Belle.

Ela, aquela sereia quieta.

De seus lábios eu ouvia ondas. Ferinas prosas como o mar e doces troças como seu profundo viajar.

Era a luz do pôr-do-sol e ela não me deixava enxergar. Era a brisa do fim de tarde e ela não me deixava respirar. Era a areia quente sob meus pés e ela não me deixava andar. Então cego, sem fôlego, estático, me transformei em algum detalhe esdrúxulo do cenário dela. Palmeira, coqueiro e mim. Nem mais a ínfima diferença, nem a questão de notar.

Tinha entre os dedos os segredos e o sorvete. Deixava-os escorregar pelas unhas ruídas, pingando-os na pedra e deixando-os ali para dourar. Estendi a mão tola, o vento veio me esbofetear. Como um mais repreendendo um menino e lhe dizendo que ali ele não deveria tocar.

Porém, como meu pai nunca obedeci, ignorei os sinais e meus passos tímidos dei em direção aquela pintura. E na pintura, havia os cabelos.

Que ironia, eles eram ondulados e ondulavam. Eram castanhos e cantavam para eu me afastar. Como o tolo marinho que se encanta, eu me encantava, fechava os olhos e pensava. Porque o proibido tanto me atenta? Que mais de mim quer tirar? A alma já perecia ali, naquela rocha, estirada sob ela, vivendo dela e morrendo por ela.

Da dramaticidade voltemos à inocência. E nada mais inocente é que aquele chapéu perolado pulando de sua cabeça e pipocando em direção ao mar. Ela ergueu-se, não alarmada, divertindo-se daquela brincadeira.

E por entretê-la ainda mais, corri para buscar o apetrecho. A calça branca na água batia e eu ia, ria, queria que ela percebesse que até seu mais minúsculo cílio eu buscaria, se isso a agradasse.

O chapéu eu mantive em braços como se fosse meu tesouro. Voltei-me e lá estava ela.

Seu sorriso, o verde do olho, o rosa da bochecha e mão que se estendeu.

Demorara dez anos para aquele momento. Se eu devolvesse o chapéu, ela agradecia, ela se ia, o sonho de uma década simplesmente partia. Porém, se eu não devolvesse, ela não ia, o chapéu não era meu, quem dera fosse, mas se não me pertencia, eu teria que devolver. E naquela luta silenciosa, o correto venceu o impossível e eu estendi o chapéu em sua direção.

"Não, tolo. Dê-me sua mão".

Como se a voz fosse o som que um surdo nunca ouvira, eu olhei-a sem ação, nas margens da loucura e do devaneio.

"Vamos caminhar?".

De imediato lhe tomei os dedos fracos, o chapéu até voou novamente. Poderia arriscar-me a brincar com ele, porém a brincadeira envolvida agora era a de tê-la ao meu lado.

O suave do mar e o suave do céu que insistiam em aparecer, mesmo eu não podendo vê-los.

Lembrando-me que a beleza tinha nome e tinha dona. E que nem que seja por um segundo, a sereia quieta tocara-me e levara-me para onde as palavras que deveras escrevi não pudessem mais me aborrecer.

Apenas me enlevar.


Não deu nem duas páginas no word :D
Mas eu gostei. :D

Ah, sim.

Sakura e Syaraon.
Música : Belle . Jack Johsson