que bom, ficaria decepcionada se tivesse escolhido um presente que depois fosse inconveniente para você.

- Como seria? Escolhi ele pensando em você – ok, até hoje não sei como disse isso na cara dela.

- E acertou em cheio.

A risada tímida dela incendiou minhas orelhas, que certamente se meteram em um forno e esqueceram de me avisar. Não pisei em seu pé, conseguíamos nos mover, do nada aprendi a dançar! Nem ligava mais para as flores do buquê roçando nas minhas costas (sim, formávamos um trio incomum).

Tudo beirava à perfeição, até meus irmãos gêmeos cansarem de ocupar a boca com bebida. Pra nossa desgraça, eles resolveram mostrar o nível de felicidade que o álcool os trouxe.

- Roniquinho folgado! Quer aproveitar os doces da festa pra fazer seu casamento também!

- Fred, o momento merece uma foto!

- Nada, tem que ter beijo!

- Fred, Jorge... Calem a boca, ok? Já encheram o saco o suficiente!

- Moleque chato. Deixa a gente comemorar sua desencalhação!

- E isso existe, Jorge?

- Não sei nem se você existe, ou eu que me vejo dobrado! Que importa!

Devo ter feito uma cara de ódio, porque eles se empolgaram ainda mais com a palhaçada. Pegaram as flores da mão de Mione, começaram a nos imitar dançando. Mamãe vinha como um foguete em direção a eles, o que me tranqüilizou bastante por alguns segundos. Mas aqueles dois tiveram a brilhante idéia de esconder a cara com as flores, fingindo um beijo. Fred colocou a mão na bunda de Jorge, em seguida! Papai parecia que ia explodir de vergonha, e eu queria quebrar o pescoço deles com os pés...

- Vai dizer que você não sabia onde a mão do Rony ia chegar, Hermione? Não faça essa carinha de santa!

Saí do ar. Desliguei-me do mundo e só acordei quando estava em cima de um deles, socando sem dó. Finalmente, mamãe e papai tiraram os loucos bêbados dali, lembrando, claro, de me olharem com desaprovação. Os convidados ficaram meio parados, com jeito de perdidos. Mas perdido estava eu, pedindo mentalmente por um buraco para sumir de vista!

O perfume enfraqueceu. Olhei para os lados e só havia umas pétalas azuis. Na confusão, nós destruímos as flores. Tinha que ir atrás de Hermione, que sem dúvida iria me matar. Mas estava complicado fazer isso com todo mundo me observando e esperando uma atitude.

Mais uma vez, porque perdi as contas do quanto isso aconteceu ao longo da minha vida, não fiz nada. Não vasculhei a casa inteira para encontrá-la e dizer que meus irmãos eram retardados. Que eu era um retardado maior ainda, por desejar desesperadamente beijá-la!

Mesmo mal humorado, falei com Harry e algumas outras pessoas naquela noite. Contudo, prestei mínima atenção nas conversas e nas minhas respostas. Meus pensamentos voavam muito longe. E, por sorte, Fred e Jorge sumiram do meu campo de visão, sei lá qual azaração lançaria nos infelizes por estragarem um dos melhores momentos que tive com Mione! Nem brigamos, parecia um milagre!

Porém, depois daquilo tudo passar, Fred e Jorge vieram me pedir desculpas. Ficaram tão bonzinhos e arrependidos, que não tive como negar os pedidos.

Dormi pouco. Amanheci com a roupa da festa e só afrouxei a gravata, porque ela me sufocava. Aliás, essa foi uma das piores invenções do mundo. Um homem suicida ou mulher mal amada criou aquela porcaria.

Abri a porta do quarto de uma vez, se fosse devagar podia fazer barulho para o batalhão que pernoitou em casa. Porém, atingi Luna... E o esforço para não acordar o pessoal se mostrou bem inútil.

- Desculpe, Luna! Não achava que...

- Só doeu um pouco. Talvez meu nariz inche, mas vai servir para sentir como é estar resfriada sem espirrar.

- O quê? – às vezes, ela me assusta muito. Será que o pai dela casou com a prima?

- Nada. Feche a porta para os rapazes roncarem em paz. E você sabe que eu te perdôo.

- Que bom – é duro quando a gente não sabe o que responder. – Que flor é essa no seu cabelo?

- É o que sobrou do buquê da Fleur Delacour. Achei no chão ontem.

Imaginei a decepção de Mione com a destruição do arranjo das... tupilas... tulipas... ah, as flores azuis. A culpa daquela merda era minha, pois arrastei ela para dançar e a fiz passar vergonha com uma briga. Por isso ela fugiu e com certeza nem queria olhar pra mim. Então, para fortalecer um pedido de desculpas, decidi fazer uma surpresa.

- Luna, você sabe conjurar flores iguais a essa aí?

- Sei. O que você está pensando...?

Neville apareceu na nossa frente de uma maneira inédita: mandão.

- Rony, aconteceu alguma coisa?

- Não, fique tranqüilo.

- Então vocês podem falar mais baixo e respeitar quem tá morto de cansado?

- Feche a porta e curta seu sono! – levar bronca de Neville é intolerável.

- Desculpe, mas vocês falam alto demais, não dá pra dormir. Aliás, já acordei mesmo... O que fazem a essa hora da manhã?

- Neville, está diferente... – Luna me impressiona quando tem ataque de lucidez.

- Ultimamente, tenho sono leve.

Preferi ficar quieto para não perder a paciência.

- Rony quer flores iguais a essa – ela tirou a florzinha meio murcha de trás da orelha, e o Neville olhou pra qualquer "área" do corpo de Luna, menos para a flor.

- É para pedir perdão pra Mione.

- Hum... ela gosta de flores vermelhas.

- Como você sabe disso?

- Ouvi ela comentando com a Gina ontem. Quando se casasse, queria flores vermelhas.

- Não sabia que as preferências dela contavam tanto pra você.

- Ainda tá bravo comigo por causa do sermão? Desculpe, Rony. Só fiquei nervoso aquela hora porque acordei assustado. Não precisa me tratar mal.

Ciúme justifica resposta atravessada? Na minha cabeça, sim.

- Então querem um buquê de tulipas vermelhas pra dar à Hermione?

- Sim.

- Você vai namorá-la?

- Luna... eu só vou recompensá-la porque me sinto culpado por ontem. Ajudei a acabar com as flores dela.

Os grandes olhos azuis me fitaram com uma frustração que chegou a me consternar. Mas não tinha a mínima possibilidade de eu gostar de Luna, nem podia iludi-la (já basta ter enganado a Lilá e a mim mesmo) com consolos.

Ela acertou na primeira tentativa. Antes de achar estranho o sucesso, lembrei que Luna era Corvinal, e isso devia significar algo. Neville segurou as tulipas vermelhas, pegou um papel de presente branco e enorme que ficou jogado no sofá (mamãe devia estar realmente cansada para não ter reparado) e enrolou nelas. Luna tirou uma fita amarela do pulso – não sei até agora o motivo dela amarrar uma fita ali – e o buquê ficou quase perfeito. Aliás, não era mais um enfeite de noiva, era um presente. Como aqueles que a gente dá em dia das mães.

Agradeci aos dois, e Neville voltou para o quarto. Luna comentou que ele sensibilizou-se com a guerra, qualquer ruído se tornava alarmante. Será que ela lia mentes e adivinhou que eu adoraria saber porquê ele parecia outro, irritado?

Bem, esqueci tudo quando vi Gina sair do quarto dela. Com certeza, Hermione estaria lá. Arrumando as malas para ir à casa dos pais...

Eu segurei as flores mais forte, por ansiedade. Gina me olhou irônica, alimentando minha insegurança. Praguejei-a em pensamento e fui para o quarto dela.

Parei na porta, ao ver Hermione de costas, com um livro aberto na mão. Andei lentamente, para não apavorá-la – igualmente a Neville, ela tornou-se sensível a barulhos nos últimos tempos –, e parei bem próximo, quase encostando em seu cabelo. Minhas mãos pareciam petrificadas, tamanho era o medo do papel fazer ruídos.

No entanto, ela notou minha presença. Fechou o livro grosso e o trouxe pra junto de si. Surpreso, me afastei e fiquei de lado, fitando-a envergonhado demais para começar a falar. Ela tinha uma fita verde escura nos cabelos, então mirei-a para tentar desviar minha tensão e atenção.

Nisso, Hermione virou-se devagar para me encarar. Sentindo-me todo febril, tive receio de gaguejar, porém não me restou escolha. Eu precisava falar, não ela.

- Ontem eu... eu, Fred e Jorge... destruímos o seu buquê. Não, o buquê que você ganhou da Fleur... e quero te recompensar por ter feito isso. Também por ter brigado, pelos meus irmãos terem dito aquelas idiotices, por ter estragado sua noite.

Sem jeito, Mione respondeu:

- Obrigada pelas flores. Eu acho desnecessário interceder pelos seus irmãos, porque seus pais já falaram comigo so...

- Ah, quase esqueci! – interrompi, completamente desnorteado. – Você me perdoa?

- Claro, Rony. A culpa não foi sua. Você podia se conter, mas até fiquei lisonjeada por você, de certa forma, defender-me.

Ela já desviara seus olhos dos meus. Dificilmente via Mione vulnerável, porém eu não estava muito melhor. Então, estendi as flores a ela. Sorrindo, pegou-as e sustentou-as com o livro. Agradeceu-me de novo pelo gesto e veio em minha direção. Talvez fosse para me dar um beijo no rosto, como fez no quinto ano antes da partida de quadribol... Caramba, não dá pra esquecer um beijo daquele...

Só que eu não tenho mais 15 anos. Os pensamentos apaixonados são arrebatadores, inconseqüentes e irresistíveis. Logo, a vontade de dizer que a amava, somando-se ao desejo de beijá-la finalmente, me induziram a enlaçá-la como na noite anterior. Quando me dei conta, estava saboreando seus lábios e tentando, através do beijo, expressar o que não conseguia em palavras.

Separei-me dela quando o fôlego me faltou, e isso deve ter demorado. Vermelha e ofegante, me olhava de um modo diferente. Talvez esperasse que eu dissesse alguma coisa. Mas, por um instante, passou-me pela cabeça que ela não gostasse de mim. Talvez, eu levasse um belo tapa pelo atrevimento. Ou a perdesse naquela guerra estúpida, ou para os pais dela...

E foi refletindo que perdi a chance de falar. Mamãe chamou-nos para o café, pois Hermione não podia se atrasar para pegar o trem...

Respondeu que iria logo, mas continuou me olhando, esperando. Pensei que ia sufocar. Queria dizer! Um nó enorme se formou em minha garganta, parecia impossível qualquer palavra!

De repente, ela colocou o ramalhete na cama, junto da mala e do livro. Não me encarou enquanto o fazia, e parecia querer sair do quarto. Nisso, a única coisa que me ocorreu foi dizer:

- Desculpe.

Mas não expliquei o porquê do pedido. Queria que ela perdoasse minha fraqueza de não suportar tê-la naquele momento, e depois perdê-la. Ela ficaria longe por um tempo... não devia ter me adiantado. Droga, eu tinha a obrigação de me declarar! Irrelevante é qualquer motivo descarado que minha mente arranjou... nada justifica aquela atitudezinha medíocre!

Ela foi embora batendo o pé. Imagino o quanto ficou indignada. Despediu-se de mim com frieza depois, mas todos entenderam que foi pelo barraco da festa."

Fiquei ansioso por causa da idéia maluca de Harry em avisar os tios dele sobre o perigo que corriam. Por isso, quando ela voltou, me viu nervoso e não tive como tratá-la de outra maneira. Estava preocupado e isso me tira a razão facilmente.

Pretendia falar sobre aquela manhã quando voltássemos para A Toca, mas... mas... talvez não possa mais... e a minha consciência pesa tanto, que preferia ter levado mais maldições, só para não acordar... porque se Mione... se foi... eu não sei até que ponto vou suportar isso lúcido, e sendo eu mesmo, porque é ridículo, mas não me imagino sem ela. Não vivo, é claro.

Eu só preciso de uma chance. Uma pequenina leva de minutos pra colocar o orgulho grifinório em dia... e ter a única garota que amei do meu lado, independente do que irá acontecer conosco. Mesmo se ela não me quiser, já nem me preocupo. Só preciso dela inteira, para ser feliz de novo e impedir que uma parte de mim morra.