Disclaimer: read chapter 1.
Precisando de um amigo
Capítulo 7
Os dois estabeleceram uma rotina muito agradável naqueles últimos dias. Logo pela manhã, eles saíam para explorar os arredores, de vez em quando se deparavam com algum cervo ou coelho pelo caminho; à noite eles jogavam bilhar ou cartas. Às vezes eles iam com o carro alugado até Londres para fazer compras ou jantar, ou mesmo para ir ao teatro. De todo modo, evitavam os museus.
Eles acabavam de voltar para a casa de campo naquela noite, e Sydney subiu com as compras para seu quarto e trocou seu vestido de noite por uma calça folgada e um top. Prendeu os cabelos em um rabo de cavalo, preparando-se para arrasar Nigel no bilhar. De fato, ele era muito bom no jogo. Eles estavam mantendo a contagem de vitórias desde que chegaram, e Nigel estava à frente na pontuação por três partidas. Sydney estava mesmo se divertindo na Inglaterra; não imaginava que estava tão mal, até que pudera notar a diferença, estando longe de tudo. Claro que ainda sentia saudades de seu pai e algumas vezes acordava chorando de algum pesadelo, mas podia dizer com certeza que estava muito melhor.
Mas Nigel, ao contrário, parecia estar cada vez pior. Era o perfeito cavalheiro e anfitrião, mas alguma coisa estava muito diferente, Sydney notara desde que haviam chegado. Ela notara que não importa a que horas se levantasse, Nigel já estava de pé. Imaginava se ele estava dormindo adequadamente, descansando do jeito que precisava. Ele parecia muito cansado, com olheiras, como se estivesse sofrendo de insônia.
Quase ao sair do quarto, Sydney notou que estava com a sacola de compras de Nigel também. Ela encaminhou-se para o quarto dele, para lá deixar a sacola. Antes de chegar lá, notou uma porta fechada. Desde que chegara, todas as portas e janelas haviam sido abertas, menos as daquele aposento. Na verdade, Nigel fechara aquele quarto logo na primeira noite deles ali. Logo, Sydney concluíra que aquele era o quarto principal, onde os pais de Nigel dormiam; será que ele não se sentia bem entrando ali?
Conforme Sydney observara, Nigel não entrara naquele quarto nenhuma vez naqueles quatro dias em que eles chegaram a casa, e ela estava preocupada com ele. Será que estava se lembrando da morte dos pais? Será que estava sofrendo por estar ali? Sim, pois ele mesmo dizia que a dor não passava, de fato, mas que a gente se acostumava com ela. Não fora ele mesmo a dizer que sentia saudades dos pais a cada dia? Sydney estivera tão imersa na própria dor que não notara que Nigel esta apenas tentado parecer forte por ela. Ele estava bebendo a cada dia mais; e ela, que nunca o vira tomar mais do que uma taça de vinho notara que ele passava cada vez mais tempo com um copo de whisky nas mãos.
Ela voltou a caminhar em direção ao quarto dele. Ao entrar, depositou a sacola aos pés da cama de Nigel e então olhou para a janela. Por que haveria um cobertor tapando a vista? Ela se aproximou da janela e afastou-o, para enxergar o lado de fora, onde a lua era refletida nas águas do lago. Será que Nigel não gostava da vista que tinha de seu quarto? E por que simplesmente não mudara para outro quarto? Imediatamente, Sydney se lembrou de quão meticuloso era Nigel; ele não se mudaria de quarto, pois aquele era seu quarto habitual desde a infância. Voltando as costas para a janela, ela ainda pensava por que aquele cobertor estaria ali.
"Eu estava em meu quarto lendo."
Sydney arregalou os olhos ao lembrar-se das palavras de Nigel, relatando o dia da morte de seus pais. Ela então olhou para a cama, de onde se tinha uma boa visão da janela. Imaginou-o deitado na cama, perdido em algum livro. Novamente, voltou-se para a janela.
"Mamãe estava rindo."
Como ele saberia que sua mãe estava rindo? Ao olhar com mais atenção para a janela, Sydney notou que tinha sido fechada com pregos. Porque em toda a casa aquela era a única janela pregada, com o propósito de não ser aberta?
"Eu não gostava muito de estar na água. Nunca liguei muito para barcos e coisas do gênero."
Então Nigel fora para a casa de campo com os pais, mas não fora para o passeio de barco, pois não gostava.
"Estava lendo em meu quarto."
Sydney notou que a visão era bem ampla, que se podia ver boa parte doa lago quando estava perto da cama.
"Mamãe estava rindo."
Sydney começou a ficar mais e mais apreensiva conforme ia visualizando a cena. Nigel lendo em sua cama, a janela aberta para ventilar o quarto. Ouvindo o som dos risos da mãe e o barulho do motor do barco, Nigel devia ter se levantado da cama e se posto diante da janela para ver seus pais aproveitando o passeio e então...
"Eles se foram."
O barco explodindo, os pedaços pelo ar e as chamas se propagando.
Ela deu um passo para trás, cobrindo o estômago com suas mãos, sentindo-se nauseada repentinamente. Nigel testemunhara a morte de seus pais! E então pregara a janela e a cobrira com o cobertor, para não ter que ver ou ouvir mais nada.
Rapidamente ela se afastou do quarto. Jamais deveriam ter ido para a Inglaterra. Se tivesse mesmo prestado atenção às palavras de Nigel, teria notado. Talvez ele estivesse tendo pesadelos, dormindo em seu antigo quarto, e tentando se esconder atrás do álcool. "Oh, Nigel!" Ela desceu as escadas correndo até a sala de jogos, sabendo que ele estava esperando por ela, sentando com um copo de whisky nas mãos.
Ele notou a chegada de Sydney, sentado numa pequena mesa. "Oi." Ele saudou. "Pensei que você estivesse perdida." Ofereceu-lhe um copo de vinho.
Ao se aproximar, Sydney suavemente tirou das mãos dele o copo e depositou-o sobre a mesa. "Nigel, nós precisamos conversar."
Nigel olhou-a, confuso. "O que aconteceu, Syd?"
Ela tomou-o pela mão e o guiou até um pequeno sofá, sentando-se ao lado dele. "Nigel, eu quero que você saiba que eu realmente gostei muito que você tenha me convidado a vir aqui, e que esteja me ajudando a passar por tudo isto."
Nigel sorriu e afagou a mão de Sydney. "Tudo bem, Syd, você sabe que é para isso que estou aqui."
Ela sorriu e envolveu-lhe a mãos com as suas duas."Eu sei, e você tem sido maravilhoso, um amigo precioso."
Nigel se encolheu, não gostando do tom de voz dela. "O que há de errado, Syd?"
"Acho que devíamos voltar para a América."
"Por que? Pensei que estivesse gostando daqui. Pensei que quisesse estar aqui, para conhecer os arredores, os lugares onde eu cresci. Desculpe se não é tão glamuroso como muitos dos lugares aos quais você está acostumada..."
"Não! Nigel, não é nada disso!"
"É o que, então?" Nigel elevou a voz, agitado, desvencilhando-se das mãos de Sydney. "O que eu fiz de errado? Você precisa me dizer, Syd. Não poso te ajudar e fazer a coisa certa se você não me disser o que fazer."
"Nigel, calma. Você não fez nada de errado. Eu acho que você não está feliz de estarmos aqui, é iso."
"Isso é ridículo! Eu estou ótimo. Sempre passei os verões aqui, está tudo bem."
Não, você não está. Você não tem dormido bem, e está bebendo bem mais do que o usual. O que você está me escondendo, Nigel?"
Nigel acompanhou o olhar de Sydney que estava no copo e suspirou. "Syd, é apenas uma bebida. Você gosta de uma taça de vinho e eu..."
"É mais do que UMA bebida, Nigel. Você tem tomado várias enquanto estamos jogando e eu acho que já tomou boa parte do que tinha no bar quando chegamos."
Nigel se levantou. "Então, o que há? Não posso relaxar um pouco? O que há de errado nisso, Syd? Eu não vou viajar amanhã, não vou trabalhar... Por que diabos eu não poso tomar uma bebida? Não é como se eu estivesse me tornando um alcoólatra ou algo do gênero!"
"Não, ainda não." Sydney disse num tom grave, e imediatamente se arrependeu. O olhar de Nigel parecia tão ofendido como se ela o tivesse agredido fisicamente.
"Agora você está... eu não acredito!"
Sydney se levantou e tentou consertar o estrago. "Eu não quis dizer que você é um bebum, apenas que... Acho que estar aqui está te incomodando mais do que você deixa transparecer, e que você está buscando tranquilidade no álcool".
"Eu não estou tentando coisa nenhuma!"
"E você está tão nervoso por que?"
"Por que? Porque você me convenceu a vir para cá e agora não está achando tão legal assim e fica me acusando de esconder coisas de você, e de estar bêbado, é por isso!"
"Eu... eu não disse nada disso, Nigel!" Sydney estava ficando frustrada. "Eu apenas acho que você não está bem aqui, e..."
"Eu já disse que estou bem. Nunca estive tão bem como agora! Será que dá para esquecer isso?"
"Se você está bem assim, por que está gritando comigo?"
Nigel se encolheu diante da acusação, como se apenas então ele tivesse notado como estava sendo deselegante. Baixou a cabeça, envergonhado e se sentou numa cadeira próxima. "Syd..." Ele correu as mãos pelos cabelos. "Perdoe-me por gritar, eu não pretendia..."
Sydney sentou-se ao lado dele, sentindo a própria raiva esvair-se. "Eu sei, Nigel. Fale comigo, é só o que eu quero que faça. Diga-me que está bem..." Ela pegou-lhe o queixo e encarou-o, olhos nos olhos. "Quando isto for verdade."
Nigel não conseguia olha-la nos olhos e mentir. Desviou o olhar.
Sydney suspirou e colocou as mãos sobre o colo. "Nigel."
"Syd, nós viemos aqui para você poder superar isso que está acontecendo com você, não discutir os meus problemas. Não quero que você se sobrecarregue com isso."
Sydney encarou-o com amor e exasperação. "Eu sei, Nigel, mas não há nenhuma regra que diga que apenas devemos passar por uma crise de cada vez. Estamos juntos a tempo suficiente para você saber que enfrentamos diversos problemas de uma vez só. Você sempre esteve lá para me ajudar; deixe-me ajudar você também. Somos amigos e podemos dividir a carga e conversar sobre tudo."
Nigel finalmente a encarou. "Eu... não sei como fazer, Syd." Ele admitiu. "Não sou muito bom nisso. Nunca falei sobre isso com ninguém."
"Ninguém?" Sydney perguntou assustada.
Nigel negou com a cabeça. "Não falamos." Ele respondeu. "Acho que é o jeito de ser dos ingleses. Somos ótimos em ficar indignados, em lutar por causas importantes, mas quando se trata das coisas realmente difíceis, das... coisas pessoais, elas nunca são discutidas."
Sydney o encarou com simpatia. Será que, apesar de passados tantos anos ele nunca discutira a morte dos pais com ninguém? Parecia inacreditável. Ela tivera longas conversas com seu pai e avó sobre a morte de sua mãe, tivera suporte, ajuda para entender a perda; o que Nigel tivera?
"Nigel, fale sobre isso. Comigo."
"Como?" Nigel sacudiu a cabeça, exasperado. "Já te disse como eles morreram, o que mais há para dizer?"
"Diga-me por que você nunca entra no quarto deles."
"Nigel se afastou de Sydney novamente. "Por que eu entraria lá, afinal?"
"E por que não?"
Ele apenas suspirou.
"Você entrava lá quando eles estavam vivos?"
Nigel desviou o olhar para o chão. "Eu... sim, às vezes."
"Quando?"
"Quando minha mãe se preparava para sair. Eu a observava se preparar, se aprontar..." Nigel engoliu em seco. Não pensava sobre isso há anos. "A observava com a maquiagem e... algumas vezes a ajudava a pentear os cabelos. Eles eram incrivelmente longos."
Vendo-o falar, Sydney sentiu-se encorajada a prosseguir. "Você os escovava para ela?"
Nigel acenou em concordância, sem olhá-la nos olhos. "Às vezes."
"E o que mais?"
Ele suspirou outra vez. "Ela me ensinou a trançá-lo de formas diferentes, para ocasiões especiais."
"Era comum você ajudá-la a se aprontar?"
"Às vezes."
"E você gostava?"
Finalmente Nigel a encarou, defensivamente. "O que é que você está insinuando? Não fazíamos nada de errado!"
Sydney negou com um meneio de cabeça, assustada pela forma como Nigel a interpretou. "Não! Eu quis dizer... Eu também ajudava minha mãe, e era muito bom, conversávamos sobre muitas coisas; o tipo de conversa de mãe e filha." Ela apoiou a mão no joelho de Nigel. "Estava imaginando se com você e sua mãe era igual."
Depois de uma pausa, Nigel concordou. "Sim, nós conversávamos."
"Sobre o que?"
"Muitas coisas... que estavam acontecendo conosco. Ela sabia que eu detestava o internato, mas meu pai havia insistido, pois ele estudara em um e achava que isso me faria um homem melhor." Nigel balançou a cabeça, sério. "Eu não o entendia, mas muito tempo depois eu pude ver o ponto de vista dele. Era uma questão de sobrevivência, e de conhecer o certo e o errado."
Sydney concordou. "Você ainda se ressente com ele por tê-lo enviado para o internato?"
"Quando eu era criança sim." Disse com certa tristeza na voz. "Mas isso não queria dizer que eu não o amasse, Syd. Nos dávamos bem quando eu estava em casa. Ele era meu pai e eu o respeitava." Seu olhar e dirigiu a um dos quadros na parede oposta. "ÀS vezes eu penso que só conseguíamos nos dar bem por causa de minha mãe. Ela me ajudou a entender meu pai e suas vontades. E ele me ensinou como era importante ser um homem honrado e permanecer fiel a suas convicções, e a agir honestamente, não importa como as pessoas ajam com você." Nigel baixou as pálpebras, piscando para afastar as lágrimas. "E então eles se foram, e eu fiquei sozinho, sem alguém que me ajudasse a entender o que aconteceu. Ninguém para me abraçar e dizer que tudo ia ficar bem, e que eu podia superar a perda das duas pessoas mais importantes da minha vida."
Sydney sentiu os olhos rasos de lágrimas e o abraçou. "Você sabe que agora tem." Ele a ajudara e ela agora faria o mesmo. Ele era a pessoa que mais merecia isso.
Nigel parecia ligeiramente chocado com a oferta e, lentamente a abraçou, ainda inseguro sobre o que ia acontecer a seguir. Há muitos anos ele vinha guardando tudo isso, e nunca tivera alguém em quem confiasse para falar a respeito. E agora que tinha alguém em quem cofiasse, tinha medo de sobrecarregá-la com sua própria dor. Afinal de contas ele era adulto, e já fazia mais de dez anos que perdera seus pais.
"Sydney... e você? Nós viemos aqui para ajudar você..."
Sydney balançou a cabeça e aconchegou-se a ele. "Nós faremos isso um pelo outro, somos parceiros, lembra?"
Nigel fechou os olhos e abraçou mais firmemente, sentindo-se aliviado e maravilhado por poder falar sobre tudo aquilo. "Syd... você... eu... te..."
Ela sorriu e acariciou os cabelos dele. "Eu também, Nigel." Ele chorariam, falariam sobre sua dor, e depois seriam capazes de rir outra vez pois, como Nigel dissera, é para isso que servem os amigos.
Acabou!
A autora me permitiu escrever uma continuação para essa história, e tem grandes chances de ela ser uma romântica de Syd/Nig.
Gostaria que vocês me desse algum feedback, preferencialmente positivo, ok? Mas eu também aceito críticas, se elas forem suaves, claro.
