Capitulo II
Sempre me tratara assim. "É você?", ao telefone. "Pode, Quer, Ah, sim", a tal ponto que por momentos eu chegara idiotamente a pensar que só havia um "Tu" no mundo e que era eu.
Muito Gosto em vê-la. – Disse eu, num dos maus momentos de aversão. – Então foi dar uma volta?
Fui
Está uma noite imunda. – Acrescentei, acusadoramente, e Harry, por seu lado, mas com aparente ansiedade:
Estás toda molhada, Virgínia. Qualquer dia apanhas uma gripe que te matas.
Uma Frase feita, com o seu lastro de popular sabença, pode muitas vezes trazer ao diálogo uma nota súbita de fatalidade; e, todavia, tivéssemos sabido como ele falara verdade, ainda duvido que qualquer de nós tivesse sentido uma ansiedade autentica, ao vê-la assim imiscuir-se abruptamente nos nossos nervos, na nossa desconfiança, no nosso ódio.
Não posso precisar quantos dias passaram. A minha antiga ansiedade voltara, e em tais trevas é tão impossível contar os dias como a um cego notas as variações da claridade. Foi no sétimo ou no vigésimo primeiro dia que me resolvi a actuar? Vagamente recordo, e há três anos que isso foi, ter-lhe vigiado de longe a casa, da beira do lago ou do pórtico da igreja setecentista, aguardando o momento em que a porta se abriria e Virgínia desceria os degraus sólidos, que os bombardeamentos haviam poupado. O momento propício, porém, nunca soou. Tinham acabado os dias de chuva e as noites eram gelidamente belas, mas, como de um barómetro estragado, nem o homenzinho nem a mulher saíram; não tornei mesmo a encontrar Harry ao escurecer atravessando o parque. Talvez sentisse vergonha do que me tinha dito, preconceituoso como era. É sarcasticamente que escrevo este adjectivo, e, todavia, se me analiso, apenas encontro admiração e confiança nos preconceitos, assim à semelhança de quanto as aldeias, vistas da estrada onde os automóveis passam, tão sossegadas parecem as suas pedras cobertas de colmo, e sugerem ideias de paz.
Lembro-me de ter, nesses obscuros dias ou semanas, pensado bastante em Virgínia. Às vezes, acordava com uma sensação dolorosa, outras vezes alegra. Se uma mulher está o dia inteiro no nosso pensamento, não deveríamos sonhar com ela de noite. Eu andava trabalhando num livro que não havia maneira de avançar. Bem escrevia quotidianamente as quinhentas palavras da praxe, mas as personagens não ganhavam vida. Como o descrever depende o do que é superficial na nossa vida! Pode uma pessoa andar entretida a fazer compras, a pensar no imposto do rendimento, ou mesmo com palestras amenas, que a corrente do inconsciente prossegue imperturbável, resolvendo problemas e planeando o avanço: a gente senta-se vazia e desanimada à secretária, e, de súbito, as palavras chegam como se condensadas no ar, situações metidas num beco sem saída desenvolvem-se: o trabalho fora feito, enquanto dormíamos, fazíamos compras ou conversávamos com os amigos. Mas este ódio e esta suspeita, este desejo de destruição eram mais profundos que o livro – neles é que o subconsciente trabalhava, até que, certa manha, ao acordar, eu sabia como se o houvera planeado na véspera, que chegara o dia de ir procurar o tal Sr. Savage.
Que selecta colecção não constituem as profissões destinadas a inspirar confiança! Cada qual confia no seu advogado, no seu médico, no seu confessor; e à lista acrescentava eu agora o detective particular. a ideia de Harry acerca de quão desagradável seria ser observado pelos outros clientes era inteiramente falsa. O escritório tinha duas salas de espera, e fizeram-me entrar sozinho para uma delas. Era muito curiosamente diferente do que seria supor em Vigo Street – tinha algo do ar bafiento dos gabinetes exteriores dos solicitadores, combinado com uma escolha mundana das matérias legíveis, muito afim da dos dentistas – havia vários exemplares do profeta diário a um canto -, e o tipo que me recebera era excessivamente atencioso e bem vestido. Puxou-me uma cadeira para junto do fogo e fechou cuidadosamente a porta. Senti-me como um doente, e creio que era pelo menos o bastante para submeter-me ao famoso tratamento de choque do ciúme.
Em Savage, o que primeiro me chamou a atenção foi a gravata, que, por certo, era privativa de qualquer associação de "antigos alunos"; depois, reparei na sua tão bem barbeada face sob a ligeira camada de pó-de-arroz; e, por fim, a testa, de onde o cabelo, muito claro, fugia, e que, qual farol de compreensão, irradiava simpatia, anseio de servir. Notei que, ao apertar-me a mão, me torceu estranhamente os dedos. Seria alguma mação; tivesse eu correspondido, e provavelmente pagaria um preço especial.
É o Sr. Malfoy ? – Disse ele. – Faça o favor de sentar-se. Julgo que essa é a cadeira mais confortável. – Ajeitou-me uma almofada, e, muito solicito, esperou a meu lado que eu me afundasse com êxito. Em seguida, puxou para o meu lado uma cadeira, como se se preparasse para tomar-me o pulso. – E agora, conte-me tudo à sua maneira. – Não vejo que outra maneira poderia eu usar para ele que não fosse a minha. Senti-me embaraçado e aborrecido: não viera pedir-lhe simpatia, mas pagar-lhe, se não fossem muito caros os seus serviços.
Comecei assim:
Não sei qual é a sua tabela para vigilância; qual é?
O Sr. Savage tocou delicadamente na gravata de riscas.
Não se preocupe com isso, por enquanto. Esta consulta preliminar custa três galeões, mas só se o Sr quiser continuar; de contrário, não custa absolutamente nada. Não acha que não melhor reclamo do que...- e introduziu a frase feita como quem mete um termómetro - ...um cliente satisfeito?
Suponho que noutra situação, a comum, nos teríamos ambos comportado da mesma maneira e usando idênticas palavras.
Trata-se de um caso muito simples.
Esteja à vontade, Sr. Malfoy.
Eu principiava, como todos os doentes dele, a ficar confuso, e expliquei:
Na verdade, não há por onde dizer nada.
Ah, isso é precisamente o que me compete! Diga-me apenas as suas impressões, a atmosfera...Presumo que estamos discutindo sua esposa?
Exactamente...não.
Mas pelo menos passa como tal?
Não engana-se completamente. É a mulher de um amigo meu.
e foi ele quem o mandou cá?
Não.
Mas talvez o senhor e essa senhora sejam...íntimos?
Também não. Só a vi uma vez, desde 1944.
Receio não estar a compreender. O senhor disse-me que era um caso de vigilância.
Só então reparei a que ponto me irritara. E gritei-lhe:
Não se pode amar ou odiar tanto tempo? Não se engane. Sou mais um ciumento como todos os seus outros clientes. Não pretendo ser diferente, mas, no meu caso à um atraso, sabe?
O Sr Savage pousou a mão na minha manga, como se eu fosse uma criança assustada. – Não há nada de inferior no ciúme, Sr Malfoy. Sempre o saúdo como sinal de verdadeiro amor. Ora, quanto a esta senhora que estamos discutindo, tem razões para supor que ela é...intima de alguém?
O marido pensa que ela o engana. Tem encontros. Mente, quando diz onde esteve. Tem...segredos.
Ah, segredos...muito bem.
é claro que pode ser que não haja nada.
A minha longa experiência, Sr Malfoy, ensinou-me que quase invariavelmente...há. – E como se me tivesse acalmado o suficiente para prosseguir com o tratamento, Savage voltou à secretária e preparou-se para escrever. Nome. Morada. Profissão do marido. E de lápis em expectativa, perguntou: - O Sr. Potter está ao corrente desta entrevista?
Não.
O nosso empregado não deve ser visto por ele?
Certamente que não.
Isso complica as coisas.
Talvez mais tarde eu lhe mostre os relatórios, não sei.
Pode dar-me algumas indicações acerca da vida da casa? Têm criada?
Têm
De que idade?
Não faço ideia. Talvez trinta e oito anos.
Não sabe se ela namora?
Não. E também não sei como se chama a avó dela.
O Senhor Savage ofereceu-me um sorriso paciente: por momentos pensei que planeava levantar-se da secretaria e vir, com pancadinhas afáveis, sentar-me outra vez.
Vejo, Sr. Malfoy, que não tem tido qualquer experiência de investigações. Uma criada tem muita importância. Pode dizer-nos muita coisa acerca dos hábitos da dona da casa...se estiver disposta; opõem-se o senhor a que, em caso de extrema necessidade, o meu empregado vá a sua casa? – respondi que não me importava, e logo a seguir tive a sensação de que permitira a entrada de uma doença infecciosa no meu próprio quarto. – Se pudesse evitar-se...
é claro, é claro. Compreendo.
Seria preferível que ele me avisasse...
Sem duvida, mas nem sempre é possível. a sua morada, Sr Malfoy, e o seu número de telefone? E diga-me prefere relatórios semanais, ou prefere receber o inquérito só depois de concluído?
Semanalmente. Pode ser que nunca acabe. E provavelmente não há que descobrir.
Já foi muitas vezes ao médico, sem que este encontrasse alguma coisa? Não sei se sabe, meu caro Sr Malfoy, que o facto de uma pessoa sentir necessidade dos nossos préstimos quase invariavelmente significa que há que relatar.
Creio que tive sorte em dar com este Sr Savage. Fora recomendado como menos desagradável que os outros seus colegas; não obstante, a segurança dele era-me detestável. E, se atentarmos um pouco, não é um comercio digno de detecção de inocentes ( porque os amantes são quase sempre inocentes).
Quando tratamos dos custos, Sr Savage foi surpreendentemente comedido: Três Galeões por dia e despesas pagas, "que sem duvida careceriam de homologação" explicou-me como " o clássico café, não e verdade, e um homem tem de beber qualquer coisa"
Todo aquele negócio se passara o melhor possível: quando me encontrei de novo em Vigo Street quase me convencera de que uma entrevista como aquela, mais tarde ou mais cedo, acontecia na vida de todos os homens.
------------- Fim 2º Capitulo ------------
N/A.: OieOie! td bom? bem aqui fica o 2 capitulo da minha "fabulosa" fic...espero que estejam a gostar...vo demorar um bocadinho a postar o próximo capitulo porque enfim...nem tudo corre como a gente espera e lá vo eu ter de ir à 2ªfase de um dos exames que fiz!Enfim...PortemXe
JoNNeZ
13. Julho. 2006
