Réquiem de Esperança
Capítulo II – Reflexões
Disclaimer : Gundam Wing não me pertence, mas sim a Yoshiyuki Tomino. Caso contrário, faria a Relena morrer de uma maneira bem dolorosa para que isso servisse de lição a todas as garotas iguais a ela.
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Estava esperando de maneira ansiosa Quatre sair de dentro daquele quarto. Por que diabos eu estava me importando tanto com aquele rapaz ? Quando vi meu amigo sair, fiquei imediatamente em sua frente.
- Como ele está ?
- Bem, Heero. Mas agora é melhor você ir falar com ele, se apresentar. Preciso verificar outros pacientes e volto daqui a pouco para saber como foi a conversa. Por favor, não seja rude com ele !
- Tudo bem.
Vi Quatre se afastar e mirei a maçaneta. O que estava a se seguir não deveria ser tão difícil, afinal. Especialmente para mim, acostumado a manejar as conversas na direção em que queria.
Abri e o encontrei encostado num travesseiro. Aproximei-me de sua cama e finalmente pude perceber a cor de seus olhos. Violetas, levemente azulados. Aquele cabelo castanho completamente solto, caindo pelos seus ombros. Era realmente um rapaz muito belo. Passei incontáveis minutos apenas o observando, tentando entender como alguém tão jovem e bonito poderia ter tentado uma estupidez daquelas.
- Quem é você ? – perguntou, afinal.
- Heero Yuy, a pessoa que te salvou. – ele mantinha um semblante impassível, assim como o meu.
- Eu não pedi para ser salvo.
- Como ? – minha incredulidade se vocalizou.
- Eu não pedi para ser salvo. – repetiu, indiferente.
- Que espécie de idiota é você para dizer tamanha besteira ? Só não lhe bato porque você está dentro de um hospital ! – seus olhos se arregalaram – Mesmo sem te conhecer eu te salvei e é assim que você me agradece !
- Sinto, mas você não deveria se meter na vida alheia.
Simplesmente não acreditava no que saía da boca daquele rapaz. Como alguém poderia ser tão desapegado a própria vida ?
- Quem sente sou eu em não poder obedecê-lo... Você vai receber alta hoje e vai para minha casa, não consegue se cuidar sozinho.
- Eu não vou a lugar nenhum ! – falou mais alto e suas faces se tornaram rubras – E não quero que ninguém cuide de mim ! Não vou agradecê-lo pelo que fez, senhor Yuy, e pode se retirar imediatamente !
Como poderia existir um ser tão ingrato na face da Terra ?
- Já disse que não vou a lugar nenhum, projeto de médico ! Existem algumas coisas que precisam entrar na sua cabeça ! Só queria entender o que se passa aí dentro e te ajudar, Quatre me contou muita coisa sobre você ! Mas se você não quer minha ajuda, pois bem. Morra sozinho !
Aquelas duas violetas brilharam morbidamente e me arrependi de minhas últimas palavras. Mas já estava feito e não adiantaria voltar atrás. Foi nessa hora que a porta se abriu atrás de mim e ouvi a conhecida voz de Quatre falar.
- Hey, vocês estão dentro de um hospital ! Será que podem brigar mais baixo ? – senti sua mão em meu ombro – Heero, vá lá para fora. Acho que ainda preciso trocar uma palavrinha com Duo.
Não saí sem antes dar mais uma olhada naqueles orbes violetas que me fitavam num misto de raiva e agradecimento. Era realmente um rapaz interessante.
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Olhei para Quatre completamente sem emoção após a saída daquela ilustre figura. Ele me olhava de maneira extremamente cansada.
- Duo... Hoje você vai receber alta.
- Imaginei. Quanto tempo passei aqui ?
- Uma semana.
Meus olhos se arregalaram. Quanto trabalho deveria ter dado a Quatre !
- Desculpe-me pelo incômodo, Quatre.
- Não peça desculpas. Para mim, estará perdoado se jamais voltar a cometer um ato de desamor a si mesmo. – fitei a parede; ela se tornou extremamente interessante de repente – Como eu disse, hoje você vai receber alta, mas ainda está muito fraco para ficar sozinho. E ando muito ocupado para te deixar lá em casa.
- Consigo me virar.
- De jeito nenhum ! Você vai para a casa de Heero.
- O que ! – o que diabos Quatre estava dizendo ?
- Já pedi para falar mais baixo, Duo ! Eu não vou deixar você sozinho de maneira alguma ! Trowa não pode cuidar de você e Heero precisa de algum descanso. Além do mais, aquele emburrado aceitou te ajudar, disse que simpatizou com você.
- Acho que não gostou mais... Além do mais, não quero incomodar ninguém. E o Trowa... É aquele seu namorado, né ?
- S-sim. – Quatre ficou vermelho e eu sorri – Mas a minha vida pessoal não tem nada a ver com o que estou te dizendo. Você vai com Heero e acabou ! – abri a boca para protestar – E sem mais discussões !
Era surpreendente como em alguns momentos Quatre poderia ser extremamente autoritário. Vi-o sair e me encostei novamente na cabeceira da cama. Soava-me estranho passar dias na casa de alguém que sequer conhecia.
Mas era mais estranho o fato de alguém que não me conhecia ter reparado em mim. Ter notado que eu não estava respirando naquele maldito banco do parque. Isso acabava me dando uma outra perspectiva a respeito desta estadia. Algo me dizia que desta vez tudo poderia ser diferente.
Será que ele seria...?
Não, muito cedo para se afirmar algo deste tipo. Talvez estivesse me ajudando por pena – isto jamais toleraria. Não quero que sintam pena de mim. Quero simplesmente que me amem. Quero me sentir amado.
Consegui ouvir com nitidez a pequena discussão que Quatre travava com Heero do lado de fora; parecia que aquele cara não estava disposto mais a me levar para a casa dele. Mas Quatre daria um jeito de convencê-lo... Ele sempre dava !
"Mas se você não quer minha ajuda, pois bem. Morra sozinho !"
Morrer sozinho era a minha vontade ? Não sei... Na verdade, eu nunca soube exatamente o que queria.
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Ainda não havia conseguido entender como Quatre me convencera a levar Duo para minha casa. Talvez as ameaças de mais jantares de negócios com Relena surtissem um grande efeito em mim.
A grande verdade era que me interessara pela história daquele rapaz.
Quatre me levou até sua sala para falar mais reservadamente sobre Duo. Sentou-se com um ar cansado em sua cadeira e me indicou para fazer o mesmo em outra vazia.
- Meu amigo, você me parece cansado.
- E estou exausto... Cuidar de Duo por estes dias exauriu as minhas forças. Foi difícil impedir que a história da morfina não vazasse, Heero. Só eu poderia cuidar dele, mas tenho outros pacientes também.
- O que você quer tanto me dizer a respeito dele ?
- Quero lhe dar alguns conselhos. Tente não ser rude com Duo. Ele pode lhe parecer sarcástico demais, mas tente controlar o seu gênio.
- Eu ainda não consigo entender como ele quis acabar com a própria vida.
- Ele não quis se matar, Heero.
- Como não ? – exclamei surpreso – Uma pessoa que injeta uma dose letal de morfina em si próprio quer morrer !
- Se você quisesse mesmo se matar, teria escolhido um parque extremamente movimentado para fazê-lo ? Mesmo se quisesse estar em contato com a natureza, existem milhares de lugares desertos com as mesmas características do parque. As pessoas que tentam se matar, em sua maioria, não querem alcançar este intento.
- O que você está falando é absolutamente lógico, Quatre. Mas então para que diabos...?
- Pense, Heero. Ver Duo encostado na mesa, extremamente quieto... O que isso despertou em você ?
- Atenção.
- Exato. Quem tenta suicídio, quer desesperadamente chamar atenção. – fiz uma careta - Mas não encare isso de uma maneira negativa. A tentativa é um grito de socorro. Por alguma razão, Duo simplesmente não consegue pedir ajuda com as palavras. Então, ele comete estas loucuras na esperança de que alguém note e queira ajudá-lo.
Simplesmente emudeci diante das palavras do meu amigo. A grande verdade é que nunca tinha parado para sequer pensar neste tema. Afinal, nunca passou pela minha cabeça destruir a minha própria vida. A ferida era muito maior do que eu pudera imaginar. Só então notei que, para quem não vive nesta realidade, todas aquelas palavras parecem surreais demais. Acho que não queria acreditar nas palavras de Quatre.
- Então, Heero ? Você ainda quer levar Duo para sua casa enquanto ele se recupera ?
- Você está me desafiando, Quat... E eu não gosto de fugir e nem perder desafios.
O real motivo é que aquilo não me soava como um desafio apenas, mas como um verdadeiro aprendizado.
Quando entrei no quarto, ele estava sentado na cama vestindo roupas negras e trançando seus cabelos. Tinha um aspecto conformado, eu diria. Fechei a porta delicadamente e me encostei nela, observando-o. Assim que terminou de cuidar de seus cabelos, olhou-me curioso.
- Vamos, Maxwell ?
Ele fez uma careta adorável.
- Pode me chamar de Duo. Para onde vamos, senhor Yuy ?
- Chame-me de Heero, então. Vamos passar em sua casa para pegarmos suas coisas, depois iremos até meu apartamento.
- Tudo bem. – levantou-se e me aproximei rapidamente, passando a mão pelos seus ombros.
- Você não deve sair andando. – falei baixinho – Quat me disse que você deve ficar de repouso por...
- Sei disso, Heero. – me interrompeu – Sou médico, esqueceu ?
Não tive outra reação a não ser esboçar um sorriso quando ele me fitou com aquelas duas violetas. Não sou de dar sorrisos... Simplesmente aconteceu.
- Consegue andar sozinho ?
- Mais ou menos.
- Deixe que eu te apóie. Aquelas são suas coisas ? – apontei para uma sacola em cima de um pequeno sofá.
- Sim.
Soltei-o por instantes e segurei a sacola numa mão. Com a outra, pressionei seu corpo pela cintura contra o meu. Senti seu braço rodear meu pescoço e começamos a andar numa marcha lenta, porém gostosa.
O que me incomodava era o silêncio que reinava entre nós.
Quatre havia me contado algumas coisas sobre Duo, mas não era o suficiente. Gostaria de saber mais, porém não tencionava ser invasivo. Coloquei-o sentado no banco do carona de meu Porsche 911. Ele abraçou sua sacola no colo como se fosse uma criança.
- Bem, Duo, onde você mora ?
- É um pouquinho longe daqui. Vamos indo que eu te dou as coordenadas.
- Tudo bem então. Quer ouvir alguma música, algo de sua preferência ? – dei partida no carro.
- Quais são as músicas que você tem ?
- Apenas sugira uma.
Ele franziu as sobrancelhas de maneira adorável.
- Prefiro ouvir um pouco de rádio.
- Escolha a estação, então.
Quando o semáforo indicou vermelho, olhei para o lado e o vi esboçar um sorriso ao ouvir uma melodia extremamente calma sair do rádio.
- Precious Illusions(1) ! – a voz grave de Duo acompanhou a letra, baixinho.
Você realmente irá me salvar ?
Do exato modo que eles nunca me salvaram...?
Eu irei ser feliz ?
Quando sua capacidade de cura se acabar ?
Você irá realmente me completar ?
Então minha vida pode finalmente começar
Eu irei ser merecedor ?
Apenas quando você perceber a jóia que eu sou ?
Sinceramente, não sei o que me deu quando o ouvi proferir tais palavras, mesmo que fosse apenas a letra de uma música. Então fiz algo que sempre julguei idiota em toda a minha vida. Juntei a minha voz à canção.
Mas isso não irá funcionar agora do mesmo jeito que já funcionou.
E eu não vou continuar com isso mesmo que eu te ame
Uma vez que eu saiba quem eu não sou, então eu saberei quem sou
Mas eu sei que eu não ficarei bancando a vítima.
Ele me olhou surpreso, mas com um sorriso no rosto. Foi então que percebi que aquela expressão combinava mais com ele. Deixei-o cantar sozinho; a voz dele era muito melhor que a minha.
Essas preciosas ilusões em minha mente não me decepcionaram quando eu era indefesa
E renunciar à elas é como renunciar aos melhores amigos invisíveis.
Esse anel irá me ajudar ainda que você apareça como um cavalheiro numa armadura brilhante
Essa pílula irá me ajudar com esses garotos que se vão como água
Mas isso não irá funcionar tão bem do mesmo jeito que já funcionou
Porque eu quero decidir entre sobreviver e ser feliz
E, mesmo que eu saiba quem eu não sou, eu ainda não sei quem sou
Mas sei que eu não ficarei bancando a vítima
Essas preciosas ilusões na minha mente não me decepcionaram quando eu era uma criança
E renunciar à elas é como renunciar aos melhores amigos de infância
Eu gastei muito tempo olhando firmemente para fora de mim
Eu gastei muito tempo vivendo apenas para sobreviver.
Nas poucas vezes que pude tirar os olhos do trânsito para observá-lo, notei que ele tinha a cabeça encostada no vidro do carro e os olhos ligeiramente cerrados. Existia tanta emoção em sua voz que parecia cantar com a alma. Tive de me segurar para não estacionar o carro e fixar-me apenas naquela cantoria.
Não era exatamente ele que estava mexendo comigo naquele instante; era o misto entre as emoções de sua voz e a letra daquela música. E foi nesta hora que me perdi em divagações a respeito daquilo. Era uma necessidade urgente de auto-afirmação, de descoberta. Porém, nos vários minutos de silêncio que se seguiram após o término daquela canção, exceto pelos barulhos do rádio, uma única frase ecoava na minha cabeça, tornando-se cada vez mais absurda.
Porque eu quero decidir entre sobreviver e ser feliz.
- Você canta muito bem. – que raios de comentário idiota era aquele que tinha acabado de fazer ?
- Obrigado. – vi-o corar – Você também não é nada mal. Mas não sabia que alguém como você poderia conhecer esta música.
Dei um sorriso enviesado.
Após mais alguns minutos de silêncio, finalmente chegamos ao apartamento dele. Era um prédio muito simples, de três andares e sem elevadores. Estacionei na porta e desci, ajudando-o com cuidado.
- Duo, em que andar você mora ?
- Apartamento 301.
Ao menos ele sabia ser direto.
Continua...
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N/A : Olá, meninas ! Sei que este capítulo ficou recheado dos pensamentos do Heero e creio que ainda haverá um pouco de predominância no próximo. Mas lentamente nós iremos mostrar o Duo, revelá-lo até pelo avesso – se eu conseguir, lógico.
Estou realmente encantada em ver que tantas pessoas me deixaram reviews ! A alegria foi tão grande que Shinigami fez questão de vir aqui e me ajudar a respondê-las ! Como eu sinceramente gosto de responder uma a uma – e o Shinigami fez questão – os comentários das reviews estarão lá no meu blog, o chibi ponto weblogger ponto com ponto br. Muito obrigada e mil beijos !
(1) Precious Illusions é uma música de Alanis Morisette.
