FAMILIAR


Capítulo II - OMIKUJI

Hinata acordou com uma pata de gato na boca.

- Acorda, bruxa!

- Sa-sasu-

Hinata abriu os olhos com dificuldade, como se eles pesassem mais do que o normal. Seu ombro e braço direito latejavam, suas pernas pareciam que iam cair.

Sasuke tirou sua pata da boca dela, os olhos vermelhos encararam o membro, enojado. O familiar estava sentado sobre a barriga de Hinata por cima do futon macio. Seu olhar de desprezo se traduzia até em suas feições felinas.

- B-bom dia. – Tentou Hinata. – V-você dormiu bem?

Ela queria desesperadamente se mover, estava desconfortável e com calor sob a coberta e com ele sobre si, mas Sasuke não parecia que tinha planos naquele sentido. Além disso, não se lembrava como tinha chegado até seu quarto ao final do ritual na noite anterior, não sabia onde Sasuke tinha dormido de fato.

- O que vocês comem neste mundo?

- Ah, você está com fome, Sasuke-kun?

- Eu posso caçar minha própria comida, só quero saber o que é comestível.

Hinata pensou que aquilo certamente seria interessante de observar. Ela não sabia o que youkai comiam no mundo espiritual, embora tivesse ouvido inúmeros rumores sobre carne humana. Se caçar sua própria refeição era algo comum, Hinata absolutamente queria evitar que a presa fosse uma pessoa. Além disso, estavam no inverno, caso a presa fosse de fato algum outro animal, e embora a área verde mais próxima fosse a apenas algumas quadras de sua casa, Hinata duvidava que tivesse muito em matéria de presas por lá. A última coisa que queria era seu familiar voltando para casa com uma andorinha morta na boca.

- Eu posso fazer peixe para você. – Sasuke levantou uma sobrancelha felina, se é que isso era possível sem a sobrancelha em si. Ele estava lambendo a outra pata, a que não estivera na boca de Hinata. - Ou leite, talvez.

Sasuke continuou se limpando.

- O que está esperando, bruxa?

- B-bem...

Ele não parecia que iria sair de cima dela. Com cuidado, tentando se mover o menos possível, Hinata tirou as mãos de sob as cobertas e segurou o gato por sob as patas dianteiras. Sasuke abriu os olhos, assustado e irritado.

- O que você pensa que está fazendo, sua bruxa maldita?

- Eu preciso levantar para poder fazer seu café da manhã, Sasuke-kun.

O gato miou e tentou arranhar a moça para que o soltasse. Rapidamente Hinata focou sua magia e fez com que ele levitasse para longe de si, indo pousar delicadamente aos pés da cama.

- Desculpe. – Pediu enquanto Sasuke continuava a lhe mandar olhares ameaçadores de onde tinha todas as quatro patas com as unhas expostas e cravadas na maciez do futon superior.

- Bruxa!

Sasuke usava aquela palavra de forma muito liberal, como se fosse o pior dos xingamentos. Hinata já não ligava muito. Não que fosse ofensivo, era apenas incorreto para designar os usuários de magia em seu coven.

- Nee-san! – A voz de Hanabi veio de trás de sua porta seguida de três rápidas batidas antes de a mais jovem Hyuuga entrar. – Conseguiu invocar seu familiar?

Sasuke ainda tinha todas as garras para fora, alerta, com as orelhas voltadas para trás e as costas arqueadas quando a outra bruxa entrou no quarto, ainda de pijamas e despenteada, seus olhos tão claros quanto os de Hinata fixando-se nele de imediato.

- Um gato preto! – Hanabi aproximou-se da cama sem qualquer hesitação. – Otou-san deve ter surtado quando o viu.

Hinata não respondeu. Na verdade, não tinha conseguido ver a reação de seu pai e Neji quando terminara sua invocação, porque desmaiara assim que teve Sasuke são e salvo em seu colo em sua forma animal. Ficara tão aliviada de ter conseguido invocar um familiar para equilibrar sua pífia energia espiritual, um familiar que tinha a forma animal bem menos humilhante do que uma pulga, que apenas deixara o cansaço tomar conta de seus membros naquele momento e fechou os olhos.

- Eu não sei, Hanabi.

- Você fugiu de toda a estética da família. – Hanabi se agachara perto da cama, mas mantinha certa distância das garras de Sasuke.

O familiar parecia ter aceitado que Hanabi não devia ser uma ameaça imediata se Hinata estava falando com ela casualmente, então passara a uma posição sentada na cama, as garras das patas dianteiras expostas apenas o suficiente para se enterrarem no futon.

- Nada de pássaro, nada de branco. – Hanabi continuou. – Parabéns.

- E-eu não sabia que ele ia ser um gato preto, Hanabi! – Não era como se Hinata tivesse visitado um centro de adoção espiritual e propositalmente escolhido o espécime menos complacente com a aesthetic dos Hyuuga.

- Huuum... – Hanabi colocou as duas mãos sob o queixo, aguardando. – Então, qual seu nome?

As garras de Sasuke se retraíram completamente. Ele parecia um pouco menos aborrecido, talvez, era difícil dizer pelas feições felinas.

- Uchiha Sasuke. – Hinata ficou um pouco surpresa por ele ter respondido. – Você é a filha da bruxa?

- F-filha... – Hinata engasgou, surpresa.

- Hinata é minha irmã. Acho que você ainda não conheceu otou-san e Neji-nii-san.

Sasuke não respondeu, apenas continuou encarando a bruxa mais jovem. Então a família de sua bruxa eram aquelas outras três pessoas. Irmão mais velho, irmã mais nova, um pai. Era bem menor que a sua, como eles conseguiam se proteger de seus inimigos com apenas quatro pessoas, uma delas ainda apenas um filhote? Onde estava o resto? Será que aquele mundo era tão perigoso assim e tinham sido todos mortos?

Hanabi continuava encarando-o. Hinata decidira que Sasuke seria suficientemente inofensivo para sua irmã, porque se levantara da cama para buscar algumas roupas no armário. Um macho jovem apareceu na porta.

- Hanabi, você acordou Hinata? Eu mandei você não fazer barulho.

- Está tudo bem, nii-san, foi Sasuke-kun que me acordou, ele está com fome.

Hanabi virou-se nesse momento enquanto o macho jovem dava um passo para dentro do quarto, seus olhos perolados fixos no familiar, as sobrancelhas franzidas. Os pelos das costas de Sasuke recomeçaram a arrepiar.

- Seu familiar é do gênero masculino?

- S-sim... – Hinata engasgou de novo e também corou. Ela parecia fazer muito aquilo, Sasuke notou, mas seus olhos vermelhos não se desviaram dos olhos claros do jovem que devia ser o irmão mais velho da bruxa.

- Nii-san, pare de tentar intimidar o gato. – Hanabi se levantou de sua posição agachada perto da cama e andou até o irmão. – Eu também estou com fome, vamos tomar café!

- Você já escovou os dentes? – Neji finalmente parou de encarar o familiar e Hinata ficou bastante aliviada de que Hanabi estivesse ali simplesmente sendo a pessoa genuinamente desinteressada que era e distraindo a pessoa genuinamente preocupada que era Neji. – Vá se trocar também.

- Argh, mas é sábado, qual o problema em ficar de pijama?

Hanabi saiu atrás de Neji, ambos deixando a porta do quarto de Hinata escancarada, como sempre. A moça terminou de reunir suas coisas para trocar de roupa no banheiro e olhou para Sasuke. Ela voltara a se deitar em sua cama, os olhos fechados, as patinhas dianteiras enfiadas sob si mesmo. Daquele jeito ele se parecia absolutamente com um gato comum.

Hinata hesitou.

- Hinata.

- Otou-san! – A voz de seu pai vinda da porta a sobressaltou, tirando-a de seus pensamentos.

- Conseguiu descansar?

Hyuuga Hiashi era um homem prático, um médico preciso e um feiticeiro respeitado. Jamais fora de demonstrar seus sentimentos abertamente, nem quando era mais jovem e sua mãe ainda era viva. Neji era idêntico a ele nesse quesito. Hikari costumava dizer que arrancar sorrisos daqueles dois era como arrancar pérolas de ostras: dava trabalho para encontrar e abrir, mas valia a pena.

Hinata sabia que seu pai se importava consigo tanto quando com seus irmãos, apesar de ela ser claramente o elo mais fraco dos três, e era apenas difícil para ele expressar esses sentimentos. Aquela pergunta certamente era voltada para a sua saúde tanto física quanto espiritual, e embora corriqueira e distante, Hinata sorriu-lhe ao responder.

- Sim, obrigada por cuidar de mim, otou-san.

Seu pai concordou com a cabeça uma vez, as mãos cruzadas sobre o peito dentro das mangas do haori, e entrou no quarto indo diretamente até seu familiar. Sasuke tinha se levantado igual fizera com Neji.

- Não é exatamente o que esperávamos. – Hinata não respondeu, não tinha o que dizer, mas estava levemente aliviada de ele não estar comentando a cor e a espécie de seu familiar. – Qual seu nome?

- Uchiha Sasuke. – De novo o youkai a surpreendeu oferecendo seu nome de bom grado.

- Um jovem. – Hiashi franziu as sobrancelhas. Ele e Neji podiam participar de um concurso de sósias. – Meu nome é Hyuuga Hiashi, sou o patriarca dos feiticeiros desta casa.

Sasuke não disse nada e seus olhos vermelhos se mantiveram nos perolados até o fim. Os olhos daquele patriarca eram diferentes dos de Hinata e da bruxa filhote, mais gélidos, mais acinzentados.

O barulho de asas se fez ouvir na janela saliente do quarto e um grande pássaro branco de cauda longa pousou no beiral externo. A janela continuou fechada, mas os olhos azuis do pássaro se fixaram nos vermelhos de Sasuke que se voltara para a origem do som ao ouvi-lo.

- Aquele é meu familiar, Hizashi.

- Sasuke-kun. – O familiar com certeza aprendera seu nome através da ligação que partilhava com Hiashi. Eram apenas alguns os feiticeiros que conseguiam partilhar mais do que sua localização e emoções através de seus laços familiares. Com anos e prática, a depender da força da ligação, alguns podiam, contudo, partilhar conversas inteiras, memórias e conhecimentos. – Muito prazer. Espero que possa cuidar de nossa Hinata-chan.

Hizashi era uma presença tão constante em suas vidas, sendo o familiar de seu pai desde muito antes de qualquer um deles nascer, que era praticamente um tio.

Sasuke não respondeu, mas abaixou levemente a cabeça em cumprimento. Ele podia ser desrespeitoso e rude, mas não era completamente mal educado, especialmente com outro ser do mundo espiritual. Hizashi era um verdadeiro ancião se comparado com ele, podia sentir a energia negativa ancestral que o pavão carregava, e era poderoso para um não-youkai.

- Uchiha. – O patriarca chamou Sasuke pelo sobrenome, como se estivesse curioso sobre seu significado, mas se realmente estava, Hiashi não vocalizou a curiosidade. Pelo que sabiam, seres espirituais não eram adeptos aos nomes familiares. – Você é um familiar dos Hyuuga agora e tenho certeza que carrega consigo seu próprio orgulho como ser espiritual. Hinata irá cuidar de você, espero que ofereça a ela a mesma cortesia e respeito.

Sasuke estreitou os olhos e no momento seguinte ele estava presente no quarto em sua forma humana, orelhas peludas e tudo, quimono azul escuro e hakama cinza. Havia uma espada de bainha e empunhadura negras em sua cintura, protetores negros nas costas das duas mãos que sumiam por dentro das mangas do montsuki. Hinata não tinha notado nada daquilo na noite anterior quando mantivera todo o seu foco no rosto e nas orelhas do familiar. Ele também era alto, cerca de uns quinze centímetros maior que ela, os olhos na altura dos de seu pai.

- Não precisa me dar avisos e fazer ameaças, velho.

A voz de Sasuke despertou Hinata de seu momento de observação do youkai e até Hiashi, que tinha ficado estático, surpreso com a transformação, conseguiu piscar e levar seus olhos até Hinata esperando que ela já tivesse caído, desmaiada, devido à quantidade de energia necessária para manter um familiar em sua forma humana naquele mundo.

Hinata estava perfeitamente bem.

Peculiar.

- Eu e a bruxa travamos um contrato. – Sasuke cruzou os braços sobre o peito, defensivo. Os olhos de Hiashi tinham voltado para ele. – Não volto atrás em minha palavra.

Hiashi observou Sasuke por um longo momento, seus olhos deixando os vermelhos apenas o suficiente para trocar um olhar com seu próprio familiar através da janela. Hizashi pareceu aprovar o rapaz, apesar de sua linguagem vulgar quando dirigida ao mestre da casa, curvou a cabeça coroada e alçou voo até seu local preferido de se empoleirar entre os longos ramos do salgueiro-chorão do jardim interno.

- Muito bem. – Hiashi deu-lhes as costas para sair do quarto. – Acho que Neji disse que hoje teríamos que fazer as compras para o Ano Novo do coven, Hinata, não demore para descer.

- Sim, otou-san.

Hiashi observou Hinata longamente mais uma vez, nenhum sinal de que o uso da energia para manter o familiar naquela forma a estivesse enfraquecendo. Ela parecia nem notar que ele estava usando sua mágica para se manter ali. O mais velho saiu do quarto fechando a porta ao passar.

- Oi, bruxa.

Hinata se sobressaltou. De alguma forma tinha se perdido em seus pensamentos de novo e se esquecera de que Sasuke ainda estava ali. Em sua forma humana. Ou seria sua forma youkai, já que ele tinha aquelas orelhas e... Aquilo era uma cauda? Como não notara aquela cauda antes?

Quando ele o chamou, Hinata quase deixou cair as roupas que ainda tinha nas mãos. Aquela altura Hanabi provavelmente já desocupara o banheiro que as duas dividiam no final do corredor.

- Desculpe, Sasuke-kun, vou me trocar e já preparo...

- Deixe-me ver.

- Ahn...?

Sasuke bufou parecendo irritado com a lerdeza dela de não entender o que ele queria dizer e se aproximou descruzando os braços. Hinata imediatamente se encolheu quando ele estendeu as mãos para tocá-la. O rapaz pausou, a bruxa tinha fechado os olhos como se achasse que ele estava a ponto de machucá-la.

- Bruxa, abra os olhos.

Ele estava perto, mas não a estava tocando.

- Está tudo bem, eu só quero ver a minha marca.

Marca?

- Marca? – Hinata abriu os olhos e Sasuke voltou a estender as mãos, colocando-as em ambos os ombros de Hinata e virando-a para que ficasse de costas para ele em um único movimento rápido.

- Minha marca do contrato, preciso ter certeza de que ela pegou como deveria.

As memórias do contrato de Sasuke voltaram tão rápido que Hinata ficou zonza. A vermelhidão que seu sangue quente criou foi forte o suficiente para espalhar-se por todo o seu rosto, pelas orelhas, pela nuca até os ombros.

O familiar continuou com uma das mãos em seu ombro, ela ainda usava a yukata da noite anterior. Com a mão esquerda o Uchiha tirou-lhe os longos cabelos de sobre o ombro, movendo-os para a direita. Com a outra mão, segurou a lapela da veste e puxou-a para revelar a pele nua. Nenhuma marca, nenhum rastro de sangue, nem uma manchinha.

- Está t-tudo... – Hinata estava surpresa com sua própria resiliência. Sentia seu corpo inteiro formigar, a ligação que compartilhavam parecia pulsar com a proximidade, fortalecida pelo contato, animada pela vulnerabilidade, mas a feiticeira ainda não tinha desmaiado e conseguira virar o rosto para tentar ver o ponto em que ele lhe tinha mordido. - ...tudo b-bem?

- Hn. – Sasuke resmungou, algo que ele fazia bastante e que ela precisaria aprender a interpretar.

A ferida se curara durante a noite e agora a pele de Hinata estava como se nunca houvesse sido mordida, mas Sasuke podia sentir a marca e se quisesse, podia vê-la também. A bruxa olhava por cima do ombro e parecia apreensiva com o que ele estava fazendo. Decidiu mostrar a ela. Colocou os lábios sobre o ombro dela, abriu a boca levemente e pode sentir quando ela quase se retraiu provavelmente pensando que ele iria mordê-la de novo, mas se controlou e ficou parada, confiando que ele não iria lhe machucar. Sasuke quase se deixou sorrir sem querer. Tocou sua língua sobre onde estaria a marca e sentiu Hinata estremecer. Passou o braço esquerdo pela cintura dela antes que caísse sobre si mesma levando-o junto, afastou o rosto um pouco e esperou.

Certo como o sol, a marca apareceu negra contra a pele pálida, os três tomoe do seu contrato, vívido, saudável, eterno.

- Hn. – Ele resmungou de novo, dessa vez satisfeito.

Tão rápido quanto antes, Sasuke era um gato de novo e Hinata estava caída sobre as próprias pernas de gelatina. A marca desaparecia conforme a saliva do youkai secava de sua pele.

- Rápido, bruxa, você disse que tinha comida aqui.


- Sasuke-kun, onde você está?

- Nee-chan, Sasuke-kun é um gato, ele sabe se virar!

- Talvez se ele tivesse crescido neste mundo, mas...

- Se demorarmos mais o templo ficará muito lotado!

Era noite de Ano Novo e Hinata conseguia sentir até o cheiro da magia no ar. Datas como aquela eram repletas de magia, até humanos comuns diriam que podiam senti-la. Não era a data em si que tornava o momento especial, mas a quantidade de pensamentos que confluíam para torna-la especial. No Japão, a noite de Ano Novo era um momento de agradecer pelo ano anterior e pedir bênçãos para o ano seguinte, assim como em vários outros lugares do mundo. Havia países mais festeiros, países mais tradicionais, países que comemoravam o Ano Novo de centenas de formas diferentes, mas todos com o mesmo sentimento de fim e renovação e era esse o toque mágico que fazia a sensação boa que sempre existia dentro dos feiticeiros ficar mais forte.

Era um ótimo dia para preparar poções e lançar feitiços poderosos, também. Os Hyuuga, sendo feiticeiros especializados em purificação, não tinham tanto trabalho, porque a magia da celebração se convertia em energia positiva purificando as coisas naturalmente, mas mesmo assim sempre havia clientes que queriam amuletos ou água purificada para usarem na limpeza das casas. O templo para onde iam tinha encomendado que purificassem e abençoassem todos os amuletos que seriam vendido no Ano Novo e nos dias de hatsumode, então eles tinham ficado relativamente ocupados.

Hinata deixara que Sasuke explorasse o mundo humano o quanto quisesse, mas ele geralmente não se afastava muito da casa, sempre voltando quando estava com fome ou com frio. Eles tinham um kotatsu em uma das salas que tinha tatame no chão e ele se apegara muito a tirar cochilos sob ele. Hanabi o chutara duas vezes sem querer e em uma delas acabara com um belo arranhão no tornozelo.

Sasuke também tivera a oportunidade de conhecer Tenten, a garça familiar de Neji, quando ela o pegou pelo rabo achando que era algum espírito corpóreo tentando entrar na casa. Ela tinha se desculpado quando Hinata veio correndo ao sentir a agonia do familiar pelo laço que dividiam, Neji logo atrás sentindo a ameaça no seu laço com Tenten, e conseguiram explicar que aquele era o familiar da moça.

- Mas ele é um gato preto!

- Sim, Tenten.

- Isso não é muito típico dos Hyuuga.

- Não, não é.

- Sinto muito ter te confundido com um demônio, gato.

Sasuke não respondeu. Ele tinha se recolhido até o ombro de Hinata, onde também gostava de se empoleirar, bem em cima de onde estava sua marca invisível, e chiou para Tenten.

- Sasuke-kun, Tenten-chan não fez por mal. – Hinata tentou apaziguar a ira do familiar, podia senti-lo irritado e humilhado.

Isso acontecera havia dois dias e Sasuke ainda não tinha se dignado a falar de novo com Tenten, limitando-se a ignorá-la quando estava em seu poleiro entre as pedras do jardim e Sasuke passava por ela, cabeça erguida e nariz empinado. A garça parecia achar aquela atitude engraçada, porque sempre o cumprimentava quando o via, o que apenas servia para irritar o gato ainda mais.

- Eu não queria deixa-lo em casa sem dizer para onde estamos indo. – Hinata respondeu, mas sua família já estava na porta esperando por ela, então a moça apenas deu as costas ao jardim interno deixando a porta entreaberta e foi ao encontro deles.

Apesar de cedo, como Hanabi temia já havia bastante gente circulando para cima e para baixo. Hiashi se afastou deles primeiro para visitar a família do templo que encomendara as bênçãos dos amuletos e deixar o saquê que trouxeram de presente pelo Ano Novo. Hanabi imediatamente começou a reclamar das filas tanto no temizuya, local para lavar e purificar as mãos antes da oração, quanto para entrar no templo e fazer a oração em si, então declarou seu desejo de tomar cidra com especiarias antes e seguiu para lá com Neji em seus calcanhares para ter certeza de que ela não convenceria o vendedor a lhe dar o tipo alcóolico no bom espírito de Ano Novo. Hanabi podia ter apenas dez anos, mas era a mais persuasiva entre todos eles.

Hinata se viu repentinamente sozinha e a magia no ar não parecia mais tão mágica assim.

Sem maiores planos, a moça esperou pacientemente por sua vez para lavar as mãos e entrou na fila que levava para dentro do templo. Achou ter visto Neji levando Hanabi para o temizuya, mas logo os perdeu de vista de novo na multidão. Eles ainda tinham algum tempo antes do próximo compromisso, então estava tudo bem.

- Para quais deuses uma bruxa reza?

A voz a pegou de surpresa e Hinata se virou para a presença de seu familiar ao seu lado em completa forma humana de novo.

- Sasuke! – A primeira reação instintiva de Hinata foi pular sobre ele com as mãos estendidas sobre o topo de sua cabeça, mas as fofas orelhas de gato não estavam lá. Com um rápido olhar atrás dele, a cauda também tinha sumido e os olhos vermelhos aos quais a Hyuuga ficara acostumada estavam negros. – Eu achei que...

- Você é burra? – Sasuke cuspiu as palavras nela, mas parecia mais divertido com a estupidez dela do que aborrecido com a reação exagerada. – Como se um youkai não soubesse disfarçar sua aparência entre humanos. É a primeira coisa que aprendemos.

- Oh! – A moça se afastou o máximo que conseguiu no aglomerado de pessoas, pedindo rápidas desculpas àqueles a sua volta, mas todos os humanos ao redor estavam ocupados demais em seus próprios grupos para notarem seu momento de vergonha alheia. E então ela se lembrou que seu familiar tinha estado desaparecido durante todo o dia: - Onde você estava?

- Por aí.

Tinha como ele ser mais vago do que aquilo?

- Não é como se eu pudesse realmente sumir, não é, bruxa?

Não, eles estavam ligados um ao outro e embora Hinata soubesse que ele estava bem através de sua ligação, não queria que ele ficasse desaparecido por tanto tempo, ao menos não sem dizer a ela que estavam bem.

Aquela preocupação era algo natural do laço? Talvez por ser recém-formado?

E como ele estava conseguindo manter aquela forma? Como ele conseguira manter aquela forma antes? Sasuke tinha reservar de energia espiritual positiva que ela desconhecia para equilibrar sua energia negativa e conseguir manter-se humano? Ou seria apenas a magia da celebração no ar? Mas então, naquele outro dia...

- Está frio. – Sasuke ainda vestia as mesmas roupas de quando passara pela fenda, o montsuki e o hakama.

- O que veio fazer aqui? Podia ter ido para casa, eu deixei a porta entreaberta para você. – Mesmo dizendo aquilo, Hinata estava feliz que ele estava ali e lançou sobre ele um rápido feitiço para aquecê-lo. Se seu familiar usasse óculos, eles teriam ficado embaçados imediatamente.

- Tch, alguém resolveu se sentir triste e solitária no meio de todos esses outros humanos. – O rapaz colocou a mão direita, agora completamente destituída das garras pontiagudas, sobre o centro da barriga, logo acima do umbigo, onde Hinata sabia ser o local em que o laço deles se transformava de uma simples ligação para um tradutor de sentimentos. – É irritante.

A moça pensou que precisava aprender a controlar melhor as emoções que transmitia pela ligação ou ao menos a evitar transmiti-las.

- Desculpe.

- Não é hora pra isso, veja, é sua vez.

As três pessoas na sua frente tinham acabado de se virar para sair do templo e Hinata passou pela entrada com uma breve mesura para o acólito no canto perto da caixa de oferendas. Sasuke continuava ao seu lado, então se apressou para colocar duas moedas de cinco ienes na caixa.

Os dois se colocaram lado a lado com a corda vermelha do enorme guizo entre eles. Hinata tocou-o, mas Sasuke apenas manteve as mãos dentro das mangas do quimono. A moça curvou-se duas vezes, bateu palmas duas vezes, curvou-se de novo uma vez e uniu as mãos para fazer seu pedido. Ficou apreensiva se Sasuke tinha ou não seguido seus passos, mas relaxou quando ouviu palmas ao seu lado.

Com as mãos juntas em oração em frente ao corpo, as pontas dos dedos geladas pelo frio da estação tocando-lhe os lábios ao abaixar a cabeça, Hinata pediu para nenhum deus e para todos, para a magia que permeava o ar, para a mágica que sempre existira desde os primórdios do universo, que pudesse ter um ano tranquilo com boas notas na escola e que seu familiar gostasse de tê-la como "mestra" – lembrou-se de marcar bem as aspas em seu pensamento para frisar que aquela era apenas a nomenclatura da coisa – e que ele vivesse uma vida feliz no mundo humano ao lado dela.

Quando abriu os olhos, Sasuke já tinha seus desconcertantes olhos ônix sobre ela, as sobrancelhas franzidas que aprendera a perceber que significava que ele estava tentando entender por que ela fazia as coisas que fazia. Ele tinha aquele mesmo olhar quando a observara escovar os dentes pela primeira vez, quando a vira usar a máquina de lavar roupas pela primeira vez, quando perseguira o robô aspirador pela casa, quando sentira o cheiro de café fresco, quando Hinata lhe explicara quais as funções de todos aqueles botões na privada – e o que era uma privada –, quando Hanabi jogava em seu celular, seu celular em si, tecnologia em geral, eletricidade e quaisquer outras modernidades que absolutamente não eram comuns no mundo espiritual.

Sem palavras, Sasuke se virou colocando de novo as mãos dentro das mangas e Hinata o seguiu para fora do templo, a fila de pessoas parecia ter aumentado desde que se colocaram nela.

- Hinata-chan!

O chamado a pegou de surpresa assim que saíram da pequena cabana ao lado do templo onde Hinata acabara de pagar os cem ienes do seu omikuji, sua loteria sagrada. Sasuke continuava ao seu lado, mas sem um papel, ele se recusara a tirar as mãos de dentro das mangas quando ela insistiu que ele tirasse seu papel da sorte também e dissera que não importava, porque a sorte deles devia ser a mesma.

- Naruto-kun!

A feiticeira sentiu algo se apertar em sua barriga e dessa vez não foi sua ligação espiritual com Sasuke. Não era impossível, já que cidade não era tão grande e aquele era o templo principal para visitas de Ano Novo, mas Naruto era certamente a última pessoa com quem esperava cruzar durante a visita.

- Uau, você está de quimono, não está com frio? – Foi a primeira coisa que ele disse ao se aproximar o suficiente da moça, um sorriso de orelha a orelha esticando suas bochechas vermelhas.

- U-um pouco. – Hinata teve a presença mental de lembrar de diminuir a intensidade do feitiço de aquecimento que tinha em si mesma e em Sasuke, o que desagradadou seu familiar imensamente.

- Mas é um quimono lindo, fica muito bom em você. – O sorriso de Naruto diminuiu apenas o suficiente para que os bonitos olhos cerúleos ficassem visíveis, mas de forma alguma Hinata conseguia olhá-lo nos olhos, não depois daqueles elogios. – Já conseguiu fazer suas orações? A fila está enorme!

- Já, minha família veio mais cedo.

- A gente também devia ter feito isso, mas Kiba queria ficar até meia-noite para os fogos, então acabamos de chegar. Quer ir falar oi?

Algumas pessoas da sua classe tinham combinado de visitar o templo juntas, Hinata acompanhara a conversa no grupo de mensagens da turma, uma vez que a data não era considerada estritamente familiar no Japão, exceto, talvez, para a sua família, que a usava para comemorar outras coisas também.

Magia não era exatamente algo a ser escondido, proibido ou perseguido no mundo moderno, mas também não era algo que os praticantes estavam tentando viralizar. O velho boca-a-boca das bênçãos, pequenos feitiços e proteções funcionava bem, especialmente em uma sociedade discreta como a japonesa. Hinata não sabia se Naruto era um "conhecedor", então não tinha como explicar a ele o motivo exato e verdadeiro de não poder ficar mais tempo e celebrar com os outros.

- Hinata. – A voz de Sasuke a tirou da torrente de pensamentos em que entrara para tentar arranjar uma desculpa para Naruto que não o fizesse ficar magoado ou pensar mal dela. – Temos que ir, sua família já terminou a visita.

As emoções da ligação se misturavam com as próprias emoções de Hinata, confusas, desordenadas. Parecia que havia uma briga entre borboletas e facas afiadas em seu interior.

Naruto tirou seus olhos dela para encarar o rapaz moreno um passo atrás. Eles eram quase do mesmo tamanho, Sasuke uns dois centímetro maior, e pareceram se detestar de primeira. Naruto apagou o sorriso, Sasuke franziu o cenho.

- E quem é você?

- Eu poderia te perguntar a mesma coisa, hu-

- Sasuke-kun! Esse é o m-meu, ahn... Primo! – Hinata interrompeu freneticamente colocando-se na frente de seu familiar e na linha de visão de Naruto de novo, o rosto corado fora completamente despido de sangue pela urgência de precisar mentir. – Sasuke-kun, um primo do interior que veio passar o recesso de inverno conosco... – Ela virou-se brevemente para observar Sasuke por cima do ombro. Ele levantou uma sobrancelha para ela, mas não tentou desmenti-la. – E este é Naruto-kun, meu colega de classe.

Olhos ônix e azuis voltaram a se encarar sem quaisquer palavras. Hinata definitivamente não queria saber que tipo de batalha silenciosa estava sendo travada ali durante aqueles tensos segundos.

O celular de Naruto apitou dentro do bolso do grande casaco que ele usava – Hinata sabia que aquele só podia ser o celular do loiro porque ele era o único que sempre esquecia de colocar o aparelho no modo silencioso durante a aula. Ele interrompeu o contato visual para sacar o artigo do bolso e ler a mensagem que apareceu na tela bloqueada.

- O pessoal está na metade da fila, preciso pegar a cidra e voltar pra lá. – Naruto guardou o celular no bolso e voltou-se para Hinata uma última vez. – Feliz Ano Novo, Hinata-chan, nos vemos na escola!

- Feliz Ano Novo, Naruto-kun. – Respondeu a moça com uma breve mesura e Naruto se foi sem nenhuma outra palavra ou olhar para Sasuke.

Hinata podia sentir que seu familiar estava irritado, ele estava quase lhe dando dor de barriga através da ligação.

Antes que pudesse falar com ele, contudo, Sasuke era um gato de novo. Ele subiu em seu ombro e colocou-se aninhado entre seu haori e o cachecol de caxemira que usava.

A Hyuuga deu uma rápida olhada em volta para verificar se ninguém tinha visto que em um momento tinha um rapaz ao seu lado e no momento seguinte tinha um gato em seu ombro, mas as pessoas eram certamente mais autocentradas do que Hinata lhes dava crédito.

- Nee-san!

Havia muitas pessoas chamando por ela naquela noite.

Hanabi vinha correndo em sua direção, seguida de Neji e Hiashi. Sasuke não estava apenas dando desculpas à Naruto quando dissera que sua família tinha terminado a visita. Sua irmã mais nova tinha o papel de sua fortuna aberto para que Hinata pudesse avistar imediatamente os kanji de "grande sorte" escritos no topo.

- Você já tirou sua sorte? O que é?

- Eu ainda não abri. – Hinata se esquecera daquilo até então. Tinha amassado o rolinho de papel com força entre os dedos quando Naruto a chamou de repente e continuara amassando-o pela duração da conversa.

- Argh, nee-san, como você é devagar.

Hanabi esperou que sua irmã mais velha conseguisse desamassar e abrir o papel. Seu pai e irmão já tinham conseguido alcançar as duas quando Hinata finalmente revelou as palavras de sua fortuna.

- Credo! – Hanabi exclamou e colocou um feitiço purificador sobre si mesma imediatamente. Até Neji e Hiashi pareceram recuar um pouco para longe da moça e Hinata sentiu-os colocando feitiços purificadores também.

Aquilo não era nada bom.

Os grandes kanji do topo liam o pior tipo de destino que a filha do meio dos Hyuuga podia esperar em seu futuro.

"Grande azar".

- Hinata, vá amarrar sua fortuna na árvore e nos encontre no carro quando acabar. – Hiashi instruiu. Quem tirava fortunas que diziam boa sorte podiam leva-las para casa, mas para as fortunas de azar, era melhor que o papel fosse amarrado em algum lugar designado no terreno do templo para ser purificado e queimado na esperança de que aquele destino não se realizasse. – E se purifique antes. Talvez mais de uma vez.

Feiticeiros eram naturalmente supersticiosos, era óbvio pela quantidade de oráculos que eles podiam utilizar para ler a sorte e os caminhos: cartas de tarô, pedras preciosas, conchas, cristais, ossos, borra de chá, papeis da sorte de templos, por isso sua má sorte seria interpretada com a maior seriedade possível por sua família.

- Tch. – Sasuke abrira os olhos da posição em seu ombro e encarava o papel nas mãos de Hinata. Ele era o único que parecia indiferente com o que dizia ali. – Como se você pudesse ter azar tendo a mim como seu familiar.


Os Yamanaka tinham uma grande propriedade ao sul da cidade, com uma casa de fazenda, celeiro e até alguns animais de criação, embora não morassem todos ali. As terras se estendiam por algumas plantações de flores, o negócio principal da família, até uma área preservada de árvores e mata intocada. Era lá dentro, na maior clareira, que as reuniões do coven aconteciam cerca de oito ou nove vezes por ano, a depender das celebrações e dos rituais.

A clareira tinha sido enfeitada com luzes e tochas, altos fogareiros no topo de postes de metal ao redor o tempo todo retocados por feitiços para mantê-los acesos no frio da noite. Alguns dos feiticeiros gostavam de embeber seus feitiços em aromas ao lança-los nas chamas para que flutuassem entre os outros, como velas perfumadas.

Naquele ano os Yamanaka tinham espalhado vasos vazios também ao redor da clareira, ao pé dos fogareiros, mas Ino se recusara terminantemente a explicar a finalidade deles quando Temari insistira em saber, ela disse que ia estragar a surpresa.

Havia uma grande mesa com mais comida do que eles seriam capazes de consumir em um lado e músicos do outro; havia crianças correndo e pessoas rindo; havia familiares novos e familiares tão antigos que só queriam dormir nas várias cadeiras e troncos caídos colocados estrategicamente para não atrapalharem os passantes. Havia calor, frio, névoa, aromas, riso, sereno no ar. Todos aqueles podiam ser ingredientes de magia e era o que fazia uma noite como aquela especial.

- Eles enfeitiçaram os copos este ano de novo! – Ino veio pisando duro até onde Hinata estava parada ao lado de um fogareiro que ela acabara de reforçar e que agora exalava um cheiro reconfortante de rolinhos de canela. – Era de se esperar que eles confiariam um pouco mais na gente a essa altura.

Todos os anos desde que conhecia Ino ela tentava beber mais vinho do que a meia taça designada para os jovens. Ela conseguira uma vez, três anos atrás, o que fizera com que os mais velhos passassem a enfeitiçar os copos para que o conteúdo se transformasse em água quando um menor de idade o tocasse. Eles agora só tinham permissão para sua dose após o fim dos rituais da meia-noite.

- Eu até trouxe o meu próprio copo desta vez e ele também sumiu com o vinho! – A loira olhou para dentro da xícara de chá, mostrou-a para Hinata e ainda a sacudiu de ponta cabeça algumas vezes, como se aquilo fosse fazer com que o feitiço cedesse à força da gravidade, sumindo com o utensílio com um floreio quando nada aconteceu. – Temos idade para ter familiares, mas não para beber mais vinho, injustiça!

Hinata não avistou o familiar de Ino, um fofíssimo porco-espinho miniatura, mas avistou o de Temari assim que ela se aproximou, a doninha cor de areia estava enrolada em seu pescoço como um cachecol, devia ser quentinho.

- Ah, Hinata, você soube? – Temari trazia um prato cheio de espetinhos de frango. – Lembra aquele botão de rosa de vidro que Ino deu a Gaara na celebração do Alto Verão?

Hinata corou involuntariamente, não porque estava embaraçada, mas pelas memórias íntimas que aquele dia proporcionava. A celebração do Alto Verão era estritamente dos feiticeiros, não era concomitante com nenhuma das datas comemorativas dos humanos comuns, porque era celebrada quando os oráculos apontavam para o dia mais quente do verão e não fazia com que a magia flutuasse quase visível na atmosfera. Era também apenas para os jovens dos 14 aos 19 anos e consistia em muita dança, suor, toques próprios, toques impróprios, promessas e juras, declamações de músicas e poemas, jogos e diversão. O Alto Verão era tão quente que fazia a magia em suas jovens veias correr abrasadora e afrodisíaca. Era um dia em que muitos casais se formavam das maneiras mais interessantes.

A moça se lembrava da rosa. Ino tirara uma flor de seus cabelos enquanto dançava com Gaara, assoprara nela e a estendera ao jovem feiticeiro de olhos aquamarine com um grande sorriso. A rosa virou vidro quando Gaara a aceitou, fechando-se em um lindo botão de um azul translúcido igual os olhos de Ino.

Lembrava-se da risada gostosa da Yamanaka quando Gaara guardou a rosa com um feitiço, ele mesmo tinha flores no cabelo e nas roupas leves, e segurou ambas as mãos da moça loira para que continuassem a dançar.

- Ela desabrochou no dia em que Ino fez 16 anos.

- Ino-chan! – Hinata corou dessa vez pela atitude progressista da amiga. – Vocês ainda são muito jovens para ca-casamento!

- Eu sei, eu sei, Hinata, relaxa. – Ino abanou a mão e pegou um dos espetinhos do prato de Temari antes que a outra loira conseguisse proteger sua comida. – É uma promessa de verão, você sabe como elas são.

- Sim, mas Gaara-kun...

- Está tudo bem, nós conversamos.

Ino parecia calma com a situação de ter se oferecido em casamento para Gaara. Não era incomum entre os seus, mas certamente não era bem visto entre a sociedade em geral que jovens de 16 anos se casassem.

O principal elemento das magias de Ino era a terra, mas ela não a usava como os outros magos, firmes no chão. Ela era mais como as flores belas e efêmeras na primavera, voando por todos os lugares como o pólen. Gaara era do ar, intenso e raro em suas emoções como uma tempestade de areia no deserto. Eles estavam circulando ao redor um do outro desde crianças, fazendo promessas mudas desde o primeiro Alto Verão em que participaram. Hinata não tinha dúvidas de que iriam acabar juntos.

- Vamos sair um pouco primeiro, ver se dá tudo certo. – Ino sorriu para a morena, confiante. – Sabe como é, tentar o jeito dos humanos normais.

- O jeito dos humanos normais é devagar demais.

- Bem feito pra você por ter escolhido um preguiçoso!

Hinata sorriu, mas achou melhor não contribuir para aquela discussão limitando-se a se afastar com a desculpa de que iria buscar mais chocolate-quente.

- Atenção, pessoal! Falta um minuto para meia-noite, vamos todos preparar os feitiços de fogos, por favor! – O pai de Ino fez com que sua voz reverberasse entre os presentes que se apressaram para o centro da clareira, juntando-se em um grande grupo.

Tanta magia...

A moça pausou com a mão sobre a garrafa térmica de chocolate, achava ter ouvido uma voz como um sussurro no fundo de sua mente.

Energia desperdiçada...

Hinata virou-se, mas não tinha ninguém atrás dela. Os membros do coven estavam afastados da mesa de comida preparando-se para celebrar a passagem do ano, ninguém mais parecia estar ouvindo a voz.

- Oi, bruxa, o que foi? – Sasuke não tinha saído da posição em seu ombro.

- Você ouviu...

Isso mesmo, você não é ninguém, você não tem ninguém...

Hinata se lembrou de Hermione Granger, sua personagem bruxa favorita, e a fala bastante verdadeira de que "mesmo no mundo da magia, ouvir vozes não é um bom sinal".

- Quem disse...

Pule, ninguém irá sentir sua falta...

- Não!

Pule! Você não merece felicidade!

- Dez! – O coro da contagem regressiva começou.

- Bruxa!

Hinata se dobrou sobre si mesma, ambas as mãos apertando a cabeça. Sasuke pulou de seu ombro para o chão quando começou a sentir a confusão, tristeza e frustração que emanavam de sua bruxa através do laço. Sua cabeça felina pulsava, ele sentia a ameaça, mas não conseguia entender de onde ela vinha.

- ...cinco, quatro, três...

Tirar sua própria vida é o único ato de coragem que você irá realizar.

- Não...

Queria se transformar, mas a energia de Hinata estava errática, dançando por todos os lugares como uma enchente, e Sasuke não conseguia focalizá-la o suficiente para ser útil para ele. Sua bruxa parecia estar ouvindo alguma coisa em sua mente do jeito que segurava a cabeça e repetia negativas.

A ligação emanava tanta angústia que era difícil respirar.

- FELIZ ANO NOVO! – O coven irrompeu em vivas e palavras de felicidade em meio aos fogos de artifício feitos com magia. A surpresa dos vasos vazios é que eles se encheram de flores multicoloridas, uma metáfora de renovação, o que encheu o ambiente de um aroma doce.

- Sasuke... – A voz de Hinata estava tão baixa e ruidosa que mesmo com suas orelhas felinas o youkai teve dificuldade em ouvi-la. Ela tinha os olhos firmemente fechados com lágrimas escapando por entre os cílios mesmo assim. - ...acho que... acho que acabei... de ouvir alguém morrer...


Preto no Branco, capítulo 3 – 22/05

Perdão, estou atrasada.

Este capítulo é um oferecimento de vários episódios de Inuyasha, Mahoutsukai no Yome e As Arrepiantes Aventuras de Sabrina.

Tilim :)