Os olhos grandes e rosados, pedindo, chamando, com um meio sorriso nos lábios, na mistura exótica e graciosa de seu amor e sua tristeza. Com os braços esticados sobre ele, e mãos, ah, tinha as mãos, tocando leves mas precisas sobre a nuca, remexendo os fios finos de seu cabelo, brincando com a razão tão pouca do deus trapaceiro.
O corpo se inclinava sozinho, se deixando cair suave sobre o dela, como se temendo um desconforto qualquer de seu próprio peso. A pele se deixava sobre a dela, quase que instintivamente. Lábios, pousando indecisos e fracos, como se levados, inconscientes, pelo ritmo lento daquele cair sobre ela, por ela, nela.
Ele a toca nos lábios, num beijo mudo e lento.
A boca macia, deixada então num imenso longe dentro daquela pequena distância de pele, sussurrava coisas indizíveis e fracas. Ele não tem mente, nem voz, só tem o corpo, o sábio corpo, inquieto, insensível, tremendo de medo embaixo daquelas mãos macias, e queimando, como nunca um homem poderia amar uma mulher, mas como deuses amam deusas.
Ela repete as palavras lentas, inaudíveis, soprando sobre suas orelhas. Ele larga sua pele contra a do pescoço dela, roçando, como um menino buscando abrigo e colo, infantil e perverso, com os lábios deslizando sobre a penugem crua dela.
Ela murmura um som leve em seu ouvido, já sem intenção alguma de se fazer entender. Ele sente as mãos se apertarem contra o corpo dela, contendo seu arrepio, e provocando outro no corpo oposto, as costas se arqueando contra ele, barriga, seios e braços em torno dele num segundo preciso e interminável.
Ele urra baixinho, entre os dentes, fechando os olhos com força, pousando as mãos por debaixo da peça de roupa. Os dedos correndo pelas costas, furiosos e fortes, mas tremiam, nervosos, como os de um menino.
Nos braços dela, o deus da trapaça não era mais que um menino.
-Loki, porque você ainda está assim?
As mãos pararam sobre as costas, imóveis,prendendo a pele com força entre os dedos. Ele levantou os olhos, trêmulos e espantados, para o olhar calmo da menina sob si.
Ela inclinou de leve a cabeça, sorrindo.
-Você sabe que me sinto mais feia com você assim.
Feia!... como se no mundo houvesse um sequer olhar que encontrasse nela um instante, um sopro de tempo em que pudesse ser feia.
Ela apertou os olhos, o encarando, seu sorriso desaparecendo aos poucos. As mãos continuavam sobre a nuca do menino, os dedos congelados sobre a pele fina e sensível. Ele abriu a boca, ensaiando uma pergunta, da qual palavras sequer conseguiam sair da sua boca.
Repetia para si, num mantra falhado e impreciso, de que aquele era apenas um sonho da ningen. E ele, como um deus, poderia manuseá-la e dar-lhe a forma que bem quisesse! Poderia sim, entrar na mente dela, vasculhar suas palavras e sentidos, e entender porque aquele sorriso que ele tanto almejava havia desaparecido.
Mas nada vinha.
Ele ali também sonhava, tanto quanto ela.
Uma mão se desprendeu de sua nuca, correndo até a boca da dona, que se virava de lado, guardando os olhos sôfregos num canto qualquer do travesseiro.
-Não que... que mude o que... só... parece menos errado, quando você não é uma criança.
Ela se apertou ainda mais contra si mesma, debaixo do corpo do menino.
Loki a olhava, estático e atônito, os olhos arregalados vagando pelo corpo dela inertes a si mesmo, com aquelas palavras atravessando sua corpo e mente como se fossem de éter. Num vago instante, ele se virou para o lado, a parede antes branca e pálida como nuvens, transparecia como vidro, refletindo sua imagem como um espelho.
A sua imagem real.
A imagem de Kakusei Loki, o deus do Ragnarok.
Ela... sabia?
Como? Dentro dela, naquele mundo inconsciente que ela não se deixava abrir durante o dia, ela sentia, sabia do verdadeiro Loki dentro dele!
As dúvidas, as curiosidades... talvez uma intuição?
Ele abaixou os olhos, e um misto de alegria e medo brotou em seus lábios, enquanto sentia seu corpo transmutar.
Não importava, nada importava.
Ela sabia. E isso era tudo que ele jamais pôde sonhar.
-Mayura.
Ela se virava lenta, os olhos espremidos o fitando de canto. Uma mão contornava as linhas do seu rosto, preguiçosamente, enquanto sentia um braço forte agora lhe envolver a cintura.
Os olhos abriram-se mais, num pulo, e ela se voltou para ele, com um sorriso.
-Me desculpe. - ele sussurrou.
Os lábios pequenos da menina se abriram largos, num sorriso inquieto e travesso, os olhos voltando à sua vivacidade interrupta.
Inclinou-se sobre ela, a beijando uma segunda vez, a boca mais atrevida e ávida, como se precisasse tomar fôlego entre aqueles lábios. Ela solta um sim abafado dentro sua boca, se deixando invadir ainda mais no beijo.
O cheiro suave de sua lavanda o impregnava além do sonho, até quase tocar sua pele.
