Mayura saiu da escola, os olhos ainda vermelhos e secos do choro preso durante todo o dia. Ela levou um susto ao ouvir o sinal, e saíra correndo, assustada. Ouvia os passos de Narukami e Koutarou atrás de si, a chamando.
Virou-se e tentou roubar de si o seu melhor sorriso. Em vão.
-Gomenasay, meninos mas... eu... eu tenho pressa hoje. Ja!
Virou-se sem dar-lhes tempo de resposta, correndo em direção oposta ao seu caminho habitual. Não iria para casa de Loki hoje.
Talvez sequer fosse para a casa dele nunca mais.
Ela não passava de uma garota imunda.
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Fenrir arranhou suas unhas na porta mais uma vez.
-Daddy.
Parecia inútil. Nada tiraria o deus trapaceiro de seu quarto. Nem mesmo um berro, uma exclamação saía de dentro dele. Nada.
Nem mesmo o Ragnarok teria sido tão cruel ao deus quanto aquele amor perdido pela mortal. E seria ainda mais dramático, se Loki não fosse esperto o bastante pra se lembrar de que, ao contrário dele, Mayura não era imortal... e o tempo, pra ela, passava rápido demais.
Grunhiu mais uma vez, já sem esperança, para a porta trancada.
Se seu pai preferia esperar o tempo desabar sobre ele e Mayura, Fenrir ia ter que agir por si próprio. E assim foi, correndo escada abaixo, atrás da menina mistery. Onde ela poderia estar? Só tinha um jeito de achar.
-Ow!Vai com mais calma, baixinho!
Fenrir rosnou um palavrão qualquer, passando por Narukami. Parou sua corrida, quando deu por si uma pista.
Meteu o focinho nas canelas do deus trovão, tentando identificar um leve perfume que vinha dele.
-Ei! O que você está fazendo, Fenrir!
Yamino chegou à sala de estar, justo para ver a cena de seu irmão mais velho pular no colo do pobre Thor o atacando com seu focinho por todo o corpo.
-Onii-san!
-Há! - ele latiu, e saltou para fora, saindo dali correndo sem dar explicação.
Yamino tentava conter um riso nervoso na cara de Narukami, sem muito sucesso.
-Nem ouse, Megane.
-Me... me desculpe, Narukami-kun! Mas eu... haha... eu não sabia que você e onii-san eram tão... tão... íntimos! - e caiu na gargalhada com a última palavra.
O jovem deus ajeitou o uniforme da escola, os olhos irritados em direção de Yamino.
-Ok, ok, venha, Loki-sama ainda não desceu, e não acho que isso vá acontecer logo. Ainda sim, eu preparei bolo e chá. Vamos comer e aguardar.
-Hun, hai.
Thor resmungou, acompanhando Yamino até a sala de jantar. Um bom pedaço de bolo o faria esquecer aquela cena trágica.
/
Quando Fenrir parou de correr, se viu de volta àquele parque onde Mayura o havia encontrado pela primeira vez. Não era nem no caminho do templo onde ela morava, nem da mansão de seu pai, Loki. Com certeza, a menina também não queria ser achada ou incomodada.
Caminhou um pouco mais adentro entre as árvores, seguindo o leve cheiro da menina. O cheiro dela na roupa de Narukami o havia ajudado a se lembrar. Não que fosse difícil, já que ele a sentia por toda a casa todos os dias... mas hoje era diferente. Ele havia sentido um cheiro diferente vindo dela. Um aroma a mais.
Quanto mais próximo se aproximava dela, mais esse cheiro se intensificava.
E não era o de lágrimas.
-Quem está aí?
Ele se encostou à sua perna, saindo de seu esconderijo entre as moitas. Ela o olhou, um sorriso que a feria por dentro tentando se abrir. Fenrir latiu, como se ela pudesse entender que ele apenas queria entender o que estava havendo.
Mayura o pegou com as mãos, o abraçando junto ao colo.
Ela olhou para os lados, se certificando de que não havia mais ninguém. Ele latiu uma vez mais, desejando que ela entendesse sua resposta.
-O que faz aqui, perdido?
Ele grunhiu, em vão. Ela não entenderia como Loki estava triste. Fenrir se pôs a pensar. Achar a menina mistery fora fácil, agora como faria ela se acertar com seu pai? Como a faria entender que, o que quer que tenha acontecido entre eles, não poderia ser mais terrível que a tristeza que desolava o coração do deus trapaceiro?
-Loki... Loki nem veio me procurar, não é?
Fenrir levantou seus olhos para fitar a menina. Ela não o olhava, se deixando observar uma folha qualquer entre as árvores, os olhos vermelhos e mareados de lágrimas.
-Por que ele viria? Eu fui tão má... e ele deve saber agora. Eu não sei como, mas ele sempre sabe.
Então ela se virou para o cãozinho em seu colo, as lágrimas caindo fartas sobre seu sorriso.
-Loki-kun sempre sabe mais de mim que eu mesma.
Fenrir pôde ouvir um soluço na palavra -kun ao final do nome de seu pai. Por que doeria tanto para Mayura usar um apelido que ela mesmo dera a ele? A forma mais gentil que ela sempre frisava a figura de menino que Loki lhe passava.
A menos que...
Fenrir arregalou os olhos, silencioso, quando ela voltou a falar.
-Eu sei que Loki não é um garoto normal. - ela riu, abaixando os olhos que se fechavam com força - Eu nem sei se ele é humano ou...!
Mayura se agarrou ainda mais forte ao cachorrinho, os soluços fartos saltando de seu peito, as lágrimas jorrando sobre o seu pelo marrom.
Ela balançava a cabeça negativamente, ainda soluçando.
-Não! Ele... ele é só um menino, não é? Só um menino que tem... quando os olhos dele ficam vermelhos e... quando eu sonho com ele, ele se parece com o deus que eu encontrei no parque. Como aquele me trouxe Loki-kun de volta.
Mayura olhava para dentro dos olhos de Fenrir, como se pudesse enxergar dentro deles alguma resposta para suas dúvidas.
Mas não enxergava.
-Eu sei que Loki-kun não é que ele mostra ser.
Ela sorriu, triste, os olhos marcados pelas lágrimas já secas.
-E sei que, talvez, eu nunca venha a saber quem ele é de verdade.
Ela fez menção de se levantar, fazendo com que Fenrir saltasse de seu colo. Ela se ergue, os cabelos cobrindo um pouco do seu rosto.
-Mas isso não me dá o direito de ser uma covarde!
Fenrir arregalou os olhos diante da ningen.
-O fato de eu estar confusa não me dá o direito de fugir do Loki-kun! - ela olhou para o cãozinho, limpando o rosto com as costas da palma das mãos. - E talvez eu esteja apenas... só... talvez eu só queria que Loki fosse o rapaz do parque... e eu não me sentiria mais tão boba com todos os sentimentos que tenho em mim.
Ela sorriu, agora mais leve, para Puppy-kun.
Abriu os braços, acomodando o pequeno cãozinho em volta deles.
-Vamos, Puppy-kun. Eu vou te levar pra casa e pedir desculpas ao Loki-kun.
Fenrir latiu, concordando.
Ele se deixou aninhar no colo de Mayura, pensativo. A ningen sabia, de alguma forma, que Loki não era um menino. O que o deus trapaceiro tanto desejava havia acontecido! Mas como! Fenrir abriu os olhos de repente, aturdido. Aquele cheiro ainda dançava pelo corpo da menina, como se tivesse se colado a ela, preso aos menores detalhes de seu corpo, saltando dela tão minuciosamente quanto um segredo íntimo.
Aquele leve cheiro que toma espaço como posse e se apega ao corpo de uma mulher.
E aquele cheiro era de Loki.
Não demorou, e ela logo abriu o portão da Enjaku Detective Agency. Atravessou o jardim e se dirigiu à porta, largando ao chão o nobre cãozinho que já latia, anunciando sua chegada.
Yamino e Narukami, que ainda esperavam por Loki, a receberam de olhos espantados. E ainda mais ficaram, quando viram a menina cumprimentá-los rapidamente e logo dizer:
-Eu preciso falar com Loki-kun.
-No quarto, Mayura-san. Mas sinto dizer que ele não está se sentindo...
Yamino foi interrompido com uma mordida em sua canela de um furioso irmão mais velho. Ele tremeu ao olhar de Fenrir, como se estivesse cometendo um erro gravíssimo, mas que passou desapercebido pela jovem, que já se encontrava subindo as escadas.
-Obrigada, Yamino-kun.
Quatro pares de olhos - contando com Ecchan - seguiram os passos silenciosos da menina em direção do quarto. Ela bateu na porta. Sussurrou. O que ela disse nenhum deles jamais pôde ouvir, mas apenas ouviram o som da porta do quarto do deus trapaceiro se abrir, e logo se trancar, num instante.
O jeito era esperar, mais uma vez.
