01.

-Hei, Loki... essa chuva não pára tão cedo.

O menino deus se virou para as largas janelas de seu escritório, querendo confirmar com os olhos o ruído ensurdecedor daquela chuva que se estendia desde à tarde. E já eram quase dez horas.

-Acho que Narukami-san tem razão, Loki-sama. Talvez seja melhor acomodar todos aqui mesmo por essa noite.

Loki suspirou, sua atenção correndo até os ruídos da sala ao lado, onde Mayura ainda assistia aos vídeos de seus programas de humor. Uma risada eufórica da menina parecia sobressair contra os trovões. Ele sorri. O mundo podia acabar e ela nem se daria conta, rindo daquele jeito.

-Hai. Você está certo, Thor. Embora pudesse fazer algo a respeito.

Loki o olhou de soslaio, com uma das sobrancelhas arqueadas.

-Nem pensar, Loki! Sou um deus da Justiça, não da chuva! Há uma razão para estar chovendo e eu não vou me intrometer no que a mãe Natureza decide.

Loki deu de ombros, sorrindo.

-Se é assim, Yamino-kun, prepare mais dois quartos para nossos hóspedes.

Yamino pareceu hesitar um instante, então sorriu amarelo.

-Gomen ne, Loki-sama... - o deus serpente coçava a nuca, corando levemente - como nunca recebemos hóspedes, eu usei a maioria dos quartos para guardar os objetos do sótão, enquanto termino a reforma esta semana. Já que Loki-sama não vai mais usá-lo para guardar youkis, nós decidimos esvaziar aquele espaço...
-... antes que Mayura caísse lá por acaso e visse uma torre em forma de espiral sem nenhuma utilidade. Sim, eu me lembro, Yamino-kun. Não se importe com isso. Daremos um jeito. Quantos quartos ainda temos?

-Além dos de cada um, mais um de hóspedes.

Loki coçava o queixo, quando um forte trovão pareceu fazer tremer toda a mansão. Por um instante, a luz piscou, fazendo Mayura soltar um grito. Ela saltou do sofá, correndo até a porta aberta do escritório, no exato momento em que a luz voltou.

-Mayura!

A menina olhava para os três ali parados, com os olhos trêmulos e nervosos.

-Loki-kun... essa chuva não vai parar?

Ele sorriu levemente, tentando acalmá-la.

-Parece que não tão cedo, Mayura. Mas tudo bem. Apenas ligue para o seu pai e avise que vai passar a noite aqui.

Ela pareceu não entender, por algum momento, o convite de Loki. Ela piscou, fitado Yamino e Narukami.

-Mesmo? Mas e a reforma de Yamino? Ele não ocupou todos os quartos?

-Hai, Mayura-san. - sorriu Yamino, com uma gota na cabeça.

-Não se preocupe, Daidouji! Eu durmo no sofá e você fica com o quarto de hóspedes.

O deus trovão sorriu, se jogando no sofá.

-Tadinho do Narukami-kun! Ele vai ficar com dor nas costas e não vai poder trabalhar amanhã! Eu já estou mais acostumada com o sofá! Afinal, eu quase sempre tiro um cochilo aqui depois da escola!

-Mas Daidouji... como um cavalheiro eu não...

Mayura empurrou o pobre deus do sofá, lhe mostrando a língua como resposta. Numa coisa ela estava certa: Ele estava exausto naquele dia, o novo trabalho de entregas era pesado e no dia seguinte não seria diferente. Sorriu, meio sem jeito, e acabou cedendo.

-Hunf... se você quer assim, Daidouji. Mas podemos trocar a qualquer momento durante a noite, se você quiser.

-Hai hai... não se preocupe comigo! - ela sorriu, entusiasmada.

Loki a olhou com certa desconfiança. Provavelmente ela estava querendo mexer no escritório dele de novo. Mas de repente, se sentiu mal com seus próprios pensamentos. Depois do episódio com o colar de Brisings, Mayura nunca mais tentara fazer nada para descobrir o que quer que fosse sobre ele e seus mistérios. Ela só estava tendo ajudar Thor.

-Yamino-kun, leve Narukami para o quarto dele, e por favor avise o pai da Mayura que ela vai ficar aqui. Eu vou buscar algumas cobertas para ela.

-Ah, hai, Loki-sama. Mais alguma coisa?

Ele sorriu para o filho. Fenrir roncava sobre o tapete, alheio a tudo, e Eechan já soltava os primeiros bocejos sobre sua cabeça.

-Leve Fenrir e vá dormir você também. Eu cuido de acomodar Mayura.

Yamino sorriu de volta, os olhos mareados pelo sono. Thor colocou sua espada de madeira sobre os ombros, soltando um largo bocejo.

-Bem, então, boa noite a todos! Loki, Daidouji... - disse, caminhando junto a Yamino até a porta, - Cuide bem dela, Loki!

Loki levantou uma das sobrancelhas, em resposta.

-Boa noite, Loki-sama e Mayura-san. Me chamem se precisarem de algo.

Mayura sorriu para os dois, sem entender a 'piada' de Narukami.

-Obrigada, Yamino-kun! Descanse bem! Boa noite Narukami-kun!

-Konbanwa! - respondeu Loki, saindo de sua mesa.

Mayura esticou as pernas sobre o sofá, ainda sentada, olhando para o menino de 10 anos à sua frente.

-Hun... Loki-kun.

-Hai?

-Desculpe todo o problema... eu não queria incomodar.

Loki sorriu. Como havia pensado. Ela só quis ajudar Narukami-kun.
O que não descartaria, lógico, da eminente possibilidade ela acordar no meio da noite com sua curiosidade palpitante. O que parecia não o incomodar agora. Como se, talvez, ele quase desejasse que ela o pegasse, o descobrisse.

-Não se preocupe, Mayura. Não é incomodo algum. - sorriu, se dirigindo até a porta - Vou buscar umas cobertas para você. Tente ficar a vontade.

A porta se fechou atrás de si. Mayura suspirou, olhando a janela. Luzes riscavam o céu com ferocidade. Ela se encolheu entre os joelhos, olhando para outro ponto qualquer no chão. Mais um trovão, invadindo a sala com luz e som. Ela se apertou ainda mais, soltando um grito fino no fundo da garganta. De repente, um rugido surdo e mórbido. Ela se abraçou à almofada do sofá, fechando os olhos com força. O barulho aumentou, e ela o reconhece. É a porta abrindo! Sem pensar, ela atirou a almofada contra a porta.

-Itai!

Mayura abriu um olho, reconhecendo aquela voz.

-Loki-kun!

Lá estava o deus menino, com uma almofada na cara. Ele esfregava o nariz, numa dor mais manhosa que real. Aquele olhar preocupado
dela simplesmente o fascinava.

-Loki-kun, gomen ne!

Ele sorriu, a fitando por alguns segundos. Ela tremia sob a roupa, os olhos fugindo dos relâmpagos inutilmente.
Ele soltou o ar lentamente, voltando com um olhar sério para a menina.

-Você não vai conseguir dormir aqui sozinha , não é?

-Hun... - Ela abaixou os olhos, envergonhada.

Ele ia se virar até a porta, quando sentiu o olhar da menina arregalar-se sobre ele.

-Loki-kun... aonde vai?

-Buscar uma coberta para mim também. Tem outro sofá aqui.

-Iie!

Loki a fitava, esperando algo mais que aquela negação.

-Ano... Loki-kun pode dormir na sua cama... eu.

Ele suspirou.

-Não vou deixar você aqui sozinha, morrendo de medo, Mayura. Espere aqui.

-Iie! Eu vou com você!

Loki caminhou até seu quarto, abrindo a porta. Havia um enorme armário, uma escrivaninha pequena de um lado da larga cama de casal e, do outro, um criado-mudo com abajur e um livro largado sobre ele.

-Oh! Sugoi!

Loki sorriu. Ele gostava muito de seus aposentos.

-É a primeira vez que entra aqui, Mayura?

-Ah, hai. - ela responde, corando.

-Bem - ele sorri, infantilmente - então é a primeira pessoa que trago aqui, depois de Yamino e Fenrir-kun.

Mayura sentiu a face arder, de tão vermelha. Ela voltou os olhos para outro lado, observando melhor o quarto. Por que um menino de 10 anos tem uma cama de casal tão grande?
De repente, uma idéia iluminou sua cabeça.

-Loki-kun! Já sei o que podemos fazer. Podemos nós dois dormir na sua cama. Ela é bastante grande para nós dois, já que você é bem pequeno!

Mayura sorria, contente com sua brilhante idéia. Claro que Loki não havia gostado nada da parte do 'pequeno', mas enfim, aquilo era melhor que o sofá do escritório.
Mas um pensamento se formava no fundo da sua cabeça: Mayura era muito tímida e até inocente em certos assuntos... mas dormiria na mesma cama que ele, sem pudor.
Ele apertou os olhos, um pouco contrariado. Alguma coisa nisso não o agradava, de forma alguma. Ele era um homem - ou um deus homem - dentro daquele corpo de menino, e ela nunca enxergaria isso. Sorriu para os olhos rosados que ansiavam uma resposta, refazendo seu pensamento. Podia estar perto dela. E isso o fazia feliz.

-Ah! Arigatou, Loki-kun!

A menina o abraçou, sorrindo.
O cheiro dela, por um instante, pareceu fazer parte do quarto há séculos. Aquilo bastava.
Toda razão dele estar ali, sorria para ele, com os olhos baixos e sonolentos.