Réquiem de Esperança
Capítulo XV – Actions
Disclaimer : Yoshiyuki Tomino, Hajime Yatate e Koichi Tokita são os criadores de Shin Kidou Senki Gundam W, e não eu...
Um certo baka de tranças estava me dando umas lições num retiro espiritual. Daí o motivo de tanta demora... E o pior é que vem outro...
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"Nada posso lhe dar que já não exista em você mesmo.
Não posso abrir-lhe outro mundo de imagens,
além daquele que há em sua própria alma.
Nada lhe posso dar a não ser
a oportunidade,
o impulso,
a chave.
Eu o ajudarei a tornar visível o seu próprio mundo,
e isso é tudo."
Hermann Hesse
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Acordei cedo, como de costume.
Hoje era o dia em que levaria o meu Duo para casa e resolveria toda esta situação, afinal viver novelas melodramáticas não está incluído no que eu chamo de meu plano de vida. É apenas uma espécie de background mental das situações em que caio fora imediatamente.
Esses romances românticos antigos não me agradam muito. Do que adianta viver eternamente suspirando por alguém e, no fim, morrer por isso, sem tê-lo nos braços ? A vida vale muito mais a pena, existem milhares de oportunidades fantásticas loucas para serem vividas, o que soa muito mais tentador do que ser uma espécie de Werther moderno. E é exatamente isso que quero fazer aquele baka enxergar.
A tulipa vermelha ainda repousava no meu criado-mudo, amassada, seca, mas cheia de significados. O que vale é a intenção e, neste caso, a intenção foi extremamente válida. Essa tulipa nada mais é que a chave, que o impulso para que eu acabe de uma vez por todas com esta situação enrolada em que nos metemos.
Minha bexiga está acusando que é hora de ir ao banheiro.
Banheiros me lembram Duo. Ou melhor, os banheiros da minha casa me lembram do Duo se tocando. Aquela visão fora absolutamente divina e abençôo aquela cabecinha esquecida de ter se enganado e não me dar os analgésicos. Nunca me senti tão excitado na vida, acho que vou querer mais surpresas como aquelas quando estivermos juntos.
Juntos ? Este pensamento me é tão surpreendente ! Não achei que um dia fosse me apaixonar desta forma. Sempre buscava beijos, carícias. Mas desta vez não é somente o sexo que procuro em Duo. É uma alegria, um sorriso, um abraço. Acho que a idade já está afetando o meu cérebro, querendo a cura para a solidão em que me meti. E são nessas horas que descubro um romantismo que nunca pensei existir dentro de mim. Ando muito sentimental estes dias.
Com a cabeça fresca, conseguia refletir melhor sobre as atitudes dele. Ele não poderia ter me visto beijando Relena, mas ele vira. Pensou que eu havia seguido seus conselhos e até me odiou por isso, sendo ele o suposto "responsável" por "minha atitude". Já estava mais do que na hora de mostrar a ele que eu não tenho nada com aquela mulherzinha. Estava na hora de atitudes mais radicais.
Segui até a cozinha e abri uma caixa de suco de laranja previamente resfriado.
Não é difícil acreditar que ele tenha se distraído tanto com emoções a ponto de ser atropelado. Mas o que mais me preocupa é que, talvez, ele tenha querido ser atropelado, o que torna a situação muito mais grave. Engraçado como apenas um mísero detalhe pode reverter completamente uma situação. O mesmo aconteceu com ele quando viu o beijo.
Demorei tempo demais para enxergar uma situação que se desenrolava bem na frente do meu nariz. Dizem que só percebemos o quão valioso nos eram as coisas e as pessoas quando as perdemos. Todavia, desta vez, Deus – ou seja lá o que for – me deu a oportunidade de abrir meus olhos. Eu não me chamaria Heero Yuy se deixasse a chance escapar como água por entre os meus dedos.
Hora de buscar Duo.
Refiz aquele trajeto, agora quase habitual para mim, até o hospital e entrei. Encontrei a atendente ruivinha de cabelos curtos e me aproximei.
- Boa tarde. – ela sorriu – O senhor é visitante ou vai se consultar ?
- Visitante. Quarto 203.
Ela digitou no computador e franziu o cenho.
- O quarto 203 está vazio, senhor.
Piada.
- O senhor Duo Maxwell está ocupando o quarto, não ?
Ela tornou a olhar a tela.
- O sr. Maxwell já recebeu alta e saiu há aproximadamente quarenta e cinco minutos, senhor...?
- Yuy. Por favor, preciso falar com Quatre. Urgente.
Meus dedos tamborilavam a mesa tão rapidamente que quase fizeram depressões. Duo saiu ? Simplesmente foi embora, sem me esperar ? Aquele baka maldito, eu não acredito que ele fez isso ! Foi proposital !
- Heero ? O que houve ? – Quatre se aproximou como um raio.
- Duo foi embora ?
Sua expressão facial se anuviou.
- Da próxima vez você me mata de preocupação. Ele recebeu alta hoje de manhã e foi embora. Ele não te avisou ?
- Ah, claro, e eu estou aqui só por estar mesmo, fazendo um passeio.
- Também não precisa ser ignorante comigo, Heero. Desconte suas frustrações em outra pessoa. – ele soou magoado.
- Desculpe-me, Quat. Isto tudo está começando a me tirar do sério.
- Então vá atrás dele logo ! Ele deve ter ido para casa. Qualquer coisa me ligue.
- Tudo bem.
Não posso dizer exatamente que andei até o meu carro. Acho que dei alguns saltos.
A casa dele era um pouco distante daqui, então o melhor atalho era pegar a Avenida Peacemillion. Liguei o rádio para preencher os meus pensamentos. Engraçado como ultimamente tenho buscado soundtracks para a minha vida... Seria um mal de quem está apaixonado ?
A baladinha romântica e melosa não me impedia de ter meus pensamentos negativos. Existem determinados momentos em que nos angustiamos aparentemente sem motivo, como se algo estivesse sendo arrancado de nós. Agora era um destes momentos para mim. Eu precisava me certificar de que tudo estava bem com ele.
A minha atenção foi novamente se voltar para a realidade quando me vi preso num engarrafamento gigantesco. Um atalho é sempre a distância mais longa entre dois pontos. Maldito Murphy !
- E atenção ! Gostaríamos de avisar aos nossos ouvintes que evitem trafegar pela Avenida Peacemillion. Um grande engarrafamento se formou na região do cruzamento entre ela e a Avenida Meteoro devido a um atropelamento ocorrido mais cedo. Felizmente a vítima está passando bem. Agora vocês irão escutar...
Jura ? Agora me conta uma novidade !
Mas que diabos... As coisas realmente só dão errado quando mais queremos que tudo dê certo ! Que barulho estranho é esse ? Ah, é o meu celular. Agora onde foi que eu o coloquei...?
Soltei o volante – afinal, tudo estava parado – e olhei dentro do porta-luvas. Porta-luvas... Engraçado como determinados objetos possuem nomes ilógicos. Se as pessoas não colocam luvas dentro dele, por que tal nome ? Afinal, seja um lugar requintado para que as damas usem luvas, seja um lugar frio, as pessoas saem dos carros com as luvas calçadas.
Mas voltemos ao meu celular. Olhei no visor : Trowa. O que ele queria agora ?
- Diga. – falei contrariado.
- Heero, onde você está ? – ele falou tenso.
- Preso num engarrafamento quilométrico na Peacemillion.
- Mas a reunião começa daqui a dez minutos !
Merda, a reunião. Esqueci completamente enquanto focava no Duo.
- Confio em você. Decida tudo, você não nos levaria a falência.
- O pessoal da Manguanacs exigiu a sua presença !
- Ah, convenhamos. Você sabe dirigir a White Fang sozinho, Trowa.
- Para querer se livrar tanto assim dos caras, deve estar indo atrás do Duo. Não sabia que, quando apaixonado, você se tornava irresponsável. Está até parecendo um adolescente.
- Não sou um adolescente irresponsável. – falei a contragosto.
- Vai tomar uma atitude de uma vez ? Quatre está ansioso.
- Pretendo. – a fila começou a andar num ritmo que perderia para uma tartaruga.
- Já não era sem tempo.
- E quem foi que passou um mês saindo com um médico para poder tomar a iniciativa de dar um beijo ?
- Ora, Heero, não me culpe ! – eu quase conseguia vê-lo corar – Você via como o Quatre era, corava quando eu pegava na mão dele !
- Mas pelo visto você deu um belo tratamento de choque nele...
- Eu dei tratamento ? Mais fácil ter recebido um ! Você não sabe o que aquela carinha esconde...
Dei uma risada gostosa.
- Vá para a reunião e dobre aqueles árabes. Você sabe fazer isto muito bem.
Foi a vez dele gargalhar.
- Boa sorte com o Duo.
A fila andava tão devagar que se tornava agoniante. Passei pela frente do local do acidente e não vi nada grave, era apenas um atropelamento leve. No máximo alguns ossos quebrados. Sank está realmente um caos; qualquer diferença no monótono ritmo de suas ruas é capaz de fazer um alvoroços destes. E só para me atrapalhar.
Vinte minutos depois, consegui entrar numa rua secundária e me dirigi com menos transtornos até o prédio dele, estacionando. Cumprimentei o porteiro, que já me conhecia das outras vezes e permitiu a minha entrada.
Corri até as escadas e ouvi um som alto, que certamente estava incomodando a todos. Era uma melodia depressiva e uma voz masculina começou a cantar, sendo acompanhada de outra mais rouca, que prontamente reconheci ser a de Duo – graças.
"Eu sonho em como isso tudo vai acabar
Aproximando-se rapidamente de mim
Deixando uma vida de medo
Apenas quero que minha mente fique clara"(1)
Pulei os degraus de dois em dois e, mesmo assim, o caminho me pareceu uma eternidade. A voz rouca e carregada com que ele cantava perfurava os meus tímpanos e me ordenava inconscientemente para ir mais rápido. Quando finalmente cheguei em seu andar, corri até o apartamento 301. Ironicamente, a porta estava entreaberta.
Atualmente tenho receios de portas entreabertas. Às vezes elas nos mostram aquilo que não queremos ver. Sentia-me agora como um personagem secundário de um filme de terror B que segue até a porta para dar de cara com o assassino. Espero sinceramente estar enganado.
"As pessoas fazem graça de mim
Por nenhum motivo a não ser o ciúme
Eu fantasio a minha morte
Eu vou me matar, prendendo a minha respiração"
Ok, ok. Algumas palavras me chamaram a atenção nesta música e não foram nada agradáveis. Aproximei-me silenciosamente, com a intenção de observá-lo melhor e tirar minhas próprias conclusões. Ele estava de costas para mim, usando apenas uma calça folgada de moletom cinza, com os cabelos perfeitamente trançados como uma corda. Mas não era seu corpo que me chamava atenção desta vez. Era a sua emoção.
"Meu sonho suicida
Vozes me dizendo o que fazer
Meu sonho suicida
Tenho certeza de que você também terá o seu"
Às vezes imagino como deve ser a cabeça do Duo. Imagino exatamente como ele estava cantando com tanto empenho; acho que "vozes" lhe dizem o que fazer. Na verdade, ele deve ter um verdadeiro conflito em sua cabeça, entre aquilo que lhe manda morrer e o que lhe pede para viver.
Eu sabia o que eu queria. Eu queria ser a voz que dizia ao Duo o que fazer, não como um mestre ou um dono, mas como alguém que o guiaria, que lhe queria bem. Queria que ele me escutasse, que vivesse. Pelo Quatre. Pela memória de Hilde. Por mim.
"Ajude-me, me conforte
Faça parar o que estou sentindo agora"
Engraçado como as músicas podem muitas vezes falar pelas próprias pessoas. Enquanto cantava, ele se abraçava como conseguia, por conta do braço; se encolhia como um bebê que precisava da proteção de uma mãe. Eu sentia a nota de dor com que ele cantava e interpretava tão bem as próprias emoções, algo que já não consigo fazer. Os sentimentos estavam todos lá, bailando na minha frente em cada movimento e cada palavra, para que eu pudesse parar, apreciar e refletir sobre os mesmos. Quase conseguia imaginar a expressão que seus olhos violetas devem estar transparecendo.
Ele estava implorando por ajuda.
Agora, mais do que nunca, via o que realmente estava sentindo. Não sei se poderia chamar isto de amor, mas é o mais próximo que já cheguei disto. Eu quero substituir os seus braços, envolvê-lo contra mim e lhe dizer tudo aquilo que ele tanto quer e precisa ouvir. Dar-lhe todas as alegrias que ele merece. Ver o seu sorriso iluminar o mundo todas as manhãs. Quero fazê-lo esquecer das memórias tristes, pois estas jamais serão apagadas, sejam elas quais forem.
Nunca isso foi tão verdadeiro, assustador e, ao mesmo tempo, um acalento para mim.
"A corda está aqui
Agora acharei uma utilidade
Vou me matar,
Vou colocar minha cabeça numa forca"
Da maneira mais angustiante possível, vi-o usar o próprio cabelo como uma corda fictícia, simulando com a mão sã um enforcamento contra o próprio pescoço. Sua voz estava mais convicta, como se ele tivesse realmente tomado esta terrível decisão. Eu não era masoquista o suficiente para continuar ouvindo e vendo tudo isso.
Estava na hora de curá-lo do jeito que podia.
Até agora não entendi o motivo de meu cérebro ter assimilado "cura" de uma maneira tão bruta. De um certo modo, somos todos animais no fim das contas. E pior : nós é que somos os irracionais.
Meus pés ganharam vida própria e me vi vencendo a curta distância que me separava dele. Apesar do volume da música, ele foi ágil o suficiente para perceber a aproximação e se virou. Seu cenho franziu ligeiramente e ele entreabriu os lábios. O que ele ia falar, não faço a mínima idéia.
Sem me importar com seu braço engessado, atirei-o contra a parede e ataquei sua boca com a minha.
Continua...
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N/A : Eu sei que demorei uma eternidade. Sei que muitos vão olhar e dizer "um mês para atualizar e só escreveu isso ?". Sim, só escrevi isso. Falta de inspiração ? Não necessariamente. O capítulo era curtinho mesmo na idéia original, mas acho que sete provas enormes são uma excelente justificativa para que vocês me perdoem, né ? Não desistam da fic !
Beijocas especiais a Blanxe, Pipe, Karoru & Thifa-sama, Tina-chan, Litha, usagui no ashi, Ophiuchus no Shaina, AganishLottly, Aryam (postei o fanart novamente, viu ?), Celly, Anne, Ayame Yuy, Megara-20 e Perséfone.E um beijo mais do que especial para o Tomas, que deixou um comentário absolutamente lindo lá no meu blog. Adorei, viu moço ?E lembrem-se : reviews são sempre bem vindas !
Nota :
(1) Suicidal Dream, do Silverchair.
