Capítulo 3 – Sopa de informações

A luz fraca auxiliou Rony a acostumar-se à claridade. Ao tentar se mover, sentiu o impacto da luta em seu corpo. Os ferimentos causados por batidas nos móveis da sra. Figg – se contorcia de dor e não sabia para onde ia – latejaram. As pontadas eram resquícios da Maldição Cruciatus. Isso o fez respirar fundo, pois vislumbrou sua mãe deitada na cama contígua e não queria incomodá-la.

Tão devagar quanto pôde, levantou-se arqueado, tentando identificar em que parte a dor esquecera de se manifestar. Saiu do quarto, apoiando-se nas paredes. Pelo silêncio, achou que era madrugada, logo julgou prudente não fazer muito barulho.

Pensou em procurar Hermione, e a intenção causou um aperto no peito. Decidiu comer primeiro e se aventurar depois, a fim de evitar aquela agonia crescente. Foi até a cozinha, e o olor de comida o deixou intrigado. Porém, lembrou-se de que Gina sabia manejar um fogão e tranqüilizou-se.

Encostou-se à entrada do cômodo, cansado pelo esforço feito. Observou, com espanto, uma pessoa com um lenço amarrado na cabeça, cobrindo um possível coque que produzia uma saliência no tecido vermelho. Imaginou, imediatamente, que fosse Tonks, pois Gina não era tão alta.

Aproximou-se, e a cozinheira parou de mexer a sopa de legumes. Então, Rony reconheceu uma blusa azul marinho, jogada apesnas para cobrir as costas. Pertencia à Hermione. Seu coração disparou, a boca trabalhou mais rápido do que a mente:

- Mione?

- Fred, se for você imitando o Rony de novo, não tem graça. Por favor, vá deitar.

Emocionado, aliviado, aparvalhado, feliz... um turbilhão de sentimentos o invadiu e fê-lo gargalhar de nervoso.

- O Fred e o Jorge não sabem me imitar direito.

- Rony?

Ela derrubou a colher de madeira por causa do susto. Fitou-o, pálida. Sem conter-se, correu e o abraçou desesperada, certificando-se de que não era uma ilusão. Contudo, não protegia bem seu braço ferido e enfaixado. Ele, ignorando os lampejos de dor, retribuía o gesto com ternura, tão surpreso e maravilhado quanto Hermione.

- Você estava há dias desacordado, Harry achou que você não ia agüentar porque tinha febre, dizia umas coisas desconexas... – ela atropelava as palavras, mas ele acostumara-se a esse tipo de reação.

- Mione, eu achei que você tinha... Mas aquele desgraçado não te atingiu no peito?

- Não, foi no braço, por quê? – sem entender a mudança repentina da conversa, ficou menos entusiasmada.

- Nada. Eu a vi de um jeito que nem quero me lembrar. Quando vai tirar essa faixa?

- Ainda não sei. Talvez quando parar de doer e as poções funcionarem por completo. E você, está bem?

- Sim.

Rony tinha ciência de que precisava agir. No entanto, resolveu enveredar por outro caminho...

- Por que te deixaram na cozinha se está machucada?

- Eu quis. Estão todos muito cansados, preocupados. Como passamos a madrugada acordados, tivemos sono. Harry, Gina, Luna, Fred, Jorge e sua mãe dormem desde à tarde, quando as coisas aquietaram. E eu tive insônia, talvez pelas poções. Vendo o empenho de Molly para cuidar de você, não tive coragem de deixar por conta dela o jantar. Fiz o que podia aqui, mas fica complicado por causa do braço.

- Ainda pego aquele filho da...

- Não, não pega – cortou-o. – Se for inescapável, tudo bem. Só não esqueça que se arriscar à toa é bobagem.

- Você sabe que não é à toa.

Os pensamentos de Hermione retornaram àquele beijo depois da festa de casamento de Gui e Fleur. A mágoa pelo pedido estapafúrdio de desculpas tomou-a.

Guiado pela expressão decepcionada dela, Rony respirou fundo e disse de súbito:

- Mione, desculpe por aquele dia eu não ter falado que te amo.

- Você não precisa dizer algo que não sente.

- Peraí, você distorceu as coisas. Eu te beijei porque quis, por não conseguir mais me controlar.

- Ótimo, me acha com cara de Lilá, que você pode beijar quando tem vontade!

- Não!

- Foi desprezível, Rony. Francamente, você brincou comigo naquela dança e no dia seguinte! – seus olhos turvaram-se, porém ela tentava conter as lágrimas – Eu devia sumir daqui e ficar na sede da Ordem...

Ele segurou-a com força quando ela fez menção de fugir. Entretanto, agarrou o braço ferido.

- Hermione, eu te amo!

Hermione soltou um grito de dor e não ouviu o que ele dissera.

- Desculpe... ah, eu não suporto mais fazer besteira e pedir desculpas pra você! – disse, se afastando, receoso de feri-la outra vez – Primeiro eu te beijo e não tenho coragem para...

- O que você disse?

- Estava falando sobre o beijo...

- Não, Rony. Quando me segurou, o que disse?

Revolvendo a gama de sensações proporcionadas pela situação, afirmou, determinado:

- Eu disse que te amo.

- E por que só agora?

- Porque perdi a coragem de falar naquele dia. Pedi desculpas justamente por essa falta de vergonha na cara pra contar a verdade. Podia ter dito na festa, enquanto dançávamos, mas eu fiquei tão tonto e queria aproveitar o momento, não te deixar irritada, não ser rejeitado quando, em muito tempo, estava feliz de verdade. E ia falar com você sobre isso quando voltasse da casa dos seus pais, mas aconteceu aquela confusão e achei que nunca mais iria poder...

Com o discurso, ele não notou a aproximação de Hermione. Tocando delicadamente os lábios dele com os dedos, para silenciá-lo, ela manteve um contato visual profundo. Rony envergonhou-se e não quebrou a sintonia de olhares, praticamente hipnotizado, tenso pelo clima instalado na cozinha. A mão dela deslizou pelo pescoço, até encontrar as costas dele, que a trouxe cautelosamente para junto de si. Lentamente, beijaram-se com ternura.

O transe deles chegava a ponto de confundirem o borbulhar da sopa com o ronco de estômago de Rony. Hermione, lembrando vagamente da existência do fogão aceso, demorou a perceber de onde vinham tantos ruídos.

- Rony, a sopa! Droga, até caiu um pouco da panela! Ajude-me aqui a apagar o fogo!

- Esqueci a varinha lá em cima!

- Finite Incatatem!

- Já cozinha com magia, não sabia...

- Eu me viro como trouxa. Mas acender fósforos não é minha especialidade, por isso desisti de conjurar um.

- Melhor esquecer, porque você não é trouxa. É bruxa tanto quanto eu.

- Sei disso, Rony. Mas ignorar o mundo que conheci por um bom tempo também não é muito inteligente.

- Entendi.

- Sério?

- Sim. Agora saia de perto dessa panela quente, senão vai se queimar.

- Francamente! Nem estou perto dela o suficiente para acontecer isso!

- Mas vai ficar se eu começar a te beijar aqui.

- E quem deu permissão para me agarrar desse jeito? Nem meu namorado você é.

- O problema é esse, então? Ok, falo com seus pais.

- Por carta? – ironizou.

- Como você quiser. Desde que pare de me evitar.

- Se sua mãe nos encontra aqui...

- Ela vai adorar saber que estamos juntos.

- Nossa, estamos mesmo?

- Eu preciso pedir pra ficar contigo, namorar, beijar... Mione, como você é complicada!

- Não sou. Somente gosto de ver você nervoso. Suas orelhas parecem ter pegado fogo – disse, sorrindo marotamente.

- Não conhecia esse seu lado irônico – observou, levemente emburrado.

- E eu não conhecia seu romantismo. Lamento dizer só agora... amei as flores que trouxe. Conservei-as comigo o máximo, e uma delas virou marcador de página.

- Guardando flor morta, Mione?

- Francamente, que insensibilidade!

- Chega de perdão. Você entendeu que eu não queria ser insensível, só não costumo guardar essas coisas, certo?

- Certo. Basta de brigas bobas, vamos arrumar o jantar e acordar o pessoal lá em cima quando terminarmos.

- Que bom, admite que discutir por uma flor é idiotice...

- Rony, me ajude com os pratos, quieto de preferência.

- Depois eu sou o grosso.

- Rony, por favor... só me ajude aqui, ok? Detesto brigar.

- Ok. Vou acreditar nisso.

- Está duvidando de mim?

- Hermione, você vai me enlouquecer!

Parado na escada, Harry desatou a rir. Porém, abafou as risadas para não despertar a atenção dos dois.

- Não aconteceu nada, podemos dormir de novo.

- Mas há uma discussão lá embaixo! – disse Neville, alarmado.

- É só o Rony e a Mione.

- Eles vivem pra brigar. Tenho minhas dúvidas se vamos jantar pedacinhos dos dois ou comida mesmo...

- Gina, não desanime. Peguei a conversa no meio, eles estavam tentando parar de discutir.

- Até eles entrarem em um acordo, a comida esfriou. Tenho bolinhos na bolsa, alguém quer? – perguntou Luna, serena.

- Melhor comer algo mais forte, Luna. Estamos há muito tempo com fome...

Harry desceu alguns degraus e pôde escutar:

- ...se você não me contrariasse tanto, já teríamos posto a panela na mesa, sabia?

- Correção: eu teria posto. Você precisa descansar.

- E posso? Já estou irritada e agitada!

- Porque quer, eu não disse nada demais.

- A sopa vai cair, preste atenção em como carrega essa panela!

- Você acha defeito em tudo o que eu faço!

- E você ignora meus conselhos!

- Só que esses seus conselhos tem mais cara de ordem, e não gosto disso.

- Mas gosta de me ajudar, não?

- Claro! Se parar de reclamar, seria bom pra mim e pra você. Por favor, nem retruque! – acrescentou, ao ver que ela abria a boca para protestar. – Meus ouvidos estão zunindo com o tanto de besteira que a gente falou.

- Ok. E como podemos fazer as pazes?

Ele sentou ao lado dela e a beijou outra vez. Hermione não o repeliu, feliz em tê-lo consigo finalmente do modo que desejava. E Harry, entendendo que o silêncio provavelmente significava um momento de intimidade e momentânea calmaria para eles, voltou a subir e disse para Luna:

- Tomara que você tenha muitos bolinhos. Porque a sopa nós vamos comer requentada e, sendo muito otimista, só amanhã – riu-se, deixando os outros sem compreender fielmente o porquê ele disse aquilo.

Nota da autora: Dedico esta pequena fic para três pessoas importantes que me ajudaram a compô-la: Lucy, por ter elaborado o Challenge R/Hr e dado um motivo para eu voltar a escrever após tantos meses; Murilo, por me incentivar a continuar a fic e tê-la betado, sendo sempre sincero e paciente; e Marília, por tentar me dar idéias para a fic – apesar de eu não ter usado nenhuma idéia que comentamos, ela me estimulou a pensar em outras possibilidades para formar o enredo.

Observação: Esta fic foi feita para o Challenge R/Hr do fórum 3 Vassouras, e ganhou terceiro lugar.